segunda-feira, 9 de abril de 2012

Capital mundial do estupro: na África do Sul, uma mulher é violentada a cada 27 segundos

No país da última Copa do Mundo, uma menina tem mais chances de ser estuprada do que aprender a ler; Aids é epidemia naciona

Women For Women International

Questão cultural: 62% dos meninos com mais de 11 anos acreditam que forçar alguém a fazer sexo não é um ato de violência

A cada 27 segundos uma mulher é abusada sexualmente na África do Sul. Uma em cada três sul-africanas será violentada pelo menos uma vez na vida. Um em cada três sul-africanos irá estuprar uma mulher. Estes dados são da Rape Crisis, uma organização sem fins lucrativos (ONG) que combate a violência contra a mulher, localizada na Cidade do Cabo.  A associação ainda aponta que, na maioria do casos, a violência sexual é realizada por um homem que participa do cotidiano da vítima.
Este é o caso da Eliane, 30 anos. “Conheci o meu primeiro namorado numa casa de dança, foi amor à primeira vista. Cerca de oito meses depois que nos casamos ele começou a usar drogas, beber e consequentemente a me tratar mal”. Ela conta que a violência aumentou gradativamente.  “Um dia ele  levou uma prostituta para casa. Eles deitaram na minha cama para ter relações sexuais e fui obrigada a participar de tudo.  Depois, ele me esfaqueou e me disse que tinha de fazer isso porque era inferior. E assim continuou por muitas noites. Hoje estamos separados".
A África do Sul é a capital do estupro no mundo. Uma menina nascida no país tem mais chances de ser estuprada do que aprender a ler. Um quarto delas é abusada sexualmente antes de completar 16 anos. Este problema tem muitas raízes, segundo a Rape Crisis: machismo (62% dos meninos com mais de 11 anos acreditam que forçar alguém a fazer sexo não é um ato de violência), pobreza, desemprego, homens marginalizados, indiferença da comunidade, e mais do que tudo, a impunidade:  os poucos casos que são denunciados às autoridades se perdem no descaso da polícia e acabam impunes. Nos últimos 10 anos, de 25 homens acusados de estupro no país, 24 saem livres de punição, segundo os levantamentos da entidade.
De acordo com Marieta de Vos, diretora-executiva da Mosaic Training, Service and Healing Centre for Woman, uma organização que fornece suporte às vítimas de violência doméstica e estupro, a África do Sul registra 50 mil estupros por ano e as ONG’s existentes na Cidade do Cabo protegem atualmente cerca de 25 mil pessoas, desde bebês, passando por adolescentes até idosas.
O trabalho de organizações não-governamentais é fundamental para se ter uma noção do tamanho da crise de estupros na África do Sul. Procurado pela reportagem, o órgão do governo responsável pelo tema alegou não ter dados atualizados sobre violência sexual. Segundo as estatísticas da polícia de 2007, os incidentes de estupro notificados decresceram 4,2 pontos percentuais nos seis anos anteriores. No entanto, em um ano foram registrados 52.617 estupros. Também foram registrados 9.327 casos de "atentado ao pudor" - incluindo violação anal e outros tipos de ataque sexual que não se enquadravam na definição de estupro. Em dezembro, novas estatísticas criminais referentes ao período de abril a setembro de 2007 incluíam o registro de 22.887 estupros.
Barreira cultural
Ida Jacobs, 37 anos é colaboradora da associação Labour Rights Programme Officer - Women on Farms Project, uma ONG que protege mulheres que sofrem qualquer tipo de abuso nas fazendas da África do Sul. Ela também foi vitima de violência doméstica e estupro, que muitas vezes estão relacionados.  Ela conta que várias mulheres não denunciam os agressores porque geralmente existe uma dependência emocional e financeira e também por conta da  falta de aceitação da família em relação ao divórcio.
Thassio Borges

“Conheci meu marido aos 17 anos e durante o namoro ele era perfeito, mas depois do casamento começou a falar alto, mas minha mãe me dizia que isso era normal, pois ele era homem e eu precisava obedecer. Até que ele começou a me bater e me obrigar a ter relações sexuais com ele. Depois de tudo ele me pedia desculpas e dizia que iria mudar, mas as cenas se repetiam. Meu corpo é todo marcado”. Ida conta ainda que após 13 casados ela pediu o divórcio, porém, não foi fácil, pois não tinha emprego, casa e muito menos apoio da família. Para superar tudo isso, ela contou com a ajuda da entidade Women on Farms.
“Há sete anos estou divorciada e sem contato com minha família, mas consegui refazer a minha vida. Hoje tenho casa, carro, trabalho e, por meio dele, oriento outras mulheres a saírem dessa condição miserável”. Mas, afirma que o abuso está cada vez pior no país, pois, infelizmente, o machismo ainda supera as leis. “A situação das mulheres que trabalham nas fazendas na África do Sul é muito parecida com a maneira com que viviam os escravos antigamente. Essas mulheres sofrem diariamente abusos físicos, psicológicos e sexuais e quando reclamam para o dono da fazenda ele diz que a fazenda não tem nada a ver com isso”,  explica.
Segundo outra entidade sem fins lucrativos chamada Reach,  as mulheres brancas que são vítimas de estupro também têm mais dificuldade em efetuar a denúncia. “Elas acreditam que isso só acontece com as negras e se sentem envergonhadas. No caso de violência doméstica o pensamento é o mesmo”, disse a presidente da entidade, Claudia Lopes.
Ela ainda comenta que, recentemente na África do Sul,  uma mulher tentou se separar do marido,  após ter sofrido violência doméstica e sexual, porém, ele não aceitou e a chamou para conversar. “Neste dia, ele levou mais alguns colegas para violentar sexualmente a mulher na frente dele e depois chamou o filho para ver também. O marido ainda introduziu uma chave de fenda na vagina da esposa, após tudo isso ele matou a esposa e o filho”, conta Claudia.
Já Sharon Kouta, diretora do UNODC VEP (United Nations Office on Drugs and Crime Victim Empowerment Programme, na sigla em inglês) - um programa do governo em parceria com a ONU para o fortalecimento dos Direitos Humanos, na província oeste da Cidade do Cabo, afirma que a razão do estupro é cultural. “As pessoas costumam dizer que a razão do estupro é droga ou álcool, mas na realidade não importa a condicão social, econômica, cor da pele, o problema é a cultura, o estupro é uma mecanismo usado para controlar e manipular”, revela.
Presidente acusado
O atual presidente da África do Sul, Jacob Zuma, foi acusado em 2005 (na época ele era vice-presidente de Thabo Mbeki) pela corte suprema, em Johanesburgo, de estuprar uma mulher de 31 anos, amiga da família. Zuma alegou, durante o julgamento em 2006, que praticou sexo com a mulher, mas de forma consensual. Além disso, ele sabia que a vítima era portadora do vírus HIV e não usou nenhum tipo de proteção. Zuma declarou também que tomou banho depois da relação sexual para evitar a contaminação. O caso chocou também ativistas da AIDS, que desenvolvem um árduo trabalho educativo e de prevencão no país, e ainda mais porque sua esposa é médica e era Ministra da Saúde. Entretanto, Zuma foi absolvido do caso.
A representante do setor Acting Head, do Departamento de Desenvolvimento Social da província oeste da Cidade do Cabo, Sharon Follentine, descreve como a violência contra a mulher é difícil de ser combatida quando a vítima passa também a acreditar que o estupro é natural e, por isso, não busca auxílio ou demora muito tempo, quando já há traumas profundos.
 “A vítima, após danos psicológicos e emocionais, passa a acreditar que tudo isso acontece porque é destino ou porque ela fez algo errado. Ela começa a internalizar que seus pais estavam sempre discutindo, ele sempre tinha argumentos para bater na sua mãe ou estuprá-la e a vítima começa a transmitir esse pensamento para os filhos. Se por acaso os filhos vivenciarem a mesma situação da mãe ou avó começarão a achar tudo natural e o ciclo se repetirá”, comenta Follentine, que aposta nos programas educacionais e informativos em comunidades com maior índice de violência doméstica e estupro para combater as práticas.
A ONG Philisa Abafazi Bethu, que atua com a prevenção dos abusos sexuais por meio de orientação nas escolas, igrejas das periferias e favelas, concorda que a mulher precisa de mais informação e saber que existem outros meios de recomeçar a vida. “Nosso foco é mostrar para as mulheres e crianças vítimas de abuso sexual e violência doméstica que isso é errado.  Elas, na maioria das vezes, nem sabem que isso não é correto, apenas tem noção que é ruim. Depois que reconhecem que o estupro é crime, a dificuldade das mães é sair de casa com filhos, aprender inglês porque muitas vezes falam outros dialetos, buscar uma casa,  ofício e isso demora, mas é possível”, acrescenta Mabel Martn, representante da entidade.
Meta
Segundo dados mais otimistas da entidade All Africa House, ligada à Universidade de Cidade do Cabo, a África do Sul espera acabar com a violência contra a mulher em 2015 por meio de programas sociais que o país desenvolve no momento. Entretanto, a representante da entidade Reach acredita que a situação ainda deve piorar.  “Os incidentes vão ficar mais graves. Temos um grande número de drogas e álcool relacionados com estupro”, explica Claudia.
Thassio Borges

Quem concorda com Claudia é a professora da Universidade da Cidade do Cabo, Lilian Artz. “Hoje é muito complicado transformar esta meta em realidade, principalmente, quando nos deparamos com a falta dos equipamentos ou procedimentos mais simples nos hospitais públicos da África do Sul. Atualmente, a vítima de estupro espera mais de horas para fazer o exame pericial e comprovar a violência. Após isso, muitas vezes ela sai do hospital sem o kit com a medicação para prevencão do HIV”, detalha.
Ela ainda conta que quatro mulheres são assasssinadas todos os dias na África do Sul vítimas de algum tipo de violência. “O governo possui metas, porém, não propõe soluções suficientes para amenizar o problema que cresce na mesma medida que aumenta o número de mulheres que contraem HIV/AIDS nestes casos”, acrescenta.
As sul-africanas vítimas de violência doméstica e estupro contam com órgãos públicos de proteção, Comissão de Direitos Humanos,  outra comissão que promove a igualdade entre sexos e até mesmo várias organizações sem fins lucrativos existentes no país. É comum encontrar anúncios, folhetos  e campanhas em lugares públicos ou em comerciais na televisão, rádio que reforçam o compromisso das entidades em oferecer o suporte necessário.
A lei que combate a violência doméstica e estupro existe na África do Sul desde 1998, mas a dificuldade das vítimas consiste na junção de provas e dados necessários para incriminar o agressor. De acordo com o Departamento de Polícia sul-africano, a mulher precisa, no caso de estupro, realizar o exame de DNA entre quatro e seis horas após o incidente, manter as roupas e não tomar banho, preservar a cena do crime com o maior número de detalhes possíveis, passar por um exame médico pericial, fazer uma denúncia na polícia para fornecer o máximo de informações. Existe um banco de dados de DNA, mas a polícia só consegue provas quando há quantidade suficiente de material genético (sangue, esperma e saliva, por exemplo) para análise após o estupro.
“Pela lei o estupro é considerado um ato grave e quem comete pode ficar preso até 20 anos, mas na prática isso raramente acontece e tudo aqui vira papel arquivado na gaveta”, lamenta Claudia Lopes.

Fonte: Opera Mundi

Moçambique: Pobreza e analfabetismo impedem desenvolvimento de mulheres



AYAC -Lusa

Chimoio, Moçambique, 09 abr (Lusa) - O analfabetismo e a pobreza ainda impedem a mulher moçambicana de explorar e aproveitar os recursos naturais de que o país dispõe para geração da sua riqueza, considerou a governadora de Manica, centro de Moçambique.

Ana Comoana reiterou que a mulher precisa ser alfabetizada para melhor aproveitar o potencial da terra, rios e recursos minerais que a província, em particular, e o país, em geral, dispõem para que a mulher saia da pobreza.

"Reconhecemos que apesar de todos os esforços empreendidos e avanços alcançados até agora, os desafios são enormes: o analfabetismo e pobreza são obstáculos que nos impedem de avançar com a necessária celeridade", disse à Lusa Ana Comoana, apelando à mulher camponesa, a maioria no país, para apostar no ensino sem importar a idade.

Falando durante a celebração do dia da Mulher este fim de semana, que coincidiu com a comemoração do 41.º aniversário da criação da Organização da Mulher Moçambicana (OMM), ala feminina da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), no poder, aquela governante desafiou a mulher a participar no ensino, sem deixar de lado os trabalhos da machamba (quinta), para abastecer o país.

"Nas sociedades em desenvolvimento, as economias são basicamente agrárias, não sendo Moçambique uma exceção, e por ironia do destino são as mulheres que constituem o grosso daquelas que trabalham na agricultura, pelo que apelamos a participarem no ensino, ainda que continuem a cuidar das famílias e a produzirem", disse Comoana.

Dados do Ministério de Educação indicam que os índices de analfabetismo são altos em mulheres em idade escolar no país. Atualmente, as estatísticas apontam que a taxa de analfabetismo entre as mulheres em Moçambique (52 por cento da população) ronda os 37,5 por cento.

Entretanto, o Governo, através dos serviços de educação, tem vindo a introduzir vários programas de alfabetismo e educação de adultos.

Outra iniciativa em curso é o programa "família sem analfabetismo", que ajuda idosos e outros membros de família impossibilitados de assistirem a aulas em centros, a poderem aprender em suas casas.

Fonte: Página Global

PENA DE MORTE, NÃO!



Eliakim Araújo – Direto da Redação

Depois de executar apenas um prisioneiro nos últimos 50 anos, Connecticut está em vias de tornar-se o décimo-sétimo Estado americano a abolir a pena de morte e o quinto a assumir essa posição nos últimos cinco anos.

O projeto de extinção da pena capital tem tudo para ser aprovado, porque tanto a Câmara de Deputados como o Senado (estaduais) contam com maioria democrata, amplamente a favor do fim da pena de morte e sua substituição por prisão perpétua.

E o projeto conta ainda com o apoio irrestrito do governador Dannel Malloy, também democrata, que já prometeu assiná-lo imediatamente, tão logo ele chegue à sua mesa, depois de passar pelas duas casas legislativas do Estado.

O que o projeto terá que definir, e parece que isso ainda não está claro, é o que fazer com os onze condenados que aguardam a execução no corredor da morte.

Especificamente no caso de Connecticut, os parlamentares terão que enfrentar a opinião pública que não vê com bons olhos a abolição da pena capital, não por questões politico-partidárias, mas por um evento criminoso ocorrido em 2007, quando dois homens invadiram a casa de um médico e assassinaram a mulher e as duas filhas dele.

Pelos requintes de perversidade como os crimes foram cometidos, os moradores do Estado temem que, uma vez aprovada a lei, os dois homens condenados escapem da sentença capital aplicada pelo juri popular. O próprio médico, cuja família foi executada, afirma que “a pena de morte é a única e verdadeira punição para determinados crimes hediodons”.

Nesse caso, caberá ao legislador definir se a abolição da pena de morte terá efeito retroativo ou não, ou seja, se ela só valerá daqui por diante, e assim os atuais onze condenados não seriam beneficiados pela nova lei.

Questões jurídicas à parte, o importante é que há hoje um sentimento de rejeição à pena de morte em todos os Estados Unidos. Há pelo menos mais uns três ou quatro Estados que já trabalham em favor de sua abolição. Cada vez que um preso é executado, volta o debate sobre a validade de se punir o criminoso com uma pena tão estúpida quanto o crime que ele praticou.

Os argumentos em favor da pena de morte – nos quais a emoção fala mais alto que a razão - batem geralmente na mesma tecla: “os assassinos gozam de muitos direitos, mas e o direito das vítimas”.

Em setembro de 2010, em meu artigo Licença para Matar Clique aqui assinalei que

De maneira suave ou não, a morte de uma pessoa, por pior que tenha sido seu crime, é sempre uma demonstração de crueldade. É quando a sociedade se iguala ao criminoso numa espécie de olho por olho, dente por dente.
Particularmente sou contrário à pena de morte por vários motivos, mas principalmente pelo argumento acima, pela maneira fria e calculista como a sociedade arma o carrasco do instrumental que vai tirar a vida do condenado em poucos minutos.

E não tenho razões para mudar meu pensamento.

* Ancorou o primeiro canal de notícias em língua portuguesa, a CBS Brasil. Foi âncora dos jornais da Globo, Manchete e do SBT e na Rádio JB foi Coordenador e titular de "O Jornal do Brasil Informa". Mora em Pembroke Pines, perto de Miami. Em parceria com Leila Cordeiro, possui uma produtora de vídeos jornalísticos e institucionais.
 
Fonte: Página Global

domingo, 8 de abril de 2012

Tuaregues: QUEM SÃO OS HOMENS QUE DIVIDIRAM O MALI




Margarida Santos Lopes - Público

Eles querem ser chamados tamasheq, o nome da sua língua, porque recusam ser os "abandonados por Deus". No Norte do Mali, já proclamaram uma nova pátria. Quem são os guerreiros de véu e turbante azul?

Referenciados pela primeira vez por Hérodoto, no século V. a.C., os nómadas do deserto têm uma cultura e uma identidade únicas.

Azawad

Situada nos vastos desertos do Sara e do Sahel, Azawad ou Azaouad é uma região na qual os tuaregues incluem o Norte do Mali (mas também o Norte do Níger e o Sul da Argélia). O Movimento Nacional para a Libertação do Azawad (MNLA) proclamou nesta sexta-feira um Estado independente após a rápida conquista ao exército maliano das cidades de Tombuctu, Kidal e Gao. Uma área que é supostamente um centro de tráfico de cocaína, Awazad foi cenário de várias rebeliões: em 1962-1964, em 1990-1995 e em 2007-2009. A revolta deste ano derrotou facilmente um exército, com poucas munições e muitos generais corruptos, incapaz de enfrentar milhares de antigos soldados e mercenários tuaregues que regressaram ao Mali bem treinados, financiados e armados, depois de terem servido Muammar Khadafi na Líbia, até à queda e morte do coronel em 2011. Obter o reconhecimento internacional será agora o objectivo da luta do secessionista ainda que "laico e democrático" MNLA. Mas tudo dependerá da sua vontade e capacidade de derrotar os radicais salafistas do Ansar Dine e da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI), que querem islamizar todo o Mali.

Berbere

O termo "berbere" advirá do latim barbarus (bárbaro), mas os berberes tuaregues - cerca de um milhão - preferem chamar-se Imazighen (homens livres). Originalmente brancos do Mediterrâneo, foram-se misturando com as populações do Sara e do Sahel e, hoje, podem ser louros ou ruivos (nas montanhas Atlas de Marrocos) ou de pele negra (na região subsariana). Não é possível determinar como os tuaregues chegaram ao Norte de África, mas confirma-se que são um grupo berbere com a sua própria língua (Tamashek) e alfabeto (Tifinagh). Quem primeiro registou a existência destes nómadas terá sido Heródoto, no século V a.C., na Líbia. Guerreiros de espada (takoba), lança (allagh) e escudo (aghar), os tuaregues controlaram durante séculos as grandes rotas comerciais que atravessavam o Sara. Só em 1917 é que a Legião Estrangeira - depois de anos de combates e massacres - conseguiu "pacificar" os tuaregues. Findo o período colonial, nos anos 1960, o território dos nómadas foi artificialmente dividido por vários países independentes: Argélia, Burkina Faso, Líbia, Mali e Níger.

Charles de Foucauld

Descendente de cruzados e oriundo de uma família aristocrata e próspera, Charles Eugène de Foucauld nasceu em Estrasburgo em 1858. Aos 26 anos, depois de "uma vida de luxúria e aventuras amorosas" como geógrafo e oficial de cavalaria do Exército francês, deixou de ser agnóstico e tornou-se padre eremita. Em 1905, foi viver entre os tuaregues, na região argelina de Ahaggar. Recentemente beatificado pelo Vaticano, foi durante muito tempo olhado como "espião disfarçado de monge", mas todos lhe reconhecem, agora, a divulgação, local e internacional, da língua e cultura tuaregues. A 1 de Dezembro de 1916, salteadores atacaram o seu refúgio e um deles matou-o a tiro. O "irmão universal" morreu aos 58 anos, mas tem hoje 15 mil discípulos, entre eles a Fraternidade das Irmãzinhas de Jesus, que chegou em 1939 a Portugal, onde as suas religiosas, que não são missionárias, vivem e trabalham com os mais pobres, em bairros degradados, fábricas ou prisões.

Dassine

Sultana do Deserto, Rainha do Amor ou Mensageira da Paz, é assim que os tuaregues reverenciam a sua grande poeta Dassine Oult Yemma. Dois versos que eles repetem: "A água murmura "Eu amo-te" quando toca os nossos lábios com o mais suave dos beijos"; "Que interessa esses véus sob os quais te escondes - eu afasto-os tal como o sol desvia as nuvens". A poesia ocupa um espaço fundamental na cultura tuaregue, e um tema recorrente é o dos corações destroçados. Na língua Tamasheq, a palavra "calor" (tuksé) deriva de "sofrimento". Veja-se este poema, composto em 1890: En ce jour que j"ai quitté Tella/ elle tenait une réunion galante pour les personnes présentes ; je suis parti/ l"âme brûlée de douleur, le cœur embrasé/ semblable à un tison enflammé/ sur lequel souffle le vent et qui brûle de tous côtés. / Je prie Dieu de me faire voire celle que j"aime/ pour que je ne meure pas ici de la douleur de son absence.

Feudal

Os tuaregues mantêm um sistema hierárquico feudal de clãs (tawshet), que consiste num pequeno número de famílias nobres e tribos de marabus ("homens santos, com poderes de abençoar, proteger e curar, mesmo depois da morte"); uma maioria de vassalos e três "classes inferiores" de antigos escravos. Os iklan apascentam o gado, cozinham (a alimentação básica dos tuaregues é queijo e manteiga de cabra com tâmaras - a carne é limitada a ocasiões festivas) e fazem outras tarefas domésticas; os inaden são sobretudo artesãos e ferreiros; os harratin, de pele negra, trabalham nos campos onde se cultiva milho, centeio e trigo.

Islão

Muçulmanos mas não árabes, os tuaregues preservam rituais animistas, rezando a divindades do deserto, como pedras, água, fogo e montanhas. Na prática islâmica de lavar as mãos, a água, cada vez mais escassa, é substituída pela areia. No Norte do Mali, onde os tuaregues proclamaram agora um Estado independente, predomina a escola teológica maliquita do sufismo, corrente mística e tolerante da religião "revelada" a Maomé.

Kel Tamasheq

Ainda que divididos em várias tribos e clãs, os tuaregues fazem questão de afirmar a sua identidade única chamando-se a si próprios Kel Tamasheq, ou "Os que falam Tamasheq". Há uma campanha em curso para que sejam designados como tamasheq e não tuaregues - termo cuja origem tem suscitado várias interpretações: uns alegam que provém do árabe Tawariq, com o significado de "abandonados por Deus"; outros ligam-no a Targa, em Fezzan, actual Líbia. Os tuaregues/tamasheq têm o seu próprio alfabeto, Tifinagh, composto por símbolos geométricos, um total de 24, na forma de linhas, pontos, círculos e formas. Este alfabeto escreve-se da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, de cima para baixo ou de baixo para cima - por isso é de difícil leitura. A origem do Tifinagh é indefinida. Alguns sugerem que não há nada de implicitamente amazigh (língua berbere), mas os tuaregues insistem em que é indígena. Para eles, Tifinagh é um termo composto por "Tifi", que significa "descoberta", e pelo adjectivo possessivo "nnagh", com o significado de "nosso". Assim sendo, Tifinagh quererá dizer "a nossa descoberta". Outras teorias referem que o alfabeto provém do Egipto ou do Sul da Arábia; do grego ou do latim; dos cartagineses ou dos fenícios.

Mulheres

As mulheres tuaregues gozam de grande respeito e liberdade, participam nas decisões da família e da tribo, e podem manter relações com homens antes do casamento, rompendo a tradição ortodoxa islâmica. Um dos provérbios deste povo diz: "As mulheres e os homens são, uns e outros, para os olhos e para o coração; não apenas para a cama". São uma sociedade matrilínia (a liderança, a descendência e a herança são definidas pela linha da mãe), mas não matriarcal (o poder é detido pelos homens). São as mães que ensinam às filhas o alfabeto Tifinagh e arte de tocar o violino imzad - arte exclusiva das mulheres. Diz-se que, nos combates, os homens faziam tudo para demonstrar coragem, com medo que as noivas os privassem dos sons do imzad. O desejo de ouvir este instrumento incutia-lhes valentia e incitava-os a derrotar os inimigos.

Nómadas

Se inicialmente eram nómadas errantes do deserto, muitos tuaregues foram obrigados, para sobreviver, a render-se ao sedentarismo. Em todo o caso, muitos ainda vagueiam errantes em tendas móveis, um apertado círculo de 5 ou 6. Uma tenda é composta de 30 a 40 peles curtidas, tingidas de vermelho e cosidas umas às outras. As peles são suportadas por uma estrutura de estacas de madeira, fixadas ao solo. Cada tribo é governada por um chefe e uma assembleia de homens adultos. As tribos agrupam-se em três confederações, cada uma com um xeque e um conselho de responsáveis de clãs. As confederações, por seu turno, têm um líder máximo (amenokal) e um conselho de nobres. Entre as tribos mais importantes estão as de Kel Rhela, Dag Rhali, Issaqqamaren e Ait Laoin.

Oy ik?

Os tuaregues têm uma forma muito particular de cumprimentar os outros. No dialecto regional Air, por exemplo, começam por perguntar Oy ik? (Como está?), seguindo com Mani egiwan? (Como está a sua família?) e depois por Mani echeghel? (Como vai o seu trabalho?). A resposta mais educada a todas estas interpelações será Alkher ghas (Está tudo de boa saúde).

Sedução

Os tuaregues têm um ritual a que chamam "código de sedução". No silêncio do deserto, de manhã até ao meio-dia, antes do pôr-do-sol, ou à noite, sob um céu estrelado, juntam-se para tocar o violino imzad e cantar poemas. Depois de recolherem o leite dos rebanhos e antes de irem para a cama, os homens pedem às organizadoras destas reuniões sociais ou encontros românticos (djalsa) se os voltam a convidar. Para saberem, discretamente, a resposta das mulheres que querem conquistar, usam linguagem gestual. Desenhar um círculo na palma da mão de uma jovem e depois apontar para lá com o dedo indicador é uma declaração de amor. Se a jovem pega na mão direita do pretendente e com o seu indicador traça uma linha diagonal para a frente e depois para trás, isto significa: "Deixa o resto das pessoas e vem para junto de mim". Se ela traça a linha diagonal numa só direcção, a mensagem é: "Vai-te embora, e não voltes." Se um homem notar que a rapariga é disputada por um rival, tem de recuar. Se dois pretendentes gostam da mesma mulher, o mais novo deve ceder o lugar ao mais velho - excepto se a rapariga fizer a escolha contrária.

Tin Hinan

Venerada pelos tuaregues como a sua primeira Tamenokalt (rainha), Tin Hinan ainda hoje é designada, por eles, como "Mãe de todos nós". Dizem lendas que, viajando com a sua dama de companhia, Takamat, deixou Tafilalet, nas montanhas Atlas de Marrocos, para se instalar no território desértico de Hoggar ou Ahaggar, no Sul da Argélia. Aqui, não hesitando em recorrer às armas, Tin Hinan uniu vários clãs dispersos e fez deles uma "nação". O seu túmulo terá sido encontrado, em 1920, por arqueólogos, em Abalessa, na Argélia.

Véu

Entre os tuaregues, são os homens, e não as mulheres, que ocultam o rosto. Há três tipos de véu-turbante, com um comprimento que oscila entre os 3 e os 5 metros, deixa à vista apenas os olhos, cobrindo a cabeça, a testa, quase todo o nariz e a boca - "uma zona de poluição e de desrespeito se exposta perante outros". Assim, temos o tagelmoust ou alechcho (azul-índigo), hoje quase exclusivo das classes mais altas; o khent, que pode ser usado em todas as ocasiões e no dia-a-dia; e o agora mais comum echchach (branco, negro ou azul-escuro, de custo e qualidade inferior). Não há dados concretos sobre quando é que os tuaregues começaram a usar o tagelmoust, porque até 1920, segundo várias fontes, era mais visível o tekerheit, véu-turbante de lã branca e riscas de cor, originário da Líbia. Só os homens de classe elevada podem deixar escorregar o véu-turbante, e apenas os que fizeram a peregrinação a Meca o podem remover completamente. De um modo geral, os homens jamais o abandonam desde que o começam a usar aos 18 anos, início da idade adulta, nem mesmo quando dormem. A tinta que caracteriza a maioria dos tagelmoust não é diluída em água, um bem cada vez mais escasso, mas aplicada com pedras em tecido de algodão. A pressão emite partículas ligeiramente metálicas que depois se transferem do véu para o rosto - daí os tuaregues terem ganhado o cognome de "Homens Azuis". Símbolo de masculinidade, protecção contra as tempestades de areia e os "maus espíritos" - mas também, dizem, forma de impedir o inimigo de ler o pensamento -, o véu-turbante nunca é lavado e é usado até que se rasgue. As mulheres, por seu turno, depois de se casarem, apenas tapam o cabelo com um lenço (ekahei). Envergam saias rodadas e blusas bordadas de várias cores, colares e brincos de ouro e prata, e ostensiva maquilhagem que realça sensualidade dos olhos e da boca.

Fontes:The Tuareg of the Sahara (Bradshaw Foundation); Sahara Man: Travelling With the Tuareg, de Jeremy Keenan; Le Voile chez les Touareg (Revue de l"Occident musulman et de la Méditerranée); La Solitude du Poète Touareg (Dominique Casajuz, in: Sentiments doux-amers dans les musiques du monde); Association Sauver l"Imzad; Toumast Press


Fonte secundária: Página Global

Agência de notação Egan-Jones diz que Portugal "irá cair" e poderá arrastar Espanha e Itália




RTP - Lusa

A agência de notação financeira norte-americana Egan-Jones acredita que a crise da dívida na Europa caminha para o ponto mais crítico e refere que "Portugal irá cair de certeza", podendo Espanha e Itália correr o mesmo risco.

Numa entrevista hoje divulgada no jornal alemão "Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung", o presidente da agência de `rating`, Sean Egan, afirmou, referindo-se a Portugal, que "quando a economia de um país se retrai de forma tão significativa e, simultaneamente, os juros das obrigações a dez anos se situam próximo dos 10 por cento, é óbvio que a situação é insustentável".

O analista assinalou que "o drama ainda não atingiu o seu ponto mais crítico" e manifestou-se convicto que, "de qualquer modo, Portugal será afetado".

Para Egan, "a injeção massiva de liquidez do Banco Central Europeu (BCE) acalmou os ânimos nos mercados a curto prazo", mas tendo em conta a atual situação, "é uma tranquilidade enganosa".

Considerou, por isso, que "o BCE só atenuou o colapso do sistema, mas não pode evitá-lo", uma vez que "não houve alteração do problema de fundo".

"Em Espanha não há crescimento, o mesmo acontece em Itália. Quando a crise do euro voltar a agudizar-se um pouco mais, ambos os países cairão inevitavelmente na mesma situação que Portugal", referiu.

Relativamente à Grécia, Egan assinalou que a atual reestruturação da dívida "não será, com toda a certeza, a última".

"A desagradável realidade é que, apesar dos muitos pacotes de ajuda, a Grécia continuará sobre um monte de dívidas que, a longo prazo, não poderá saldar", disse, admitindo recear que "os credores [privados] tenham de aceitar perdas que poderão aproximar-se dos 95 por cento".

Sobre a Alemanha, Egan comentou: "Que Estado tem a capacidade de se tornar responsável das perdas do Sul da Europa? Não acredito realmente que a Alemanha se safe. Serão os contribuintes alemães quem terá de pagar, disso tenho a certeza".


Fonte; Página Global

sábado, 7 de abril de 2012

Conhecendo o país: Brasília (DF) - Brasil

Uma cidade a se descobrir, a se conhecer. Diferente das outras, é bem verdade. Mas Brasília é a amplitude dos lugares. É o  ir e vir. Espaços abertos (dimensões de vida e trabalho). Sentimento de estar onde todos estão, todos vão, todos passam, veem, se encontram e ficam.


Um lugar sem igual: a singularidade no coração de um país dentro de muitos outros países. 


Ver, sentir, andar (caminhar sem ter pressa). Brasília é assim: um encanto na vastidão do cerrado. Brasília do Eixo Monumental, do cerrado monumental, dos monumentais poderes, da visão de uma celeste Pietà.


Brasília larga, Brasília linda ao redor do Lago, por sobre o qual impõe-se a vista. E que vista!


Uma imagem, uma cidade. Outrora sonho, hoje concreta. Cidade aberta. Luz que nos toca, calor que acimenta sentimentos vastos, olhares complexos, sol que adentra a retina. Beleza etérea nos traçados, nos lugares. Palácios a céu aberto. Colunas, paredes, trajetos feitos em função de todos. Plano-piloto que manobra sobre a gente, sobre as mentes, corações que pulsam completos quando é dia ou quando a noite cai, mesmo que fria.


Outro plano, outro entorno, no esplendor dourado dos ipês surgidos em julho. Aparição que apraz a alma, que abranda a velocidade dos carros que seguem no além das avenidas. 










































Texto, fotos e vídeos produzidos por Rogério Rocha.

JURISPRUDÊNCIA DO STJ - MUDANÇA DE SEXO E RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL



REGISTRO CIVIL. RETIFICAÇÃO. MUDANÇA. SEXO.

A questão posta no REsp cinge-se à discussão sobre a possibilidade de retificar registro civil no que concerne a prenome e a sexo, tendo em vista a realização de cirurgia de transgenitalização. A Turma entendeu que, no caso, o transexual operado, conforme laudo médico anexado aos autos, convicto de pertencer ao sexo feminino, portando-se e vestindo-se como tal, fica exposto a situações vexatórias ao ser chamado em público pelo nome masculino, visto que a intervenção cirúrgica, por si só, não é capaz de evitar constrangimentos. Assim, acentuou que a interpretação conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei de Registros Públicos confere amparo legal para que o recorrente obtenha autorização judicial a fim de alterar seu prenome, substituindo-o pelo apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive, ou seja, o pretendido nome feminino. Ressaltou-se que não entender juridicamente possível o pedido formulado na exordial, como fez o Tribunal a quo, significa postergar o exercício do direito à identidade pessoal e subtrair do indivíduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova condição física, impedindo, assim, a sua integração na sociedade. Afirmou-se que se deter o julgador a uma codificação generalista, padronizada, implica retirar-lhe a possibilidade de dirimir a controvérsia de forma satisfatória e justa, condicionando-a a uma atuação judicante que não se apresenta como correta para promover a solução do caso concreto, quando indubitável que, mesmo inexistente um expresso preceito legal sobre ele, há que suprir as lacunas por meio dos processos de integração normativa, pois, atuando o juiz supplendi causa, deve adotar a decisão que melhor se coadune com valores maiores do ordenamento jurídico, tais como a dignidade das pessoas. Nesse contexto, tendo em vista os direitos e garantias fundamentais expressos da Constituição de 1988, especialmente os princípios da personalidade e da dignidade da pessoa humana, e levando-se em consideração o disposto nos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, decidiu-se autorizar a mudança de sexo de masculino para feminino, que consta do registro de nascimento, adequando-se documentos, logo facilitando a inserção social e profissional. Destacou-se que os documentos públicos devem ser fiéis aos fatos da vida, além do que deve haver segurança nos registros públicos. Dessa forma, no livro cartorário, à margem do registro das retificações de prenome e de sexo do requerente, deve ficar averbado que as modificações feitas decorreram de sentença judicial em ação de retificação de registro civil. Todavia, tal averbação deve constar apenas do livro de registros, não devendo constar, nas certidões do registro público competente, nenhuma referência de que a aludida alteração é oriunda de decisão judicial, tampouco de que ocorreu por motivo de cirurgia de mudança de sexo, evitando, assim, a exposição do recorrente a situações constrangedoras e discriminatórias. REsp 737.993-MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10/11/2009 (ver Informativo n. 411).


Fonte: Informativo STJ 415

Desemperra, Gurgel!


Mais de quatro mil processos estão paralisados no gabinete do procurador-geral, o que 
atrapalha as investigações contra políticos acusados de corrupção
Izabelle Torres
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SEMELHANÇA 
Atuação de Roberto Gurgel lembra a do ex-procurador Geraldo Brindeiro.
Nos tempos de FHC, Brindeiro era conhecido como engavetador

Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, ficou conhecido como o engavetador de processos e denúncias contra políticos e gente graúda. Nas suas mãos, tudo parava e a sensação era a de que quem tinha poder jamais se tornaria réu. Nove anos se passaram desde que Brindeiro deixou o cargo, mas o enredo de lentidão – e consequente impunidade – nos processos se repete. Agora sob o comando de Roberto Gurgel, o Ministério Público Federal volta a ser visto como um obstáculo ao desfecho das ações penais. A diferença entre o procurador escolhido por FHC e o indicado pela presidenta Dilma Rousseff está na forma de agir. Enquanto o primeiro arquivava os inquéritos sem constrangimentos com uma simples canetada, Roberto Gurgel fica inerte diante das acusações encaminhadas pela Polícia Federal. No caso relacionado ao senador Demóstenes Torres (DEM-GO), Gurgel só agiu depois de pressionado pela opinião pública.

Na mesa do procurador-geral da República estão parados 4.346 processos. Entre eles, ações movidas pela PF contra pelo menos dois governadores e uma dezena de parlamentares. Um dos processos envolve o governador Pedro Dias (PP), do Amapá. Em setembro de 2010, a Operação Mãos Limpas levou-o para a cadeia sob a acusação de chefiar um esquema de desvio de recursos públicos. A operação vai completar dois anos sem que Gurgel sequer tenha oferecido denúncia contra a suposta quadrilha comandada por Dias. No Distrito Federal, o ex-governador José Roberto Arruda também segue a vida com tranquilidade graças à inação da procuradoria. Em novembro de 2009, um vídeo no qual Arruda aparecia recebendo R$ 50 mil resultou na prisão do político do DEM, que tinha índices de apoio popular que beiravam os 80%. Arruda perdeu o cargo, o partido e a liberdade por dois meses. Hoje, mais de dois anos depois, o símbolo do esquema que abalou o GDF ainda não sofreu nenhuma acusação formal pelo Ministério Público.

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IMPUNE 
Passados dois anos do escândalo do mensalão
do DEM, Arruda ainda não foi denunciado pelo MP

A lista de políticos que se beneficiam com o engavetamento dos processos não se restringe a quem Gurgel deixa de denunciar. Parlamentares réus em ações ou que respondem a inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) ganham tempo quando os casos chegam ao Ministério Público para análise do procurador-geral. A senadora Marta Suplicy (PT-SP) é um dos exemplos. Desde agosto do ano passado, um processo que investiga a participação da ex-prefeita de São Paulo em fraudes em licitações está parado no MP. O procurador também não analisou a ação que acusa o senador Romero Jucá (PMDB-RR) de crime de responsabilidade e a que denuncia o senador Lobão Filho (PMDB-MA) por formação de quadrilha e uso de documentos falsos. 

A importância do procurador-geral para o andamento de processos contra autoridades foi sintetizada pelo ministro Ayres Britto em 2011 ao julgar um pedido feito por Gurgel para arquivar uma ação envolvendo o senador Valdir Raupp (PMDB-RO). “Nos casos de crime ensejador de ação penal pública, quando o chefe do Ministério Público Federal se pronuncia pelo arquivamento do inquérito ou de quaisquer peças de informação,  a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que tal pronunciamento é de ser acolhido sem possibilidade de questionamento”, escreveu Ayres Britto. Exatamente pelo motivo apontado por Ayres Britto, a conduta do atual procurador tem causado celeuma nos bastidores do STF. Ministros reclamam que os mais de quatro mil processos paralisados no gabinete de Gurgel atravancam as investigações.

Fonte: Istoé

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