Por Rogério Henrique Castro Rocha |
A nova Política Nacional Antidrogas, que culminou na aprovação
da Lei n.º 11.343/2006, e que instituiu
o Sistema Nacional de Políticas Públicas
sobre Drogas (SISNAD), está baseada na aplicação da Justiça Restaurativa, substituindo a prática tradicional do
encarceramento pela aplicação de penas alternativas (advertência, indicação de
frequência a cursos educativos e prestação de serviços), voltadas precipuamente
à reinserção social do usuário (dependente ou não) de drogas ilícitas.
A concepção político-ideológica presente na legislação anterior, denominada
por alguns de "visão de holofote", situava a discussão sobre as
drogas sob a ótica da punição, entendendo que as penas privativas de liberdade
resolveriam o problema dos usuários/dependentes. Tal concepção não distinguia o
usuário do traficante, dando-lhes, ao final, igual tratamento e dificultando em
demasia a perspectiva de recuperação e reinserção do sujeito no seio da
sociedade.
Ao abandonar-se a visão meramente punitiva em prol de sanções de
caráter educativo, a legislação atual passa a considerar as múltiplas dimensões que envolvem a
problemática das drogas.
O ser humano, nesse aspecto, necessita ser visto como pessoa em
sua integralidade. Dessa forma, a inter/trans/multidisciplinaridade,
integrada aos conhecimentos técnicos do corpo de profissionais envolvidos com a
prestação jurisdicional, é de suma importância para se alcançar um resultado satisfatório
no enfrentamento de tão complexas questões.
Nesse sentido, é fundamental, ainda, que se busque efetivar a
mudança na cultura judiciária em face, sobretudo, da figura de usuários e
dependentes de drogas, pois a visão jurídica outrora vigente mostra-se hoje ultrapassada.
O espírito que trouxe a lume a nova lei nos impele, da mesma forma, a
uma mudança de olhar acerca da condição dos drogaditos. É necessário ao
operador do direito usar de sensibilidade e sabedoria ao distinguir cada
sujeito dentro do panorama fático e jurídico do uso de drogas.
Para tanto, a aplicação da nova lei requer profissionais
capacitados nos aspectos jurídico, ético e procedimental, para a realização de um
trabalho cooperativo e transdisciplinar.
Igualmente, cabe a magistrados, promotores, defensores públicos,
delegados e demais operadores do direito adotarem a postura segundo a qual é melhor
conscientizar e tratar os usuários do que encarcerá-los.
Por outro lado, sem a participação do conjunto da sociedade a tarefa
do Poder Judiciário se tornará muito mais árdua, com risco de se inviabilizar a
efetividade da lei. Razão pela qual a prática desse novo
paradigma (restaurativo), aliado à necessária mudança de cultura, talvez
sejam os principais desafios à aplicação correta, à disseminação e consolidação
de novas práticas junto ao Judiciário e a sociedade.
É essencial, portanto, a construção de um novo paradigma de
abordagem e tratamento dos agentes, dando a cada um a devida atenção. De
fato, diferentemente do que vigorara nos antigos regramentos infraconstitucionais, não podemos mais confundir as figuras do usuário, do portador, do dependente e do traficante,
como se os mesmos integrassem uma só e única categoria, tomando-os como passíveis das mesmas penalidades. Sob tal aspecto, pelo menos, a mentalidade da nova lei antidrogas mostrou alguma evolução.
Apesar dos pequenos avanços alcançados pelas
inconstantes políticas públicas no setor, observa-se que há ainda uma enorme resistência
aos princípios filosóficos e teóricos que fundamentam o novel modelo restaurativo
de Justiça. Ainda assim, talvez o passo mais decisivo para a superação desse obstáculo
esteja sendo dado agora, quando se começa a construir, consensualmente, uma
nova agenda nacional, coordenando ações que envolvem governo e sociedade,
capacitando a comunidade jurídica por meio de cursos e treinamentos (como os que são promovidos
pelo Conselho Nacional de Justiça), descentralizando ações e, por fim, estreitando os laços com a sociedade e a comunidade científica.
Rogério Henrique Castro Rocha
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