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terça-feira, 24 de agosto de 2021

NEM MORTA (Um conto de Rogério Rocha)

 

    
    
Mulher deitada – William Côgo

Imagem: Internet - William Côgo

 

O sinal de aviso tocou novamente. É a décima chamada de hoje.

Júlio pôs-se de pé, quase como num susto. Levantou a cabeça, respirou fundo, olhou para o alto. Além de um teto branco, nada havia para se ver.

A noite começara há pouco e mais corpos haviam chegado. Dessa vez dois indivíduos de trinta e poucos anos, mortos num acidente de carro. Enfim, a primeira ocorrência cujos óbitos não decorriam da Covid-19.

Seis dias na semana, ao longo de quinze anos, Júlio Viana tem estado em atividade. Trabalhou em muitos lugares, mas, depois, entrou num ciclo de arranjar empregos que ninguém queria. Para sobreviver, foi agente funerário, esteve um tempo no serviço de verificação de óbitos e depois no preparo para sepultamentos. Uma carreira nada convencional, sem visibilidade, reconhecimento ou coisa do gênero.

O fato é que, ultimamente, estava cansado de tudo. Sensação que só aumentava, na medida em que lembrava de todas as chances que desperdiçou, o tempo dispendido com coisas fúteis e que nada adicionaram à sua vida, a acomodação e o marasmo a que se acostumou.

Odiava a profissão quando nela iniciou e, ainda hoje, tem esse mesmo sentimento, apenas com a adição de uma admirável dose de resiliência (o que contrasta abertamente com sua ânsia de mudança). Para além disso há o medo: o medo, ingrediente que se misturou ao cotidiano conturbado que a peste impôs.

O cansaço aumentava e a paciência se extinguia. As cobranças, a sobrecarga, o rumo incerto de sua vida, a solidão pela qual optara. O calafrio que ia e vinha, sua nuca que doía, os olhos vermelhos, as dores nas costas...

Todos os dias, agora, são quase invariavelmente turbulentos. Onde antes tudo era silêncio, hoje é silêncio, dor, desolação. Antes o nó nas tripas, agora o nó na garganta. Mortes a granel, choro, ranger de dentes e uma moléstia de origem obscura que acabou por transformar completamente o turno da noite, que se tornou um pandemônio.

Ao entrar na sala de necropsia, a máscara o sufocava. Ele a ajeita em seu rosto suado. Ela o oprime. Dificulta a sua respiração. Seus pensamentos, em devaneio, o desnorteiam. Imagens, rostos, palidez, rigores, passagens, rasgos nas peles, na alma, cavidades escavadas, projéteis... o tempo a escorrer pelas retinas, as narinas que nada sentem, memórias que piscam e se apagam, cansaço, cansaço...

Faz um pouco de calor e, talvez por isso, odeie ter de usar tantos equipamentos de proteção. As camadas de vestimenta que o recobriam – o macacão, a touca, a viseira – deixavam a impressão de que estava a salvo. Que dentro daquele pequeno inferno ia tudo bem. Lá fora estava pior, pode alguém pensar.

Sobre o grande balcão metálico do centro da sala estavam os cadáveres de uma mulher e um homem. Sobre eles, a luz fria de uma luminária clean.

Aproximou-se dos dois para começar seu trabalho e retirou o manto que os encobria. Diante de si uma mulher loira, de pele branca e bela compleição física, com os olhos perdidos no nada. Além da rigidez de seu silêncio, no sono eterno, a expressão de pavor na contração dos músculos da face, que ficou como amarga lembrança de uns poucos segundos de reação antes do choque.

Tinha escoriações no tórax e sangue pelo rosto, que lhe caíra justamente em decorrência do traumatismo que sofrera no crânio.

Na medida em que Júlio o retirava da face da morta com um pano umedecido em álcool, um novo quadro se revelava. Aos poucos, sua memória passou a buscar um rosto como aquele, de alguém que conhecera um dia. A familiaridade dos traços da face, ainda que mais maduros, e alguns detalhes como a estatura, os lábios, a curvatura do nariz, as curvas do quadril e o formato dos seios, levaram sua imaginação aos tempos de estudante.

À medida em que se esforçava em lembrar, ficava mais forte a certeza de que a pessoa ali deitada fora uma paixão platônica chamada Lúcia. Colega de classe por quem nutria um sentimento tão idealizado que somente tivera, no tempo em que frequentaram as mesmas aulas na faculdade, apenas duas ou três chances de conversar com ela.

Impactado pela situação, o preparador sentiu uma tontura súbita; suas pernas fraquejaram, seu corpo tremeu. Com os olhos cheios de lágrimas e o coração disparado, afastou-se do cadáver por uns instantes, dando as costas àquela cena. Apesar da experiência que o trabalho lhe dera, e a frieza necessária para tratar com pessoas mortas, não esperava defrontar-se com igual situação.

Ignorando completamente o homem que jazia ao lado dela, para quem sequer olhara, Júlio voltou-se novamente para a mesa, pôs as mãos sobre o corpo de Lúcia e o percorreu como que num gesto de oleiro, moldando lentamente suas curvas, tateando suas cavidades, tocando as pernas, os braços, os seios com que tanto sonhara... Em seguida, encostou a cabeça sobre eles e chorou novamente.

Depois, então, voltou-se tristemente para ela, a mirar aqueles olhos já sem brilho, num rosto tão bonito. Tirando as luvas, tocou sua face pela primeira e última vez. Por fim, a beijou lentamente, tocando com ternura seus lábios naqueles frios lábios, e lembrou da vez que lhe pedira um beijo, depois de dançarem uma música na festa de formatura do curso, tendo ouvido daquela boca, ali semiaberta, a seguinte frase: “Eu, te beijar? Nem morta, cara! Nem morta!”

Como são tristes as ironias do destino.

Júlio então cobriu o cadáver de Lúcia, desligou a luz e, antes de sair, deixou sobre a mesa do diretor sua carta de demissão. Decidira abandonar o trabalho. Ao ir embora, desconsolado, levou consigo a amargura de um péssimo dia e o início de uma tosse seca que, com o passar do tempo, tenderia a piorar.

 

domingo, 19 de abril de 2020

Vida de cão (As crônicas de Maurício)




Rogério Rocha (poeta, escritor, filósofo)
No condomínio mora muita gente. São quatro etapas com sete blocos cada. Cada bloco com doze apartamentos, divididos em três andares. Neles, muitas famílias: adultos, crianças, jovens, idosos e conflitos, como é inevitável em lugares em que muitos residem.

Como não poderia deixar de ser, tem quem goste e odeie animais. 

É um lugar onde há muitos felinos, é bom dizer. Gatos, gatas e seus filhotes criaram verdadeiras comunidades dentro da comunidade. Desse modo, cada bloco tem lá seus dez a quinze gatos, quase plenamente integrados ao cenário interior do conjunto. 

Digo quase porque, afora os que tem donos e vivem suas vidas mansas dentro dos apartamentos, os que transitam no mundo exterior são alvos constantes de moradores que os odeiam e aspiram um dia vê-los todos empalhados em estantes, atropelados pelo carro da coleta de lixo, quem sabe até fritos em espetinhos servidos em botecos ou simplesmente fora deste ambiente social ocupado por humanos. 

Existem, de outra parte, aqueles que os defendem e lhes dão bom trato, cuidando de alimentá-los e municiá-los com água potável e ração, com regularidade e em horários britanicamente observados. 

Há uns quatro anos, contudo, surgiu por aqui um cachorro. Abandonado, adentrou a área dos blocos e passou a dormir nos tapetes da porta de entrada de alguns prédios. A princípio rechaçado, foi ficando, ficando... Hoje já faz parte da ambiência e responde pelo nome de Maurício. 

Foi adotado pela comunidade intramuros e alçou-se ao patamar de cão coletivo. 

Não me perguntem quem deu a ele este nome. Nome bonito, por sinal, e nome de gente (a primeira vez que ouvi alguém chamá-lo energicamente, pensei que fosse algum novo morador que chegara).

Sei que Maurício, hoje alegre e faceiro, é um misto de cão sem raça definida e Labrador Retriever; ícone das manhãs iluminadas, das tardes chuvosas e das noitadas sonolentas. Ora a perseguir outros dogs, ora a implicar com os gatos, correndo feito louco pelo jardim, ou a encarar os transeuntes com seus mimos e assédios. 

O cão muitas vezes age como um ator. Em sua performance mais costumeira apresenta aquilo que poderíamos chamar de falso ataque. Vai ao encontro de alguns moradores menos conhecidos (sim, aqueles que a gente não vê quase nunca), rosnando e encarando-os para, logo depois, passado o susto tremendo de quem foi alvo de seus latidos abafados, tornar à posição inicial de cão de guarda. Sem morder ou arranhar ninguém, senta-se ou deita-se no mesmo posto em que estava, como se nada tivesse acontecido (para a irritação de suas espantadas quase-vítimas). 

Amado por muitos e odiado por outros, é filho, amigo, problema, solução, companheiro, morador, barulhento, moleque, serelepe, bagunceiro, intruso e guarda-noturno. Um cão de todos e de ninguém. Aliás, foi assim que chegou: como se fosse ninguém, como se um nada houvesse chegado. Como se fora uma coisa, um ente estranho, de origem ignorada. Chegou como se uma espaçonave vinda de Vênus o tivesse deitado ao solo durante o silêncio puro da madrugada. 

Ilustre e famoso morador do condomínio (hoje com endereço, dono e moradia) nosso Maurício apareceu aqui com o abandono estampado na pele, a dor na carcaça e o fel da amargura habitando em seus olhos. 

Era arredio, desconfiado, carente. Aparentava ter sofrido muito lá por onde andou. Parecia congregar em si, a um só tempo, angústia e necessidade. A angústia solitária de ver-se qual ser-aí-no-mundo, em meio a hominídeos desconfiados, insanos e atrozes. E a necessidade de tudo: afeto, acolhimento, de uma geografia, um entorno, um fora e um dentro onde estar. 

Hoje, ajudante da segurança, monta guarda todas as noites ao lado dos vigias dos blocos. Não recebe por isso nada mais do que sua paga habitual: o carinho daqueles que o amam e o desprezo dos que o detestam. Vida de cão é assim! 

No mundo, eu sei, há muita gente que se sente como Maurício: triste às vezes, feliz em outras tantas, a correr atrás de gatos imaginários, lambendo o pelo depois de ser molhado pela lama da poça d’água que um automóvel lhe espirrou; sem pai nem mãe; despejado de um lar que nunca habitou, que nunca lhe pertenceu. Essa mesma gente, penso, tem muito a aprender com a humanidade presente na alma do nosso sofrido cão.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

O destino de cada um (por Alexandre Correa Lima)


Matéria publicada em 19 de março de 2019 no Diário do Vale

O destino de cada um segue uma trilha quase insondável aos olhos humanos. O que faz com sejamos o que somos ou nos tornemos o que nos tornamos?
Não faz muito tempo eu estacionei meu carro numa rua do centro da cidade e uma voz sem vida me perguntou se poderia guardar o carro. Assenti com a cabeça, menos pelo desejo do serviço e mais pelo temor de alguma represália posterior. Uma transação comercial resolvida em gestos econômicos e silenciosos, porque são dois mundos que se constrangem ao se encarar.
Involuntariamente percebi o sujeito se afastando:
Moreno claro, pele queimada pelo sol, esquelético, tatuagens no braço, boné virado, bermuda surrada, o rosto chupado, e um sorriso banguela faltando um monte de dente.
E então bateu um estalo:
– Eu conheço esse cara!
Lembrei que frequentamos a mesma escola no ensino médio. Não a mesma sala, porque ele era pouco mais velho, mas agora parecia que era 20 anos mais velho do que eu, e olha que eu já estou um bocado estragadinho.
Ele era popular na escola, namorador, andava com roupa de marca e era um dos únicos caras que iam estudar de moto, mesmo com 15 ou 16 anos de idade.
Agora era viciado em crack, tinha perdido a saúde, a família, a dignidade e os dentes da boca.
E eu fiquei pensando, o que aconteceu na história de vida dele pra chegar nesse ponto da decadência humana?
Mas as tragédias humanas se multiplicam e repetem, só mudam os cenários e os nomes.
– “Ele tinha tudo, e o bobão faz isso”?
Quem falou a frase acima não fui eu, mas a mãe de Guilherme Taucci, de 17 anos, que estarreceu o Brasil quando junto com um amigo abriu fogo e matou diversos colegas de sua antiga escola em Suzano.
O destino de cada um segue uma trilha quase insondável aos olhos humanos. O que faz com sejamos o que somos ou nos tornemos o que nos tornamos?
Famílias, amigos e vizinhos dizem que os dois, apesar de um pouco reservados, não se comportavam de modo que causasse estranheza ou que pudesse indicar que um dia iriam protagonizar a monstruosidade que fizeram.
Uma barbaridade insondável, ou nem tanto.
Apesar de Tatiana, mãe do menor, dizer que ele tinha “tudo”, a verdade é que ele tinha, no máximo, “quase tudo”. Não tinha por exemplo a própria mãe, que morava longe dos filhos porque não conseguia abandonar as drogas e vagava feito zumbi pelas ruas queimando a própria dignidade num caximbo fedido. E o menino também não tinha o pai, que só costumava ver numa foto amarelada, que apareceu queimada ao lado da cama no dia que acordou para executar o seu grande plano.
Outras incontáveis tragédias têm em comum famílias desestrutadas, sem amor pra abrandar a dureza do asfalto, sem educação pra crescer, sem futuro pra sonhar.
O buraco causado pela ausência dos pais ajuda a explicar, mas não resolve os mistérios insondáveis da vida de cada um. Seu parcerio no crime morava com os pais e os avós e até onde se sabe não tinha o mesmo histórico familiar do colega. Filhos bem nascidos, bilíngues e educados também queimam índios e humilham colegas nos trotes das melhores e mais caras universidades do Brasil.
É que um monte de gente está crescendo sem pais, mesmo quando tem os pais ao lado. É possível estar ausente mesmo estando ao lado. E é possível criar filhos vazios mesmo quando cheios de coisas.
O destino de cada um segue uma trilha quase insondável aos olhos humanos. O que faz com sejamos o que somos ou nos tornemos o que nos tornamos?
Família, Educação, distúrbios emocionais, idiossincrasias, bullying, miséria moral podem até inclinar, mas jamais irão determinar.
Dentro da gente mora um monte de anjo e uma comunidade de demônios também. Todo dia eles tentam te convencer a fazer alguma coisa. Mas no final das contas é você quem decide a quem você dá ouvidos e a qual dos dois você alimenta.
Crimes como esse extrapolam a nossa capacidade de compreensão e nossa busca vã por um sentido qualquer que explique o inexplicável.
No final das contas são apenas mais um caso para a coleção de tragédias humanas que se acumulam desavergonhadamente no nosso caminho. Gente sem pai, sem mãe, sem dignidade, sem dente e agora sem vida também.
Amanhã estacionarei meu carro mais uma vez em alguma rua qualquer e alguma voz esquálida vai me pedir para guardar o carro e eu vou assentir com a cabeça mais uma vez pra não ter que encarar aquele sorriso banguela antes do meu almoço e não ter que ficar sem resposta pra pergunta que não quer calar:
O que faz com que nos tornemos aquilo que nos tornamos?
Fonte: Diário do Vale online, Coluna Contos e Crônicas.

sábado, 23 de dezembro de 2017

POESÍA: UN SALUDO A LA VIDA Y A LA MUERTE (por Enrique Villagrasa)

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Lêdo Ivo foi poeta, romancista, contista, cronista e ensaísta (*Maceió, BR - 1924   +Sevilla, ES - 2012)

El brasileño Lêdo Ivo alcanzó cotas universales con su poemario ‘Réquiem’ (El gallo de oro).
No sé si existen la casualidades en la vida, pero, lo curioso en este caso es que tengo en mis manos la prosa escogida de Lêdo Ivo (Maceió, estado de Alagoas, Brasil, 1918-Sevilla, 2012) bajo el título de Isla de mí (Saltadera), en edición y traducción del gran conocedor de la obra del poeta Martín López-Vega, con epílogo de Gonçalo Ivo, su hijo, reconocido pintor él; también, la edición bilingüe ampliada de La imaginaria ventana abierta (Contra Capa), o sea, la colección de poemas del poeta brasileño traducida y estudiada por Carlos Montemayor, con prefacio de Jorge Ruiz Dueñas y posfacio de Gilberto Araújo; y su maravilla poética: Réquiem (El gallo de oro), también en edición bilingüe, con traducción y notas de Martín López-Vega, con dos epílogos, de Gonçalo Ivo y del profesor Edgar Lyra, de muy necesaria lectura, pues explica el sentir pensado del poeta sobre la muerte, desde la filosofía.
Este libro, Réquiem, se publicó en Brasil en 2008, celebrando sus 84 años de vida y un año más tarde le concedieron el Premio Casa de las Américas. Y me pregunto si es casualidad porque el primer verso de este último poemario se inicia con este enorme verso: “AQUÍ estoy, aguardando el silencio”. Que explica cómo se encuentra uno en estos momentos de su vida: azar y necesidad. Verso que conmueve y emociona en su enorme verdad y grandeza, y que me lleva a escribir sobre él para que se (re)lea a este gran poeta. Es de agradecer la labor que realiza este especialista en su obra, López-Vega, con sus traducciones de prosa y poesía de este señero poeta brasileño.
Me gusta Lêdo Ivo porque en él todos sus versos brotan como el agua en un manantial: con fuerza libre y sin mansedumbre: “Los días pasan y traen siempre la muerte”. Réquiem es, pues, su más bello poemario y más intenso: “Viví sin aprender que todo es pérdida y pasaje/ y que el salitre borra el nombre de los navíos/ y lleva muy lejos los rumores de la vida”.
Este poeta, narrador y ensayista es una de las más brillantes figuras de la literatura brasileña: uno de los máximos representantes de la llamada Generación del 45, junto a Joao Cabral de Melo Neto. Él concebía la poesía como el renacer de la palabra, con la que disfrazaba su vida personal y confeccionaba el disfraz carnavalesco de su mitología particular, que sustituía a la más que trivial existencia que nos ha tocado en suerte. En este poemario deambula por el mundo de sus pérdidas, que trasciende al dolor universal; eso sí, con un gran ritmo y musicalidad en el verso: es intenso, original, grandioso en lo simple y silencioso: “Tan solo la muerte enseña que los ángeles no existen.// Cuanto perdí lo perdí para siempre”.
Creo que este Réquiem es una de las maravillas poéticas universales, de una belleza e intensidad sin igual, donde el poeta hace un balance de su existencia: un saludo a la vida y a la muerte, que siente no lejana, tras la muerte de su esposa Leda, en 2004: “Fui siempre amor en el lecho memorable/ y ahora mi mano errante solo encuentra la tiniebla/ allí donde encontraba el cuerpo bien amado”. Se trata de una poesía elegíaca que se plasma con un lirismo torrencial en versos libres y largos: “Quien tiene la llave de los sueños abre cualquier puerta”. Y, a la vez, es el canto al amor y la vida compartida de toda una existencia, esa belleza frágil de las cosas: “Soy el viento que sopla en Maceió. (…) el murmullo de las sílabas del mar interminable”.
Además, si la poesía de Lêdo Ivo es un canto de alabanza a la vida y al universo creado y habitado por seres grandes y pequeños, en Réquiem también podemos encontrar en el poema V ecos de la poesía de Francisco de Asís, del Cántico del hermano sol, y del evangélico Sermón de la Montañarelatado por los evangelistas Lucas y Mateo: “Felices quienes vivieron más de una vida./ Felices quienes vivieron vidas incontables”.
Creo que, como dice Carlos Montemayor: “No es fríamente perfecto el poema; es tan imperfectamente humano como la vida que sus versos contienen y aman. Es, como en todas las épocas de la gran poesía, el canto”. O, como escribe Lêdo Ivo en la página 113 de Isla de mí: “El poeta crea aquello que contempla”.

Texto original publicado en Librújula



sábado, 28 de novembro de 2015

Sobre a vida e a morte de Nauro Machado





Tive a honra de participar - em meados dos anos 2000 - de um encontro (na verdade um sarau) com jovens poetas maranhenses, levado pelas mãos de um amigo (também escritor), ocasião em que esteve presente o poeta Nauro Machado (foi quando fui apresentado a ele) e onde pude ler e mostrar-lhe uma de minhas poesias. À época, e nunca me esquecerei, esse grande mestre me honrou com sua generosidade ao elogiar o poema que eu acabara de ler. 

Além dessa, por várias outras vezes encontrei-o a andar pela cidade, geralmente pela parte antiga de São Luís, seu centro histórico. Era uma criatura familiar àquele sítio, confundindo-se mesmo com suas ruas, com as praças, botecos, etc. Ao saudá-lo, como de praxe, me aprazia ouvi-lo responder, de forma sempre carinhosa: "Meu príncipe!" (que era como ele geralmente tratava as pessoas) ou o tradicional "Meu poeta!"

Nauro Machado foi, em minha opinião, o maior poeta maranhense de todos os tempos. Maior até que Gonçalves Dias e Ferreira Gullar (em que pese estes dois terem alcançado reconhecimento e exposição tremendamente maior do que a alcançada por Nauro). 

E falo isso (como sempre falei) não por demagogia ou pelo fato de não o termos mais dentre nós. Falo isso pela densidade, riqueza estilística, pela intensidade e beleza de tudo o que ele produziu. Era um arquiteto das palavras. Um demiurgo da poesia: construindo e desconstruindo coisas e mundos o tempo todo. Sua obra é única, singular (e essencial), tendo alcançado, segundo penso, um patamar de burilamento ontológico incomum. Mas, infelizmente, a maior parte dos nossos conterrâneos pouco ou nada sabe sobre quem era e o teor e importância da obra desse homem, que foi traduzido para o francês, inglês e alemão, escreveu 37 livros e tem ainda obras inéditas que, espero, possam chegar até as livrarias futuramente.

A construção de seus versos, a densidade, a intensidade, o peso dramático, existencial, profético, vivencial, que transborda dos poemas de Nauro Machado, traduzem uma identidade perfeita entre o autor, a vida e a estética do fazer poético. Por isso e muito mais é que esse homem (in)comum, que nos deixou esta madrugada, e que carregava a cidade dentro e fora de si mesmo,  merece ser, por todos os que amam a poesia, eternamente reverenciado. Obrigado, mestre Nauro! Obrigado, meu príncipe! Obrigado, meu poeta!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O Grande Irmão da Internet

O livro "O Círculo", de Dave Eggers, agora no Brasil, marca o fim de nossa relação ingênua com as redes sociais

Por Alexandre Mansur
Mae Holland é uma jovem americana ambiciosa, sociável e bonita. Consegue, por indicação de uma amiga, emprego na mais desejada empresa do mundo: o Círculo. Trata-se da corporação que controla a maior rede social do planeta, de mesmo nome. Uma mistura de GoogleApple,Facebook, Amazon e outros gigantes, o Círculo intermedeia as interações sociais, as compras on-line, os deslocamentos das pessoas e até as informações sobre saúde. Tudo isso de forma lúdica, fácil e moderna, pelo celular, pelo computador, pelos tablets e por outros aparelhos conectados. A sede do Círculo é um paraíso no Vale do Silício, nos Estados Unidos. Prédios confortáveis espalhados por um campus arborizado, com vastos gramados e amenidades como quadras esportivas, transporte grátis, massagem, exercícios, festas permanentes. Lá, a qualquer momento, um congressista oferece uma palestra sobre tecnologia, um artista famoso dá um show, um grupo de funcionários organiza uma festa à fantasia, outro organiza uma votação por mais comida vegetariana nos restaurantes do campus. Tudo é grátis para os funcionários. Há até um hotel, de uso livre, para quem prefere nem voltar para casa após o expediente.

O Círculo (Foto: Época)


1984 (Foto: Alyne Tanin)
Gradualmente, esse maravilhoso mundo novo vai revelando uma outra faceta. O Círculo monitora a vida das pessoas, faz lobby político e até chantagem. Promove um novo estado de valores, onde tudo deve ser vigiado, nenhum aspecto da vida privada (de funcionários ou usuários) deve ser escondido. Pouco a pouco, a vida conectada feliz e próspera se transforma numa distopia contemporânea. Esse é o tema central do livro O Círculo, do jornalista americano Dave Eggers (Companhia das Letras, 528 páginas, R$ 54), lançado agora no Brasil. A obra foi lançada nos EUA no ano passado e virou uma referência no debate sobre os limites éticos das redes sociais. É uma das mais contundentes críticas ao risco de sacrificarmos uma parte importante de nossa liberdade e de nossa privacidade, em nome das facilidades oferecidas pelos serviços atuais da internet. A fantasia de Eggers faz referências evidentes ao pesadelo totalitário descrito pelo escritor inglês George Orwell no livro 1984. Publicado em 1949, à sombra da Segunda Guerra Mundial, Orwell descreve um estado policial em que os cidadãos são monitorados e influenciados por meio de TVs e câmeras onipresentes.
O universo apresentado em O Círculo foi visto por alguns críticos como exagerado. Em determinado momento, um namorado da personagem central, Mae, grava um vídeo com momentos íntimos entre os dois e divulga as cenas na internet. Constrangida e revoltada, Mae exige que o vídeo seja apagado da rede. Surpreendentemente, é convencida por um dos fundadores do Círculo de que não só o vídeo deve continuar disponível, como sua existência precisa ser louvada. Para ele, é um símbolo da transparência que ajudará a sociedade a se portar de forma mais íntegra. A partir do princípio segundo o qual quem não deve não teme, os fundadores do Círculo pregam que tudo o que acontece deve ser mostrado, que nenhum aspecto da vida deve escapar ao escrutínio público, em nome da correção e da segurança coletivas. Chegam a elaborar três slogans, semelhantes aos do Grande Irmão de 1984. “Segredos são mentiras” significa que quem esconde algo deve ter feito algo errado; “Compartilhar é cuidar” lembra que divulgar tudo sobre si é uma prova de amor e confiança; e, finalmente, “Privacidade é roubo” implica que divulgar dados íntimos (como de saúde) pode ajudar quem cuida de você a antecipar problemas futuros e a entender padrões globais, para cuidar com eficiência de sua vida e da coletividade. Portanto, privar o público desses dados é subtrair algo de todos. A inversão de valores de O Círculo pode soar absurda. Por exageradas que sejam, têm o poder, como uma lente de aumento, de revelar algo que passamos a aceitar facilmente com o crescimento das redes sociais.


Quanto o Círculo está distante do mundo de hoje? Empresas como Facebook (também dono do comunicador WhatsApp) e Google (também proprietário da rede YouTube) colhem dados  sobre seus bilhões de usuários e resistem a tirar do ar o que é publicado, mesmo quando a publicação é feita sem autorização ou conhecimento dos envolvidos. Encantados com as redes, muitas vezes burlamos a privacidade do próximo na melhor das intenções. Um amigo recém-descasado me confidenciou que deixou de ir a festas, por temer ser fotografado com a nova namorada. Alguém poderia subir as imagens – à revelia dele – no Facebook. Outra amiga tentou manter as primeiras semanas de gravidez só entre familiares íntimos. A mãe dela publicou todas as imagens da ultrassonografia no Facebook. Em muitos casos, pedir para alguém não publicar uma foto pode magoar. Tanto quanto confessar que não viu (nem comentou on-line) as fotos da incrível viagem de férias que o amigo pôs no Facebook ou no Instagram.



A tese dos fundadores dessas empresas é que os benefícios compensam o sacrifício da intimidade. Em entrevista ao jornal The New York Times, Larry Page, um dos fundadores do Google, diz que as pessoas têm reações negativas antes de ver os produtos e experimentar o que eles oferecem. “Isso aconteceu na saúde. A regulamentação deixou os dados tão trancados que não podem ser usados em benefício das pessoas”, diz Page. “Hoje, não temos um sistema de data mining (que vasculha todas as informações em busca de padrões e dados individuais relevantes) para analisar os dados de saúde pública. Se tivéssemos, poderíamos provavelmente salvar 100 mil vidas no próximo ano. Me preocupa muito que a imprensa e o governo tentem alimentar os medos e que acabemos incapazes de ajudar muita gente.” Em seu livro sobre o Facebook, Katherine Losse, uma das primeiras funcionárias da rede, descreve uma reunião em que o fundador, Mark Zuckerberg, afirma: “Estamos empurrando o mundo para virar um lugar mais aberto e transparente”.
 

AMBIENTE INFORMAL Funcionários nas sedes do Google (Foto: Donald Weber/VII/Corbis)
AMBIENTE INFORMAL Funcionários nas sedes do Google  (à esq.) e do Facebook (à dir.) na Califórnia. A vida nos campi das empresas de tecnologia inspirou o cenário do livro de Eggers (Foto: James S. Russell/Bloomberg via Getty Images)
Pode haver outra razão para tolerarmos tanto controle social e exposição de intimidades. Uma das teses fortes de O Círculo é apresentada na voz de um ex-namorado de Mae, crítico à euforia tecnológica. Ele compara a socialização fugaz da rede social às calorias vazias do fast-food. Diz o personagem: “As ferramentas que vocês criam na verdade confeccionam necessidades sociais antinaturais. Ninguém precisa do nível de contato que vocês buscam. Ele não nos dá nada. Não é saudável. É como fast-food. Você sabe como eles fabricam essa comida? Eles determinam cientificamente quanto sal e gordura precisam incluir para manter você comendo. Você não tem fome, não precisa de comida, aquilo não traz nada para você, mas você continua devorando aquelas calorias vazias. É isso que vocês empurram. Infinitas calorias vazias na forma de socialização digital. E vocês calibram as doses para que o negócio fique igualmente viciante”. Exagero? Em junho, o Facebook divulgou detalhes de uma experiência envolvendo 689 mil usuários. Eles foram induzidos a sentir tristeza ou alegria, a partir da seleção de conteúdos fornecidos como mais relevantes para leitura. A experiência gerou críticas de advogados, políticos e ativistas de direitos digitais. (Foto: Divulgação)

Pode haver outra razão para tolerarmos tanto controle social e exposição de intimidades. Uma das teses fortes de O Círculoé apresentada na voz de um ex-namorado de Mae, crítico à euforia tecnológica. Ele compara a socialização fugaz da rede social às calorias vazias do fast-food. Diz o personagem: “As ferramentas que vocês criam na verdade confeccionam necessidades sociais antinaturais. Ninguém precisa do nível de contato que vocês buscam. Ele não nos dá nada. Não é saudável. É como fast-food. Você sabe como eles fabricam essa comida? Eles determinam cientificamente quanto sal e gordura precisam incluir para manter você comendo. Você não tem fome, não precisa de comida, aquilo não traz nada para você, mas você continua devorando aquelas calorias vazias. É isso que vocês empurram. Infinitas calorias vazias na forma de socialização digital. E vocês calibram as doses para que o negócio fique igualmente viciante”. Exagero? Em junho, o Facebook divulgou detalhes de uma experiência envolvendo 689 mil usuários. Eles foram induzidos a sentir tristeza ou alegria, a partir da seleção de conteúdos fornecidos como mais relevantes para leitura. A experiência gerou críticas de advogados, políticos e ativistas de direitos digitais.
O livro de Eggers marca o fim da ingenuidade diante das redes sociais. Desde sua publicação nos EUA, surgiram iniciativas para regular de alguma forma a ação desses serviços. Não apenas lá. A Justiça europeia decidiu em maio que os cidadãos têm direito de solicitar que o Google apague o link para páginas com informações incômodas sobre seu passado. Outra ação foi contra o Secret, programa de celular que permite a qualquer um publicar e comentar a vida íntima de terceiros, sob o manto da anonimidade. Em agosto, a Justiça do Espírito Santo determinou que o Secret fosse retirado dos celulares brasileiros. Talvez nossa sociedade consiga domar as redes sociais, assim como o mundo ocidental escapou do totalitarismo. Que livros como O Círculo sirvam como alertas.
Fonte: Revista Época Online

domingo, 27 de abril de 2014

Ele teve vida salva por Senna e carrega culpa por não ter retribuído


Ayrton Senna foi muito mais do que um amigo para Erik Comas. O brasileiro salvou a vida do então piloto francês, em 1992, ao socorrê-lo após batida violenta contra o muro durante treino no GP da Bélgica. Senna não teve dúvida ao passar pelo local segundos após o acidente: parou sua McLaren e correu em direção a Ligier/Renault, que vazava combustível e estava prestes a explodir.
Percebendo que Erik Comas estava desacordado no cockpit, Senna desligou a ignição do carro do companheiro e evitou o risco de a Ligier pegar fogo. Quis o destino que dois anos depois o drama tivesse papel invertido.
O último piloto a se aproximar da Williams destruída com Senna foi justamente Erik Comas. Em entrevista ao UOL Esporte, o ex-piloto francês reverencia Senna pelo ato heroico em 1992, mas ainda se remói por não ter conseguido ajudar o amigo em estado gravíssimo após acidente na curva Tamburello, em Ímola, em 1994.    
A bordo de uma Larrousse/Ford, Comas bem que pensou em repetir o gesto feito pelo colega dois anos antes: sair em disparada para salvá-lo. Mas os fiscais de prova impediram que o francês deixasse o cockpit. Com o carro parado a metros da Williams e de Senna, Comas assistiu a todo atendimento médico impressionado com a gravidade da batida.
A prova em Ímola estava suspensa para o atendimento de Senna. Nenhum carro tinha autorização para seguir caminho; mas Comas descumpriu a ordem e continuou na pista, parando apenas quando chegou à área do desastre, com o helicóptero já na pista.
"É difícil aceitar que alguém que salvou sua vida dois anos antes estava agora a poucos metros de mim, ferido gravemente. Eu tinha que deixar o carro e ir lá para ajudar de alguma maneira. Mas os médicos não deixaram. Eu entendi que ele estava morrendo ou estava morto. Sou cristão, não praticante, e senti uma radiação enorme. Eu tive a sensação de que o Senna estava indo para o céu. Eu nunca tinha visto isso", descreve Comas.
Senna foi levado de helicóptero ao hospital. Impedido de prosseguir caminho com a Larousse, Comas teve de retornar aos boxes com a ambulância então colocada para resgatar o piloto brasileiro. Horas mais tarde veio a confirmação do falecimento.
Abalado, Comas se recusou a continuar na prova. O GP foi vencido por Michael Schumacher. No fim daquele ano, o francês decidiu largar a Fórmula 1.
"Foi difícil ver falecer a pessoa que salvou a minha vida. Eu me senti horrível. Não queria dirigir mais. Fui convencido pela equipe a ficar até o fim da temporada. Mas depois parei com a Fórmula 1", destacou o francês, que anos depois correria por competições de turismo.

Erik Comas/Divulgação
Ex-piloto Erik Comas tem 50 anos e é sócio de empresa de carros vintages
Morando na Suíça e sócio de empresa de carros históricos, o francês de 50 anos se emocionou ao narrar a tentativa de Senna em resgatá-lo do carro, em 92, e chama o piloto brasileiro de "herói".
UOL Esporte – Dois acidentes, dois episódios envolvendo você e Ayrton Senna. Qual a lembrança que fica após ser salvo por Senna e, dois anos depois, assistir ao atendimento médico a poucos metros do brasileiro?
Erik Comas – É difícil aceitar que alguém que salvou sua vida dois anos antes estava agora a poucos metros de mim, ferido gravemente. Eu tinha que deixar o carro e ir lá para ajudar de alguma maneira. Mas os médicos não deixaram. Eu entendi que ele estava morrendo ou estava morto. Sou cristão, não praticante, e senti uma radiação enorme. Eu tive a sensação de que o Senna estava indo para o céu. Eu nunca tinha visto isso.
UOL Esporte – Como você conseguiu dirigir o carro até o local do acidente com o Senna em Ímola mesmo com a pista interditada?
Erik Comas – Foi uma grande confusão dentro da equipe no momento da paralisação. Havia uma incerteza. Não sabiam se era para eu seguir ou parar nos boxes. Eu continuei na pista e só fui entender a gravidade quando me deparei com o helicóptero no chão e médicos tentando salvar o Senna.
 UOL Esporte – Você se sente frustrado por não ter retribuído em 1994 o gesto de Senna de dois anos antes?   
Erik Comas – Sim. Eu me sinto envergonhado e com certa culpa por isso. Em Spa Francorchamps, em 92, o Senna apareceu logo depois do meu acidente, chegando antes dos médicos. Ele parou o carro e veio ao meu carro desligar o interruptor principal, evitando explosão. Já no acidente dele, em Ímola, ele já estava sendo atendido quando cheguei. Os médicos eram mais competentes e eu nada pude fazer.
UOL Esporte – Você teve contato com o Senna antes da largada em Ímola?   
Erik Comas – Eu encontrei ele rapidamente em um espaço reservado aos pilotos. Eu e ele não estávamos bem por tudo o que havia ocorrido nos treinos [morte de Roland Ratzenberger e grave acidente com Rubens Barrichello]. Eu pela primeira vez vi um Senna impactado, preocupado.
UOL Esporte – Por que você decidiu ficar fora da relargada após o acidente do Senna? Schumacher e Hakkinen, por exemplo, continuaram a prova e foram para o pódio.
Erik Comas – Os outros corredores não sabiam do estado do Senna, mas eu sabia que ele tinha morrido porque presenciei. Era impossível eu continuar depois de tudo o que eu vi. Não dava. Eu não tinha condições de correr depois de um fim de semana triste.
UOL Esporte – O que ocasionou a batida que vitimou Senna?
Erik Comas – Não foi erro dele. Alguma coisa dentro do carro quebrou segundos antes do acidente.
UOL Esporte – Como você define a atitude tomada por Senna, que se arriscou correndo na pista para desligar o seu carro?
Erik Comas – O Senna era tão generoso que para ele foi um ato normal ter me salvado em 1992. Mas para mim ele é um heroi. Havia líquido vazando no meu carro após a batida e um grande risco de explosão. O Senna sabia disso, mas agiu por instinto ao ir em direção ao meu carro. Hoje talvez eu não estaria aqui contando isso se não fosse o Senna.
UOL Esporte –  Você lembra de detalhes do seu acidente em 1992?
Erik Comas – Eu não me lembro de nada. Minha memória só se recorda de segundos antes de eu perder o controle do carro. Fiquei desacordado, mas meu pé continuava no pedal. A chance de explosão era grande. Não vi o Senna me socorrendo. E quando os médicos chegaram, ele permaneceu ali perto para conferir se eu estava bem.
UOL Esporte – O carinho pelo Ayrton Senna já existia antes do acidente na Bélgica, em 1992?
Erik Comas – Sim. Minha admiração por ele começou já no meu ingresso à Fórmula 1. O Senna foi o primeiro e único piloto a me felicitar pelo meu título na Fórmula 3000. Ele disse: 'Seja bem vindo. Parabéns pelo título'". Eu fiquei impressionado. Aquilo para mim foi algo especial, porque ele teve a sensibilidade de recepcionar um jovem piloto.
UOL Esporte – Você tem planos de vir ao Brasil para prestar homenagem no cemitério?
Erik Comas – Eu prefiro ir à Ímola, no espaço que é dedicado a ele. Para mim este lugar é especial, porque eu estava lá e ali foi o último lugar em que eu o vi.

 Fonte: UOL Esporte F1

sábado, 20 de abril de 2013

Kepler acha 3 planetas que podem abrigar vida fora do Sistema Solar


O telescópio espacial Kepler, da Nasa (Agência Espacial Norte-Americana), identificou dois sistemas planetários que podem abrigar vida fora do Sistema Solar. Dos cinco corpos que orbitam a estrela Kepler-62, que fica a 1.200 anos-luz de distância, há chances de dois deles terem água líquida na superfície, destaca artigo publicado no site da revista Science nesta quinta-feira (18).
Já o segundo sistema planetário - que não foi descrito na pesquisa - tem dois planetas ao redor da estrela  Kepler-69, mas só um deles oferece possibilidades para abrigar vida a  2.700 anos-luz da Terra, na constelação de Cisne, anunciou a Nasa - um ano-luz, que é a distância percorrida pela luz em um ano no vácuo, equivale a cerca de 9,5 trilhões de quilômetros.
Os exoplanetas mais distantes da estrela Kepler-62, o Kepler-62e e o Kepler-62f, são candidatos em potencial à vida fora da Terra por estarem na zona habitável do sistema. Já o exoplaneta Kepler-69c, que é 70% maior do que o nosso planeta, está na "borda" da zona habitável de sua estrela.
Isso significa que esses três planetas estão em uma região nem tão próxima nem muito distante de suas estrelas, favorecendo a existência de atmosfera e temperatura adequadas e bastante disponibilidade de água (a ponto de ser encontrada na fase líquida em grande parte da superfície), fatores essenciais para a formação da vida.

Onde pode existir vida fora da Terra?12 fotos

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Marte é o mais investigado na busca por vida fora da Terra. O robô Curiosity, da Nasa (Agência Espacial Norte-Americana), que está no planeta vermelho desde agosto de 2012, já achou vestígios que indicam que pode ter existido vida microbiana no passado. Os cientistas identificaram enxofre, nitrogênio, hidrogênio, oxigênio, fósforo e carbono - alguns dos ingredientes químicos essenciais para a vida - no pó retirado do solo marciano Leia mais Nasa/AP
Semelhança com a Terra
O estudo coordenado por William Borucki, pesquisador da Nasa, ressalta ainda que a dupla "habitável" do sistema ao redor da estrela Kepler-62 tem massas bem próximas às da Terra - o Kepler-62e é 60% maior que a Terra, e Kepler-62f, 40% maior. Além disso, o artigo sugere que a densidade do Kepler-62f é sólida, outra semelhança com o nosso planeta.
"Ou eles têm uma composição rochosa, ou os volumes são compostos, principalmente, por água sólida", escrevem os pesquisadores no artigo da Science.
Lançado em 2009, o Kepler observa uma parte fixa do céu para medir de forma contínua e simultânea o brilho de cerca de 170 mil estrelas a cada meia hora. Seu objetivo é descobrir planetas fora do Sistema Solar que são parecidos com a Terra e estão orbitando estrelas massivas. Já são mais de 2.740 candidatos a planeta fora do Sistema Solar.
O telescópio espacial encontra os planetas observando as pequenas reduções na luz de uma estrela, que ocorrem devido à passagem de um corpo no seu campo de visão. As medições do sistema Kepler-62 foram feitas entre 13 de maio de 2009 e 28 de março de 2012, mas os resultados só foram divulgados em 2013.

domingo, 7 de abril de 2013

Pensamento do dia: Osho




“Quero que as pessoas conheçam a si mesmas,
  que não sigam as expectativas dos outros.
  E a maneira é indo para dentro.” (Osho)


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Filhos e felicidade: por que a discussão realista sobre a paternidade causa tanto desconforto


O relacionamento (Foto: Camila Fontana/ÉPOCA)
  É 1 hora da madrugada. Um choro estridente desperta a ex-judoca olímpica Danielle Zangrando, de 33 anos. Desde que levou Lara do hospital para casa, as mamadas a cada três horas impedem o sono de antes. Ela pula da cama e oferece à filha o peito. Depois, troca a décima fralda daquele dia, embala a bebê no colo, caminha com ela em busca de uma posição que a faça parar de chorar. O choro prossegue. Daniele tenta bolsa de água quente e gotinhas de remédio. Nada de o berreiro cessar. Duas horas depois, mãe e filha formam um coro: Danielle também cai em prantos, desesperada. É a primeira cólica de Lara, com 20 dias de vida. O pai, Maurício Sanches, funcionário público de 48 anos, se sente impotente. Está frustrado e desconta a frustração na mulher: “Você comeu algo que fez mal a ela?”. A partir de então, Danielle se privará também do chocolate. Já desistira do sono, da liberdade, do trabalho como comentarista de esporte. Na manhã seguinte, ainda exausta da maratona noturna, retomará a mesma rotina, logo cedo: amamentar, dar banho, trocar fralda, botar para dormir. “Ninguém sabe de verdade como é esse universo até entrar nele”, diz Danielle. Hoje, Lara está com 2 anos. As noites não são tão duras quanto costumavam ser. Mas Danielle e Sanches ainda dizem que ter filhos é uma missão muito mais difícil do que eles haviam imaginado.

Capa da edição 753 de ÉPOCA – Filhos e felicidade (Foto: ÉPOCA)
Eis um problema: a paternidade, que deveria ser o momento mais feliz da vida dos casais – de acordo com tudo o que aprendemos –, na verdade nem sempre é assim. Ou, melhor dizendo, não é nada disso. Para boa parte dos pais e (sobretudo) das mães, filhos pequenos são sinônimo de cansaço, estresse, isolamento social e – não tenhamos medo das palavras – um certo grau de infelicidade. Ninguém fala disso abertamente. É feio. As pessoas têm medo de se queixar e parecer desnaturadas. O máximo que se ouve são referências ambíguas e cheias de altruísmo aos percalços da maternidade, como no chavão: “Ser mãe é padecer no Paraíso”. Muitas que passaram pelo padecimento não se lembram de ter visto o Paraíso e, mesmo assim, realimentam a mística. Costumam falar apenas do amor incondicional que nasce com os filhos e das alegrias únicas que se podem extrair do convívio com eles. A depressão, as rachaduras na intimidade do casal, as dificuldades com a carreira e o dinheiro curto – disso não se fala fora do círculo mais íntimo e, mesmo nele, se fala com cuidado. É tabu expor a própria tristeza numa situação que deveria ser idílica.


A boa notícia para os pais espremidos entre a insatisfação e a impossibilidade de discuti-la é que começa a surgir um movimento que defende uma visão mais realista sobre os impacto dos filhos na vida dos casais. Seus adeptos ainda não marcham nas ruas com cartazes contra a hipocrisia da maternidade como um conto de fadas. Mas exigem, ao menos, o direito de falar publicamente e com franqueza sobre as dificuldades da situação, sem ser julgados como maus pais ou más mães por se atrever a desabafar. Por meio de livros e, sobretudo, com a ajuda da internet, eles começam a falar claramente sobre os momentos de angústia, tédio e frustração que costumam acompanhar a criação dos filhos. Nas palavras da americana Selena Giampa, uma bibliotecária de 35 anos, dona do blog Because Motherhood Sucks (A maternidade enche...), “a maternidade está cheia de momentos de pura felicidade e amor. Mas tudo o que acontece entre esses momentos é horrível. Amo ser mãe, de verdade. Mas tenho de dizer a vocês que, assim como qualquer outro emprego, muitas vezes eu tenho vontade de pedir as contas”. Com uma notável diferença: ninguém pode se demitir do emprego de mãe ou de pai. Ele é vitalício.

O melhor exemplo dessa nova maternidade é o livro Why have kids (Por que ter filhos), sem previsão de lançamento no Brasil, escrito pela jornalista americana Jessica Valenti, de 34 anos. Durante a gravidez de sua primeira e única filha, Jessica teve um aumento perigoso de pressão arterial. Layla nasceu prematura, pesando menos de 1 quilo. Passou oito semanas na incubadora do hospital. Ao longo dos 56 dias em que viu a filha sofrer dezenas de procedimentos invasivos, Jessica refletiu sobre como idealizara a experiência de ser mãe. Seu livro parte daí para criticar a cobrança pela maternidade perfeita, uma espécie de pano de fundo imaginário contra o qual as mães de verdade comparam suas imensas dificuldades e seus inconfessáveis sentimentos negativos. “Não falar sobre a parte ruim da maternidade só aumenta o drama dos pais e as expectativas irrealistas de quem ainda não é”, disse Jessica a ÉPOCA.

Fonte: Revista Época

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