Uma
antiga estória chinesa nos conta:
Na
dinastia Chou grassava uma epidemia de ratos. Estavam por toda parte, aos
bandos. Até nos palácios dos senhores nada escapava. Um príncipe de Sung
resolveu acabar com a praga. Se tivesse sucesso, obteria poder suficiente para
desafiar o Imperador Amarelo e ocupar o trono da China.
Saiu
para comprar um gato, mas não havia gato para vender. Libertados da dominação
doméstica, os gatos se tinham aburguesado. Já não caçavam ratos. Apenas um
ancião ainda se lembrava de um velho criador de gatos que vivia nas montanhas.
Ele é que ainda poderia gatos antigos. Mas já devia ter morrido há bastante
tempo.
O
príncipe subiu as montanhas. Depois de muita busca, encontrou o velho criador
de gatos. Comprou um gato muito bem treinado e voltou para a cidade. Chegando
ao palácio pela noitinha, soltou o gato na despensa. A noite toda o gato caçou
rato. Pela manhã, o príncipe estava satisfeito. Tinha resolvido o problema. Não
se via um rato pelas redondezas. Correu ao Imperador a fim de levar a chave
para a praga e suas pretensões. Por seu lado, os ratos se tinham recolhido aos
buracos e o gato, que trabalhara a noite inteira, enrolou-se num canto e
adormeceu. Os ratos, então, aproveitaram o descanso do caçador para reaparecer
e limpar a despensa. Ao chegar ao palácio imperial, o príncipe soube da nova.
Revoltado,
foi procurar o criador de gatos com uma queixa. O gato só caçava de noite. Passava
o dia todo dormindo. E os ratos logo descobriram o método do caçador e agora
dormiam de noite e roubavam de dia.
Ele
precisava de um gato caçador inveterado, que caçasse dia e noite. O criador lhe
disse que um gato assim era muito raro. Ele mesmo só tinha alguns exemplares. Resultava
de um treinamento todo especial. Por isso era muito caro. Custava a metade de
toda a riqueza do império. O príncipe achou o preço razoável para resolver um
problema que lhe valeria o trono da China.
Trouxe
um dos gatos especiais e soltou na despensa. O gato não parava mesmo de caçar. Caçava
dia e noite, semanas a fio. O príncipe tinha resolvido o problema em
definitivo. Mas os ratos esperavam nos esconderijos. Viria ainda um dia em que
aquele caçador inveterado haveria de parar. Não era possível. Tinha de refazer
as forças. E neste dia reapareceram com mais fome ainda e devoraram tudo que
encontraram. O príncipe desesperou de vez. Já tinha comunicado ao imperador a
solução definitiva. Era o fim de suas pretensões.
Voltou
às montanhas e perguntou ao criador de gatos se não tinha por acaso um caçador
perfeito. De nada adiantava caçar dia e noite por semanas a fio, se depois o
gato especial ia dormir para refazer as forças. Queria um caçador que caçasse
sempre e para sempre. Um gato assim, respondeu o criador, não apenas não tem
preço, como só pode existir um. É o segredo de todos os criadores. Mesmo para o
Imperador Amarelo não posse vender, só posso, no máximo, emprestar e por alguns
dias apenas. – Mas de que vale um empréstimo de uns dias? – perguntou o
príncipe. – A perfeição sempre tem valia, respondeu o velho criador de gatos.
O
príncipe olhou para o gato caçador perfeito. Estava deitado em cima do forno e
dormia. O criador o levantou e o pôs nos braços do príncipe. O gato não
acordou. O príncipe o sacudiu, puxou-lhe os bigodes, apertou-lhe a cauda e o
caçador perfeito continuava dormindo, sem nem se mexer. Embora descrente, o príncipe
decidiu fazer ainda uma última tentativa e levar o gato por alguns dias.
Durante os solavancos da volta, o gato continuava impassível dormindo o sono
profundo dos perfeitos. Tão logo chegou, o príncipe deixou o gato num canto da
despensa e foi cuidar de fazer as malas.
Os ratos se recolheram para observar qual
seria a técnica e o método do novo caçador. Passou o dia e
o gato dormia. Passou a noite e o gato dormia. Veio a manhã e o gato dormia. Os
ratos começaram a tremer! Não tem método, não tem técnica, não tem ferramenta,
não tem meio: o caçador perfeito!
Nele tudo é o silêncio de uma
realização perfeita. E contra o silêncio da fala não há o que fazer. Junto com o
príncipe, os ratos abandonaram a região de Shung e deixaram o império da
dinastia Chou.
(Fonte: CARNEIRO LEÃO,
Emanuel. Aprendendo a pensar. vol.
II, 2.ed. Vozes: Petrópolis, Rio de Janeiro, 2000. pp.30-32.)
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