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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Menor bom é menor preso?



Marcelo Cipis
Maioridade
O que explica tanto clamor pelo encarceramento dos adolescentes infratores?
Nove em cada dez brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal, a despeito da oposição do governo federal, de juristas, da Igreja Católica e de organizações de direitos humanos
No início de abril, o universitário Victor Hugo Deppman, de 19 anos, foi abordado por um rapaz armado na porta de casa, em São Paulo. Mesmo após entregar o celular, sem esboçar qualquer reação, acabou executado com um tiro na cabeça. A morte brutal logo ganhou destaque na mídia e reacendeu um debate que se arrasta há mais de duas décadas no Brasil, sempre de volta à baila quando a classe média se vê vítima de novo ato de barbárie: a redução da maioridade penal. O assassino, soube-se mais tarde, era um adolescente infrator reincidente. Ele assumiu a autoria do crime, ocorrido três dias antes de completar 18 anos. Como não havia atingido a idade para a responsabilização criminal, voltou a cumprir medida socioeducativa na Fundação Casa. Antes dos 21 anos, deve estar solto, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Diante da repercussão na mídia e em meio aos protestos convocados por amigos e familiares, o instituto Datafolha saiu às ruas para aferir a opinião da população quanto à possibilidade da redução da maioridade penal, prevista em mais de 50 projetos em tramitação no Congresso. O resultado: 93% dos paulistanos mostraram-se favoráveis à responsabilização criminal de jovens a partir dos 16 anos, e não mais aos 18, como determina a atual legislação. A adesão maciça à ideia poderia ser influenciada pelo calor dos acontecimentos. Mas, passados dois meses, o Vox Populi voltou às ruas com a mesma pergunta, dessa vez em uma pesquisa de abrangência nacional. A conclusão foi estarrecedora: 89% dos entrevistados acham necessário encarcerar os adolescentes infratores.
Um consenso popular que desafia as políticas públicas em voga na sociedade. O resultado das pesquisas contraria a posição defendida pelos governos Lula e Dilma, a opinião de juristas que enxergam na proposta um “populismo penal”, o entendimento da Igreja Católica e de incontáveis organizações de defesa dos direitos da criança e do adolescente, a vislumbrar na redução da maioridade penal mais malefícios que benefícios. Curiosamente, nenhum outro tema polêmico da agenda nacional mobiliza tamanha concordância da população. Segundo diferentes pesquisas, proposições como pena de morte e casamento gay, por exemplo, costumam dividir a população ao meio. Ao menos um quarto defende a legalização da maconha ou a descriminalização do usuário de drogas. O que explicaria, então, o aparente paradoxo lógico? Por que boa parte da população que se mostra liberal em temas igualmente polêmicos é tão taxativa quando se trata de prender adolescentes como bandidos comuns?
“Não se pode dizer que todos os que apoiam a redução da maioridade penal são conservadores ou reacionários. Dentro de um universo tão amplo, há seguramente cidadãos com posições progressistas em relação a direitos civis e individuais, mas que se sentem acuados pela violência e seduzidos por soluções mágicas”, avalia o cientista político Marcos Coimbra, diretor do Vox Populi. “No mundo todo, há uma predisposição da opinião pública a acreditar que a violência só vai reduzir com mais repressão, mais prisões e penas mais duras. E não há uma defesa enfática do argumento contrário. Com a espetacularização dos crimes cometidos por menores na televisão, quem se dispõe a dizer abertamente que a prisão para os adolescentes não é justa?”
Especialistas, ONGs de direitos humanos e organismos internacionais bem que tentam demonstrar as falácias da proposta. “Os adolescentes são mais vítimas que autores de violência. Em 2011, eles foram responsáveis por, aproximadamente, 1,8 mil homicídios, 8,4% do total. No mesmo ano, 4,3 mil jovens entre 12 e 18 anos incompletos foram assassinados. Mas quando um garoto negro é morto na periferia poucos dão atenção. A mídia costuma dar destaque apenas quando cidadãos de classe média ou alta são as vítimas”, critica Mário Volpi, coordenador do programa de Cidadania dos Adolescentes do Unicef, ligado às Nações Unidas. “Em 2011, os homicídios cometidos por menores representaram 3,7% do total de casos no Brasil. Nos EUA, onde diversos estados tratam adolescentes como adultos, inclusive na eventual aplicação de pena de morte ou prisão perpétua, eles foram responsáveis por 11% dos assassinatos.”

Na avaliação do advogado Rafael Custódio, da ONG Conectas, o que está em jogo é a política penal que o Brasil pretende adotar. Se o foco é punitivo, o País tende a seguir o exemplo americano de encarceramento em massa. Trata-se de uma abordagem distinta do direito restitutivo, que preconiza a recuperação dos infratores para a futura reinserção social. “É impossível de isso ser feito num presídio comum, ainda mais com a atual superlotação. Hoje, a população carcerária brasileira é superior a 550 mil detentos, e há um déficit de 200 mil vagas. O Estado não garante a segurança dos presos, eles são alvo de extorsões do crime organizado. Para sobreviver nesse ambiente hostil, muitos se associam a facções criminosas.”

De fato, não parece fazer sentido jogar os 60 mil jovens que cumprem medidas socioeducativas em presídios convencionais se o objetivo é tirá-los do crime. Ainda que 43,3% deles sejam infratores reincidentes, no encarceramento adulto a média é ainda pior. Sete em cada dez presos que deixam o sistema penitenciário voltam ao crime, uma das maiores taxas de reincidência do mundo. Mas não deixa de ser legítima a preocupação da população com sua própria segurança, afirma Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia da Universidade de São Paulo. “Se a redução da maioridade penal não é boa, qual é a melhor opção? Deixar tudo como está? Estamos perdendo tempo com esse sim ou não para a mesma proposta, e os chamados ‘setores progressistas’ não apresentam alternativas.”

O filósofo teme que a solução simplista de reduzir a idade penal apenas sirva para antecipar a prática delituosa entre os adolescentes. Caso a maioridade passe a valer a partir dos 16 anos, por exemplo, o que garantiria que o tráfico não passasse a aliciar jovens de 13 ou 14 anos, por exemplo? De toda forma, propõe uma alternativa: “Quando um adulto alicia um menor para praticar um roubo e o adolescente mata uma pessoa, o adulto deveria ser responsabilizado pelo homicídio. O mesmo deveria valer para qualquer outro crime”.

A busca por opções também levou o vereador paulistano Ari Friedenbach (PPS) a propor outra inovação. Em 2003, ele sofreu com o brutal assassinato de sua filha Liana, de 16 anos, caso em que houve a participação de um adolescente. Defensor ardoroso da redução da maioridade penal, mudou de opinião. “É ineficaz, pois estimula os criminosos a recrutar adolescentes ainda mais novos”, pondera. “Mas não posso conceber que um estuprador ou um homicida de 16 anos cumpra no máximo três anos de internação. Por isso, acho que para cinco crimes de maior potencial ofensivo (homicídio, latrocínio, estupro, roubo à mão armada e sequestro) o adolescente deve, sim, ser julgado e condenado. Permanece numa instituição como a Fundação Casa até completar 18 anos e depois termina de cumprir a sentença num presídio comum.”

A proposta livraria da cadeia adolescentes envolvidos com pequenos furtos ou com tráfico de drogas, por exemplo. Estes continuariam a cumprir medidas socioeducativas nos moldes atuais. Mas o texto proposto pelo vereador ainda espera alguém disposto a apresentá-lo no Congresso. E os mais conservadores insistem na punição ampla e irrestrita. “Criança é quem toma mamadeira, faz xixi no colo da mãe e dorme no berço. Quem rouba, mata e estupra é bandido e ponto”, esbraveja o senador Magno Malta, autor de um projeto que prevê a responsabilização criminal de qualquer cidadão, independentemente da idade. Da Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado estadual Campos Machado puxa um abaixo-assinado para tentar emplacar um plebiscito sobre o tema. “É uma forma de furar a blindagem do governo federal, que impede a discussão do tema no Congresso. Vamos deixar o povo decidir.”

Se a disputa política assemelha-se a uma briga de foice, no meio jurídico o cenário não é tão distinto. Ministros do Supremo Tribunal Federal, como Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, já se manifestaram contra a alteração das regras. Mesma opinião tem o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra. “O sistema carcerário está superlotado, não é possível botar mais gente.” Mas uma pesquisa feita pela entidade em 2006, com mais de 3 mil entrevistados, revelou que 61% dos juízes brasileiros são favoráveis à proposta. Entre os promotores, a divergência também é grande. “Jogá-los na cadeia não resolverá nada, precisamos recuperar esses jovens”, opina o promotor paulista Fernando Henrique de Moraes Araujo, com 14 anos de experiência na Vara de Infância e Juventude. “É chocante a legislação permitir a impunidade dos adolescentes enquanto a violência está grassando na sociedade”, rebate o colega Oswaldo Monteiro da Silva Netto.

É um equívoco dizer que os menores infratores estão impunes. Se o cumprimento das medidas socioeducativas não está surtindo o efeito esperado, devemos reavaliar o trabalho feito com os jovens, e não jogá-los numa cela”, avalia a defensora pública paulistana Juliana Ribeiro. “As instituições que abrigam os infratores não funcionam adequadamente. Os monitores portam-se como carcereiros.

A escola reúne em uma mesma sala adolescentes de diferentes níveis de aprendizado. Os psicólogos e assistentes sociais estão sempre sobrecarregados. E são corriqueiras as denúncias de agressão contra os internos. Cansei de ver garotos com sinais de espancamento, cabeça rachada... É esse tratamento que precisa ser revisto, e não a legislação.”
*Matéria originalmente publicada na Carta Capital online

terça-feira, 10 de julho de 2012

Plágio: quando a cópia vira crime




Copiar de um autor é plágio; copiar de vários é pesquisa, criticou uma vez o cronista e dramaturgo estadunidense Wilson Mizner. Roubar uma ideia é como roubar um bem e o novo Código Penal (CP), em discussão no Congresso Nacional, deve endurecer as punições contra ofensas ao direito autoral, inclusive criando um tipo penal para o plágio.

O ministro Gilson Dipp, presidente da comissão que elaborou a proposta do novo código, afirmou que o objetivo é evitar a utilização indevida de obra intelectual de outro para induzir terceiros a erro e gerar danos. “O direito autoral estará melhor protegido com esses novos tipos penais e com a nova redação do que está hoje na lei vigente”, avaliou. O novo tipo define o delito como “apresentar, utilizar ou reivindicar publicamente, como própria, obra ou trabalho intelectual de outrem, no todo ou em parte”.

Atualmente, a legislação não oferece critérios específicos para definir juridicamente o plágio, e sua caracterização varia conforme a obra – músicas, literatura, trabalhos científicos etc. O tema é tratado principalmente na esfera civil ou enquadrado como crime contra o direito autoral, como descrito no artigo 184 do Código Penal, alterado pela Lei 10.695/03. O professor Paulo Sérgio Lacerda Beirão, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde e presidente da Comissão de Integridade e Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), destaca que a própria definição do plágio tem mudado ao longo da história, confundindo-se com a inspiração.

“Por exemplo, o dramaturgo inglês Willian Shakespeare foi acusado de ter plagiado Romeu e Julieta de outro autor. Na verdade, na época, haveria cinco versões diferentes do drama, com pequenas alterações e novos personagens, sendo uma prática comum na época”, contou. Outro escritor clássico, o espanhol Miguel de Cervantes, autor de Dom Quixote de La Mancha, chegou a escrever ao rei da Espanha contra as cópias e versões que sua obra sofria.

Segundo o professor, se o caso de Shakespeare ocorresse nos dias de hoje, provavelmente acabaria nos tribunais.

Música
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem tratado dessa temática em alguns julgamentos que envolvem personalidades artísticas conhecidas. É o caso do Agravo de Instrumento (Ag) 503.774, no qual foi mantida a condenação de Roberto Carlos e Erasmo Carlos por plágio de obra do compositor Sebastião Braga. A Justiça fluminense considerou que a música O Careta, supostamente composta pela dupla da Jovem Guarda, repetiria os dez primeiros compassos da canção Loucura de Amor, de Braga, evidenciando a cópia. A decisão foi mantida, em 2003, pelo ministro Ruy Rosado, então integrante da Quarta Turma do STJ.

Já o Recurso Especial (REsp) 732.482 dizia respeito a processo em que o cantor cearense Fagner foi condenado a indenizar os filhos do compositor Hekel Tavares, criador da música Você. Fagner adaptou a obra, denominando-a Penas do Tié, porém não citou a autoria. No recurso ao STJ, julgado em 2006, a defesa do cantor afirmou que não havia mais possibilidade de processá-lo, pois o prazo para ajuizamento da ação já estaria prescrito, e alegou que o plágio da música não foi comprovado.

Porém, a Quarta Turma entendeu, em decisão unânime, que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que examinou as provas do processo, tratou exaustivamente da questão da autoria, constatando a semelhança da letra e musicalidade, devendo Fagner indenizar os herdeiros do autor. A Turma determinou apenas que o TJRJ definisse os parâmetros da indenização.

Televisão
Empresas também disputam a exclusividade de produções televisivas, como na querela entre a TV Globo, detentora dos direitos do Big Brother Brasil, e o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), responsável pelo programa Casa dos Artistas. A Globo acusou o SBT de plágio, alegando que tinha a exclusividade no Brasil do formato do programa criado pelo grupo Edemol Entertainment International.

Em primeira instância, conseguiu antecipação de tutela para suspender a transmissão da segunda temporada de Casa dos Artistas, mas o SBT apelou e a decisão foi cassada. Em 2002, a Globo recorreu ao STJ com uma medida cautelar (MC 4.592) para tentar evitar a apresentação.

Porém, a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, considerou que a verificação de ocorrência de plágio e de quebra de contrato de exclusividade esbarram nas Súmulas 5 e 7 do STJ, que impedem a interpretação de cláusula de contrato e a reanálise de prova já tratadas pela primeira e segunda instâncias. Não haveria, ainda, fatos novos que justificassem a interrupção do programa, que já estava no ar havia dois meses.

Coincidência criativa
No mundo da publicidade há vários casos em que a semelhança entre anúncios é grande, especialmente se o produto é o mesmo. Todavia, no caso do REsp 655.035, a Justiça considerou que houve uma clara apropriação de ideia pela cervejaria Kaiser e sua agência de publicidade. No caso, em 1999, a empresa lançou a campanha “Kaiser, A Cerveja Nota 10”, com o número formado pela garrafa e pela tampinha.

Porém, ideia muito semelhante foi elaborada e registrada no INPI, três anos antes, por um publicitário paranaense, que nada recebeu da agência ou da Kaiser por sua criação. Em primeira instância, as empresas foram condenadas a indenizar pelo plágio da obra inédita, mas o Tribunal de Justiça do Paraná reformou a sentença por entender que não haveria prova do conhecimento da existência da obra anterior e, portanto, do plágio.

O publicitário paranaense recorreu ao STJ. O caso foi julgado em 2007. O ministro Humberto Gomes de Barros (falecido recentemente), relator do processo, entendeu que, mesmo que fosse mera coincidência criativa, a empresa, após ser informada da existência de campanha registrada anteriormente, deveria ter entrado em contato com o publicitário para obter sua autorização. Para o relator, a empresa assumiu o risco de criar uma campanha idêntica se já sabia da existência de uma campanha com o mesmo tema. A indenização foi fixada em R$ 38 mil.

Texto técnico 
O diretor da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Ceará (OAB-CE) e presidente da Comissão de Direitos Culturais da entidade, Ricardo Bacelar Paiva, destaca que ainda há muitos temas relacionados ao plágio não tratados judicialmente. Ele avalia que o STJ tem tido um papel importante na fixação de jurisprudência sobre a matéria. E cita o caso do REsp 351.358, julgado em 2002, em que se discutiu se havia plágio na cópia de uma petição inicial.

A questão foi analisada sob a vigência da Lei 5.988/73. Essa lei definia como obra intelectual, além de livros etc., também "outros escritos”. O relator do processo, ministro Ruy Rosado, agora aposentado, considerou que o plágio ocorreria em textos literários, artísticos ou científicos, com caráter nitidamente inovador. A petição judicial seria um texto técnico e utilitário, restringindo a possibilidade de reconhecer a criação literária.

O ministro destacou que a regra da lei antiga apenas protegia os pareceres judiciais (e neles incluindo a petição inicial e outros arrazoados), "desde que, pelos critérios de seleção e organização, constituam criação intelectual". Para o ministro, havia, portanto, uma condicionante. “Não basta a existência do texto, é indispensável que se constitua em obra literária”, afirmou.

Ricardo Bacelar, recentemente, enviou uma proposta de combate ao plágio à OAB nacional, com diretrizes que já foram adotadas por várias instituições, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Ele afirma que há um “comércio subterrâneo na internet”, que negocia trabalhos escolares e universitários. O advogado também elogiou as propostas de reforma do CP sobre o assunto, afirmando que, se aprovadas, transformarão a legislação brasileira em uma das mais duras contra o plágio.

Outro entendimento do STJ sobre o plágio foi fixado no REsp 1.168.336. A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, entendeu que o prazo de prescrição em ação por plágio conta da data em que se deu a violação, não a do conhecimento da infração. No caso, foi considerado prescrito o direito de um autor acionar uma editora que reproduziu diversos trechos de seus livros em apostilas publicadas pela empresa. Alegando divergência com julgados da Quarta Turma, o autor levou a questão à Segunda Seção do STJ, mas o caso ainda está pendente de julgamento (EREsp 1.168.336).

Academia 
No meio acadêmico, o plágio tem se tornado um problema cada vez maior. O professor Paulo Sérgio Beirão diz que, quando o CNPq detecta ou recebe alguma denúncia de fraude, há uma imediata investigação que pode levar ao corte de bolsas e patrocínios. Também há um reflexo muito negativo para a carreira do pesquisador.

“Deve haver muito cuidado para diferenciar a cópia e o plágio do senso comum. Por exemplo num trabalho sobre malária é senso comum dizer que ela é uma doença tropical grave com tais e tais sintomas”, destacou. Outro problema que ele vê ocorrer na academia é o uso indevido de material didático alheio.

Isso ocorreu no caso do REsp 1.201.340. Um professor teve seu material didático indevidamente publicado na internet. Ele havia emprestado sua apostila para um colega de outra instituição de ensino e o material foi divulgado na página dessa instituição, sem mencionar a autoria. O professor afirmou que tinha a intenção de publicar o material posteriormente e lucrar com as vendas. Pediu indenização por danos materiais e morais.

A magistrada responsável pelo recurso, ministra Isabel Gallotti, entendeu que, mesmo se a escola tivesse agido de boa-fé e não soubesse da autoria, ela teve benefício com a publicação do material didático. A responsabilidade da empresa nasceria da conduta lesiva de seu empregado, sendo o suficiente para justificar a indenização.

Em outro exemplo de plágio acadêmico, o ministro Arnaldo Esteves Lima, no Conflito de Competência (CC) 101.592, decidiu qual esfera da Justiça – estadual ou federal – tem competência para tratar do delito cometido em universidade federal. Um estudante da Universidade Federal de Pelotas apresentou como seu trabalho de conclusão de curso um texto de outro autor, apenas alterando o título. O ministro Esteves Lima concluiu que, como não houve prejuízo à União ou uma de suas entidades ou empresas públicas, e sim interesse de pessoa privada, ou seja, o autor do texto, a competência para julgar a ação era estadual.

Além dos simples prejuízos financeiros, muitos veem consequências ainda mais sérias no plágio. Para Ricardo Bacelar, a prática do plágio pode ser prejudicial até para a estruturação da personalidade e conduta ética e moral. “Diante de uma tarefa de pesquisa, não leem sobre o assunto, não raciocinam, não exercitam a formação de uma ideia. Não sabem escrever, pensar e desenvolver o senso crítico. Absorvem o comportamento deplorável de pegar para si o que não lhes pertence”, destacou.

O advogado admitiu a importância da inspiração e até o uso de trechos de outros trabalhos para a produção de conhecimento novo, mas isso não justifica o roubo de ideias. Como disse outro americano, o cientista e político Benjamin Franklin, há muita diferença entre imitar um bom homem e falsificá-lo. 


Fonte: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106317

segunda-feira, 26 de março de 2012

A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ANTIDROGAS E A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA

Por Rogério Henrique Castro Rocha

 A nova Política Nacional Antidrogas, que culminou na aprovação da Lei n.º 11.343/2006, e que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), está baseada na aplicação da Justiça Restaurativa, substituindo a prática tradicional do encarceramento pela aplicação de penas alternativas (advertência, indicação de frequência a cursos educativos e prestação de serviços), voltadas precipuamente à reinserção social do usuário (dependente ou não) de drogas ilícitas.

A concepção político-ideológica presente na legislação anterior, denominada por alguns de "visão de holofote", situava a discussão sobre as drogas sob a ótica da punição, entendendo que as penas privativas de liberdade resolveriam o problema dos usuários/dependentes. Tal concepção não distinguia o usuário do traficante, dando-lhes, ao final, igual tratamento e dificultando em demasia a perspectiva de recuperação e reinserção do sujeito no seio da sociedade.

Ao abandonar-se a visão meramente punitiva em prol de sanções de caráter educativo, a legislação atual passa a considerar as múltiplas dimensões que envolvem a problemática das drogas.

O ser humano, nesse aspecto, necessita ser visto como pessoa em sua integralidade. Dessa forma, a inter/trans/multidisciplinaridade, integrada aos conhecimentos técnicos do corpo de profissionais envolvidos com a prestação jurisdicional, é de suma importância para se alcançar um resultado satisfatório no enfrentamento de tão complexas questões.

Nesse sentido, é fundamental, ainda, que se busque efetivar a mudança na cultura judiciária em face, sobretudo, da figura de usuários e dependentes de drogas, pois a visão jurídica outrora vigente mostra-se hoje ultrapassada.

O espírito que trouxe a lume a nova lei nos impele, da mesma forma, a uma mudança de olhar acerca da condição dos drogaditos. É necessário ao operador do direito usar de sensibilidade e sabedoria ao distinguir cada sujeito dentro do panorama fático e jurídico do uso de drogas. 

Para tanto, a aplicação da nova lei requer profissionais capacitados nos aspectos jurídico, ético e procedimental, para a realização de um trabalho cooperativo e transdisciplinar.

Igualmente, cabe a magistrados, promotores, defensores públicos, delegados e demais operadores do direito adotarem a postura segundo a qual é melhor conscientizar e tratar os usuários do que encarcerá-los.

Por outro lado, sem a participação do conjunto da sociedade a tarefa do Poder Judiciário se tornará muito mais árdua, com risco de se inviabilizar a efetividade da lei. Razão pela qual a prática desse novo paradigma (restaurativo), aliado à necessária mudança de cultura, talvez sejam os principais desafios à aplicação correta, à disseminação e consolidação de novas práticas junto ao Judiciário e a sociedade.

É essencial, portanto, a construção de um novo paradigma de abordagem e tratamento dos agentes, dando a cada um a devida atenção.  De fato, diferentemente do que vigorara nos antigos regramentos infraconstitucionais, não podemos mais confundir as figuras do usuário, do portador, do dependente e do traficante, como se os mesmos integrassem uma só e única categoria, tomando-os como passíveis das mesmas penalidades. Sob tal aspecto, pelo menos, a mentalidade da nova lei antidrogas mostrou alguma evolução.

Apesar dos pequenos avanços  alcançados pelas inconstantes políticas públicas no setor, observa-se que  ainda uma enorme resistência aos princípios filosóficos e teóricos que fundamentam o novel modelo restaurativo de Justiça. Ainda assim, talvez o passo mais decisivo para a superação desse obstáculo esteja sendo dado agora, quando se começa a construir, consensualmente, uma nova agenda nacional, coordenando ações que envolvem governo e sociedade, capacitando a comunidade jurídica por meio de cursos e treinamentos (como os que são promovidos pelo Conselho Nacional de Justiça), descentralizando ações e, por fim, estreitando os laços com a sociedade e a comunidade científica.

Rogério Henrique Castro Rocha

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