Eis um problema: a paternidade, que deveria ser o momento mais feliz da
vida dos casais – de acordo com tudo o que aprendemos –, na verdade nem
sempre é assim. Ou, melhor dizendo, não é nada disso. Para boa parte
dos pais e (sobretudo) das mães, filhos pequenos são sinônimo de
cansaço, estresse, isolamento social e – não tenhamos medo das palavras –
um certo grau de infelicidade. Ninguém fala disso abertamente. É feio.
As pessoas têm medo de se queixar e parecer desnaturadas. O máximo que
se ouve são referências ambíguas e cheias de altruísmo aos percalços da
maternidade, como no chavão: “Ser mãe é padecer no Paraíso”. Muitas que
passaram pelo padecimento não se lembram de ter visto o Paraíso e, mesmo
assim, realimentam a mística. Costumam falar apenas do amor
incondicional que nasce com os filhos e das alegrias únicas que se podem
extrair do convívio com eles. A depressão, as rachaduras na intimidade
do casal, as dificuldades com a carreira e o dinheiro
curto – disso não se fala fora do círculo mais íntimo e, mesmo nele, se
fala com cuidado. É tabu expor a própria tristeza numa situação que
deveria ser idílica.
A boa notícia para os pais espremidos entre a insatisfação e a
impossibilidade de discuti-la é que começa a surgir um movimento que
defende uma visão mais realista sobre os impacto dos filhos na vida dos
casais. Seus adeptos ainda não marcham nas ruas com cartazes contra a
hipocrisia da maternidade como um conto de fadas. Mas exigem, ao menos, o
direito de falar publicamente e com franqueza sobre as dificuldades da
situação, sem ser julgados como maus pais ou más mães por se atrever a
desabafar. Por meio de livros e, sobretudo, com a ajuda da internet,
eles começam a falar claramente sobre os momentos de angústia, tédio e
frustração que costumam acompanhar a criação dos filhos. Nas palavras da
americana Selena Giampa, uma bibliotecária de 35 anos, dona do blog Because Motherhood Sucks (A maternidade enche...),
“a maternidade está cheia de momentos de pura felicidade e amor. Mas
tudo o que acontece entre esses momentos é horrível. Amo ser mãe, de
verdade. Mas tenho de dizer a vocês que, assim como qualquer outro
emprego, muitas vezes eu tenho vontade de pedir as contas”. Com uma
notável diferença: ninguém pode se demitir do emprego de mãe ou de pai.
Ele é vitalício.
O melhor exemplo dessa nova maternidade é o livro Why have kids
(Por que ter filhos), sem previsão de lançamento no Brasil, escrito
pela jornalista americana Jessica Valenti, de 34 anos. Durante a
gravidez de sua primeira e única filha, Jessica teve um aumento perigoso
de pressão arterial. Layla nasceu prematura, pesando menos de 1 quilo.
Passou oito semanas na incubadora do hospital. Ao longo dos 56 dias em
que viu a filha sofrer dezenas de procedimentos invasivos, Jessica
refletiu sobre como idealizara a experiência de ser mãe. Seu livro parte
daí para criticar a cobrança pela maternidade perfeita, uma espécie de
pano de fundo imaginário contra o qual as mães de verdade comparam suas
imensas dificuldades e seus inconfessáveis sentimentos negativos. “Não
falar sobre a parte ruim da maternidade só aumenta o drama dos pais e as
expectativas irrealistas de quem ainda não é”, disse Jessica a ÉPOCA.
Fonte: Revista Época