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sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Corrupção no processo legislativo torna lei inconstitucional? (por Fábio Lima Quintas)


 


No curso da operação zelotes, investiga-se a possibilidade de ter havido a “compra” de medidas provisórias[1]. Nas delações havidas no curso da operação “lava jato”, sugere-se que a Odebrecht teria também pago pela aprovação de leis[2].
A comprovação da ocorrência desses eventos levantará dúvidas não apenas a respeito da legitimidade do processo legislativo praticado na nossa jovem democracia, mas também suscitará indagações a respeito da higidez dos atos normativos editados pelo Congresso Nacional em vista da mácula em sua formação.
É certo que, numa democracia, espera-se que a política seja utilizada como mecanismo de defesa de interesses, numa sociedade pluralista, que conduz à formação das regras que nortearão a nossa vida em sociedade. É nesse contexto que surge aquilo que Jeremy Waldron chamou da contingência do Direito: o Direito, no Estado moderno, está sujeito a modificações, que devem ocorrer ordinariamente no meio político, pelos representantes legitimamente eleitos, no exercício regular de seus mandatos (observadas, por óbvio, as regras do jogo estabelecidas pelo Direito)[3].
Essa defesa de interesses degenera-se em corrupção quando se perde a ideia de bem comum que deve conduzir o processo legislativo e que constitui premissa norteadora da formação da vontade política e das leis.
Por isso, a ocorrência de “compra de leis”, além de colocar em xeque as bases em que se assentam o Estado de Direito, põe em discussão a possibilidade de aplicação de sanções jurídicas para o parlamentar e para a lei fruto da manifestação de vontade viciada. Surge, portanto, indagação sobre os efeitos dessa prática nefasta nos institutos da imunidade parlamentar e do controle de constitucionalidade.
Como se sabe, é para resguardar o adequado funcionamento da democracia que se conferiu a imunidade ao parlamentar no exercício de seu múnus público. No Brasil, a imunidade parlamentar não tem sido considerada barreira para a responsabilização penal dos parlamentares. De fato, é certo que hoje se entende que o parlamentar, no exercício de suas funções, está sujeito a um regime de responsabilidade não apenas eleitoral (perante os eleitores), mas também disciplinar e mesmo penal.
No que se refere à responsabilidade disciplinar, prescreve o art. 55, §1º, da Constituição Federal que “é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membros do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.
Na Ação Penal 470[4] (conhecida como processo do “mensalão”), o Supremo Tribunal Federal entendeu configurada a responsabilidade penal dos parlamentares e a prática de ilícito penal, tendo em vista a “comprovação do amplo esquema de distribuição de dinheiro a parlamentares, os quais, em troca, ofereceram seu apoio e o de seus correligionários aos projetos de interesse do Governo Federal na Câmara dos Deputados”.
Dissociando a discussão do período pré-eleitoral e afastando a tese do crime eleitoral de “caixa 2”, entendeu-se que “os parlamentares receberam o dinheiro em razão da função, em esquema que viabilizou o pagamento e o recebimento de vantagem indevida, tendo em vista a prática de atos de ofício”.
A questão é saber se o vício de vontade do parlamentar, se a corrupção da sua ação macula a validade da lei, por inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade é um vício que deriva de uma relação de desvalor, que se configura pela desconformidade de determinado ato com a Constituição, atribuindo-se a esse vício uma sanção, ordinariamente associada à declaração de sua nulidade.
Há inconstitucionalidade formal quando não se observam as regras constitucionais “respeitantes à produção e à revelação de um acto jurídico-público”[5] (observância dos procedimentos necessários para a aprovação do texto normativo, como iniciativa, quórum e rito). A inconstitucionalidade material se manifesta quando ocorre uma lesão direta a “um enunciado substantivo da normação constitucional”[6].
Nesse juízo de desconformidade, assume-se que, em princípio, a vontade do legislador é irrelevante (até porque, dado que a lei é fruto do concurso de vontade de diversos agentes e decorre de um complexo processo, a ideia de vontade do legislador é uma ficção jurídica). Nesse sentido, há orientação antiga do Supremo Tribunal Federal de que “eventuais vícios que se possam verificar nos motivos do ato estatal não contagiam as normas nele veiculadas[7]”.
Esse pensamento poderia conduzir à conclusão de a corrupção de um parlamentar não seria juridicamente relevante para a realização do controle de constitucionalidade. Certamente, dado o contexto político e constitucional que vivemos, essa orientação será desafiada.
Nos autos da ADI 4.885, por exemplo, a AMB e a Anamatra postulam o reconhecimento da inconstitucionalidade formal da EC 41/2003, que instituiu o Fundo de Previdência para os servidores públicos, por entender que os atos criminosos praticados por parlamentares, constatados na já mencionada Ação Penal 470, importariam em violação ao art. 1º, parágrafo único, da Constituição, porque a Emenda Constitucional não expressou a efetiva vontade do povo (exercida por meio de seus representantes); art. 5º, inciso LV, da Constituição, em vista da ofensa ao devido processo legislativo; e aos arts. 60, § 2º, e 37, caput, da Constituição, porque não se observou materialmente o rito deliberativo para aprovação das emendas constitucionais e houve ofensa ao princípio da moralidade.
No parecer que apresentou na ADI, o procurador-geral da República, apesar de reconhecer que “o vício na formação da vontade no procedimento legislativo viola diretamente os princípios democráticos e do devido processo legislativo e implica, necessariamente, a inconstitucionalidade do ato normativo produzido”, pugnou pela improcedência da ação.
Segundo o PGR, “por força desses mesmos princípios, bem como em razão da garantia constitucional da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CR), é indispensável que haja a comprovação da maculação da vontade de parlamentares em número suficiente para alterar o quadro de aprovação do ato normativo, o que não ocorre na hipótese ora analisada”, dado que na AP 470 “foram condenados sete parlamentares em razão de sua participação no esquema de compra e venda de votos e apoio político”. Essa ADI, que se encontra sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, está pendente de julgamento.
No plano da inconstitucionalidade material, examinando o conteúdo da norma, hoje já se admite que, no controle de constitucionalidade, se faça um juízo sobre fatos e prognoses legislativa[8]. É dizer que se leve em consideração, no julgamento de constitucionalidade, os fatos e o diagnóstico presentes no momento da elaboração da norma ou mesmo sua motivação.
Nos Estados Unidos, a possibilidade de realizar juízo de constitucionalidade a partir das motivações legislativas constitui um tema polêmico na prática constitucional da Suprema Corte.
Conforme nos relata John Hart Ely, a recusa do exame das motivações para a apreciação da inconstitucionalidade de uma dada lei deriva da dificuldade de determinar se uma motivação ilegítima influenciou uma decisão. Mas haverá situações em que “não haverá explicação alternativa legítima para o ato em questão, situações em que portanto é possível deduzir de modo responsável que o ato teve motivação inconstitucional”[9].
Apresentando um histórico do controle de constitucionalidade das motivações legislativas, Caleb Nelson, professor da Universidade da Virgínia, conclui que, a partir da década de 70 do século passado, a Suprema Corte expandiu as fontes de informação para passar a consultar dados relativos ao histórico do processo legislativo, o que até então se considerava fora dos limites do juízo de constitucionalidade[10].
É preciso destacar que esse procedimento foi adotado, inicialmente, para permitir a adequada proteção dos direitos fundamentais, notadamente os previstos na 14ª Emenda, no que se refere à proteção contra a discriminação (racial, religiosa e de gênero). Hoje, não obstante tenha sido superado o dogma de que as motivações legislativas não são judicializáveis, propõe-se que o exame das motivações legislativas adquira relevância para o controle de constitucionalidade apenas quando o ato normativo produz certos efeitos reais não albergados pela Constituição[11].
Nessa perspectiva, caberia voltar a nossa indagação, a respeito da viabilidade de declarar de inconstitucionalidade de uma norma que tenha atendido os interesses escusos de uma dada empresa.
De um lado, poderia se argumentar que, se a corrupção tiver sido causa suficiente para a edição do ato normativo, estaria viciada a vontade dos representantes e comprometida a motivação legislativa, a justificar o reconhecimento de sua inconstitucionalidade. Por outro lado, o atendimento de interesses escusos não significa necessariamente que os atos de corrupção tenham sido causa suficiente para a edição do ato normativo e que não se façam presentes razões jurídicas legítimas para a elaboração de uma lei geral e abstrata sobre determinado tema.
Para ilustrar, cogite-se da edição de uma lei instituindo programa de refinanciamento de dívidas tributárias que seja fruto de “atos de corrupção” de parlamentares. Essa lei pode ter beneficiado a empresa que a “encomendou” ilegitimamente para determinados parlamentares, mas também terá alcançado milhares de outros contribuintes que são totalmente estranhos ao processo de produção da legislação.
Pode-se opor a essa dificuldade, própria do juízo proferido em controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, que a censura pela edição de ato derivado de motivação espúria é cabível no controle difuso, concreto e incidental, com o afastamento da aplicação do ato normativo inconstitucional para aquele que diretamente deu causa ao vício na formação da vontade política e dela se beneficiou. Essa discussão poderia surgir, por exemplo, em ação de improbidade ajuizada contra aqueles que praticaram tais atos.
De todo modo, cumpre concluir que o grau de deformação do sistema político alcançou, no Brasil, não apenas o sistema político-eleitoral, mas também espraiou seus efeitos para o sistema legislativo, o que pode conduzir a uma nova reflexão sobre os limites do controle de constitucionalidade, que deve sempre estar atento aos perigos de uma judicialização excessiva da política. Sendo ou não motivo de orgulho, cabe-nos reconhecer a possibilidade de o Direito Constitucional brasileiro oferecer mais uma contribuição original para o rico debate sobre os limites do controle de constitucionalidade.

* Esta coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
 
[3] WALDRON, Jeremy. A dignidade da legislação. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Cap. 1: a indignidade da legislação (especialmente pp. 13-20).
[4] AP 470, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-074 DIVULG 19-04-2013 PUBLIC 22-04-2013
[5] MORAIS, Carlos Blanco. Justiça Constitucional. Tomo I (Garantia da Constituição e Controlo da Constitucionalidade). 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p.149.
[6] MORAIS, Carlos Blanco. Justiça Constitucional. Tomo I (Garantia da Constituição e Controlo da Constitucionalidade). 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p.138.
[7] ADI 432, Rel. Min. Celso De Mello, Tribunal Pleno, julgado em 15/05/1991, DJ 13/9/1991. Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal entendeu que não seria possível exercer juízo de constitucionalidade, em sede de controle concentrado, de portarias ministeriais a partir de consideranda do ato estatal.
[8] Vide decisão monocrática proferida nos autos da ADI 2.548, em 18/10/2005, pelo ministro Gilmar Mendes, na qual se cogitou a “a possibilidade efetiva de o Tribunal Constitucional lançar mão de quaisquer das perspectivas disponíveis para a apreciação da legitimidade de um determinado ato questionado. A constatação de que, no processo de controle de constitucionalidade, se faz, necessária e inevitavelmente, a verificação de fatos e prognoses legislativos, sugere a necessidade de adoção de um modelo procedimental que outorgue ao Tribunal as condições necessárias para proceder a essa aferição.” (Informativo 406 do STF).
[9] ELY, John Hart. Democracia e Desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 184.
[10] Caleb Nelson, Judicial Review of Legislative Purpose, 83 New York University Law Review, 1784, 2008.
[11] Caleb Nelson, Judicial Review of Legislative Purpose, 83 New York University Law Review, 1784, 2008. pp. 1.850-1857.

 é editor-chefe do Observatório da Jurisdição Constitucional. Doutor em Direito Constitucional pela USP e mestre em Direito do Estado pela UnB. Professor de processo civil e advogado.

Fonte: Consultor Jurídico

Lei 13.432/2017 limitou investigação por detetive particular (por Henrique Hoffmann Monteiro de Castro e Adriano Sousa Costa)

Entrou em vigor a Lei 13.432/17, com o propósito de disciplinar a atividade do detetive particular. Definiu sua natureza como não criminal (artigo 2º), exigiu contrato escrito com estipulação de honorários e prazo (artigos 7º e 8º) e confecção de relatório do serviço (artigo 9º), além de estabelecer vedações (artigo 10), deveres (artigo 11) e direitos (artigo 12). Possibilitou ainda a colaboração do detetive profissional com a investigação policial mediante autorização do contratante e aceite do delegado de polícia (artigo 5º). A lei não instituiu carteira de identidade profissional (como desejava a versão inicial do projeto de lei) nem concedeu porte de arma de fogo ao detetive. A regulamentação é complementada pela Lei 3.099/57 e pelo Decreto 50.532/61, que não foram revogados expressa ou tacitamente pela Lei 13.432/17.

O detetive particular pode atuar “por conta própria ou na forma de sociedade civil ou empresarial” (artigo 2º). Caso opte por constituir sociedade, deve estar registrada na Junta Comercial do estado respectivo (artigo 1º da Lei 3.099/57), bem como na delegacia de polícia do local de atuação (artigo 1º do Decreto 50.532/61).

A atuação do detetive é restrita territorialmente. Não altera essa constatação o fato de ser direito do detetive (artigo 12, I) exercer a profissão “em todo o território nacional”, pois isso deve ser feito “na forma desta Lei”, ou seja, observando a exigência de estipulação contratual do “local em que será prestado o serviço” (artigo 8º, V).

A legislação não criou a figura de investigador privado, eis que a atuação do detetive particular deve ser extrapenal. Sua função é de coleta de informações de natureza não criminal, limitando-se ao “esclarecimento de assuntos de interesse privado do contratante” (artigo 2º), que constituem, ao menos em princípio, irrelevantes penais (tais como infidelidade conjugal e desaparecimento de pessoas ou animais).

Sua atividade é movida pelo lucro (artigo 8º, VI), e não pelo interesse público. Por isso, foi vetado o dispositivo (artigo 12, V) que o definia como “profissional colaborador da Justiça e dos órgãos de polícia judiciária”, justamente para evitar “confusão entre atividade pública e privada, com prejuízos a ambas e ao interesse público”.

Com efeito, a investigação criminal continua sendo atividade essencial e exclusiva de Estado, em homenagem ao princípio da oficialidade, o que significa dizer que as funções de apuração de infrações penais e de polícia judiciária são exercidas pela polícia judiciária, com a presidência do procedimento policial nas mãos do delegado de polícia (artigo 144 da CF e artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 12.830/13). Eventual contrato que ajustar a investigação criminal como objeto é nulo em razão da expressa vedação legal (artigo 2º).

E nem mesmo a reunião de dados de interesse privado é exclusiva do detetive profissional, conforme consignam os vetos aos artigos 1º e 3º, podendo perfeitamente ser exercida, por exemplo, por um advogado.

A lei não empregou os termos investigação ou apuração, preferindo coleta de dados e informações (artigos 2º, 9º e 10, III e V), deixando claro que não se confunde com a investigação criminal ou tampouco com a atividade de inteligência.

Diferencia-se da investigação criminal, pois o detetive profissional não possui poder de polícia (não pode condicionar a liberdade e a propriedade dos indivíduos mediante ações preventivas e repressivas). A coleta particular de dados é desprovida dos atributos da discricionariedade, autoexecutoriedade e coercibilidade, inexistindo supremacia do seu agir em relação ao particular, ao contrário da atuação do membro da polícia judiciária (artigo 144 da CF, artigo 2º, parágrafo 2º da Lei 12.830/13 e artigo 6º do CPP).

Também se distingue da atividade de inteligência, executada para obtenção de dados negados de difícil acesso e/ou para neutralizar ações adversas marcadas por dificuldades e/ou riscos iminentes. A compilação privada de elementos de convicção não abrange o emprego de pessoal, material e técnicas especializadas (Portaria 2/16 do Ministério da Justiça, que aprovou a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública).

Ou seja, o detetive está longe de ser um policial privado ou um agente de inteligência particular. Age como um despachante do cliente, arrecadando informações de natureza não criminal, como pode ser feito por qualquer pessoa; inclusive pelo contratante, que todavia preferiu a comodidade de pagar para que alguém faça esse serviço em seu lugar. Isto é, cuida-se de um contrato específico de prestação de serviços (sinalagmático, oneroso e intuitu personae). A Lei 13.432/17 não conferiu ao prestador do serviço qualquer prerrogativa ou vantagem na coleta de dados, pelo contrário, trouxe mais exigências para a formalização do contrato e admitiu sua colaboração somente dentro de rígidos limites.

Sua atuação é apenas complementar. Não pode executar técnicas ordinárias de investigação (tais quais oitivas e quebra de sigilo de dados) nem meios extraordinários de obtenção de prova (como infiltração policial comum ou virtual). Também não tem autorização para implementar ações de inteligência de segurança pública (a exemplo de vigilância e entrevista).

O detetive não pode participar diretamente de diligência policial (artigo 10, IV). Além disso, os recursos de pesquisa permitidos ao contratado são apenas aqueles disponíveis a qualquer cidadão, que não podem atingir direitos fundamentais alheios (artigo 3º do Decreto 50.532/61), sendo um de seus deveres justamente “respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem das pessoas” (artigo 11, II).

Outrossim, o detetive pode apenas pesquisar informações em fontes abertas (tais quais redes sociais e sites de órgãos públicos e privados), em locais públicos (como vias públicas e áreas não restritas de estabelecimentos) e sem molestar envolvidos (vítima, testemunha ou suspeito). Sua atuação se dá por meio da sugestão de fontes de prova (a exemplo de indicação de testemunha, localização de objeto e exibição de documento e apontamento de dados). A efetiva obtenção do meio de prova (intimação e oitiva da testemunha, apreensão e perícia na coisa e requisição de dados) será feita pela polícia judiciária, sob o manto estatal.

Não vingou a redação original do Projeto de Lei 1.211/11, que autorizava o detetive a realizar investigação criminal, por meio de diligências como “relatórios de investigações privadas, juntando descrições, croquis, gráficos, fotografias, filmes e gravações magnéticas” referentes a “situação hipotética envolvendo fato, criminoso ou não”. Nessa esteira, o relatório a que faz menção o artigo 9º consiste em simples prestação de contas ao contratante em relação ao serviço realizado, e não documentação de diligência de investigação criminal, razão pela qual não deve ser juntado no procedimento policial.

A limitação do trabalho do detetive é essencial para garantir a higidez da persecução penal e evitar a perda de uma chance probatória, além de preservar a própria integridade física do detetive, que atua desarmado, sem identidade profissional e movido por interesse financeiro.

A atuação do detetive fora dos limites enseja responsabilidade pessoal e ilicitude de provas.

O detetive particular que exceder aos limites da chancela autorizadora do delegado de polícia será responsabilizado por usurpação de função pública (artigo 328 do CP), pois não abarcado pela excludente de ilicitude de exercício regular de direito (artigo 23, III do CP), admitindo-se cumulação de outras infrações penais como violação de domicílio (artigo 150 do CP), lesão corporal (artigo 129 do CP), interceptação telefônica clandestina (artigo 10 da Lei 9.296/96) ou perturbação da tranquilidade (artigo 65 da LCP).

Ademais, se a obtenção da informação pelo detetive ocorrer mediante violação de normas legais ou constitucionais (realizando ato típico de investigação criminal ou inteligência de segurança pública, em vez de se limitar a pesquisar em locais públicos e fontes abertas), a prova será ilícita e não poderá ser aproveitada (artigo 5º, LVI da CF e artigo 157 do CPP).

Excepcionalmente, a ilicitude de prova clandestina será excluída por aplicação da máxima da proporcionalidade, quando a colheita ilícita da prova se der para o suspeito se defender e provar sua inocência (prova ilícita pro reo)[1], ou a vítima proteger seu bem jurídico ofendido ou colocado em risco (prova ilícita em legítima defesa)[2], podendo se valer de auxílio técnico do detetive[3]. Sublinhe-se: apenas como desvio da regra geral.

Como regra, o detetive atua em situação penalmente atípica (a exemplo de levantamento da vida pregressa de um postulante a cargo em empresa, verificação da idoneidade de contratante ou constatação das companhias de um filho). Entretanto, muitas situações (como o inadimplemento contratual e o desaparecimento de pessoa) se encontram no limbo entre o que é extrapenal e penal; ocasiões em que geralmente a polícia judiciária possui dados precários que não se qualificam como indícios mínimos aptos a ensejar a instauração de inquérito policial.

Nesse contexto sobressai a verificação da procedência das informações (artigo 5º, parágrafo 3º do CPP). Possui a finalidade de comprovação da verossimilhança da notitia criminis apresentada[4], evitando a instauração despropositada de inquérito policial se não houver evidência mínima da infração penal[5]. Permite a confirmação ou não da notícia de crime, de modo que a instauração do inquérito policial ocorrerá apenas se diante de início de justa causa (juízo de possibilidade), sob pena de trancamento[6].

Nessa vereda, a colaboração do detetive, quando autorizada, possui como principal utilidade servir de elemento de convicção que permita a deflagração do inquérito policial, e não instruir um procedimento policial já instaurado. Isso porque, se o inquérito policial está em curso, é sinal de que o delegado já obteve os mínimos dados necessários e a polícia judiciária já definiu caminho investigativo para extrair os meios de prova, sendo o aprofundamento da investigação incompatível com a possibilidade limitada de atuação do detetive. Apenas excepcionalmente deve ser admitida a participação do contratado para indicar fontes de prova ainda não conhecidas do Estado-Investigação.
Além do mais, a atuação do advogado já é suficiente para tutelar os direitos do investigado ou da vítima no inquérito policial. O trabalho que o detetive particular poderia exercer será melhor realizado pelo causídico, já que o rol de ferramentas do advogado em muito excede ao do detetive particular, a exemplo da apresentação de razões e quesitos (artigo 7º, XXI da Lei 8.906/94) e acesso às diligências concluídas do inquérito policial (artigo7º, parágrafo 11 do Estatuto da OAB e Súmula Vinculante 14 do STF), bem como requerimento de diligências (artigo 14 do CPP).

O detetive sequer pode requerer diligências em nome do cliente (artigo 14 do CPP), pois celebra contrato de prestação de serviços de coleta de dados (artigos 2º e 8º da Lei 13.432/17), e não de mandato (artigo 653 do CC e artigo 1º, II do Estatuto da OAB) que o habilitaria a pleitear perante a polícia judiciária.

Em epítome, a partir da instauração do inquérito policial, desaparece a legitimidade do detetive particular, ganhando relevo a atuação do advogado na defesa dos interesses de seu cliente.

A colaboração do detetive profissional com a investigação policial deve ser precedida de autorização do cliente e concordância do delegado de polícia (artigo 5º).

A anuência do contratante deve ser expressa (por escrito) e específica (documento à parte, não bastando cláusula genérica no contrato). Isso porque o pacto negocial possui natureza não criminal e fugiria ao espírito da lei uma autorização geral para colaboração criminal que não passasse pelo crivo especial do cliente.

Intitulamos o documento que formaliza a colaboração de termo de colaboração particular circunstanciada. O nome do documento já permite a identificação das principais características:

a) termo de colaboração: autorização escrita do delegado de polícia para que o detetive auxilie a polícia judiciária provendo elementos mínimos iniciais;
b) particular: o detetive atua em caráter privado, preservando a oficialidade da investigação criminal e a presidência do procedimento policial nas mãos do delegado de polícia (sem qualquer protagonismo do prestador de serviço);
c) circunstanciada: a atuação do detetive deve ser especificada do modo mais detalhado possível. É restrita, não podendo o detetive participar diretamente de diligência policial (artigo 10, IV) e só podendo realizar pesquisas disponíveis a qualquer cidadão, sem imperatividade e sem atingir direitos fundamentais alheios (artigo 11, II e artigo 3º do Decreto 50.532/61).
Caso já disponha de informações, o detetive deve imediatamente fornecê-las indicando as fontes de prova (pessoas e coisas) de onde a polícia judiciária possa extrair os elementos de convicção. Se não dispuser dos dados, a busca pode ser feita em determinado lapso temporal fixado pelo delegado (que não irá extrapolar o prazo estabelecido no contrato firmado pelo detetive e seu cliente para atuação não criminal — artigo 8º, II).

Deve ficar registrado no termo qual é o interesse do cliente para motivar a proposição de colaboração na investigação policial, seja na condição de vítima ou suspeito. Não pode o detetive colaborar com o Estado quando não houver interesse particular a ser tutelado (como no caso de crimes vagos).

Além disso, o detetive não pode atuar em investigação policial relativa a crimes violentos, ocasião em que deve não só se abster de colaborar com a polícia judiciária, mas inclusive renunciar ao serviço contratado face ao risco à sua integridade física ou moral (artigo 12, III).

São anexos obrigatórios do termo: a) autorização expressa do contratante, que deve ser feita por escrito; b) contrato de prestação de serviços do detetive para seu cliente (artigo 8º), que precisa conter a qualificação completa, natureza da coleta de dados não criminais (especificação do problema, tal qual infidelidade conjugal), local de coleta de dados, prazo, relação de documentos e dados fornecidos pelo contratante e estipulação de honorários.

Não se exige concordância do Ministério Público nem chancela judicial.

A ação penal do crime não afeta a possibilidade de colaboração. Em crimes de ação penal pública condicionada ou privada, caso o contratante seja a vítima, sua autorização já constituirá a condição de procedibilidade para deflagração do procedimento policial.

A autoridade de polícia judiciária pode exercer juízo de retratação e voltar atrás em seu ato discricionário para determinar a qualquer tempo a cessação da colaboração em curso (artigo 5º, parágrafo único da Lei 13.432/17); o contratado também deve interromper o auxílio em caso de extinção do contrato (pressuposto da colaboração) em razão da rescisão por inadimplemento ou força maior (artigo 607 do CC).

A participação do detetive particular no curso da investigação policial é uma discricionariedade do delegado de polícia, e não uma prerrogativa profissional. Registre-se ainda que não há qualquer menção sobre a possibilidade de tal profissional auxiliar no curso do processo criminal.

É vedado ao detetive divulgar os meios e os resultados da coleta de dados e informações a que tiver acesso no exercício da profissão, salvo em defesa própria (artigo 10, III).

E é seu dever profissional preservar o sigilo das fontes de informação (artigo 11, I). Obviamente esse segredo não pode impedir o fornecimento de documentos e indicação de pessoas e coisas pelo detetive ao delegado, se autorizado a colaborar com a investigação criminal.

É crível concluir que a lei não promoveu alargamento na utilização da investigação criminal privada (e sua espécie investigação criminal defensiva)[7], ao contrário do que ocorreria com aprovação do novo Código de Processo Penal (Projeto de Lei 156/09, artigo 13), que faculta ao investigado entrevistar pessoas. Na atual sistemática, a vítima ou suspeito não pode produzir a prova com imperatividade.

Para que a informação obtida pelo particular se revista de idoneidade a embasar a persecução penal, já que não possui fé pública, deve ser submetida à supervisão estatal, sem a qual não há como assegurar a confiabilidade dos relatos[8]. Incide a chamada teoria da canalização, segundo a qual o elemento de convicção, para ser considerado válido e aproveitável na persecução criminal, deve obter a chancela estatal, dando verniz de oficialidade. Além disso, a ação instrutória do particular não pode obstruir a investigação policial por meio de inovação artificiosa do estado de lugar, coisa ou pessoa, sob pena de crime (artigo 347 do CP).


[1] STF, RE 402.717, rel. min Cezar Peluso, DJ 2/12/2008.
[2] STJ, REsp 1.026.605, rel. min. Rogerio Schietti Cruz, DJ 13/5/2014.
[3] Para gravação de conversa telefônica ou ambiental, por exemplo.
[4] STJ, RHC 14.434, rel. min. Jorge Scartezzini, DJ 1/4/2004.
[5] COSTA, Adriano Sousa; SILVA, Laudelina Inácio da. Prática policial sistematizada. Niterói: Impetus, 2016.

Fonte: Consultor Jurídico
[6] STF, HC 132.170 AgR, rel. min Teori Zavascki, DJ 16/2/2016.
[7] MACHADO, André Augusto Mendes. Investigação criminal defensiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
[8] STF, AP 912, rel. min. Luiz Fux, DJ 14/2/2017.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Lei n.º 13.260/2016 - Regulamenta o dispositivo da CF/88 disciplinando o terrorismo e reformulando o conceito de organização terrorista

LEI Nº 13.260, DE 16 DE MARÇO DE 2016
Regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista; e altera as Leis nºs 7.960, de 21 de dezembro de 1989, e 12.850, de 2 de agosto de 2013.
 A PRESIDENTA DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Esta Lei regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista.
Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
§ 1º São atos de terrorismo:
 I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
II - (VETADO);
 III - (VETADO);
IV - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;
V - atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.
Art. 3º Promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista: Pena - reclusão, de cinco a oito anos, e multa.
§ 1º ( V E TA D O ) .
§ 2º ( V E TA D O ) .
Art. 4º ( V E TA D O ) .
Art. 5º Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito:
Pena - a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.
 § 1º Incorre nas mesmas penas o agente que, com o propósito de praticar atos de terrorismo:
I - recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade; ou
II - fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade.
§ 2º Nas hipóteses do § 1º, quando a conduta não envolver treinamento ou viagem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade, a pena será a correspondente ao delito consumado, diminuída de metade a dois terços.
Art. 6º Receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos nesta Lei: Pena - reclusão, de quinze a trinta anos.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem oferecer ou receber, obtiver, guardar, mantiver em depósito, solicitar, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de ativo, bem ou recurso financeiro, com a finalidade de financiar, total ou parcialmente, pessoa, grupo de pessoas, associação, entidade, organização criminosa que tenha como atividade principal ou secundária, mesmo em caráter eventual, a prática dos crimes previstos nesta Lei.
Art. 7º Salvo quando for elementar da prática de qualquer crime previsto nesta Lei, se de algum deles resultar lesão corporal grave, aumenta-se a pena de um terço, se resultar morte, aumenta-se a pena da metade.
Art. 8º ( V E TA D O ) .
Art. 9º ( V E TA D O ) .
Art. 10. Mesmo antes de iniciada a execução do crime de terrorismo, na hipótese do art. 5º desta Lei, aplicam-se as disposições do art. 15 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.
Art. 11. Para todos os efeitos legais, considera-se que os crimes previstos nesta Lei são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal.
Parágrafo único. (VETADO).
Art. 12. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em vinte e quatro horas, havendo indícios suficientes de crime previsto nesta Lei, poderá decretar, no curso da investigação ou da ação penal, medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei.
§ 1º Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.
§ 2º O juiz determinará a liberação, total ou parcial, dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem e destinação, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal.
§ 3º Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º.
§ 4º Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas.
Art. 13. Quando as circunstâncias o aconselharem, o juiz, ouvido o Ministério Público, nomeará pessoa física ou jurídica qualificada para a administração dos bens, direitos ou valores sujeitos a medidas assecuratórias, mediante termo de compromisso.
Art. 14. A pessoa responsável pela administração dos bens:
 I - fará jus a uma remuneração, fixada pelo juiz, que será satisfeita preferencialmente com o produto dos bens objeto da administração;
II - prestará, por determinação judicial, informações periódicas da situação dos bens sob sua administração, bem como explicações e detalhamentos sobre investimentos e reinvestimentos realizados.
Parágrafo único. Os atos relativos à administração dos bens serão levados ao conhecimento do Ministério Público, que requererá o que entender cabível.
Art. 15. O juiz determinará, na hipótese de existência de tratado ou convenção internacional e por solicitação de autoridade estrangeira competente, medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores oriundos de crimes descritos nesta Lei praticados no estrangeiro.
§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo, independentemente de tratado ou convenção internacional, quando houver reciprocidade do governo do país da autoridade solicitante.
§ 2º Na falta de tratado ou convenção, os bens, direitos ou valores sujeitos a medidas assecuratórias por solicitação de autoridade estrangeira competente ou os recursos provenientes da sua alienação serão repartidos entre o Estado requerente e o Brasil, na proporção de metade, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé.
Art. 16. Aplicam-se as disposições da Lei nº 12.850, de 2 agosto de 2013, para a investigação, processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei.
Art. 17. Aplicam-se as disposições da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, aos crimes previstos nesta Lei.
Art. 18. O inciso III do art. 1º da Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, passa a vigorar acrescido da seguinte alínea p:
"Art. 1º ..................................................................................................................
..............................................................................................................................
III - ........................................................................................................................
..............................................................................................................................
 p) crimes previstos na Lei de Terrorismo." (NR)
Art. 19. O art. 1º da Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, passa a vigorar com a seguinte alteração:
Art. 1º ..................................................................................................................
............................................................................................................................
§ 2º .....................................................................................................................
............................................................................................................................
II - às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos." (NR)
Art. 20. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 16 de março de 2016; 195º da Independência e 128º da República.
DILMA ROUSSEFF
Wellington César Lima e Silva
Nilma Lino Gomes

domingo, 14 de agosto de 2016

'Cotas minimizam o tratamento desigual dos negros', defende especialista


O Ministério do Planejamento divulgou nesta quarta-feira (uma orientação normativa para assegurar a veracidade da autodeclaração de candidatos que concorrem às vagas reservadas a negros ou pardos

O Ministério do Planejamento anunciou uma nova regra para assegurar a veracidade da autodeclaração de candidatos que concorrem às vagas reservadas a negros ou pardos, 20% do total de acordo com a Lei nº 12.990, de 2014. Agora, os candidatos deverão comparecer frente à banca avaliadora para comprovar se são realmente negros. Quem se submeter à verificação será analisado só pela aparência (fenótipo). Os que não forem considerados negros ou pardos terão direito a recurso. Caso seja constatado que a declaração de negro ou pardo é falsa, o candidato será eliminado do concurso. Se já tiver sido nomeado, poderá ter sua admissão anulada e até responder a um procedimento administrativo.

A duração prevista para o sistema é de 10 anos. Na avaliação da professora de direito constitucional Nelma Fontana, as cotas vão além de ampliar a participação dos negros no ambiente público. São uma forma de retratar a falta de integração desse grupo na sociedade. “As cotas minimizam o tratamento desigual dos negros, seja nas universidades, seja nos órgãos públicos. A lei é só uma forma de incentivar a igualdade. Não vai durar para sempre”, destacou.

De acordo com Fontana, o caminho para a igualdade racial passa por ensino de qualidade. “São necessários melhores serviços básicos. Mas o mais importante é a educação igualitária para todos. O conhecimento, se bem trabalhado, se torna libertador”, enfatizou.

Os editais dos concursos públicos deverão estabelecer, com detalhes, os métodos de verificação a serem adotados por uma comissão deliberativa. Será necessário, por exemplo, especificar quando, antes da homologação do resultado final, será feita a avaliação.A orientação vale para todos os órgãos da administração pública federal, autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União. Os concursos em andamento que ainda não têm prevista a verificação da autodeclaração deverão retificar seus editais.

O texto da lei determina que, no ato de inscrição no concurso público, o candidato que queira concorrer pelo sistema de cotas se declara de cor preta ou parda, de acordo com o quesito de cor e raça usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O texto também determina que os editais informem o total de vagas correspondentes à cota para cada cargo ou emprego público oferecido.

Opinião de candidato
Para o analista de finanças Daniel Siqueira, 26 anos, que estuda há três para concursos públicos, a nova regra sobre a banca avaliadora das cotas raciais pode diminuir consideravelmente o número de fraudes. “É triste um país com a maioria da população negra ainda necessitar de programas que assegurem a presença dessas pessoas em universidades e cargos públicos. Mas acredito que, com a nova medida, o programa pode ter o resultado que foi planejado desde o inicio, para a igualdade”, analisou.

Já a estudante Marília Terra, 24 anos, critica a falta de fiscalização por parte do governo quanto ao cumprimento das cotas até agora. “É preciso que isso seja fiscalizado para que as vagas sejam ocupadas realmente por negros. Não estamos pedindo nada, é o nosso direito assegurado pela lei”, afirmou.

Fonte: CorreioWeb

terça-feira, 22 de abril de 2014

Senado aprova Marco Civil da Internet

  • Moreira Mariz/Agência Senado
    Senadores votam pela aprovação do Marco Civil sem alterações ao texto que pudessem levar o projeto de lei volta à Câmara 
  •  Senadores votam pela aprovação do Marco Civil sem alterações ao texto que pudessem levar o projeto de lei volta à Câmara



















O Senado aprovou na noite desta terça-feira (22) o Marco Civil da Internet, que segue agora para sanção presidencial. A votação se deu 28 dias após aprovação na Câmara dos Deputados, onde a proposta do relator Alessandro Molon (PT-RJ) foi debatida por quase três anos e chegou a trancar a pauta por cinco meses.

Após pressão do governo, a aprovação no Senado foi feita a tempo de transformar o texto em lei antes do evento NetMundial, que será realizado em São Paulo a partir de quarta (23). A abertura do encontro internacional será feita pela presidente Dilma Rousseff, que deve levar o Marco Civil ao evento como "marca" de sua gestão no setor.

A pressa da votação do texto, que tramitava em caráter de urgência, gerou diversas críticas por parte dos senadores. Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Alvaro Dias (PSDB-PR) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) estavam entre os opositores da votação nesta terça, pedindo mais tempo para análise e possíveis alterações na proposta. Ferreira  lembrou que a oposição poderia impedir a votação obstruindo-a ou apresentando emendas de plenário, mas que não faria isso. Ele apenas lamentou a posição da presidente Dilma e o "afã dos senadores em querer agradá-la". 
Joel Rodrigues/Folhapress
Senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) conversa com o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do Marco Civil

O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-BA), desistiu de uma mudança que faria na redação. Ela forçaria a volta do projeto à Câmara dos Deputados e impediria a aprovação do Marco Civil a tempo do evento NetMundial.

A emenda de Braga sugeria alteração no artigo 10, que trata do acesso de autoridades a dados pessoais dos internautas.

O objetivo era deixar a redação do artigo mais clara com a troca do termo "autoridades administrativas", considerado vago, por "delegado de polícia e o Ministério Público". Porém, o senador afirmou que aceitaria a edição desse trecho por meio de medida provisória.

Aprovações em comissões
Na manhã desta terça, a CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) e a CCT (Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática) do Senado fizeram uma "aprovação relâmpago" do projeto – na CCT, o processo levou menos de dois minutos.

O projeto também tramitava na CMA (Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle), que cancelou a reunião para analisar o texto.

O relator na CCJ, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), rejeitou 40 das 43 emendas apresentadas– os trechos alterados tratavam de mudanças de texto, mas não de conteúdo. Duas foram acatadas na forma de emendas de redação. Outra foi retirada a pedido do autor.

Entenda o Marco Civil
O projeto equivale a uma "Constituição", com os direitos e deveres dos internautas e empresas ligadas à web. No ano passado, depois das denúncias sobre espionagem nos EUA, o governo federal enviou pedido à Câmara para que tramitasse em regime urgência constitucional (sem definição, chegou a trancar a pauta por cinco meses).

O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 25 de março, depois de a votação ser adiada por pelo menos dois anos – o principal motivo eram pontos considerados polêmicos. A questão mais controversa é a chamada neutralidade da rede, que propõe tratamento igual de todo tipo de conteúdo, sem distinção por conteúdo, origem e destino.

De um lado nessa batalha ficaram as empresas de telecomunicações, que reivindicam o direito de vender pacotes fechados de internet (como planos para celular que limitam acesso a redes sociais e sites pré-determinados). Durante os embates, o líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), chegou a dizer que este princípio poderia encarecer o acesso dos brasileiros à internet.

De outro, estavam os provedores de internet (como UOL, Terra, IG e Globo): eles defendiam que esses planos com conteúdo pré-definido limitam a liberdade do usuário e impedem que novas empresas de conteúdo digital ganhem espaço no mercado.

Por padrão, alguns dados têm prioridade no tráfego: é o caso dos pacotes VoIP (voz sobre IP), que precisam chegar rapidamente em sequência para que a ligação faça sentido. Já no caso de um e-mail, um pequeno atraso não teria impacto tão negativo. Mas a neutralidade quer impedir interferências que limitem a oferta de conteúdo.

Fonte: Tecnologia Uol

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Lei obriga que crianças de 4 anos sejam matriculadas na pré-escola


O governo federal publicou no "Diário Oficial da União" desta sexta-feira uma nova lei que obriga a disponibilização de vagas para todas as crianças de quatro anos na pré-escola. Já os pais ou responsáveis devem fazer a matrícula deles. O texto altera uma lei de 1996 que estabelecia a idade mínima obrigatória para o ingresso na escola como seis anos.

Segundo o MEC, a publicação adequa a lei a uma emenda constitucional de 2009 que já determinava "educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos 17 anos". A emenda também já dava às redes estaduais e municipais de educação um prazo até 2016 para se adequar e oferecer vagas para atender essa faixa etária.

A publicação no Diário Oficial aponta que "a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até cinco anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade".

O texto publicado hoje também divide a educação básica obrigatória em pré-escola, ensino fundamental e ensino médio. Ele garante ainda atendimento aos jovens em todas essas etapas "por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde".

Na pré-escola, os jovens deverão ser avaliados mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento, mas sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental. Também deve haver "controle de frequência exigindo a frequência mínima de 60% do total de horas".

sábado, 3 de novembro de 2012

Um ataque contra a sua privacidade


Nova lei da internet, em discussão no congresso, coloca em risco as informações privadas dos brasileiros que acessam a rede

Izabelle Torres
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A privacidade dos 71 milhões de brasileiros que navegam na internet vale muito dinheiro e está em risco no debate em torno das regras para o funcionamento da rede mundial de computadores no Brasil. O texto do marco civil da internet em discussão no Congresso vem atraindo um jogo de lobbies e deixa brechas à proteção de dados dos usuários. A nova legislação permite que as informações pessoais que circulam pelos sites acionados pelos internautas sejam usadas para alimentar o mercado de publicidade direcionada.
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Apesar de assegurar, à primeira vista, a inviolabilidade dos dados, o texto em tramitação agride a privacidade do usuário, como pode ser conferir numa leitura mais atenta da proposta. O perigo mora no artigo do projeto que supostamente garantiria os direitos dos internautas. Apesar de proibir o fornecimento a terceiros de registros de conexão e acesso, o texto abre exceção para casos em que o próprio usuário dá “consentimento livre, expresso e informado” para o uso de seus dados. Isso acontece, na maioria das vezes, sem que a pessoa se dê conta. Ocorre que praticamente todos os termos de adesão para a criação de contas de e-mails ou redes sociais incluem essa autorização automática. O cliente não tem opção: ou concorda com os termos de uso ou simplesmente não usa os serviços. A artimanha garante aos provedores de serviços o acesso a dados dos internautas. A invasão se dá na forma de uma aparente coincidência: o internauta comenta sobre um produto ou serviço na rede e logo passa a ser bombardeado por anúncios.
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A manobra é replicada nos cadastros de sites de compras e outros serviços online. Ela é mais flagrante no Google. Ali, para abrir uma conta no Gmail, o usuário esbarra num termo de adesão escrito apenas em inglês, no qual abre mão da privacidade. “Você concorda que o Google pode usar seus dados de acordo com a política de privacidade”, diz um trecho do contrato. Na rede social Facebook não é diferente. Ao se cadastrar, o internauta precisa aprovar os termos do acesso, que na prática representam a autorização para o uso dos dados de navegação. “Usamos as informações que recebemos sobre você em relação aos serviços e recursos que fornecemos a você e a outros usuários, como seus amigos, nossos parceiros, os anunciantes que compram anúncios no site e os desenvolvedores que criam os jogos, aplicativos e sites que você usa”, informa o termo.
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Enquanto provedores de serviços como e-mail e rede social se beneficiam dos contratos para lhes garantir o acesso e o uso de informações dos usuários, provedores de conexão, como as companhias telefônicas, fecham parcerias milionárias com empresas especializadas em rastrear a navegação. A multinacional Phorm é uma dessas empresas e hoje presta serviços para a Oi e a Telefônica no Brasil. Sua missão é traçar o perfil dos internautas e descobrir seus interesses de navegação. São provedores de acesso como as duas empresas de telefonia que mais brigam para que o marco da internet não as deixe de fora do clube de quem fatura em cima da privacidade dos internautas. O argumento é que os sites de e-mails e redes sociais já fazem esse rastreamento, mesmo sem previsão legal. “É uma briga grande, mas acreditamos que o texto da forma como está fechará muitas brechas”, alega o relator do projeto na Câmara, deputado Alexandre Molon (PR-RJ). “Sabemos que algumas empresas, como a Phorm, vivem dessa bisbilhotagem disputada pelo mercado da rede. Queremos frear esse comércio e impedir que a privacidade alimente os negócios. Acho que o marco é um avanço para isso.” O parlamentar não explica, porém, como vai garantir a privacidade dos usuários diante dos termos de adesão que o internauta encontra pelo caminho. O governo tem pressa na votação do texto. Um dos que pressionam pela aprovação ainda neste ano é o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo.
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GANHAM PARA VASCULHARDeputado Alexandre Molon (PT-RJ) diz que 
empresas vivem da bisbilhotagem
Na contramão do discurso de Molon, o especialista em direito eletrônico Renato Opice Blum, da Fundação Getulio Vargas, diz que a aprovação do marco não vai garantir a privacidade, mas apenas oficializar – se não aumentar – o comércio de publicidade direcionada que existe atualmente. “Esse texto não muda nada, uma vez que a maioria dos brasileiros autoriza o uso e a divulgação dos seus dados sem se dar conta. O problema é que ninguém costuma ler os contratos dos serviços”, diz. Para Blum, como a nova legislação não deve frear o comércio de informações, restará aos brasileiros ter cautela ao navegar na rede e, sobretudo, na hora de escolher os serviços que contrata. Diante da guerra de interesses, o único consenso entre os vários atores dessa discussão é que, aprovado o texto em debate no Congresso, ganharão força os negócios feitos à custa da privacidade do internauta.
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 Fotos: shutterstock; Sérgio Lima/Folhapress
Fonte: Revista Istoé - Ano 36 - Edição nº 2240

segunda-feira, 26 de março de 2012

A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ANTIDROGAS E A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA

Por Rogério Henrique Castro Rocha

 A nova Política Nacional Antidrogas, que culminou na aprovação da Lei n.º 11.343/2006, e que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), está baseada na aplicação da Justiça Restaurativa, substituindo a prática tradicional do encarceramento pela aplicação de penas alternativas (advertência, indicação de frequência a cursos educativos e prestação de serviços), voltadas precipuamente à reinserção social do usuário (dependente ou não) de drogas ilícitas.

A concepção político-ideológica presente na legislação anterior, denominada por alguns de "visão de holofote", situava a discussão sobre as drogas sob a ótica da punição, entendendo que as penas privativas de liberdade resolveriam o problema dos usuários/dependentes. Tal concepção não distinguia o usuário do traficante, dando-lhes, ao final, igual tratamento e dificultando em demasia a perspectiva de recuperação e reinserção do sujeito no seio da sociedade.

Ao abandonar-se a visão meramente punitiva em prol de sanções de caráter educativo, a legislação atual passa a considerar as múltiplas dimensões que envolvem a problemática das drogas.

O ser humano, nesse aspecto, necessita ser visto como pessoa em sua integralidade. Dessa forma, a inter/trans/multidisciplinaridade, integrada aos conhecimentos técnicos do corpo de profissionais envolvidos com a prestação jurisdicional, é de suma importância para se alcançar um resultado satisfatório no enfrentamento de tão complexas questões.

Nesse sentido, é fundamental, ainda, que se busque efetivar a mudança na cultura judiciária em face, sobretudo, da figura de usuários e dependentes de drogas, pois a visão jurídica outrora vigente mostra-se hoje ultrapassada.

O espírito que trouxe a lume a nova lei nos impele, da mesma forma, a uma mudança de olhar acerca da condição dos drogaditos. É necessário ao operador do direito usar de sensibilidade e sabedoria ao distinguir cada sujeito dentro do panorama fático e jurídico do uso de drogas. 

Para tanto, a aplicação da nova lei requer profissionais capacitados nos aspectos jurídico, ético e procedimental, para a realização de um trabalho cooperativo e transdisciplinar.

Igualmente, cabe a magistrados, promotores, defensores públicos, delegados e demais operadores do direito adotarem a postura segundo a qual é melhor conscientizar e tratar os usuários do que encarcerá-los.

Por outro lado, sem a participação do conjunto da sociedade a tarefa do Poder Judiciário se tornará muito mais árdua, com risco de se inviabilizar a efetividade da lei. Razão pela qual a prática desse novo paradigma (restaurativo), aliado à necessária mudança de cultura, talvez sejam os principais desafios à aplicação correta, à disseminação e consolidação de novas práticas junto ao Judiciário e a sociedade.

É essencial, portanto, a construção de um novo paradigma de abordagem e tratamento dos agentes, dando a cada um a devida atenção.  De fato, diferentemente do que vigorara nos antigos regramentos infraconstitucionais, não podemos mais confundir as figuras do usuário, do portador, do dependente e do traficante, como se os mesmos integrassem uma só e única categoria, tomando-os como passíveis das mesmas penalidades. Sob tal aspecto, pelo menos, a mentalidade da nova lei antidrogas mostrou alguma evolução.

Apesar dos pequenos avanços  alcançados pelas inconstantes políticas públicas no setor, observa-se que  ainda uma enorme resistência aos princípios filosóficos e teóricos que fundamentam o novel modelo restaurativo de Justiça. Ainda assim, talvez o passo mais decisivo para a superação desse obstáculo esteja sendo dado agora, quando se começa a construir, consensualmente, uma nova agenda nacional, coordenando ações que envolvem governo e sociedade, capacitando a comunidade jurídica por meio de cursos e treinamentos (como os que são promovidos pelo Conselho Nacional de Justiça), descentralizando ações e, por fim, estreitando os laços com a sociedade e a comunidade científica.

Rogério Henrique Castro Rocha

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