Pregado na Capela real de Lisboa, em janeiro 1655, provavelmente, para a nobreza católica de Portugal.
A palavra “sexagésima”, do título, refere-se à data em que o sermão foi exposto: segundo o calendário litúrgico católico da época, tratava-se do penúltimo domingo antes da Quaresma (ou o sexagésimo dia antes da Páscoa).
O sermão possui dez partes e trata da arte de pregar, uma espécie de poética da oratória. Inicia-se assim:
E se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão desenganado da pregação, como vem enganado com o pregador! Ouçamos o Evangelho, e ouçamo-lo todo, que todo é do caso que me levou e trouxe de tão longe.
Primeiramente, Vieira afirma que seu público está enganado sobre a sua prática. Como eram conhecidas as suas posições acerca dos índios, escravos e cristãos novos, ele busca inverter essa desconfiança. Assim, ele elogia seu público, ressalta a importância do tema e relembra que viera de muito longe para pregar-lhes.
Nesse sermão, o padre mantém uma das características dos seus sermões: a elaboração de uma imagem sobre a qual o texto se apoiará e revolverá. No caso, trata-se de Lucas, 8: 11:
Ecce exiit qui seminat, seminare. Diz Cristo que «saiu o pregador evangélico a semear» a palavra divina.
Sendo ele um semeador, passa a falar dos pregadores que atuavam em sua pátria e ao seu trabalho no Maranhão. Cada pregador possui suas dificuldades e, para argumentar, Vieira utiliza a citação de passagens bíblicas e a sua experiência com os missionários no Maranhão. Na segunda parte, também explica o significado da parábola do semeador.
O trigo que semeou o pregador evangélico, diz Cristo que é a palavra de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em que o trigo caiu, são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes afoga-se a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e obstinados; e nestes seca-se a palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos e perturbados com a passagem e tropel das coisas do Mundo, umas que vão, outras que vêm, outras que atravessam, e todas passam; e nestes é pisada a palavra de Deus, porque a desatendem ou a desprezam. Finalmente, a terra boa são os corações bons ou os homens de bom coração; e nestes prende e frutifica a palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um: Et fructum fecit centuplum.
E encerra com uma pergunta:
Pois se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, porque não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus?
Vieira seguirá o sermão respondendo a essa interrogação. Apontará as três figuras atuantes em uma pregação:
- Deus
- o ouvinte
- o pregador
sendo o último o responsável pelo sucesso da mensagem. Listará cinco qualidades para o pregador:
No pregador podem-se considerar cinco circunstâncias: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo, a voz. A pessoa que é, e ciência que tem, a matéria que trata, o estilo que segue, a voz com que fala. Todas estas circunstâncias temos no Evangelho.
E em seguida, examinará cada uma dessas circunstâncias. Sobre o estilo, defenderá um estilo simples e natural, como o céu. Assim, o estilo pode ser claro e alto para agradar os que sabem e os que não sabem. Sobre a matéria do sermão, Vieira sugere o foco em um único tema, a fim de não confundir os ouvintes.
Uma árvore tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim há-de ser o sermão: há-de ter raízes fortes e sólidas, porque há-de ser fundado no Evangelho; há-de ter um tronco, porque há-de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste tronco hão-de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria e continuados nela; estes ramos hão-de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão-de ser vestidos e ornados de palavras.
Vieira também defende que o pregador deve buscar a ciência e ser original, sem precisar copiar outros pregadores.
O pregador há-de pregar o seu, e não o alheio.
A voz do pregador não seria tão importante, pois Jesus pregara sem gritar, e questiona:
Em conclusão que a causa de não fazerem hoje fruto os pregadores com a palavra de Deus, nem é a circunstância da pessoa: Qui seminat: nem a do estilo: Seminare; nem a da matéria: Semen; nem a da ciência: Suum; nem a da voz: Clamabat. (…) Pois se nenhuma destas razões que discorremos, nem todas elas juntas são a causa principal nem bastante do pouco fruto que hoje faz a palavra de Deus, qual diremos finalmente que é a verdadeira causa?
Ele então responde que os pregadores mudam o sentido da palavra de Deus, impondo significados, usando a Bíblia para justificar ideias próprias.
O sermão é concluído com uma crítica: os pregadores lisonjeiam o povo por medo de perderem a reverência. Propõe que o sermão deve fazer os ouvintes refletirem sobre suas ações e a buscarem o perdão. Exemplifica com a atividade do médico, que se preocupa com a recuperação do paciente e não com a dor. O sermão termina com Vieira chamando a atenção para sua profissão:
Que conta há-de dar a Deus um pregador no Dia do Juízo? O ouvinte dirá: Não mo disseram. Mas o pregador? Vae mihi, quia tacui: Ai de mim, que não disse o que convinha! Não seja mais assim, por amor de Deus e de nós.
Concluindo
Muito se estuda sobre as características e o contexto histórico do período Barroco na escola, mas pouco foco tem sido dado ao texto literário que de fato constitui esse momento da literatura.
Padre Antônio Vieira, sem dúvida, escreveu textos em forma de sermões que ultrapassam o mero propósito religioso, chegando a um patamar artístico. Opõe-se ao grande poeta Gregório de Matos no estilo, porém o complementa através de sua prosa concisa, exata.
Como leitura obrigatória de vestibular, não é dos autores mais fáceis, o que faz com que o candidato bem preparado possa destacar-se ao possuir o conhecimento necessário sobre os sermões listados no site da UFRGS, por exemplo.
Ler o Sermão da Sexagésima, o Sermão de Santo Antônio aos Peixes e o Sermão do Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda pode não ser a tarefa mais agradável, mas certamente dará seus frutos quando sua nota em Literatura ajudar a conquistar sua vaga na universidade pública.
Referências
Entrevistas de Antônio Alcir Pécora.
PÉCORA, A. “Para ler Vieira: as 3 pontas das analogias nos sermões”, in: Floema: Caderno de Teoria e História Literária. Vitória da Conquista, nº 1, p. 29-36, 2005.
PÉCORA, A. “Vieira, a inquisição e o capital”, in: Topoi. Rio de Janeiro, nº 1, p. 178-196.
VIEIRA, A. Sermões do Padre Antônio Vieira. Porto Alegre: L&PM, 2010.