Por André Coelho
Sejam J e L, respectivamente, a interpretação jurídica dominante e a
interpretação leiga dominante de uma norma N: Há boas razões para
aceitar que J será sempre superior e preferível a L? Se há, quais seriam
tais razões?
A pergunta à primeira vista parece ridícula. Se juristas têm conhecimento técnico sobre o direito vigente, dominam a linguagem técnica das normas, transitam melhor pelos conceitos da dogmática jurídica e pelas tradições da jurisprudência e interligam melhor as normas entre si com vista à formação de um sistema, não seriam todas estas razões mais que suficientes para que J fosse sempre superior e preferível a L?
Porém, na verdade, isso depende do que conta como boas razões. As razões acima podem ser resumidas a duas: precisão e unidade. Ambas são razões formais. L poderia ser moral e politicamente superior a J e, mesmo assim, J obteria mais precisão e unidade que L. Ter precisão e unidade é o tipo de coisa que se espera de um conhecimento que se pretende científico. Se tomarmos este curso de exame e dermos preferência ao critério teórico-cognitivo, à busca de cientificidade, então, de fato, J estará sempre à frente de L.
Mas e se tomarmos outro curso de exame – com algo que podemos chamar de ponto de vista da democracia – e perguntarmos, agora, qual das duas interpretações, J ou L, corresponde mais à vontade do cidadão como legislador e às expectativas do cidadão como destinatário? Chamemos a correspondência à vontade dos cidadãos de legitimidade de N e a correspondência às expectativas dos cidadãos de segurança de N. Ora, quanto mais uma interpretação de N tenha legitimidade e segurança, tanto mais democrático é o sistema em que N opera. A exemplo de precisão e unidade, legitimidade e segurança também são razões formais. Porém, se J requer conhecimentos técnicos de que o cidadão comum não dispõe, ao passo que L se baseia precisamente no tipo de crença e avaliação que o cidadão comum é capaz e tendente a fazer, isto não faria L na verdade superior e preferível a J?
A discussão, claro, é mais relevante para casos em que (1) J e L não coincidem; (2) J não pode se ajustar à L sem grande perda de precisão e unidade para o sistema jurídico; e (3) L não pode se ajustar a J sem grande esforço cognitivo para o cidadão comum. Além disso, se aplica especificamente para o contraste entre interpretações da mesma norma, e não para o contraste entre a norma vigente e a norma que a sociedade preferiria que fosse a vigente. Este seria outro debate, sobre limites morais e políticos do direito positivo. Estou propondo, em vez, um debate sobre limites morais e políticos da interpretação jurídico-profissional do direito positivo.
O debate continua interessante mesmo que se dê preferência, no fim das contas, a J. Pois agora, para justificar esta conclusão, as questões se deslocam para: Por que o ponto de vista teórico-cognitivo deveria ter precedência sobre o ponto de vista democrático? Se J diminui tanto a legitimidade quanto a segurança de N, por que tal interpretação deveria ser permitida num Estado democrático? Se uma decisão judicial de primeira instância que deu preferência a L sobre J for em segunda instância reformada, que autoridade democrática pode ser invocada pela segunda instância para reverter uma decisão que apelava para a interpretação mais democrática? É possível formular, do ponto de vista democrático, razões em favor de J em detrimento de L? Se não for, não é J inerentemente antidemocrática? E, se for, que razões haveria num Estado democrático para ainda dar preferência a J?
A pergunta à primeira vista parece ridícula. Se juristas têm conhecimento técnico sobre o direito vigente, dominam a linguagem técnica das normas, transitam melhor pelos conceitos da dogmática jurídica e pelas tradições da jurisprudência e interligam melhor as normas entre si com vista à formação de um sistema, não seriam todas estas razões mais que suficientes para que J fosse sempre superior e preferível a L?
Porém, na verdade, isso depende do que conta como boas razões. As razões acima podem ser resumidas a duas: precisão e unidade. Ambas são razões formais. L poderia ser moral e politicamente superior a J e, mesmo assim, J obteria mais precisão e unidade que L. Ter precisão e unidade é o tipo de coisa que se espera de um conhecimento que se pretende científico. Se tomarmos este curso de exame e dermos preferência ao critério teórico-cognitivo, à busca de cientificidade, então, de fato, J estará sempre à frente de L.
Mas e se tomarmos outro curso de exame – com algo que podemos chamar de ponto de vista da democracia – e perguntarmos, agora, qual das duas interpretações, J ou L, corresponde mais à vontade do cidadão como legislador e às expectativas do cidadão como destinatário? Chamemos a correspondência à vontade dos cidadãos de legitimidade de N e a correspondência às expectativas dos cidadãos de segurança de N. Ora, quanto mais uma interpretação de N tenha legitimidade e segurança, tanto mais democrático é o sistema em que N opera. A exemplo de precisão e unidade, legitimidade e segurança também são razões formais. Porém, se J requer conhecimentos técnicos de que o cidadão comum não dispõe, ao passo que L se baseia precisamente no tipo de crença e avaliação que o cidadão comum é capaz e tendente a fazer, isto não faria L na verdade superior e preferível a J?
A discussão, claro, é mais relevante para casos em que (1) J e L não coincidem; (2) J não pode se ajustar à L sem grande perda de precisão e unidade para o sistema jurídico; e (3) L não pode se ajustar a J sem grande esforço cognitivo para o cidadão comum. Além disso, se aplica especificamente para o contraste entre interpretações da mesma norma, e não para o contraste entre a norma vigente e a norma que a sociedade preferiria que fosse a vigente. Este seria outro debate, sobre limites morais e políticos do direito positivo. Estou propondo, em vez, um debate sobre limites morais e políticos da interpretação jurídico-profissional do direito positivo.
O debate continua interessante mesmo que se dê preferência, no fim das contas, a J. Pois agora, para justificar esta conclusão, as questões se deslocam para: Por que o ponto de vista teórico-cognitivo deveria ter precedência sobre o ponto de vista democrático? Se J diminui tanto a legitimidade quanto a segurança de N, por que tal interpretação deveria ser permitida num Estado democrático? Se uma decisão judicial de primeira instância que deu preferência a L sobre J for em segunda instância reformada, que autoridade democrática pode ser invocada pela segunda instância para reverter uma decisão que apelava para a interpretação mais democrática? É possível formular, do ponto de vista democrático, razões em favor de J em detrimento de L? Se não for, não é J inerentemente antidemocrática? E, se for, que razões haveria num Estado democrático para ainda dar preferência a J?
Fonte: site Filósofo Grego
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