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terça-feira, 2 de novembro de 2021

PERDIDOS NA NOITE (um conto de Rogério Rocha)

Foto tirada no(a) Rua Grande por Ernanig em 10/11/2013  

 Foto: Internet - Foursquare

 

 

Zé Lipaté e Maninho voltavam do Reviver em altas horas. Madrugada de bêbados no Centro velho da cidade. Hippies, prostitutas, gays e turistas haviam ficado para trás. Passavam já do Largo do Carmo e iam a passos rápidos rumo a suas casas, quando resolveram atravessar a Rua Grande. Queriam chegar à Rua do Passeio. Depois desceriam para as bandas da Madre Deus, onde moravam.

No meio da maior rua do comércio popular de São Luís, deserta àquela altura, conversavam sobre os resquícios da noitada, o som na galeria em que estavam, umas garotas que encontraram por lá, quando viram sair do canto da rua Godofredo Viana um velho muito feio. Um traste fedorento que assustou os dois amigos ao pigarrear e cantar uma música das antigas, ao passo em que seguia, um tanto manco, o rumo da calçada da dupla, chegando perto e perguntando:

- Quê qui cêis fazem três horas da madrugada no meio da rua, ças crianças? Cês são muito pepêto pra dar banda em minha área mora dessas!

- Porréessa, rapá! Pra lá, mala velha! – disse Lipaté, espantado.

- Ignora, brodi! Ignora! – retocou Maninho.

- Mas gente, cês passaqui assim de boa, sem me prestá menage!?

- Ménage???Ménage é o carai! Tira logo pra fora fedô! – esbravejou Maninho.

Os dois seguiam seus rumos em passos ainda mais rápidos, no sentido da Rua do Passeio, que, infelizmente, parecia que nunca chegava.

Lá pelo meio da Rua Grande eram ainda seguidos pelo habitante da noite, que ora ia pra um lado, ora pra outro, chafurdando com os garotos, rindo e tombando sem perder o passo do acompanhamento.

Maninho então pensava de si para si enquanto olhava de esguelha o amigo de jornadas, tentando, também às pressas, encontrar um modo de se livrar daquele traste.

- Peste, capa o gato que é! Tá me enchendo já! Se tu não fô imbora logo eu juro que te jogo dentro da fogueira santa de Israel. Copiou? – falou sério Lipaté.

- Ouviu aí, né?! – reforçou Maninho.

- Vou secês dé um quarqué cois pra mim. Um mimo quarqué já vale. Senão vô continuá companha cês atééééé...

Os amigos bêbados entreolharam-se ao lembrarem da metade de um litro de catuaba que havia dentro da mochila de Maninho. Rápido a retiraram de dentro e a ofereceram para o enjoado.

- Toma, pô! Taí, ó! Taí! É da boa, viu! Pode bebê quinda tem metade da garrafa.

Recebendo a garrafa nas mãos e soltando um grito de contentamento, pulou de euforia, gargalhou e chamou umas perdidas que estavam ali por perto e, do nada, saíram, quase ao mesmo tempo, de ruas transversais por onde haviam acabado de passar. Naquela hora, surgiram duas desgrenhas da mesma qualidade do amargoso, juntando-se aos três, logo após.

Ao tempo em que aquelas criaturas começaram a disputar a pobre garrafa de catuaba, Maninho e Lipaté trataram de correr. Saíram a todo gás, com medo do que poderia vir depois. Deixaram para trás os funestos habitantes do nada no meio do silêncio da Rua Grande.

Depois de chegarem nas imediações do Hospital Socorrão I, cansados, mas sorridentes, os jovens trocavam gozações.

- Porra, Mano! Agora temo história pacontá, ó! Tá doido, doido!

- Rapá, ças coisas só acontece com a gente mesmo! Vou te dizê!

- Não é ??!!! Mas daqui pra ali agora é na fé, bicho. Depois dessa o caminho tá limpo e é todo nosso.

- Tá é certo, ó! Depois duma porra dessa, o quê de ruim pode acontecer, né!?

Instantes depois de virem ao mundo o som dessas palavras, viram surgir do rumo do Caminho da boiada um homem com um charuto na boca, barba branca e chapéu na cabeça, que resolveu ficar encostado no canto do edifício Malvina Aboud. Parou e permaneceu lá – justamente onde passariam – olhando em suas direções. Enquanto isso, as luzes dos postes das redondezas começaram a piscar. 

Pelo jeito, a noite ainda lhes traria algumas emoções.

domingo, 31 de outubro de 2021

O ENCONTRO DE OUTONO (um conto de Rogério Rocha)

vienna monovisions | David Weintraub
Foto: David Weintraub - Internet


O ano de 1919 trouxe a Viena um início de inverno moderado, com temperaturas que muito lembravam a do recém-findado outono.

Com os treze graus centígrados daquela manhã nublada, o consultório do respeitado doutor era um abrigo mais que bem-vindo.

Chegou na hora marcada. Na rua pouco movimentada, ficou a observar os relógios na vitrine de uma loja no prédio ao lado do seu destino. Por alguns poucos minutos titubeou, não sabendo se entrava ou não. Da calçada divisou, ao final da avenida, a catedral gótica da cidade. Com uma expressão congelada no rosto, ouviu o primeiro toque do sino, que badalava as três horas da tarde.

Respirou fundo, tirou o chapéu, encarou a porta diante de si, bateu levemente e, logo a seguir, pode entrar.

Sem perder tempo, mas com grande discrição, apresentou-se à secretária na antessala e, após a confirmação do seu nome, dirigiu-se ao consultório. O gabinete do médico neurologista, iniciador de pesquisas sobre novas técnicas para a compreensão da psique humana, era sóbrio e acolhedor, com uma decoração clássica, alguns pequenos quadros na parede, tapetes persas, mobília de madeira em tons amarronzados, com uma estante cheia de livros e prateleiras que continham pequenas peças de arte africana, asiática e outros minúsculos elementos cênicos.

O doutor cumprimentou seu novo paciente com um breve aceno de cabeça e logo estendeu o braço, apontando-lhe o divã.

Após tirar o casaco e acomodá-lo num local apropriado, o jovem escritor deitou-se no local indicado. Fora do seu campo de visão, o médico encontrava-se calmamente sentado em sua poltrona, com um caderno de anotações ao lado de uma pequena mesa. Na ocasião, orientou o paciente a falar com liberdade o que lhe viesse à mente, sem se importar com narrativas lineares.

Após acender um charuto, o analista perguntou-lhe:

- Sente-se confortável?

- Aqui, deitado? Sim, estou bem! – respondeu com um semblante tenso.

- E para falar? Está pronto?

- Depende! Sobre o que devo falar primeiro?

- O que quiser. Sinta-se livre para começar. Quero que caminhes até sua verdade.

- Minha verdade! Talvez ela esteja escondida dentro do meu medo. Do medo de mim, da vida que tenho levado, do meu futuro e... do meu pai.

Enquanto o jovem falava sobre suas angústias e desejos, o terapeuta via surgir, em meio às verbalizações carregadas de tensão, sinais de um conflito existente com a figura paterna.

Ouvia os relatos do paciente sem intervir. Vez por outra, contudo, pedia um breve esclarecimento sobre algum ponto ou fazia questionamentos bem sintéticos, a fim de ajudá-lo a lidar com os incômodos. Afinal, havia um peso na narrativa daquele homem. Era como um fardo gigante, um estado de permanente sofrimento que decorria de traços de sua história familiar e que seu analista buscava atentamente identificar em algum ato falho ou lapso da linguagem.

Mas, enfim, eis que a palavra pai se revelara, abraçada a um indisfarçável desconforto, captado ao ver-se o semblante e ouvir-se a voz do analisando.

- Acabei de escrever uma carta para ele. Sim! Uma longa carta. Mas, sinceramente, não sei se a lerá. Na verdade, não sei sequer se chegará às mãos dele. Aquelas mãos que, se pudessem, com certeza me despedaçariam. – disse, com a voz trêmula.

Com o charuto entre os dedos indicador e médio da mão esquerda, o condutor da sessão ouvia o que era dito, fazia anotações (a fim de ajudar no processo de memorização do caso) e breves comentários. Enquanto isso, o paciente começava, num crescendo do tom da voz, a externar fatos que o impediam de ser ele mesmo e que estavam ligados ao seu relacionamento com o velho genitor.

- Ele parece um Deus. Lá em casa é como o vejo. Uma espécie de carrasco que vive para me perseguir, para tentar me intimidar, para me pressionar, dia e noite. – ressaltou o paciente.

- Há muitos pormenores que não consigo contar... nesse medo que eu carrego do meu pai. Mas odeio quando ele me desqualifica e condena o meu futuro. E faz isso na frente de todos. Sim, eis o meu fabuloso pai!

- De tanto ouvir seus sermões públicos, acredito piamente em todos os argumentos que usa. Por causa dele, só tenho a verdadeira sensação de mim mesmo quando estou infeliz.

- Para piorar, agora quer me impedir de casar com a mulher que me ama de verdade. Quer estragar minha única fortaleza: o amor. – disse, com a voz levemente embargada.

- Somos de carne e osso, mas a vida nos trata, por vezes, como se fossemos de ferro. – comentou calmamente o analista.

Depois de um breve silêncio, o jovem retomou sua fala:

- O muro que meu pai ergueu entre mim e Julie é quase intransponível. Mesmo assim, tenho esperança. Sei que existe e é pequena, mas não posso abrir mão das possibilidades. Não tenho esse direito!

- Ainda assim, o que vejo hoje? O que tenho visto? Apenas a minha própria sombra e o medo que sinto, como se fosse a mão impiedosa do meu pai em minha garganta. – falou, arregalando os olhos que miravam o teto.

- O peso de ser filho é terrível, no meu caso. Meu pai é muito grande para mim. Sua presença é muito forte. Sinto que me esmaga com sua indestrutível superioridade. Com sua vontade de me ver um homem forte e corajoso. Coisas que não sou.

- Ele me cobra todos os dias. Todos os dias. Pergunta onde deixei minhas responsabilidades para com os negócios. Diz que sou um fracasso. Que não valorizo a liberdade que ele me proporcionou. Mas... liberdade? Que liberdade?

- A que teve ao me deixar fora do quarto, com frio e sede, quando eu era apenas um menino chato e chorão, gritando no meio de uma noite chuvosa? A que me ajudou a ser esse nada incontestável, que ressalva sempre que toca no assunto com os parentes à mesa do jantar nos domingos? – questionou o analisado, esbravejando no divã.

- Muitas vezes sonho com ele a me perseguir, doutor. Sonho que estou saindo de uma floresta muito densa, após correr por metros e metros. No final, respiro fundo ao ouvir o clique de um revólver. Depois fecho os olhos e acordo quase sem ar. – diz o jovem escritor, encenando o seu susto.

- Daí para a frente não há mais retorno, ponho na mesa a culpa por todos os meus erros. Estou imerso em silêncio. Até sinto o meu medo dissolver-se dentro dele. Ah, você não sabe a energia que reside no silêncio! – murmura, com um leve sorriso na face.

- Deves perceber que de erro em erro a verdade vai-se revelando. – comentou o médico, enquanto fazia anotações em seu caderno.

- A verdade para mim, doutor, é sempre um abismo. Se não me libertar, irá me destruir. Assim como meu pai tem tentado destruir a minha felicidade.

O analista enfim olhou para o relógio de bolso e informou ao novo paciente que a sessão estava encerrada. O jovem levantou-se um tanto lentamente, como se quisesse permanecer deitado mais um instante. Já de pé, o médico achegou-se frente a ele e, antes que se retirasse, lhe disse:

- A felicidade, caro Franz, é um problema individual. Nesse campo, nenhum conselho é lá muito válido. Afinal, cada um deve procurar, por seus próprios meios, tornar-se feliz. No mais, em última instância, precisamos amar. Amar para não adoecer.

O escritor, por alguns segundos e em silêncio, olhou fixamente no fundo dos olhos do médico. Depois estendeu-lhe a mão, apertou-a com firmeza, despediu-se, vestiu o casaco, pôs o chapéu na cabeça e deixou o consultório com a mesma discrição com que entrara. Logo após sua saída, aparece a secretária para avisar que aquele tinha sido o último atendimento do dia.

- Dr. Freud, o paciente Franz Kafka terá uma nova sessão na quinta-feira da próxima semana, nesse mesmo horário. Achei a expressão daquele jovem meio perdida, o semblante pesado. O senhor acha que ele vai retornar?

- Deixemos isso para uma outra hora, Anna! A resposta à sua pergunta é tão incerta quanto saber se amanhã um de nós dois irá acordar resfriado. A única certeza que tenho agora, e posso lhe garantir, é que estou me dirigindo ao café. Queres me acompanhar?

terça-feira, 24 de agosto de 2021

NEM MORTA (Um conto de Rogério Rocha)

 

    
    
Mulher deitada – William Côgo

Imagem: Internet - William Côgo

 

O sinal de aviso tocou novamente. É a décima chamada de hoje.

Júlio pôs-se de pé, quase como num susto. Levantou a cabeça, respirou fundo, olhou para o alto. Além de um teto branco, nada havia para se ver.

A noite começara há pouco e mais corpos haviam chegado. Dessa vez dois indivíduos de trinta e poucos anos, mortos num acidente de carro. Enfim, a primeira ocorrência cujos óbitos não decorriam da Covid-19.

Seis dias na semana, ao longo de quinze anos, Júlio Viana tem estado em atividade. Trabalhou em muitos lugares, mas, depois, entrou num ciclo de arranjar empregos que ninguém queria. Para sobreviver, foi agente funerário, esteve um tempo no serviço de verificação de óbitos e depois no preparo para sepultamentos. Uma carreira nada convencional, sem visibilidade, reconhecimento ou coisa do gênero.

O fato é que, ultimamente, estava cansado de tudo. Sensação que só aumentava, na medida em que lembrava de todas as chances que desperdiçou, o tempo dispendido com coisas fúteis e que nada adicionaram à sua vida, a acomodação e o marasmo a que se acostumou.

Odiava a profissão quando nela iniciou e, ainda hoje, tem esse mesmo sentimento, apenas com a adição de uma admirável dose de resiliência (o que contrasta abertamente com sua ânsia de mudança). Para além disso há o medo: o medo, ingrediente que se misturou ao cotidiano conturbado que a peste impôs.

O cansaço aumentava e a paciência se extinguia. As cobranças, a sobrecarga, o rumo incerto de sua vida, a solidão pela qual optara. O calafrio que ia e vinha, sua nuca que doía, os olhos vermelhos, as dores nas costas...

Todos os dias, agora, são quase invariavelmente turbulentos. Onde antes tudo era silêncio, hoje é silêncio, dor, desolação. Antes o nó nas tripas, agora o nó na garganta. Mortes a granel, choro, ranger de dentes e uma moléstia de origem obscura que acabou por transformar completamente o turno da noite, que se tornou um pandemônio.

Ao entrar na sala de necropsia, a máscara o sufocava. Ele a ajeita em seu rosto suado. Ela o oprime. Dificulta a sua respiração. Seus pensamentos, em devaneio, o desnorteiam. Imagens, rostos, palidez, rigores, passagens, rasgos nas peles, na alma, cavidades escavadas, projéteis... o tempo a escorrer pelas retinas, as narinas que nada sentem, memórias que piscam e se apagam, cansaço, cansaço...

Faz um pouco de calor e, talvez por isso, odeie ter de usar tantos equipamentos de proteção. As camadas de vestimenta que o recobriam – o macacão, a touca, a viseira – deixavam a impressão de que estava a salvo. Que dentro daquele pequeno inferno ia tudo bem. Lá fora estava pior, pode alguém pensar.

Sobre o grande balcão metálico do centro da sala estavam os cadáveres de uma mulher e um homem. Sobre eles, a luz fria de uma luminária clean.

Aproximou-se dos dois para começar seu trabalho e retirou o manto que os encobria. Diante de si uma mulher loira, de pele branca e bela compleição física, com os olhos perdidos no nada. Além da rigidez de seu silêncio, no sono eterno, a expressão de pavor na contração dos músculos da face, que ficou como amarga lembrança de uns poucos segundos de reação antes do choque.

Tinha escoriações no tórax e sangue pelo rosto, que lhe caíra justamente em decorrência do traumatismo que sofrera no crânio.

Na medida em que Júlio o retirava da face da morta com um pano umedecido em álcool, um novo quadro se revelava. Aos poucos, sua memória passou a buscar um rosto como aquele, de alguém que conhecera um dia. A familiaridade dos traços da face, ainda que mais maduros, e alguns detalhes como a estatura, os lábios, a curvatura do nariz, as curvas do quadril e o formato dos seios, levaram sua imaginação aos tempos de estudante.

À medida em que se esforçava em lembrar, ficava mais forte a certeza de que a pessoa ali deitada fora uma paixão platônica chamada Lúcia. Colega de classe por quem nutria um sentimento tão idealizado que somente tivera, no tempo em que frequentaram as mesmas aulas na faculdade, apenas duas ou três chances de conversar com ela.

Impactado pela situação, o preparador sentiu uma tontura súbita; suas pernas fraquejaram, seu corpo tremeu. Com os olhos cheios de lágrimas e o coração disparado, afastou-se do cadáver por uns instantes, dando as costas àquela cena. Apesar da experiência que o trabalho lhe dera, e a frieza necessária para tratar com pessoas mortas, não esperava defrontar-se com igual situação.

Ignorando completamente o homem que jazia ao lado dela, para quem sequer olhara, Júlio voltou-se novamente para a mesa, pôs as mãos sobre o corpo de Lúcia e o percorreu como que num gesto de oleiro, moldando lentamente suas curvas, tateando suas cavidades, tocando as pernas, os braços, os seios com que tanto sonhara... Em seguida, encostou a cabeça sobre eles e chorou novamente.

Depois, então, voltou-se tristemente para ela, a mirar aqueles olhos já sem brilho, num rosto tão bonito. Tirando as luvas, tocou sua face pela primeira e última vez. Por fim, a beijou lentamente, tocando com ternura seus lábios naqueles frios lábios, e lembrou da vez que lhe pedira um beijo, depois de dançarem uma música na festa de formatura do curso, tendo ouvido daquela boca, ali semiaberta, a seguinte frase: “Eu, te beijar? Nem morta, cara! Nem morta!”

Como são tristes as ironias do destino.

Júlio então cobriu o cadáver de Lúcia, desligou a luz e, antes de sair, deixou sobre a mesa do diretor sua carta de demissão. Decidira abandonar o trabalho. Ao ir embora, desconsolado, levou consigo a amargura de um péssimo dia e o início de uma tosse seca que, com o passar do tempo, tenderia a piorar.

 

domingo, 16 de dezembro de 2018

PADRE ANTÔNIO VIEIRA E SEUS SERMÕES

Resumo e Análise dos Sermões de Padre Antônio Vieira
Em 2016, UFRGS e UFBA são duas das universidades federais que incluirão o maior representante do conceptismo em suas provas de Literatura.
Para aumentar suas chances de aprovação, a melhor estratégia é ler bons resumos (como os presentes aqui neste artigo) ou a obra completa e, depois, testar seus conhecimentos através de questões de vestibular sobre os Sermões.
O padre Antônio Vieira (em Portugal é António Vieira) é uma das figuras mais importantes de nossa história. Primeiramente, pelo seu domínio da língua portuguesa, que fez com que Fernando Pessoa lhe dedicasse um poema em seu único livro publicado em vida, Mensagem, na parte dos poetas que anunciam o futuro.
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.
Uma vez que a língua é uma parte muito importante na constituição de uma nação, Vieira é quem, pela primeira vez, encontra uma expressão apropriada para essa manifestação inicial da nacionalidade. Seu estilo é limpo, claro, conciso, e suas sentenças, semelhantes aos aforismos, são cheias de energia.
Padre Antônio Vieira
Ele também é importante pois participou da maioria das questões relevantes da história portuguesa no século XVII:
  • a questão dos índios
  • da luta dos bandeirantes paulistas contra a Companhia de Jesus
  • dos governantes contra as missões
  • da retomada da independência de Portugal
Além disso, foi embargador extraordinário nas principais cortes da Europa, participando dos debates em torno do barroco romano. Vieira também foi perseguido pela Inquisição, principalmente devido a sua defesa dos judeus, que julgava muito importantes para a restauração portuguesa.

A EDUCAÇÃO JESUÍTICA

Antônio Vieira veio ao Brasil em 1614, aos seis anos. Sua família era humilde, com provável descendência índia ou negra. Seu pai só viera trabalhar nos Tribunais de Justiça graças ao casamento, já que o cargo fora lhe oferecido como dote.
Naquela época o Brasil era dividido em dois estados, o Estado do Brasil, cuja sede estava na Bahia, e o Estado do Grão-Pará e Maranhão. Os Portugueses com algum destaque mandavam seus filhos para serem educados no Colégio da Bahia e assim também se deu com Vieira.
O Colégio da Bahia (Collegio do Salvador da Bahia), fundado em 1553 pelo padre Manuel da Nóbrega, foi a primeira instituição de Ensino Superior do Brasil. Este colégio jesuíta teve êxito graças à qualidade da educação, baseada em um modelo internacional humanista que privilegiava a educação clássica (leitura de gregos e romanos, utilização da retórica, estímulo da competição intelectual).
Collegio Salvador da Bahia - 1553
Porém, seu sucesso se deu, especialmente, pela capacidade de adaptação do ensino às culturas em que se inseriam.
No caso do Brasil, os jesuítas precisavam ir contra uma série de preceitos católicos, a fim de levar a cabo a incorporação dos índios, como assistir missas nus ou se confessar através de intérpretes. A doutrina, assim, depende da situação, não está acabada.
É importante destacar que isso não significa que os jesuítas agiam desta maneira porque respeitavam a cultura indígena. Sua ação era baseada na convicção de que revelariam a verdadeira natureza do índio até então deformado pelos costumes viciosos acumulados pelo tempo.
Os indígenas não eram cristãos, mas tinham naturezas boas em costumes equivocados e, por esta, razão, os jesuítas recuperariam sua natureza via conversão. Por isso, Vieira achava que os jesuítas deveriam ter o monopólio dos negócios indígenas, sem a interferência dos moradores ou do Estado.

A POLÍTICA DA COMPANHIA DE JESUS

Os jesuítas compreendiam a teologia ao lado da prática, ou seja, era preciso agir no mundo, através da conversão dos indivíduos e na correção das políticas do Estado. Esse grupo sempre esteve próximo das elites, participando ativamente das políticas católicas.
A política indianista dos jesuítas, desde Nóbrega, procurava separar os índios dos seus costumes:
  • As crianças eram separadas dos pais e havia um lugar em que os índios eram fixados.
  • Era importante separar os índios os brancos.
  • Os capitães de mato buscavam escravizá-los e distribuí-los para as famílias que os fariam trabalhar exaustivamente sem educação religiosa alguma.
Ou seja, pensava-se nos índios como uma “nova cristandade” e, enquanto guerreiros, capazes de formarem um exército para a Igreja. Posteriormente, com o fortalecimento dos paulistas bandeirantes, Vieira tentou negociar o trabalho indígena em determinadas partes do ano e com pagamentos, mas foi expulso do Maranhão. Os colonos argumentavam que não podiam sobreviver sem a mão de obra escrava.
Em 1661, Vieira é preso, colocado numa galé junto com seus companheiros e enviado para Portugal.
O autor dos famosos sermões voltou para Portugal pela primeira vez em 1641, depois da Restauração, aos 33 anos. Quando Dom João IV assume o poder, ele acompanha o filho do vice-rei e é logo aceito no Paço devido a sua oratória sedutora e às suas opiniões sobre diversos assuntos.
Ele hostilizou a Inquisição, por exemplo, por causa dos judeus. Achava que a saída deles do reino era um desastre anunciado. Além disso, queria suspender os confiscos.
Como diplomata, acabou, de certa forma, fracassando. As embaixadas o desgastaram e decidiu, então, voltar para o Brasil.

OS SERMÕES DO PADRE ANTÔNIO VIEIRA

Uma vez que Antônio Vieira alternou sua vida entre o Portugal e Brasil, sua obra é considerada tanto literatura portuguesa quanto literatura brasileira. Sua produção literária é composta, em sua grande maioria, por sermões, os quais pregava aos índios e aos moradores da época.
Somente os sermões editados por Vieira totalizam mais de 200.
O sermão era considerado um gênero literário superior, resultado de um enorme esforço intelectual. Os jesuítas os criavam com base em estudos de retórica:
Para a sua preparação, os padres estudavam a forma de exposição, a ordem dos argumentos.
Para a elocução, atentavam para a função dos efeitos que o sermão deveria obter.
Para a execução, memorizavam, praticando impostação da voz, gestualidade e posição do corpo.
Tudo era objeto de estudos sistemáticos desde que entravam no noviciado. Nenhum padre saía dos estudos antes dos 34 anos, tendo treinamentos diários. Assim, os sermões eram pregados normalmente nas igrejas e eram muito concorridos. O anúncio de um grande orador na missa do dia, por exemplo, criava grandes expectativas na comunidade.
O sermão acontecia após a leitura do Evangelho do dia (definido canonicamente) e antes da comunhão. O padre interpretava a passagem bíblica lida anteriormente de modo a renová-la, encaixando a História com a vida. Além de seus sermões, Vieira também escreveu poesias, livros poéticos e centenas de cartas. Muito desse material ainda é inédito.

RESUMO DO SERMÃO PELO BOM SUCESSO DAS ARMAS DE PORTUGAL CONTRA AS DE HOLANDA

Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda
Este sermão foi pregado em 1640, na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, Bahia. Neste ano, a Bahia lutava contra o domínio holandês. Com o monopólio ibérico do comércio açucareiro, outros países europeus, como os holandeses, buscavam a sua fatia do mercado.
Para este fim, a Holanda instituiu a Companhia das Índias Orientais. A primeira tentativa de invasão holandesa fracassou, em 1624. Seis anos depois, porém, a nova investida terminou com a conquista de Pernambuco. Em 1640, os holandeses tentam novamente conquistar a Bahia.
Em meio à ameaça de invasão, o Padre Antônio Vieira prega, na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, um sermão que busca fortificar os ânimos da população para lutar contra os hereges holandeses. Como se em um palco, Vieira dirige-se indiretamente ao público enquanto conversa com Deus.
Vieira inicia com o Salmo bíblico 43, comentando-o.
Com tanta propriedade como isto descreve David neste Salmo nossas desgraças, contrapondo o que somos hoje ao que fomos enquanto Deus queria, para que na experiência presente cresça a dor por oposição com a memória do passado.
Para Vieira, a situação do Salmo é semelhante à situação da Bahia.
Esta é, Todo-Poderoso e Todo-Misericordioso Deus, esta é a traça de que usou para render vossa piedade, quem tanto se conformava com vosso coração. E desta usarei eu também hoje, pois o estado em que nos vemos, mais é o mesmo que semelhante. (…) O que venho a pedir ou protestar, Senhor, é que nos ajudeis e nos liberteis: Adjuva nos, et redime nos. Mui conformes são estas petições ambas ao lugar e ao tempo. Em tempo que tão oprimidos e tão cativos estamos, que devemos pedir com maior necessidade, senão que nos liberteis: Redime nos?
Viera passa a exigir de Deus uma solução. Em seguida cita as passagens bíblicas em que os hebreus conquistam Canaã e libertam-se da escravidão egípcia.
O recurso utilizado aqui é o mesmo da maioria dos sermões de Vieira: utiliza as passagens da Bíblia para solucionar problemas do presente.
Assim como os hebreus conquistaram sua terra prometida, os portugueses encontraram a sua. Ou seja, justifica a colonização. Com a iminência da invasão holandesa, Vieira cobra de Deus que expulse de Sua terra os hereges. Em um dos momentos de maior, talvez, atrevimento do sermão, Vieira diz:
Se acaso for assim (o que vós não permitais), e está determinado em vosso secreto juízo que entrem os hereges na Bahia, o que só vos represento humildemente e muito deveras, é que antes da execução da sentença repareis bem, Senhor, no que vos pode suceder depois, e que o consulteis com vosso coração enquanto é tempo; porque melhor será arrepender agora, que quando o mal passado não tenha remédio.
É uma queixa indignada, que em momentos torna-se ironia. Vieira utiliza inúmeros recursos para demonstrar que se sente desamparado, cobrando uma ação divina imediata. Como argumento, defende a superioridade da Igreja católica, especialmente em relação aos protestantes holandeses. O sermão se encerra com pedidos de perdão.

RESUMO DO SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO AOS PEIXES

Sermão de Santo Antônio aos Peixes
Este sermão foi pregado em São Luís, Maranhão, em 13 de junho de 1654, no âmbito das lutas que dividiam os jesuítas e os colonos em razão dos índios. Três dias depois, Vieira viajaria sigilosamente para Portugal, buscando negociar com a Coroa uma lei que regulamentasse a liberdade do indígena na colônia.
O sermão parte de um conceito presente na Bíblia (em Mateus, 5:13): “Vós sois o sal da terra”. Assim Vieira interpreta a sentença:
  • “Vós” – os pregadores jesuítas;
  • “Sal” – a mensagem cristã;
  • “Terra” – o lugar e os moradores, no caso, a colônia.
Dessa forma, o sal da terra seriam os pregadores, que deveriam conservar a nova terra portuguesa com a fé cristã. Em seguida, Vieira procura os germes da corrupção do mundo. Encontra-os nos próprios pregadores, que fracassam ao pregar a doutrina errada e agindo de acordo com interesses particulares, e também nos ouvintes, que não agiriam conforme a doutrina.
Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que êles fazem, que fazer o que dizem; ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si, e não a Cristo, ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade?
Uma vez que Santo Antônio, não encontrando quem ouvisse suas palavras, pregou aos peixes, Vieira imita-o e prega da mesma forma.
Isto suposto, quero hoje, à imitação de Santo Antônio, voltar-me da terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes. O mar está tão perto que bem me ouvirão. Os demais podem deixar o sermão, pois não é para eles.
Primeiro, Vieira coloca os peixes acima dos seres humanos e depois trata de seus defeitos.
As virtudes são referentes aos peixes de Tobias, Rémora, Torpedo e Quatro-Olhos e os defeitos vão para os Roncadores, Pegadores, Voadores e para o Polvo. Vê-se, assim, que o recurso utilizado é o da alegoria. Ele se dirige aos peixes visando dirigir-se aos homens. As virtudes dos peixes, por exemplo, são os defeitos dos humanos. O principal defeito apontado é a voracidade, já que os peixes devoram uns aos outros, e, pior ainda, os maiores devoram os menores.
Vede, peixes, e não vos venha vanglória, quanto melhores sois que os homens. Os homens tiveram entranhas para deitar Jonas ao mar, e o peixe recolheu nas entranhas a Jonas, para o levar vivo à terra.
Por trás dessa alegoria está a crítica ao comportamento dos colonos maranhenses em relação aos índios. Para torná-la evidente, Vieira passa várias vezes do plano alegórico para o plano concreto.
Ele termina o sermão, que é dividido em seis partes, exaltando a natureza dos peixes: não podendo ser sacrificados, sacrificam-se em respeito a Deus. E coloca-se, enquanto homem, abaixo dos peixes:
Em tudo o que vos excedo, peixes, vos reconheço muitas vantagens. A vossa bruteza é melhor que a minha razão e o vosso instinto melhor que o meu alvedrio. Eu falo, mas vós não ofendeis a Deus com as palavras; eu lembro-me, mas vós não ofendeis a Deus com a memória; eu discorro, mas vós não ofendeis a Deus com o entendimento; eu quero, mas vós não ofendeis a Deus com a vontade.
O sermão termina com uma oração de louvação a Deus.

RESUMO DO SERMÃO DA SEXAGÉSIMA

Sermão da Sexagésima
Pregado na Capela real de Lisboa, em janeiro 1655, provavelmente, para a nobreza católica de Portugal.
A palavra “sexagésima”, do título, refere-se à data em que o sermão foi exposto: segundo o calendário litúrgico católico da época, tratava-se do penúltimo domingo antes da Quaresma (ou o sexagésimo dia antes da Páscoa).
O sermão possui dez partes e trata da arte de pregar, uma espécie de poética da oratória. Inicia-se assim:
E se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão desenganado da pregação, como vem enganado com o pregador! Ouçamos o Evangelho, e ouçamo-lo todo, que todo é do caso que me levou e trouxe de tão longe.
Primeiramente, Vieira afirma que seu público está enganado sobre a sua prática. Como eram conhecidas as suas posições acerca dos índios, escravos e cristãos novos, ele busca inverter essa desconfiança. Assim, ele elogia seu público, ressalta a importância do tema e relembra que viera de muito longe para pregar-lhes.
Nesse sermão, o padre mantém uma das características dos seus sermões: a elaboração de uma imagem sobre a qual o texto se apoiará e revolverá. No caso, trata-se de Lucas, 8: 11:
Ecce exiit qui seminat, seminare. Diz Cristo que «saiu o pregador evangélico a semear» a palavra divina.
Sendo ele um semeador, passa a falar dos pregadores que atuavam em sua pátria e ao seu trabalho no Maranhão. Cada pregador possui suas dificuldades e, para argumentar, Vieira utiliza a citação de passagens bíblicas e a sua experiência com os missionários no Maranhão. Na segunda parte, também explica o significado da parábola do semeador.
O trigo que semeou o pregador evangélico, diz Cristo que é a palavra de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em que o trigo caiu, são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes afoga-se a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e obstinados; e nestes seca-se a palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos e perturbados com a passagem e tropel das coisas do Mundo, umas que vão, outras que vêm, outras que atravessam, e todas passam; e nestes é pisada a palavra de Deus, porque a desatendem ou a desprezam. Finalmente, a terra boa são os corações bons ou os homens de bom coração; e nestes prende e frutifica a palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um: Et fructum fecit centuplum.
E encerra com uma pergunta:
Pois se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, porque não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus?
Vieira seguirá o sermão respondendo a essa interrogação. Apontará as três figuras atuantes em uma pregação:
  1. Deus
  2. o ouvinte
  3. o pregador
sendo o último o responsável pelo sucesso da mensagem. Listará cinco qualidades para o pregador:
No pregador podem-se considerar cinco circunstâncias: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo, a voz. A pessoa que é, e ciência que tem, a matéria que trata, o estilo que segue, a voz com que fala. Todas estas circunstâncias temos no Evangelho.
E em seguida, examinará cada uma dessas circunstâncias. Sobre o estilo, defenderá um estilo simples e natural, como o céu. Assim, o estilo pode ser claro e alto para agradar os que sabem e os que não sabem. Sobre a matéria do sermão, Vieira sugere o foco em um único tema, a fim de não confundir os ouvintes.
Uma árvore tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim há-de ser o sermão: há-de ter raízes fortes e sólidas, porque há-de ser fundado no Evangelho; há-de ter um tronco, porque há-de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste tronco hão-de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria e continuados nela; estes ramos hão-de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão-de ser vestidos e ornados de palavras.
Vieira também defende que o pregador deve buscar a ciência e ser original, sem precisar copiar outros pregadores.
O pregador há-de pregar o seu, e não o alheio.
A voz do pregador não seria tão importante, pois Jesus pregara sem gritar, e questiona:
Em conclusão que a causa de não fazerem hoje fruto os pregadores com a palavra de Deus, nem é a circunstância da pessoa: Qui seminat: nem a do estilo: Seminare; nem a da matéria: Semen; nem a da ciência: Suum; nem a da voz: Clamabat. (…) Pois se nenhuma destas razões que discorremos, nem todas elas juntas são a causa principal nem bastante do pouco fruto que hoje faz a palavra de Deus, qual diremos finalmente que é a verdadeira causa?
Ele então responde que os pregadores mudam o sentido da palavra de Deus, impondo significados, usando a Bíblia para justificar ideias próprias.
O sermão é concluído com uma crítica: os pregadores lisonjeiam o povo por medo de perderem a reverência. Propõe que o sermão deve fazer os ouvintes refletirem sobre suas ações e a buscarem o perdão. Exemplifica com a atividade do médico, que se preocupa com a recuperação do paciente e não com a dor. O sermão termina com Vieira chamando a atenção para sua profissão:
Que conta há-de dar a Deus um pregador no Dia do Juízo? O ouvinte dirá: Não mo disseram. Mas o pregador? Vae mihi, quia tacui: Ai de mim, que não disse o que convinha! Não seja mais assim, por amor de Deus e de nós.

Concluindo

Muito se estuda sobre as características e o contexto histórico do período Barroco na escola, mas pouco foco tem sido dado ao texto literário que de fato constitui esse momento da literatura.
Padre Antônio Vieira, sem dúvida, escreveu textos em forma de sermões que ultrapassam o mero propósito religioso, chegando a um patamar artístico. Opõe-se ao grande poeta Gregório de Matos no estilo, porém o complementa através de sua prosa concisa, exata.
Como leitura obrigatória de vestibular, não é dos autores mais fáceis, o que faz com que o candidato bem preparado possa destacar-se ao possuir o conhecimento necessário sobre os sermões listados no site da UFRGS, por exemplo.
Ler o Sermão da Sexagésima, o Sermão de Santo Antônio aos Peixes e o Sermão do Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda pode não ser a tarefa mais agradável, mas certamente dará seus frutos quando sua nota em Literatura ajudar a conquistar sua vaga na universidade pública.

Referências

Entrevistas de Antônio Alcir Pécora.
PÉCORA, A. “Para ler Vieira: as 3 pontas das analogias nos sermões”, in: Floema: Caderno de Teoria e História Literária. Vitória da Conquista, nº 1, p. 29-36, 2005.
PÉCORA, A. “Vieira, a inquisição e o capital”, in: Topoi. Rio de Janeiro, nº 1, p. 178-196.
VIEIRA, A. Sermões do Padre Antônio Vieira. Porto Alegre: L&PM, 2010.

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