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quinta-feira, 17 de março de 2022
COMO TEM SIDO A MINHA EXPERIÊNCIA COM O CANAL NO YOUTUBE
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Rogério Rocha
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quinta-feira, 23 de agosto de 2018
REFLEXÕES FILOSÓFICAS SOBRE A TOLERÂNCIA: UM CONCEITO, SEUS LIMITES E CONTRADIÇÕES
Abaixo segue o link para acesso ao artigo de nossa autoria publicado na Revista da ESMAM (Escola Superior da Magistratura do Estado do Maranhão, intitulado "Reflexões filosóficas sobre a tolerância: um conceito, seus limites e contradições".
Link para o artigo: https://revistaesmam.tjma.jus.br/index.php/esmam/article/view/82
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sábado, 31 de março de 2018
DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO
Olá, pessoal! Tem vídeo novo no canal. Desta vez o tema é jurídico. Vejam!
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Rogério Rocha
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sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
REFLEXÕES FILOSÓFICAS SOBRE A TOLERÂNCIA: UM CONCEITO, SEUS LIMITES E CONTRADIÇÕES
Rogério Henrique Castro Rocha |
Resumo
O artigo ora apresentado tem por objetivo, por meio de uma
reflexão em bases filosóficas, abordar e problematizar a questão da
tolerância, a partir da visão exposta pelo pensamento de John Rawls e de
outros pensadores e jusfilósofos contemporâneos, sobretudo das
contribuições de Thomas Scanlon e Colin Bird, enfatizando sobretudo os
dilemas surgidos em torno do tema e seu caráter paradoxal, indagando-se
ainda pelos seus limites e até onde indivíduos e grupos sociais podem ou
devem tolerar atos de intolerância.
Link para o artigo: https://revistaesmam.tjma.jus.br/index.php/esmam/article/view/82
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Rogério Rocha
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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015
sexta-feira, 20 de junho de 2014
Interpretação Jurídica e Interpretação Leiga das Normas: Qual É Superior e Preferível?
Por André Coelho
Sejam J e L, respectivamente, a interpretação jurídica dominante e a
interpretação leiga dominante de uma norma N: Há boas razões para
aceitar que J será sempre superior e preferível a L? Se há, quais seriam
tais razões?
A pergunta à primeira vista parece ridícula. Se juristas têm conhecimento técnico sobre o direito vigente, dominam a linguagem técnica das normas, transitam melhor pelos conceitos da dogmática jurídica e pelas tradições da jurisprudência e interligam melhor as normas entre si com vista à formação de um sistema, não seriam todas estas razões mais que suficientes para que J fosse sempre superior e preferível a L?
Porém, na verdade, isso depende do que conta como boas razões. As razões acima podem ser resumidas a duas: precisão e unidade. Ambas são razões formais. L poderia ser moral e politicamente superior a J e, mesmo assim, J obteria mais precisão e unidade que L. Ter precisão e unidade é o tipo de coisa que se espera de um conhecimento que se pretende científico. Se tomarmos este curso de exame e dermos preferência ao critério teórico-cognitivo, à busca de cientificidade, então, de fato, J estará sempre à frente de L.
Mas e se tomarmos outro curso de exame – com algo que podemos chamar de ponto de vista da democracia – e perguntarmos, agora, qual das duas interpretações, J ou L, corresponde mais à vontade do cidadão como legislador e às expectativas do cidadão como destinatário? Chamemos a correspondência à vontade dos cidadãos de legitimidade de N e a correspondência às expectativas dos cidadãos de segurança de N. Ora, quanto mais uma interpretação de N tenha legitimidade e segurança, tanto mais democrático é o sistema em que N opera. A exemplo de precisão e unidade, legitimidade e segurança também são razões formais. Porém, se J requer conhecimentos técnicos de que o cidadão comum não dispõe, ao passo que L se baseia precisamente no tipo de crença e avaliação que o cidadão comum é capaz e tendente a fazer, isto não faria L na verdade superior e preferível a J?
A discussão, claro, é mais relevante para casos em que (1) J e L não coincidem; (2) J não pode se ajustar à L sem grande perda de precisão e unidade para o sistema jurídico; e (3) L não pode se ajustar a J sem grande esforço cognitivo para o cidadão comum. Além disso, se aplica especificamente para o contraste entre interpretações da mesma norma, e não para o contraste entre a norma vigente e a norma que a sociedade preferiria que fosse a vigente. Este seria outro debate, sobre limites morais e políticos do direito positivo. Estou propondo, em vez, um debate sobre limites morais e políticos da interpretação jurídico-profissional do direito positivo.
O debate continua interessante mesmo que se dê preferência, no fim das contas, a J. Pois agora, para justificar esta conclusão, as questões se deslocam para: Por que o ponto de vista teórico-cognitivo deveria ter precedência sobre o ponto de vista democrático? Se J diminui tanto a legitimidade quanto a segurança de N, por que tal interpretação deveria ser permitida num Estado democrático? Se uma decisão judicial de primeira instância que deu preferência a L sobre J for em segunda instância reformada, que autoridade democrática pode ser invocada pela segunda instância para reverter uma decisão que apelava para a interpretação mais democrática? É possível formular, do ponto de vista democrático, razões em favor de J em detrimento de L? Se não for, não é J inerentemente antidemocrática? E, se for, que razões haveria num Estado democrático para ainda dar preferência a J?
A pergunta à primeira vista parece ridícula. Se juristas têm conhecimento técnico sobre o direito vigente, dominam a linguagem técnica das normas, transitam melhor pelos conceitos da dogmática jurídica e pelas tradições da jurisprudência e interligam melhor as normas entre si com vista à formação de um sistema, não seriam todas estas razões mais que suficientes para que J fosse sempre superior e preferível a L?
Porém, na verdade, isso depende do que conta como boas razões. As razões acima podem ser resumidas a duas: precisão e unidade. Ambas são razões formais. L poderia ser moral e politicamente superior a J e, mesmo assim, J obteria mais precisão e unidade que L. Ter precisão e unidade é o tipo de coisa que se espera de um conhecimento que se pretende científico. Se tomarmos este curso de exame e dermos preferência ao critério teórico-cognitivo, à busca de cientificidade, então, de fato, J estará sempre à frente de L.
Mas e se tomarmos outro curso de exame – com algo que podemos chamar de ponto de vista da democracia – e perguntarmos, agora, qual das duas interpretações, J ou L, corresponde mais à vontade do cidadão como legislador e às expectativas do cidadão como destinatário? Chamemos a correspondência à vontade dos cidadãos de legitimidade de N e a correspondência às expectativas dos cidadãos de segurança de N. Ora, quanto mais uma interpretação de N tenha legitimidade e segurança, tanto mais democrático é o sistema em que N opera. A exemplo de precisão e unidade, legitimidade e segurança também são razões formais. Porém, se J requer conhecimentos técnicos de que o cidadão comum não dispõe, ao passo que L se baseia precisamente no tipo de crença e avaliação que o cidadão comum é capaz e tendente a fazer, isto não faria L na verdade superior e preferível a J?
A discussão, claro, é mais relevante para casos em que (1) J e L não coincidem; (2) J não pode se ajustar à L sem grande perda de precisão e unidade para o sistema jurídico; e (3) L não pode se ajustar a J sem grande esforço cognitivo para o cidadão comum. Além disso, se aplica especificamente para o contraste entre interpretações da mesma norma, e não para o contraste entre a norma vigente e a norma que a sociedade preferiria que fosse a vigente. Este seria outro debate, sobre limites morais e políticos do direito positivo. Estou propondo, em vez, um debate sobre limites morais e políticos da interpretação jurídico-profissional do direito positivo.
O debate continua interessante mesmo que se dê preferência, no fim das contas, a J. Pois agora, para justificar esta conclusão, as questões se deslocam para: Por que o ponto de vista teórico-cognitivo deveria ter precedência sobre o ponto de vista democrático? Se J diminui tanto a legitimidade quanto a segurança de N, por que tal interpretação deveria ser permitida num Estado democrático? Se uma decisão judicial de primeira instância que deu preferência a L sobre J for em segunda instância reformada, que autoridade democrática pode ser invocada pela segunda instância para reverter uma decisão que apelava para a interpretação mais democrática? É possível formular, do ponto de vista democrático, razões em favor de J em detrimento de L? Se não for, não é J inerentemente antidemocrática? E, se for, que razões haveria num Estado democrático para ainda dar preferência a J?
Fonte: site Filósofo Grego
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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
UFC vs Lesões Corporais
Apendendo direito com humor. Uma forma descontraída e inteligente de se compreender conceitos e institutos jurídicos.
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Rogério Rocha
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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
A VIA DO "PENSAMENTO DO POSSÍVEL" NO DIREITO BRASILEIRO
Por Rogério Henrique Castro Rocha
Vinculado
originalmente às ideias do jusfilósofo alemão Peter Häberle, o chamado “pensamento
jurídico do possível”, ou simplesmente “pensamento do possível” constitui-se
numa nova técnica de hermenêutica que se baseia num pensamento reflexivo que, por
meio de alternativas, objetiva preencher certas lacunas normativas.
Ultimamente,
tal técnica vem sendo incorporada às decisões do Supremo Tribunal Federal,
sobretudo nos julgamentos de casos complexos.
Também
denominado de “pensamento pluralista de alternativas”, esse instrumento
hermenêutico encontra parâmetros na noção de abertura procedimental, instituída no modelo teórico da sociedade aberta de intérpretes da
constituição, formulado por Häberle, e que no Brasil, ao que nos parece, tem
encontrado guarida em dispositivos existentes na lei 9.868/99.
Tendo
por pressuposto o entendimento de que nas democracias o processo de
interpretação constitucional deva ser empreendido com a participação ativa de
todos os concernidos no contexto normativo, ou seja, com os próprios destinatários
da norma, a teoria Häberliana começa a fazer-se refletir nas práticas
decisórias adotadas pelo STF, bem assim a ser instrumentalizada com a aplicação
da lei 9.868/99, sobretudo na medida em que prevê a realização das audiências públicas (agora bastante
concorridas e, felizmente, em franco processo de popularização) e a habilitação
de representantes de setores da sociedade (na figura do “amicus curiae”) para
se manifestarem sobre relevantes temas objeto de ações constitucionais.
Conforme
indica tal vertente, ao defrontar-se com lacunas legislativas, principalmente
lacunas na Constituição, seu(s) intérprete(s) deverão buscar soluções não só na
aplicação dos princípios e regras, mas também, sob uma perspectiva sistêmica,
na técnica do “pensamento do possível”.
Tal
técnica consistiria, resumidamente, em, partindo-se da realidade, ou seja, de
um caso concreto, buscar proceder de forma crítica, refletindo e indagando
sobre as possíveis alternativas existentes (reais, válidas e eficazes) para se
solucionar o problema da lacuna normativo-constitucional, mesmo que para isso
tenha-se que alargar, isto é, elastecer o texto legal.
Exemplo
paradigmático da aplicação do “pensamento jurídico do possível” em nosso
ordenamento foi a ADIN 1.289 – DF, quando, ainda na década de 90, a técnica foi
aplicada pela primeira vez por nossos tribunais.
Naquela
ocasião o STF declarou ser possível aos membros do Ministério Público
candidatarem-se às vagas do quinto constitucional sem preencher o requisito
mínimo de mais de 10 anos de carreira (conforme previsto no art. 94, CF/88).
Como
com a vigência da nova constituição só se iria observar tal preenchimento de requisito
uma década depois (ou seja, somente a partir do ano de 1998), quando então
seria possível a alguns membros do MP tornarem-se aptos a preencher a hipótese
dos mais de 10 anos de carreira, optou-se, sensatamente, ao nosso entender, em
permitir que membros com menos tempo de carreira fossem alçados ao quinto, até
que o próprio decurso temporal tornasse possível efetivar o comando normativo
em toda sua plenitude.
Outro
caso envolvendo a aplicação do “pensamento do possível” ocorreu no julgamento
do RE 147.776-8, que envolvia a questão da defesa e assistência jurídica dos
hipossuficientes pelas Defensorias Públicas Estaduais. À época, a maioria das unidades
da federação não contava com o órgão da Defensoria implantado e em
funcionamento, o que inviabilizava sobremaneira a efetivação do preceito
constitucional.
A
saída então encontrada para tal problema, à luz do citado instrumento
hermenêutico, foi se permitir que os Ministérios Públicos e as Procuradorias Estaduais
atuassem, temporariamente, na defesa dos necessitados, até que o processo de
implantação das Defensorias Públicas se consolidasse no país.
Mais
recentemente, provocado por uma consulta sobre a Resolução 21.920 do Tribunal
Superior Eleitoral, tornando facultativo o voto aos portadores de deficiência
grave, originou-se o Processo Administrativo n.º 18.843, onde o STF concluiu
pela constitucionalidade da aludida resolução.
Reconheceu-se
que o TSE havia na verdade estendido o direito previsto no art. 6º do Código Eleitoral
(que excetuava do alistamento e do voto obrigatório os inválidos e os enfermos)
aos portadores de deficiências ou necessidades especiais, sob o fundamento de
que, com isso, se estaria a preservá-los em suas dignidades, poupando-os de
serem expostos a situações constrangedoras e humilhantes decorrentes da
dificuldade de deslocamento até as seções eleitorais.
Eis,
portanto, mais um magnífico exemplo da aplicação da via do “pensamento do possível”.
Concluindo,
podemos afirmar que tais casos servem para demonstrar que este novo mecanismo
hermenêutico (ou essa nova técnica, como preferem dizer alguns) começa gradualmente
a se sedimentar no entendimento do STF e de outras cortes superiores, com excelentes
resultados, mostrando-se em sintonia com os ditames filosóficos do direito de
nosso tempo. De um novo direito, pautado numa visão mais humana da aplicação
das leis, conduzido por uma perspectiva pluralista, por uma postura
crítico-reflexiva de um neoconstitucionalismo essencialmente democrático,
procedimental e dialógico com que deverão se habituar nossas cortes superiores
(quiçá também os magistrados das demais instâncias) ao decidirem as grandes
questões de nossa sociedade.
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Rogério Rocha
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domingo, 8 de julho de 2012
EUA: Um recorde raro e cruel – Por Jimmy Carter, ex-presidente americano
Revelações de que altos funcionários do governo dos EUA decidem quem será assassinado em países distantes, inclusive cidadãos norte-americanos, são a prova apenas mais recente, e muito perturbadora, de como se ampliou a lista das violações de direitos humanos cometidas pelos EUA. Esse desenvolvimento começou depois dos ataques terroristas de 11/9/2001; e tem sido autorizado, em escala crescente, por atos do executivo e do legislativo norte-americanos, dos dois partidos, sem que se ouça protesto popular. Resultado disso, os EUA já não podem falar, com autoridade moral, sobre esses temas cruciais.
Por mais que os EUA tenham cometido erros no passado, o crescente abuso contra direitos humanos na última década é dramaticamente diferente de tudo que algum dia se viu nos EUA. Sob liderança dos EUA, a Declaração Universal dos Direitos do Homem foi adotada em 1948, como “fundamento da liberdade, justiça e paz no mundo”. Foi compromisso claro e firme, com a ideia de que o poder não mais serviria para acobertar a opressão ou a agressão a seres humanos. Aquele compromisso fixava direitos iguais para todos, à vida, à liberdade, à segurança pessoal, igual proteção legal e liberdade para todos, com o fim da tortura, da detenção arbitrária e do exílio forçado.
Aquela Declaração tem sido invocada por ativistas dos direitos humanos e da comunidade internacional, para trocar, em todo o mundo, ditaduras por governos democráticos, e para promover o império da lei nos assuntos domésticos e globais. É gravemente preocupante que, em vez de fortalecer esses princípios, as políticas de contraterrorismo dos EUA vivam hoje de claramente violar, pelo menos, 10 dos 30 artigos daquela Declaração, inclusive a proibição de qualquer prática de “castigo cruel, desumano ou tratamento degradante.”
Legislação recente legalizou o direito do presidente dos EUA, para manter pessoas sob detenção sem fim, no caso de haver suspeita de ligação com organizações terroristas ou “forças associadas” fora do território dos EUA – um poder mal delimitado que pode facilmente ser usado para finalidades autoritárias, sem qualquer possibilidade de fiscalização pelas cortes de justiça ou pelo Congresso (a aplicação da lei está hoje bloqueada, suspensa por sentença de um(a) juiz(a) federal). Essa lei agride o direito à livre manifestação e o direito à presunção de inocência, sempre que não houver crime e criminoso determinados por sentença judicial – mais dois direitos protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, aí pisoteados pelos EUA.
Cenas de abusos em Guantánamo em Cuba
Além de cidadãos dos EUA assassinados em terra estrangeira ou tornados alvos de detenção sem prazo e sem acusação clara, leis mais recentes suspenderam as restrições da Foreign Intelligence Surveillance Act, de 1978, para admitir violação sem precedentes de direitos de privacidade, legalizando a prática de gravações clandestinas e de invasão das comunicações eletrônicas dos cidadãos, sem mandato. Outras leis autorizam a prender indivíduos pela aparência, modo de trajar, locais de culto e grupos de convivência social.
Além da regra arbitrária e criminosa, segundo a qual qualquer pessoa assassinada por aviões-robôs comandados à distância (drones) por pilotos do exército dos EUA é automaticamente declarada inimigo terrorista, os EUA já consideram normais e inevitáveis também as mortes que ocorram ‘em torno’ do ‘alvo’, mulheres e crianças inocentes, em muitos casos. Depois de mais de 30 ataques aéreos contra residências de civis, esse ano, no Afeganistão, o presidente Hamid Karzai exigiu o fim desse tipo de ataque. Mas os ataques prosseguem em áreas do Paquistão, da Somália e do Iêmen, que sequer são zonas oficiais de guerra. Os EUA nem sabem dizer quantas centenas de civis inocentes foram assassinados nesses ataques – todos eles aprovados e autorizados pelas mais altas autoridades do governo federal em Washington. Todos esses crimes seriam impensáveis há apenas alguns anos.
Essas políticas têm efeito evidente e grave sobre a política exterior dos EUA. Altos funcionários da inteligência e oficiais militares, além de defensores dos direitos das vítimas nas áreas alvos, afirmam que a violenta escalada no uso dos drones como armas de guerra está empurrando famílias inteiras na direção das organizações terroristas; enfurece a população civil contra os EUA e os norte-americanos; e autoriza governos antidemocráticos, em todo o mundo, a usar os EUA como exemplo de nação violenta e agressora.
Simultaneamente, vivem hoje 169 prisioneiros na prisão norte-americana de Guantánamo, em Cuba. Metade desses prisioneiros já foram considerados livres de qualquer suspeita e poderiam deixar a prisão. Mas nada autoriza a esperar que consigam sair vivos de lá. Autoridades do governo dos EUA revelaram que, para arrancar confissões de suspeitos, vários prisioneiros foram torturados por torturadores a serviço do governo dos EUA, submetidos a simulação de afogamento mais de 100 vezes; ou intimidados sob a mira de armas semiautomáticas, furadeiras elétricas e ameaças (quando não muito mais do que apenas ameaças) de violação sexual de esposas, mães e filhas. Espantosamente, nenhuma dessas violências podem ser usadas pela defesa dos acusados, porque o governo dos EUA alega que são práticas autorizadas por alguma espécie de ‘lei secreta’ indispensável para preservar alguma “segurança nacional”.
Muitos desses prisioneiros – mantidos em Guantánamo como, noutros tempos, outros inocentes também foram mantidos em campos de concentração de prisioneiros na Europa – não têm qualquer esperança de algum dia receberem julgamento justo nem, sequer, de virem a saber de que crimes são acusados.
Em tempos nos quais o mundo é varrido por revoluções e levantes populares, os EUA deveriam estar lutando para fortalecer, não para enfraquecer cada dia mais, os direitos que a lei existe para garantir a homens e mulheres e todos os princípios da justiça listados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Em vez de garantir um mundo mais seguro, a repetida violação de direitos humanos, pelo governo dos EUA e seus agentes em todo o mundo, só faz afastar dos EUA seus aliados tradicionais; e une, contra os EUA, inimigos históricos.
Como cidadãos norte-americanos preocupados, temos de convencer Washington a mudar de curso, para recuperar a liderança moral que nos orgulhamos de ter, no campo dos direitos humanos. Os EUA não foram o que foram por terem ajudado a apagar as leis que preservam direitos humanos essenciais. Fomos o que fomos, porque, então, andávamos na direção exatamente oposta à que hoje trilhamos.
Tradução: Vila Vudu
Artigo de Jimmy Carter, Prêmio Nobel, 39º presidente dos EUA
Fonte: navalbrasil.com
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quinta-feira, 7 de junho de 2012
AS RELAÇÕES COM A ESPANHA E A NOSSA FACE NO MUNDO
(JB)- A opinião nacional aprovou a decisão da presidente Dilma Roussef de mencionar, em seu discurso no Itamaraty, na saudação ao Rei Juan Carlos, as dificuldades dos brasileiros que chegam à Espanha, ou por ela transitam. O monarca não tinha como responder, se não como o fez, dizendo que os brasileiros são bem vistos naquele país. É provável que assim não pense exatamente o Rei, mas ele se encontra “en mission”.
Os paises soberanos têm todo o direito de negar a entrada de um ou outro estrangeiro em seu território, sem dar explicações, mas nenhum país do mundo, no exercício desse direito, deve permitir que seus agentes de fronteira tratem mal os recusados. Os documentos de viagem, ao identificá-los como cidadãos desse ou daquele país, recomendam que os seus direitos humanos sejam respeitados. Se se encontram na fronteira terrestre ou em algum porto, não há problemas maiores: basta que não transponham as barreiras imigratórias. Mas quando se encontram em aeroportos, como o de Barajas, em Madri, cabe às autoridades que lhes negarem a entrada deles cuidar com respeito, de forma a que possam esperar as providências de retorno com um mínimo de conforto.
Em respeito aos estados de que são cidadãos, devem ser alimentados regularmente e, se for o caso, receber assistência médica completa. Não é o que vem ocorrendo em Madri, e, com menor freqüência, em Lisboa. Nossos compatriotas, em escolha aleatória pelos policiais, costumam ser repelidos como apátridas. Mais do que isso: como se não fossem seres humanos. Em alguns casos, diante do protesto natural dos atingidos, houve agressão física e moral. O relato de alguns dos brasileiros detidos em Madri é brutal. Para esses policiais, até prova em contrário, toda jovem brasileira que chegava aos aeroportos ibéricos era prostituta; todo rapaz, travesti ou traficante de drogas; todas as pessoas mais velhas, mendicantes dos serviços sociais europeus. Ainda em abril, 15 brasileiros foram deportados em um só dia, embora tivessem documentação em ordem.
Nunca foi da índole dos brasileiros receber mal os que aqui chegam. Somos país de imigrantes que aqui fizeram a sua pátria. Sendo assim, enquanto éramos ofendidos e humilhados no exterior, mantínhamos o mesmo respeito para com todos os que aqui chegavam. É certo que, embora raramente, alguns não eram admitidos, fosse por que não viessem munidos de vistos exigidos pelo princípio de reciprocidade, fosse por falta de outros papéis necessários. Mas não consta que fossem humilhados com palavrões, e tivessem seus pertences apreendidos, como ocorria – e ainda ocorre - em Madri, em Lisboa e no Porto.
As autoridades espanholas começam a anunciar procedimentos menos duros. Mas, para que isso ocorresse, foi necessário que exigíssemos dos espanhóis o cumprimento de regras semelhantes às requeridas aos brasileiros em suas fronteiras. Imediatamente os espanhóis buscaram entendimentos conosco. Seria melhor que assim não fosse; que não fôssemos obrigados a contrariar a nossa forma de ser, e passar a ter atitude rigorosa na exigência de reciprocidade, para que os espanhóis descessem de sua arrogância e se dispusessem a negociar.
Por mais queiram os globalizadores, que sonham com governos mundiais e o livre trânsito de mercadorias, mas não o de pessoas, as nações ainda vivem. E o cimento das nações é a solidariedade interna de seus povos. Quando atingem a face de um brasileiro no exterior, é a nação inteira que se sente esbofeteada. Sem atuar com a mesma grosseria com que nos tratam, temos o dever de defender o nosso brio, sempre e quando ele for atingido.
Fonte: maurosantayana.com
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sábado, 19 de maio de 2012
O justo direito na saúde
Léo Pessini
Professor doutor em Bioética e sacerdote camiliano
A equidade e a justiça estão estreitamente vinculadas. A justiça estabelece os padrões para a distribuição dos bens, e a equidade é um dos padrões. A justiça distributiva se refere à alocação de bens e serviços limitados. A distribuição dos bens e serviços para todos na mesma base é um dos significados tanto para a justiça quanto para a equidade. Idealmente, a justiça se esforçaria para tornar, na realidade concreta de suas vidas, todos os seres humanos os mais iguais quanto fosse possível. É John Rawls, um filósofo norte-americano, em sua magistral obra Uma Teoria da Justiça, publicada no início da década de 70 do século passado, que trabalha o conceito de justiça como equidade (justice as fairness), aplicada à distribuição dos bens sociais. Para este autor, a justiça "consiste em realizar uma sociedade como sistema equitativo entre cidadãos livres e iguais". As perguntas centrais da ética são essas: O que é uma sociedade justa? Como construí-la? A justiça é a virtude da cidadania?
A igualdade é a consequência buscada pela equidade, e não mais o ponto de partida ideológico que tendenciosamente buscava anular as diferenças. Reconhecendo as diferenças e as necessidades diversas dos sujeitos sociais, podemos alcançar a igualdade. Esta é o ponto de chegada da justiça social, referencial dos direitos humanos abrindo caminho para o reconhecimento da cidadania. A equidade deve ser o referencial ético fundamental a guiar o processo decisório de priorização frente à alocação de recursos escassos. Associando a equidade com os valores éticos da responsabilidade (individual e pública) e da justiça, garante-se o valor do direito à saúde. A equidade, ao reconhecer as diferentes necessidades, de sujeitos também diferentes, atinge direitos iguais e é o caminho ético para garantir na realidade os direitos humanos universais, entre eles o direito à vida, concretizado na possibilidade de acesso aos cuidados necessários de saúde.
Justiça e igualdade - Em outras palavras, poderíamos dizer que a igualdade não pode nem deve ser o ponto de partida, mas sim o objetivo de chegada, pois a realidade é desigual e iníqua. Os desiguais devem ser tratados desigualmente, caso contrário, estaríamos aumentando a desigualdade. Fazer acontecer a justiça na desigualdade é o que entendemos por equidade.
Qual a possibilidade de um sistema de saúde fornecer bens e serviços básicos para todos? A resposta para esta pergunta depende de como os bens e serviços básicos são identificados, mensurados e o entendimento das pessoas que operam esse instrumento. Cada sociedade organiza, financia e fornece serviços de saúde de maneira diferente. As organizações de saúde tentam fornecer esse benefício dentro dos limites dos recursos disponíveis e perspectivas políticas predominantes. Comparar um sistema de saúde com outro é difícil, pois a própria definição de cuidados de saúde pode diferir consideravelmente de uma cultura para outra. O julgamento de equidade e iniquidade não pode ser separado de todas as metáforas de bens e crenças socioculturais reinantes nesta área. Dadas as diferentes crenças, a variedade de sistemas de saúde, a diversidade de valores culturais, sistemas econômicos e níveis de cuidados, a equidade se torna um valor difícil de ser mensurado e mais ainda de ser implantado. Mas nem por isso deixa de ser importante e deve ser valorizada no processo de superação das iniquidades e injustiças.
Fonte: Revista Família Cristã - Ano 78 - Mar/2012 - n.º 915
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terça-feira, 17 de abril de 2012
O direito da mulher de não ser um útero à disposição da sociedade
Na última quinta-feira (12/4), o Supremo Tribunal Federal fez mais do que permitir a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos. A corte deu o primeiro passo no sentido de reconhecer que as mulheres são donas de seus direitos reprodutivos. Nas palavras do advogado Luís Roberto Barroso , que representou a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde, autora da ação, " o direito de não ser um útero à disposição da sociedade, mas de ser uma pessoa plena, com liberdade de ser, pensar e escolher".
A plenitude dos direitos reprodutivos da mulher perpassou os votos de diversos ministros, no mesmo sentido dos argumentos de Barroso. Em seus 15 minutos de sustentação oral na tribuna do Supremo, o advogado fundou seus argumentos em quatro pontos: 1 - Interrupção de gravidez de feto anencéfalo não é aborto; 2 - Se considerada aborto, a hipótese é colhida pelas exceções que permitem o aborto no Código Penal; 3 - O princípio da dignidade da pessoa humana impede a incidência do Código Penal no caso e; 4 - Viola os direitos fundamentais reprodutivos da mulher obrigá-la a manter a gestação de um feto que não é viável fora do útero.
Os fundamentos guiaram a decisão , tomada por oito votos a dois, de considerar que a interrupção da gestação em casos de anencefalia do feto não é crime. Da tribuna, Barroso tingiu de cores fortes, principalmente, o fundamento da dignidade da mulher.
"Viola a dignidade da pessoa humana o Estado obrigar uma mulher a passar por todas as transformações físicas e psicológicas pelas quais passa uma gestante, só que nesse caso ela estará se preparando para o filho que não vai chegar. O parto para ela não será uma celebração da vida, mas um ritual de morte. Essa mulher não sairá da maternidade com um berço, mas com um pequeno caixão. E terá de tomar remédios para secar o leite que produziu para ninguém", afirmou.
De acordo com o advogado, levar ou não a gestação adiante tem de ser uma escolha da mulher: "Esta é a sua tragédia pessoal, a sua dor. Cada pessoa, nessa vida, deve poder decidir como lidar com o próprio sofrimento. O Estado não tem o direito de querer tomar essa decisão pela mulher. Viola a dignidade da pessoa humana submetê-la a um sofrimento inútil e indesejado".
Confira a transcrição da sustentação oral de Barroso:
Excelentíssimo senhor presidente, senhoras ministras, senhores ministros, senhor procurador-geral da República:
Introdução
Ao iniciar esta sustentação, meu primeiro pensamento vai para as mulheres, para a condição feminina, que atravessou muitas gerações em busca de igualdade e de proteção dos seus direitos fundamentais. O direito de não ser propriedade do marido, de educar-se, de votar e ser votada, de ingressar no mercado de trabalho. O direito à liberdade sexual, conquistada derrotando todos os preconceitos. E agora, perante esse tribunal, um capítulo decisivo dos seus direitos reprodutivos. O direito de não ser um útero à disposição da sociedade, mas de ser uma pessoa plena, com liberdade de ser, pensar e escolher. Senhores ministros: desde a noite dos tempos, muitos séculos de opressão feminina nos contemplam nessa manhã.
Meu segundo pensamento vai para as pessoas que por convicção religiosa ou filosófica não concordam com as ideias e teses que vou aqui defender. Toda crença sincera e não violenta merece respeito e consideração. Não passa pela minha cabeça mudar a convicção de ninguém. A verdade não tem dono. O pluralismo e a tolerância fazem parte da beleza da vida, da vida boa, da vida ética, da vida que inclui o outro. Aqui se trava um debate entre valores e ideias. Cada um em busca do argumento que possa conquistar maior adesão social. A única coisa ruim em um debate de valores e de ideias é um dos lados poder utilizar, em seu favor, o poder coercitivo do Estado. É um dos lados poder criminalizar o ponto de vista diferente. Essa seria uma visão autoritária e intolerante da vida.
O papel do Estado e do Poder Judiciário, nas questões que envolvem desacordos morais razoáveis, não é o de escolher um lado, mas o de permitir que cada um viva a sua crença, a sua autonomia, o seu ideal de vida boa.
Fundamentos da ação
A anencefalia é uma má formação congênita que gera como consequência um feto sem cérebro. O diagnóstico dessa anomalia é feito a partir da décima semana de gestação. Como foi comprovado em audiência pública realizada aqui no Supremo Tribunal Federal, o diagnóstico de anencefalia é 100% seguro e ela é letal em 100% dos casos. Esse feto não terá vida extra-uterina.
O pedido nesta ação é que o STF reconheça o direito de a mulher interromper a gestação neste caso, se esta for a sua vontade, independentemente de autorização judicial. Pede-se a interpretação conforme a Constituição dos artigos do Código Penal que criminalizam o aborto para se declarar que eles não incidem nessa hipótese. Diversos fundamentos sustentam essa pretensão.
Primeiro fundamento: A hipótese não é de aborto e o fato é atípico
A interrupção da gestação de um feto anencefálico não é aborto. É um fato atípico, que não recai na esfera de aplicação do Código Penal. Isso porque o aborto, tal como regido pelo Código, pressupõe a potencialidade de vida extra-uterina do feto. E o feto anencefálico não viverá fora do útero materno, ele não tem essa potencialidade de vida.
No Direito brasileiro não existe uma definição para o momento do início da vida. Mas existe uma definição para o momento em que ocorre a morte: é quando o cérebro para de funcionar. Está na Lei de Transplante de Órgãos. Morte é a morte encefálica, a morte cerebral.
Pois bem: o feto anencefálico não chega sequer a ter início de vida cerebral. Não há sensibilidade, dor ou qualquer rudimento de consciência. Mesmo quem tenha uma posição de absoluta inaceitação do aborto pode apoiar a interrupção da gestação nessa hipótese, porque ela não caracteriza aborto.
Segundo fundamento: Interpretação evolutiva do Código Penal
Ainda que se admita que a hipótese seja de aborto, está-se aqui diante de uma exceção abrigada no sentido e alcance do Código Penal, de modo implícito, mas inequívoco.
O artigo 128 do Código Penal, como se sabe, prevê expressamente duas situações nas quais não se pune o aborto: a) quando necessário para salvar a vida da gestante; e b) se a gravidez resulta de estupro. Em ambas as hipóteses, o feto tem potencialidade de vida, mas admite-se o aborto. No primeiro caso, ponderando-se a vida do feto com a vida da mãe. No segundo, ponderando-se a vida do feto com a violência física e moral sofrida pela gestante.
No caso da anencefalia, não há vida potencial do feto fora do útero materno. Logo, a interrupção da gestação nessa hipótese é menos gravosa do que nas exceções previstas no Código Penal. Esta possibilidade só não constou expressamente do Código Penal porque ao tempo de sua elaboração, em 1940, não havia meios técnicos para o diagnóstico.
Terceiro fundamento: Dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade humana paralisa o Código Penal. Ainda que se admita, mais uma vez, para fins de argumentação, que a interrupção da gestação neste cenário seja uma hipótese de aborto, a incidência das normas do Código Penal que criminalizam tal conduta fica paralisada nesse caso, por força da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Uma das expressões da dignidade humana é o direito à integridade física e psicológica.
Pois bem: viola a dignidade da pessoa humana o Estado obrigar uma mulher a passar por todas as transformações físicas e psicológicas pelas quais passa uma gestante, só que nesse caso ela estará se preparando para o filho que não vai chegar. O parto para ela não será uma celebração da vida, mas um ritual de morte. Essa mulher não sairá da maternidade com um berço, mas com um pequeno caixão. E terá de tomar remédios para secar o leite que produziu para ninguém.
Levar ou não esta gestação a termo tem de ser uma escolha da mulher! Esta é a sua tragédia pessoal, a sua dor. Cada pessoa, nessa vida, deve poder decidir como lidar com o próprio sofrimento. O Estado não tem o direito de querer tomar essa decisão pela mulher. Viola a dignidade da pessoa humana submetê-la a um sofrimento inútil e indesejado.
Quarto fundamento: Viola um conjunto de direitos fundamentais da mulher obrigá-la a manter uma gestação quando ou enquanto o feto não seja viável fora do útero
A criminalização da interrupção da gestação quando o feto não é viável fora do útero viola um conjunto de direitos fundamentais da mulher, assegurados na Constituição, viola os seus direitos reprodutivos. Essa é a posição adotada por todos os países democráticos e desenvolvidos do mundo, que descriminalizaram não apenas a interrupção em caso de anencefalia, mas em qualquer caso, até a décima segunda semana de gestação. Entre eles: Canadá, Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Holanda, Japão, Rússia, Espanha, Portugal, Dinamarca, Suécia. Praticamente todos os países da Europa. A criminalização antes do ponto da viabilidade fetal, hoje, é um fenômeno do mundo subdesenvolvido (África, países árabes, América Latina). Estamos atrasados. E com pressa.
Para deixar bem claro: ninguém é a favor do aborto! O aborto é sempre um momento traumático na vida de uma mulher. O papel do Estado é prevenir que ele ocorra. No caso da anencefalia, proporcionando uma dieta rica em ácido fólico. Nas situações gerais, pela educação sexual, pela colocação de meios contraceptivos à disposição das pessoas em idade fértil ou amparando as mulheres que desejam ter seus filhos e enfrentam condições adversas. O aborto não é uma coisa boa, embora possa ser necessária ou inevitável. A sua criminalização, em certos casos, viola direitos fundamentais das mulheres. E o caso posto perante este tribunal é um deles.
Obrigar a mulher a manter a gestação que ela não deseja, quando o feto não tem viabilidade fora do útero viola a sua autonomia da vontade, a sua liberdade existencial. Alguém poderia insistir no argumento da potencialidade de vida do feto, independentemente da sobrevida que ele venha a ter. Mas a verdade é que se o feto não tem viabilidade sem o corpo da mãe, e se a mãe não deseja tê-lo, obrigá-la a levar a gestação a termo significa funcionalizá-la, instrumentalizá-la a um projeto de vida que não é o seu. Ela estará sendo tratada como um meio e não como um fim em si, em violação à sua dignidade.
Em segundo lugar, há violação do direito à igualdade. Só as mulheres engravidam. Se os homens engravidassem, a interrupção da gestação — não apenas do feto anencefálico, mas qualquer gestação — já teria sido descriminalizada há muito tempo, como observou, com a sensibilidade costumeira, o ministro Carlos Ayres. Obrigar uma mulher a manter a gestação que não deseja, não sendo o feto viável fora do útero, é discriminá-la em relação aos homens, que não estão sujeitos a essa obrigação. Ou a escolha é da mulher ou não haverá igualdade.
Tudo sem mencionar o dramático problema de saúde pública e a imensa discriminação contra as mulheres pobres. A criminalização é seletiva e o corte é de classe. De acordo com o Ministério da Saúde, dia sim, dia não uma mulher morre de aborto clandestino no país. Todas pobres.
Quem é a favor da vida deve ser contra a criminalização. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, a criminalização não diminui o número de abortos. Apenas impede que ele seja feito de modo seguro e aumenta o número de mortes de gestantes. Em países como o Brasil, quem é a favor da vida tem que ser contra a criminalização.
Conclusão
Aí estão, à disposição do Tribunal, quatro fundamentos para acolher o pedido. Do mais minimalista ao mais abrangente: não é aborto; a hipótese é colhida pelas exceções do Código Penal; o princípio da dignidade da pessoa humana impede a incidência do Código Penal; viola os direitos fundamentais reprodutivos da mulher obrigá-la a manter a gestação de um feto que não seja viável fora do útero.
Nessa matéria, o processo legislativo, o processo político majoritário, não consegue produzir uma solução. E quando a história emperra, é preciso uma vanguarda iluminista que a faça andar. É este o papel reservado ao Supremo no julgamento de hoje. Qualquer dos fundamentos conduz à procedência do pedido. Mas se este tribunal reconhecer a plenitude dos direitos reprodutivos da mulher, este será um dia para jamais esquecer. O marco zero de uma nova era para a condição feminina no Brasil.
Fonte: Notícias R7
Postado por
Rogério Rocha
às
16:32
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