Em 2016, UFRGS e UFBA são duas das universidades federais que incluirão o maior representante do conceptismo em suas provas de Literatura.
Para aumentar suas chances de aprovação, a melhor estratégia é ler bons resumos (como os presentes aqui neste artigo) ou a obra completa e, depois, testar seus conhecimentos através de questões de vestibular sobre os Sermões.
O padre Antônio Vieira (em Portugal é António Vieira) é uma das figuras mais importantes de nossa história. Primeiramente, pelo seu domínio da língua portuguesa, que fez com que Fernando Pessoa lhe dedicasse um poema em seu único livro publicado em vida, Mensagem, na parte dos poetas que anunciam o futuro.
Uma vez que a língua é uma parte muito importante na constituição de uma nação, Vieira é quem, pela primeira vez, encontra uma expressão apropriada para essa manifestação inicial da nacionalidade. Seu estilo é limpo, claro, conciso, e suas sentenças, semelhantes aos aforismos, são cheias de energia.
Ele também é importante pois participou da maioria das questões relevantes da história portuguesa no século XVII:
- a questão dos índios
- da luta dos bandeirantes paulistas contra a Companhia de Jesus
- dos governantes contra as missões
- da retomada da independência de Portugal
Além disso, foi embargador extraordinário nas principais cortes da Europa, participando dos debates em torno do barroco romano. Vieira também foi perseguido pela Inquisição, principalmente devido a sua defesa dos judeus, que julgava muito importantes para a restauração portuguesa.
A EDUCAÇÃO JESUÍTICA
Antônio Vieira veio ao Brasil em 1614, aos seis anos. Sua família era humilde, com provável descendência índia ou negra. Seu pai só viera trabalhar nos Tribunais de Justiça graças ao casamento, já que o cargo fora lhe oferecido como dote.
Naquela época o Brasil era dividido em dois estados, o Estado do Brasil, cuja sede estava na Bahia, e o Estado do Grão-Pará e Maranhão. Os Portugueses com algum destaque mandavam seus filhos para serem educados no Colégio da Bahia e assim também se deu com Vieira.
O Colégio da Bahia (Collegio do Salvador da Bahia), fundado em 1553 pelo padre Manuel da Nóbrega, foi a primeira instituição de Ensino Superior do Brasil. Este colégio jesuíta teve êxito graças à qualidade da educação, baseada em um modelo internacional humanista que privilegiava a educação clássica (leitura de gregos e romanos, utilização da retórica, estímulo da competição intelectual).
Porém, seu sucesso se deu, especialmente, pela capacidade de adaptação do ensino às culturas em que se inseriam.
No caso do Brasil, os jesuítas precisavam ir contra uma série de preceitos católicos, a fim de levar a cabo a incorporação dos índios, como assistir missas nus ou se confessar através de intérpretes. A doutrina, assim, depende da situação, não está acabada.
É importante destacar que isso não significa que os jesuítas agiam desta maneira porque respeitavam a cultura indígena. Sua ação era baseada na convicção de que revelariam a verdadeira natureza do índio até então deformado pelos costumes viciosos acumulados pelo tempo.
Os indígenas não eram cristãos, mas tinham naturezas boas em costumes equivocados e, por esta, razão, os jesuítas recuperariam sua natureza via conversão. Por isso, Vieira achava que os jesuítas deveriam ter o monopólio dos negócios indígenas, sem a interferência dos moradores ou do Estado.
A POLÍTICA DA COMPANHIA DE JESUS
Os jesuítas compreendiam a teologia ao lado da prática, ou seja, era preciso agir no mundo, através da conversão dos indivíduos e na correção das políticas do Estado. Esse grupo sempre esteve próximo das elites, participando ativamente das políticas católicas.
A política indianista dos jesuítas, desde Nóbrega, procurava separar os índios dos seus costumes:
- As crianças eram separadas dos pais e havia um lugar em que os índios eram fixados.
- Era importante separar os índios os brancos.
- Os capitães de mato buscavam escravizá-los e distribuí-los para as famílias que os fariam trabalhar exaustivamente sem educação religiosa alguma.
Ou seja, pensava-se nos índios como uma “nova cristandade” e, enquanto guerreiros, capazes de formarem um exército para a Igreja. Posteriormente, com o fortalecimento dos paulistas bandeirantes, Vieira tentou negociar o trabalho indígena em determinadas partes do ano e com pagamentos, mas foi expulso do Maranhão. Os colonos argumentavam que não podiam sobreviver sem a mão de obra escrava.
Em 1661, Vieira é preso, colocado numa galé junto com seus companheiros e enviado para Portugal.
O autor dos famosos sermões voltou para Portugal pela primeira vez em 1641, depois da Restauração, aos 33 anos. Quando Dom João IV assume o poder, ele acompanha o filho do vice-rei e é logo aceito no Paço devido a sua oratória sedutora e às suas opiniões sobre diversos assuntos.
Ele hostilizou a Inquisição, por exemplo, por causa dos judeus. Achava que a saída deles do reino era um desastre anunciado. Além disso, queria suspender os confiscos.
Como diplomata, acabou, de certa forma, fracassando. As embaixadas o desgastaram e decidiu, então, voltar para o Brasil.
OS SERMÕES DO PADRE ANTÔNIO VIEIRA
Uma vez que Antônio Vieira alternou sua vida entre o Portugal e Brasil, sua obra é considerada tanto literatura portuguesa quanto literatura brasileira. Sua produção literária é composta, em sua grande maioria, por sermões, os quais pregava aos índios e aos moradores da época.
Somente os sermões editados por Vieira totalizam mais de 200.
O sermão era considerado um gênero literário superior, resultado de um enorme esforço intelectual. Os jesuítas os criavam com base em estudos de retórica:
Para a sua preparação, os padres estudavam a forma de exposição, a ordem dos argumentos.
Para a elocução, atentavam para a função dos efeitos que o sermão deveria obter.
Para a execução, memorizavam, praticando impostação da voz, gestualidade e posição do corpo.
Tudo era objeto de estudos sistemáticos desde que entravam no noviciado. Nenhum padre saía dos estudos antes dos 34 anos, tendo treinamentos diários. Assim, os sermões eram pregados normalmente nas igrejas e eram muito concorridos. O anúncio de um grande orador na missa do dia, por exemplo, criava grandes expectativas na comunidade.
O sermão acontecia após a leitura do Evangelho do dia (definido canonicamente) e antes da comunhão. O padre interpretava a passagem bíblica lida anteriormente de modo a renová-la, encaixando a História com a vida. Além de seus sermões, Vieira também escreveu poesias, livros poéticos e centenas de cartas. Muito desse material ainda é inédito.
RESUMO DO SERMÃO PELO BOM SUCESSO DAS ARMAS DE PORTUGAL CONTRA AS DE HOLANDA
Baixe o sermão completo em PDF no Domínio Público.
Este sermão foi pregado em 1640, na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, Bahia. Neste ano, a Bahia lutava contra o domínio holandês. Com o monopólio ibérico do comércio açucareiro, outros países europeus, como os holandeses, buscavam a sua fatia do mercado.
Para este fim, a Holanda instituiu a Companhia das Índias Orientais. A primeira tentativa de invasão holandesa fracassou, em 1624. Seis anos depois, porém, a nova investida terminou com a conquista de Pernambuco. Em 1640, os holandeses tentam novamente conquistar a Bahia.
Em meio à ameaça de invasão, o Padre Antônio Vieira prega, na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, um sermão que busca fortificar os ânimos da população para lutar contra os hereges holandeses. Como se em um palco, Vieira dirige-se indiretamente ao público enquanto conversa com Deus.
Vieira inicia com o Salmo bíblico 43, comentando-o.
Para Vieira, a situação do Salmo é semelhante à situação da Bahia.
Viera passa a exigir de Deus uma solução. Em seguida cita as passagens bíblicas em que os hebreus conquistam Canaã e libertam-se da escravidão egípcia.
Assim como os hebreus conquistaram sua terra prometida, os portugueses encontraram a sua. Ou seja, justifica a colonização. Com a iminência da invasão holandesa, Vieira cobra de Deus que expulse de Sua terra os hereges. Em um dos momentos de maior, talvez, atrevimento do sermão, Vieira diz:
É uma queixa indignada, que em momentos torna-se ironia. Vieira utiliza inúmeros recursos para demonstrar que se sente desamparado, cobrando uma ação divina imediata. Como argumento, defende a superioridade da Igreja católica, especialmente em relação aos protestantes holandeses. O sermão se encerra com pedidos de perdão.
RESUMO DO SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO AOS PEIXES
Leia o texto completo do sermão aqui.
Este sermão foi pregado em São Luís, Maranhão, em 13 de junho de 1654, no âmbito das lutas que dividiam os jesuítas e os colonos em razão dos índios. Três dias depois, Vieira viajaria sigilosamente para Portugal, buscando negociar com a Coroa uma lei que regulamentasse a liberdade do indígena na colônia.
O sermão parte de um conceito presente na Bíblia (em Mateus, 5:13): “Vós sois o sal da terra”. Assim Vieira interpreta a sentença:
- “Vós” – os pregadores jesuítas;
- “Sal” – a mensagem cristã;
- “Terra” – o lugar e os moradores, no caso, a colônia.
Dessa forma, o sal da terra seriam os pregadores, que deveriam conservar a nova terra portuguesa com a fé cristã. Em seguida, Vieira procura os germes da corrupção do mundo. Encontra-os nos próprios pregadores, que fracassam ao pregar a doutrina errada e agindo de acordo com interesses particulares, e também nos ouvintes, que não agiriam conforme a doutrina.
Uma vez que Santo Antônio, não encontrando quem ouvisse suas palavras, pregou aos peixes, Vieira imita-o e prega da mesma forma.
Primeiro, Vieira coloca os peixes acima dos seres humanos e depois trata de seus defeitos.
As virtudes são referentes aos peixes de Tobias, Rémora, Torpedo e Quatro-Olhos e os defeitos vão para os Roncadores, Pegadores, Voadores e para o Polvo. Vê-se, assim, que o recurso utilizado é o da alegoria. Ele se dirige aos peixes visando dirigir-se aos homens. As virtudes dos peixes, por exemplo, são os defeitos dos humanos. O principal defeito apontado é a voracidade, já que os peixes devoram uns aos outros, e, pior ainda, os maiores devoram os menores.
Por trás dessa alegoria está a crítica ao comportamento dos colonos maranhenses em relação aos índios. Para torná-la evidente, Vieira passa várias vezes do plano alegórico para o plano concreto.
Ele termina o sermão, que é dividido em seis partes, exaltando a natureza dos peixes: não podendo ser sacrificados, sacrificam-se em respeito a Deus. E coloca-se, enquanto homem, abaixo dos peixes:
O sermão termina com uma oração de louvação a Deus.
RESUMO DO SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
Baixe o sermão completo em PDF no Domínio Público.
Pregado na Capela real de Lisboa, em janeiro 1655, provavelmente, para a nobreza católica de Portugal.
A palavra “sexagésima”, do título, refere-se à data em que o sermão foi exposto: segundo o calendário litúrgico católico da época, tratava-se do penúltimo domingo antes da Quaresma (ou o sexagésimo dia antes da Páscoa).
O sermão possui dez partes e trata da arte de pregar, uma espécie de poética da oratória. Inicia-se assim:
Primeiramente, Vieira afirma que seu público está enganado sobre a sua prática. Como eram conhecidas as suas posições acerca dos índios, escravos e cristãos novos, ele busca inverter essa desconfiança. Assim, ele elogia seu público, ressalta a importância do tema e relembra que viera de muito longe para pregar-lhes.
Nesse sermão, o padre mantém uma das características dos seus sermões: a elaboração de uma imagem sobre a qual o texto se apoiará e revolverá. No caso, trata-se de Lucas, 8: 11:
Sendo ele um semeador, passa a falar dos pregadores que atuavam em sua pátria e ao seu trabalho no Maranhão. Cada pregador possui suas dificuldades e, para argumentar, Vieira utiliza a citação de passagens bíblicas e a sua experiência com os missionários no Maranhão. Na segunda parte, também explica o significado da parábola do semeador.
E encerra com uma pergunta:
Vieira seguirá o sermão respondendo a essa interrogação. Apontará as três figuras atuantes em uma pregação:
- Deus
- o ouvinte
- o pregador
sendo o último o responsável pelo sucesso da mensagem. Listará cinco qualidades para o pregador:
E em seguida, examinará cada uma dessas circunstâncias. Sobre o estilo, defenderá um estilo simples e natural, como o céu. Assim, o estilo pode ser claro e alto para agradar os que sabem e os que não sabem. Sobre a matéria do sermão, Vieira sugere o foco em um único tema, a fim de não confundir os ouvintes.
Vieira também defende que o pregador deve buscar a ciência e ser original, sem precisar copiar outros pregadores.
A voz do pregador não seria tão importante, pois Jesus pregara sem gritar, e questiona:
Ele então responde que os pregadores mudam o sentido da palavra de Deus, impondo significados, usando a Bíblia para justificar ideias próprias.
O sermão é concluído com uma crítica: os pregadores lisonjeiam o povo por medo de perderem a reverência. Propõe que o sermão deve fazer os ouvintes refletirem sobre suas ações e a buscarem o perdão. Exemplifica com a atividade do médico, que se preocupa com a recuperação do paciente e não com a dor. O sermão termina com Vieira chamando a atenção para sua profissão:
Concluindo
Muito se estuda sobre as características e o contexto histórico do período Barroco na escola, mas pouco foco tem sido dado ao texto literário que de fato constitui esse momento da literatura.
Padre Antônio Vieira, sem dúvida, escreveu textos em forma de sermões que ultrapassam o mero propósito religioso, chegando a um patamar artístico. Opõe-se ao grande poeta Gregório de Matos no estilo, porém o complementa através de sua prosa concisa, exata.
Como leitura obrigatória de vestibular, não é dos autores mais fáceis, o que faz com que o candidato bem preparado possa destacar-se ao possuir o conhecimento necessário sobre os sermões listados no site da UFRGS, por exemplo.
Ler o Sermão da Sexagésima, o Sermão de Santo Antônio aos Peixes e o Sermão do Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda pode não ser a tarefa mais agradável, mas certamente dará seus frutos quando sua nota em Literatura ajudar a conquistar sua vaga na universidade pública.
Referências
Entrevistas de Antônio Alcir Pécora.
PÉCORA, A. “Para ler Vieira: as 3 pontas das analogias nos sermões”, in: Floema: Caderno de Teoria e História Literária. Vitória da Conquista, nº 1, p. 29-36, 2005.
PÉCORA, A. “Vieira, a inquisição e o capital”, in: Topoi. Rio de Janeiro, nº 1, p. 178-196.
VIEIRA, A. Sermões do Padre Antônio Vieira. Porto Alegre: L&PM, 2010.
PÉCORA, A. “Para ler Vieira: as 3 pontas das analogias nos sermões”, in: Floema: Caderno de Teoria e História Literária. Vitória da Conquista, nº 1, p. 29-36, 2005.
PÉCORA, A. “Vieira, a inquisição e o capital”, in: Topoi. Rio de Janeiro, nº 1, p. 178-196.
VIEIRA, A. Sermões do Padre Antônio Vieira. Porto Alegre: L&PM, 2010.
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