Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 1
Em face da renúncia do réu ao cargo de deputado federal, o Plenário, por
maioria, assentou o declínio da competência do STF para prosseguir com o
trâmite de ação penal na qual se imputa a suposta prática dos crimes de
peculato e de lavagem de dinheiro, em concurso material e de pessoas.
Por conseguinte, determinou a remessa do feito ao juízo de primeiro
grau. Tratava-se de questão de ordem em que se discutia o eventual
deslocamento da competência para o primeiro grau de jurisdição como
consequência automática do ato de renúncia ao mandato. Na espécie, após o
oferecimento de alegações finais pelo Procurador-Geral da República, o
réu comunicara a esta Corte a renúncia ao cargo de deputado federal.
Dias depois, a defesa apresentara suas razões finais. Inicialmente, o
Colegiado destacou que a vigente Constituição estabelece extenso rol de
autoridades com prerrogativa de foro, o que geraria disfuncionalidades
no sistema. Assinalou, no ponto, a necessidade de se promover um diálogo
institucional com o Poder Legislativo. Em seguida, distinguiu a
situação dos autos do precedente firmado na AP 396/RO (DJe de
4.10.2013), ocasião na qual o Tribunal mantivera a sua competência para o
exame da ação penal, não obstante a renúncia do réu, porquanto
considerara ter havido abuso de direito e fraude processual na aludia
renúncia, ocorrida após a inclusão do processo em pauta, na véspera do
julgamento e com iminente risco de prescrição da pretensão punitiva.
Consignou que, no presente caso, o processo já estaria instruído e
pronto para ser julgado. Ademais, afastou eventual perigo de prescrição
da pena em abstrato. Assim, adotou entendimento no sentido de que a
perda do mandato, por qualquer razão, importaria em declínio da
competência do STF. Vencido o Ministro Joaquim Barbosa, Presidente.
Asseverava que o exercício da prerrogativa de renúncia do parlamentar
nesse momento processual tivera a finalidade de obstar o exercício da
competência da Corte e a própria prestação jurisdicional.
AP 536 QO/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 27.3.2014. (AP-536)
Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 2
O Ministro Roberto Barroso, relator, após fazer um retrospecto da
jurisprudência da Corte quanto aos efeitos da renúncia ao mandato de
parlamentar, propôs que o Tribunal definisse um critério geral na
matéria. Reputou indispensável a fixação de marco temporal a partir do
qual a renúncia não mais deveria produzir o efeito de deslocar a
competência do STF para outro órgão. Mencionou que, na construção desse
critério, existiriam três balizas a serem consideradas: a) o princípio
do juiz natural; b) o caráter indisponível da competência jurisdicional
do STF; e c) a natureza unilateral da renúncia ao mandato parlamentar.
Tendo em conta esses parâmetros, assim como o fato de o processo penal
instaurar-se com o recebimento da denúncia, o relator concluiu que, a
partir do recebimento da inicial acusatória, mesmo que o parlamentar
viesse a renunciar, a competência para o processo e julgamento da ação
penal não se deslocaria. Salientou que essa solução estaria em
consonância com o art. 55, § 4º, da CF (“Art. 55. ... § 4º. A renúncia
de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do
mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as
deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º”), que poderia ser
aplicado por analogia. Os Ministros Teori Zavascki, Luiz Fux e Joaquim
Barbosa endossaram a proposta. No entanto, o relator registrou que a
controvérsia no caso concreto deveria ser resolvida sem a adoção do
critério geral por ele formulado. Realçou que, na ação em julgamento, a
renúncia se dera no momento em que se encontrava aberto o prazo para a
defesa apresentar alegações finais e que a mudança substancial das
regras do jogo afrontaria os princípios da segurança jurídica e do
devido processo legal. Por outro lado, a Ministra Rosa Weber sugeriu
como critério geral o encerramento da instrução processual (Lei
8.038/1990, art. 11). Frisou que a renúncia após o citado marco
indicaria presunção relativa de que teria sido feita para afastar a
competência do STF. O Ministro Dias Toffoli, por sua vez, aventou o
lançamento, pelo relator da ação penal, do visto com a liberação do
processo ao revisor. Os Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Marco
Aurélio ponderaram que o exame sobre a ocorrência, ou não, do eventual
exercício abusivo do direito de renunciar deveria ser feito caso a caso.
Por fim, o Tribunal deliberou pela apreciação do tema em outra ocasião,
uma vez que não fora alcançada a maioria absoluta no sentido da
definição, para o futuro, de critério objetivo referente à preservação
da competência penal originária da Corte na hipótese de renúncia do réu
ao mandato parlamentar.
AP 536 QO/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 27.3.2014. (AP-536)
Fonte: Site do STF - Informativo 740 / Comentários do prof. Rodrigo Belllo (Curso Fórum)
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