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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Um olhar sobre a polêmica dos 'rolezinhos' (por Rogério Rocha)

A onda dos "rolezinhos" invade shoppings brasileiros

Por Rogério Rocha

O recente fenômeno dos “rolezinhos”, nome dado ao encontro de grupos de jovens das periferias de São Paulo no ambiente de shopping centers daquela capital, que começou no final de 2013, tem chamado atenção das autoridades e despertado o interesse da mídia e da opinião pública para o tema da ausência de espaços e equipamentos de lazer nas periferias brasileiras. A reboque traz ainda a debate a problemática da pobreza, da desigualdade social e do direito ao consumo, bem como a questão do preconceito e discriminação contra parcelas desfavorecidas da sociedade, sobretudo as chamadas minorias.

Desde o início, a invasão maciça desses jovens aos shoppings paulistanos (e posteriormente a estabelecimentos congêneres em outras capitais do país) tem ocasionado nas pessoas, de um modo geral, uma série de reações, a maioria delas confusas, havendo quem veja nessa atitude mera contestação, revolta e protesto por direitos ligados ao lazer e ao consumo, enquanto para outros tal comportamento não passa de explícita manifestação de jovens baderneiros.

Os órgãos de segurança pública, via de regra, tem adotado o discurso de que os "rolezinhos" não configuram crime, portanto não podem (nem devem) ser coibidos pelos policiais militares, só devendo agir a polícia em último caso, desde que algo de anormal ocorra nas reuniões dos grupos de jovens (entenda-se: saques, furtos, roubos, vandalismo, etc.). A OAB, basicamente na mesma linha, e também na esteira de um discurso demasiadamente cuidadoso, sustenta que o fenômeno não afronta a lei, que há por parte dos envolvidos apenas a intenção de protestar por direitos que lhes tem sido historicamente negados, e que qualquer proibição da entrada e permanência desses adolescentes e jovens dentro dos shoppings seria um ato preconceituoso e de caráter discriminatório.

Entre os intelectuais, sobretudo juristas, sociólogos e antropólogos, ainda não há consenso acerca da natureza dos “rolezinhos”, suas causas e prováveis consequências. Alguns juristas afirmam que os "rolezinhos" caracterizam um abuso de direito de ir e vir, visto que um grupo grande de pessoas se vale dessa liberdade para pôr em risco, ou simplesmente afrontar, a liberdade de ir e vir de outras, bem assim o direito à propriedade, também virtualmente ameaçado quando do agendamento dessas reuniões para o espaço dos shopping centers.

Outros especialistas, sobretudo sociólogos, entendem que o fenômeno "rolezinho" está associado à cultura de jovens de periferia, sendo sua proibição uma manifestação de preconceito para com um grupamento social marcadamente negro e pobre. Destacam ainda que o “rolezinho” evidencia os muitos contrastes existentes na sociedade brasileira e que nele estão presentes questões de classe, bem como questões raciais.

Questão posta e polêmica instaurada, o certo é que a limitação de direitos fundamentais é tema de destaque dentro do direito constitucional. Assim como devem ser garantidos todos os direitos individuais, sabe-se também que seus exercícios muitas vezes podem resultar em conflitos, sobretudo quando há a colisão de alguns desses direitos.

Desse modo, assim como se costuma estabelecer um núcleo protegido de direitos, garantindo-se, por consequência, seu exercício, é normal que sejam fixados limites ou restrições a esses mesmos direitos. Até aí não há nada de incomum, afinal sempre haverá um espaço restritivo delimitado pelas próprias normas.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu artigo 4º, traz um caso clássico de restrição legal expressa, ao fixar que “A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem”. Uma lição simples e precisa, a qual deveríamos trazer sempre em nossas consciências.

Assim é que, geralmente, quando um texto normativo estabelece uma garantia, autoriza, de outro lado, uma certa restrição. O que não se pode aceitar, por razões óbvias é a supressão de garantias, principalmente as que tem origem no corpo da própria Constituição.

'Rolezinho' em shopping de Paulínia, SP.
Faço tais apontamentos somente para alertar aqueles que já se apressam em afirmar que a proibição dos “rolezinhos” no interior dos estabelecimentos comerciais é absurda e discriminatória.

É importante lembrar que é necessário aos regimes democráticos equilibrar (ou compatibilizar), na medida do possível, os direitos individuais, a fim de se evitar abusos do exercício desses próprios direitos. Busca-se com isso, ademais, resolver possíveis conflitos de direitos, inclusive os individuais, que inevitavelmente acontecem.

Parte da esquerda oportunista começa a se apropriar do 'movimento', levantando bandeiras inexistentes

O texto constitucional consagra o direito de reunião, dispondo o art. 5º, XVI, que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. (grifo nosso)

Na lição de Paulo e Alexandrino (2009), o direito de reunião é “meio de manifestação coletiva da liberdade de expressão, em que pessoas se associam temporariamente tendo por objeto um interesse comum” (grifo do autor), dentre eles inclusive podendo constar a reivindicação de um problema social ou da comunidade, por exemplo. Portanto, desde que lícitas e pacíficas, não havendo lesão a interesse jurídico ou perturbação à ordem pública, podem as pessoas se reunir.

Outra condição claramente observável no comando da norma constitucional é que, para se realizar, a reunião deverá ocorrer em locais abertos ao público.

Nesse ponto, cabe frisar que o elemento espacial 'local aberto ao público', ao qual faz menção nossa Constituição Federal, é, de modo genérico, um logradouro público (todo e qualquer). Anote-se também que, a princípio, a primeira ideia que vem às nossas cabeças é a de uma praça, um largo, um parque, uma avenida, uma rua, enfim, vários espaços públicos ao ar livre (verdadeiramente abertos).

Polícia militar é chamada a intervir no interior dos shoppings

Agora abro espaço para duas importantes considerações acerca do tema até aqui comentado.

Primeira consideração: o shopping center, em que pese ser aberto ao público, é um empreendimento de caráter privado. Tanto é verdade, que é regido por leis do direito civil (Código Civil e Lei n.º 8.245/91, p. ex.), ramo do direito privado (e não público), com suas características peculiares e princípios próprios. Logo, admite-se e franqueia-se a entrada, circulação e permanência de pessoas (de todas as classes sociais), consumidoras ou não, nas dependências desses empreendimentos particulares. Afinal, é o público a principal razão de ser dos centros de comércio e compras. Contudo, cabe aos proprietários das lojas, aos gerentes dos shoppings (ou a quem exerça atividade de gestão sobre tais empreendimentos) disciplinar seus usos, responsabilizando-se inclusive pela segurança pessoal dos frequentadores, colaboradores e lojistas, bem como pelo seu patrimônio como um todo.

A segunda consideração que faço é a seguinte: ainda que pacífica e sem armas, o exercício do direito de reunião dos “rolezinhos” dentro do espaço dos shopping centers, ainda que para fins de protesto ou expressão da manifestação de algum justo descontentamento social ou político, põe em risco a proteção ideal dos direitos de terceiros e a própria ordem pública. Portanto, o simples fato de se eleger o ambiente fechado de um centro comercial para uma reunião de “protesto”, ainda que pacífica, é motivo suficiente para que os particulares que ali exercem suas atividades e negócios adotem medidas assecuratórias de suas integridades.

A ciência que estuda o comportamento humano de há muito nos tem demonstrado que nós, indivíduos, vivendo em sociedade, somos capazes de exteriorizar diferentes reações quando estamos sós ou em grupo. Ou seja, um indivíduo (um jovem, por exemplo) passeando sozinho no shopping se comporta de um jeito. Andando em companhia de dezenas ou mesmo uma centena de pessoas comporta-se de modo outro.

No segundo caso, qualquer estímulo para a violência ou a prática de atos intimidatórios contra os indivíduos que não integram o referido grupo pode detonar uma reação em cadeia. Logo, se uma parte do grupo corre, a tendência é que outros elementos desse mesmo grupo também comecem a correr. Se alguns gritam, logo outros, movidos por aquele estímulo inicial, começam a gritar.

E ainda que a princípio os grupos de jovens não entrem nos estabelecimentos com o intuito de praticar ilícitos, nada exclui a possibilidade da infiltração de adolescentes que acabem por dar início à prática de atos infracionais, acobertados pelo anonimato que as multidões propiciam.

Nos casos já vistos na TV, em alguns dos eventos noticiados, jovens e adolescentes que participavam dos “rolés” causaram tumulto ao adentrar os shoppings de forma ruidosa, correndo pelos corredores, trombando em pessoas e subindo escadas rolantes no sentido contrário ao seus movimentos.

Além do mais, todos hão de convir, o interior de um shopping center não é local adequado a nenhum tipo de manifestação pública de massa. Seja de jovens, seja de adultos.

Distúrbios em flash mobs nos EUA

O fenômeno ora reproduzido em terras brasileiras é oriundo dos EUA, onde existe desde 1992, quando na Califórnia surgiram as denominadas critical mass*, que eram, em sua essência, encontros de jovens das classes baixas, sobretudo negros, buscando visibilidade perante o capitalismo da sociedade branca e rica. Mais recentemente, na última década, o movimento passou a se chamar de flash mob. Os primeiros eventos foram tranquilos, sem problemas, com jovens reunindo-se pacificamente nos ambientes refrigerados e acéticos dos mega shoppings dos Estados Unidos. Porém, com o passar do tempo, muitos distúrbios começaram a ocorrer quando desses encontros, resultando muitas vezes em depredações, saques a lojas, roubos e lesões a transeuntes, passando a merecer críticas de parte da sociedade americana e a sofrer a pronta repressão dos órgãos de segurança. Um dos resultados dessa resposta estatal foi a mudança de tais encontros para ambientes abertos, como parques, ruas e praças.

Nos EUA os flash mobs despertaram temor depois que passaram a ser veículo do ódio 

Em relação ao nosso flash mob, ora denominado “rolezinho”, sinceramente não os vejo como produto pensado e definido para o fim último de um protesto crítico, consciente, voltado para denunciar desigualdades sociais, o preconceito racial, o direito ao consumo e a falta de espaços de lazer dos jovens suburbanos. Nada disso!

Não há consciência dessa tematização de viés político dentre os seus organizadores, na grande maioria adolescentes que querem apenas dar umas voltas com amigos que conheceram nas redes sociais, conhecer gente nova, comer uns lanches, sair do marasmo de seus bairros e “ficar” com algumas garotas, “tirando onda” com suas roupas de marca e a estética fútil e vazia do tal 'funk de ostentação'.

E isso não sou eu quem estou inventando, são os próprios “organizadores” que afirmam, reforçando tais argumentos quando entrevistados pelos meios de comunicação.

Vá lá que um ou outro 'rolezeiro', quem sabe, tenha como objetivo real a contestação das referidas mazelas sociais. Vá lá!!!! Mas certamente será voz no deserto, minoria isolada em meio aos que querem mesmo é zoar. Aliás, talvez seja esse o verbo que melhor define o interesse dessa galera ao invadir em hordas numerosas os shoppings brasileiros... zoar. Para eles, essa é a onda.



*P.S.: Hoje nos EUA o termo critical mass é usado para identificar o movimento de massa onde ativistas e entusiastas se reúnem em manifestações pelo uso de bicicletas nas grandes cidades como meios de transportes não poluentes.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Menor bom é menor preso?



Marcelo Cipis
Maioridade
O que explica tanto clamor pelo encarceramento dos adolescentes infratores?
Nove em cada dez brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal, a despeito da oposição do governo federal, de juristas, da Igreja Católica e de organizações de direitos humanos
No início de abril, o universitário Victor Hugo Deppman, de 19 anos, foi abordado por um rapaz armado na porta de casa, em São Paulo. Mesmo após entregar o celular, sem esboçar qualquer reação, acabou executado com um tiro na cabeça. A morte brutal logo ganhou destaque na mídia e reacendeu um debate que se arrasta há mais de duas décadas no Brasil, sempre de volta à baila quando a classe média se vê vítima de novo ato de barbárie: a redução da maioridade penal. O assassino, soube-se mais tarde, era um adolescente infrator reincidente. Ele assumiu a autoria do crime, ocorrido três dias antes de completar 18 anos. Como não havia atingido a idade para a responsabilização criminal, voltou a cumprir medida socioeducativa na Fundação Casa. Antes dos 21 anos, deve estar solto, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Diante da repercussão na mídia e em meio aos protestos convocados por amigos e familiares, o instituto Datafolha saiu às ruas para aferir a opinião da população quanto à possibilidade da redução da maioridade penal, prevista em mais de 50 projetos em tramitação no Congresso. O resultado: 93% dos paulistanos mostraram-se favoráveis à responsabilização criminal de jovens a partir dos 16 anos, e não mais aos 18, como determina a atual legislação. A adesão maciça à ideia poderia ser influenciada pelo calor dos acontecimentos. Mas, passados dois meses, o Vox Populi voltou às ruas com a mesma pergunta, dessa vez em uma pesquisa de abrangência nacional. A conclusão foi estarrecedora: 89% dos entrevistados acham necessário encarcerar os adolescentes infratores.
Um consenso popular que desafia as políticas públicas em voga na sociedade. O resultado das pesquisas contraria a posição defendida pelos governos Lula e Dilma, a opinião de juristas que enxergam na proposta um “populismo penal”, o entendimento da Igreja Católica e de incontáveis organizações de defesa dos direitos da criança e do adolescente, a vislumbrar na redução da maioridade penal mais malefícios que benefícios. Curiosamente, nenhum outro tema polêmico da agenda nacional mobiliza tamanha concordância da população. Segundo diferentes pesquisas, proposições como pena de morte e casamento gay, por exemplo, costumam dividir a população ao meio. Ao menos um quarto defende a legalização da maconha ou a descriminalização do usuário de drogas. O que explicaria, então, o aparente paradoxo lógico? Por que boa parte da população que se mostra liberal em temas igualmente polêmicos é tão taxativa quando se trata de prender adolescentes como bandidos comuns?
“Não se pode dizer que todos os que apoiam a redução da maioridade penal são conservadores ou reacionários. Dentro de um universo tão amplo, há seguramente cidadãos com posições progressistas em relação a direitos civis e individuais, mas que se sentem acuados pela violência e seduzidos por soluções mágicas”, avalia o cientista político Marcos Coimbra, diretor do Vox Populi. “No mundo todo, há uma predisposição da opinião pública a acreditar que a violência só vai reduzir com mais repressão, mais prisões e penas mais duras. E não há uma defesa enfática do argumento contrário. Com a espetacularização dos crimes cometidos por menores na televisão, quem se dispõe a dizer abertamente que a prisão para os adolescentes não é justa?”
Especialistas, ONGs de direitos humanos e organismos internacionais bem que tentam demonstrar as falácias da proposta. “Os adolescentes são mais vítimas que autores de violência. Em 2011, eles foram responsáveis por, aproximadamente, 1,8 mil homicídios, 8,4% do total. No mesmo ano, 4,3 mil jovens entre 12 e 18 anos incompletos foram assassinados. Mas quando um garoto negro é morto na periferia poucos dão atenção. A mídia costuma dar destaque apenas quando cidadãos de classe média ou alta são as vítimas”, critica Mário Volpi, coordenador do programa de Cidadania dos Adolescentes do Unicef, ligado às Nações Unidas. “Em 2011, os homicídios cometidos por menores representaram 3,7% do total de casos no Brasil. Nos EUA, onde diversos estados tratam adolescentes como adultos, inclusive na eventual aplicação de pena de morte ou prisão perpétua, eles foram responsáveis por 11% dos assassinatos.”

Na avaliação do advogado Rafael Custódio, da ONG Conectas, o que está em jogo é a política penal que o Brasil pretende adotar. Se o foco é punitivo, o País tende a seguir o exemplo americano de encarceramento em massa. Trata-se de uma abordagem distinta do direito restitutivo, que preconiza a recuperação dos infratores para a futura reinserção social. “É impossível de isso ser feito num presídio comum, ainda mais com a atual superlotação. Hoje, a população carcerária brasileira é superior a 550 mil detentos, e há um déficit de 200 mil vagas. O Estado não garante a segurança dos presos, eles são alvo de extorsões do crime organizado. Para sobreviver nesse ambiente hostil, muitos se associam a facções criminosas.”

De fato, não parece fazer sentido jogar os 60 mil jovens que cumprem medidas socioeducativas em presídios convencionais se o objetivo é tirá-los do crime. Ainda que 43,3% deles sejam infratores reincidentes, no encarceramento adulto a média é ainda pior. Sete em cada dez presos que deixam o sistema penitenciário voltam ao crime, uma das maiores taxas de reincidência do mundo. Mas não deixa de ser legítima a preocupação da população com sua própria segurança, afirma Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia da Universidade de São Paulo. “Se a redução da maioridade penal não é boa, qual é a melhor opção? Deixar tudo como está? Estamos perdendo tempo com esse sim ou não para a mesma proposta, e os chamados ‘setores progressistas’ não apresentam alternativas.”

O filósofo teme que a solução simplista de reduzir a idade penal apenas sirva para antecipar a prática delituosa entre os adolescentes. Caso a maioridade passe a valer a partir dos 16 anos, por exemplo, o que garantiria que o tráfico não passasse a aliciar jovens de 13 ou 14 anos, por exemplo? De toda forma, propõe uma alternativa: “Quando um adulto alicia um menor para praticar um roubo e o adolescente mata uma pessoa, o adulto deveria ser responsabilizado pelo homicídio. O mesmo deveria valer para qualquer outro crime”.

A busca por opções também levou o vereador paulistano Ari Friedenbach (PPS) a propor outra inovação. Em 2003, ele sofreu com o brutal assassinato de sua filha Liana, de 16 anos, caso em que houve a participação de um adolescente. Defensor ardoroso da redução da maioridade penal, mudou de opinião. “É ineficaz, pois estimula os criminosos a recrutar adolescentes ainda mais novos”, pondera. “Mas não posso conceber que um estuprador ou um homicida de 16 anos cumpra no máximo três anos de internação. Por isso, acho que para cinco crimes de maior potencial ofensivo (homicídio, latrocínio, estupro, roubo à mão armada e sequestro) o adolescente deve, sim, ser julgado e condenado. Permanece numa instituição como a Fundação Casa até completar 18 anos e depois termina de cumprir a sentença num presídio comum.”

A proposta livraria da cadeia adolescentes envolvidos com pequenos furtos ou com tráfico de drogas, por exemplo. Estes continuariam a cumprir medidas socioeducativas nos moldes atuais. Mas o texto proposto pelo vereador ainda espera alguém disposto a apresentá-lo no Congresso. E os mais conservadores insistem na punição ampla e irrestrita. “Criança é quem toma mamadeira, faz xixi no colo da mãe e dorme no berço. Quem rouba, mata e estupra é bandido e ponto”, esbraveja o senador Magno Malta, autor de um projeto que prevê a responsabilização criminal de qualquer cidadão, independentemente da idade. Da Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado estadual Campos Machado puxa um abaixo-assinado para tentar emplacar um plebiscito sobre o tema. “É uma forma de furar a blindagem do governo federal, que impede a discussão do tema no Congresso. Vamos deixar o povo decidir.”

Se a disputa política assemelha-se a uma briga de foice, no meio jurídico o cenário não é tão distinto. Ministros do Supremo Tribunal Federal, como Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, já se manifestaram contra a alteração das regras. Mesma opinião tem o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra. “O sistema carcerário está superlotado, não é possível botar mais gente.” Mas uma pesquisa feita pela entidade em 2006, com mais de 3 mil entrevistados, revelou que 61% dos juízes brasileiros são favoráveis à proposta. Entre os promotores, a divergência também é grande. “Jogá-los na cadeia não resolverá nada, precisamos recuperar esses jovens”, opina o promotor paulista Fernando Henrique de Moraes Araujo, com 14 anos de experiência na Vara de Infância e Juventude. “É chocante a legislação permitir a impunidade dos adolescentes enquanto a violência está grassando na sociedade”, rebate o colega Oswaldo Monteiro da Silva Netto.

É um equívoco dizer que os menores infratores estão impunes. Se o cumprimento das medidas socioeducativas não está surtindo o efeito esperado, devemos reavaliar o trabalho feito com os jovens, e não jogá-los numa cela”, avalia a defensora pública paulistana Juliana Ribeiro. “As instituições que abrigam os infratores não funcionam adequadamente. Os monitores portam-se como carcereiros.

A escola reúne em uma mesma sala adolescentes de diferentes níveis de aprendizado. Os psicólogos e assistentes sociais estão sempre sobrecarregados. E são corriqueiras as denúncias de agressão contra os internos. Cansei de ver garotos com sinais de espancamento, cabeça rachada... É esse tratamento que precisa ser revisto, e não a legislação.”
*Matéria originalmente publicada na Carta Capital online

domingo, 14 de abril de 2013

Número de jovens que respondem por crimes sobe 67%



Em dez anos, o número de adolescentes internados por atos infracionais cresceu 67% - passou de 5.385 no fim de 2002 para 9.016 no início deste mês. Por dia, chegam às Varas da Infância e Juventude 40 casos envolvendo menores, em média. Isso somente em São Paulo, onde já há falta de vagas na Fundação Casa - que tem capacidade para abrigar 8,7 mil jovens infratores.


O número de casos que passam pela Promotoria da Infância e Juventude - que não resultam, necessariamente, na adoção de medidas socioeducativas - subiu 78% nos últimos 12 anos, segundo o promotor Thales Cesar de Oliveira. Em 2012, 14.434 processos passaram pela Vara da Infância. Em 2000, eram 8.100. Os casos envolvem desde agressões verbais contra professores e furtos até tráfico e homicídios.
A discussão sobre o que fazer com os jovens infratores - juridicamente “em conflito com a lei” - avançou na última semana após a morte do universitário Victor Hugo Deppman, de 19 anos. O suspeito de matá-lo, um jovem que completou 18 anos na sexta-feira (12), já tinha passagem pela Fundação Casa.
Como reação, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), deve ir a Brasília nesta semana para entregar um projeto que pune com mais rigor jovens que cometerem delitos graves, alterando o Estatuto da Criança e do Adolescente. Alckmin sugere que o prazo de detenção seja maior - ele pretende aumentar o prazo de três anos para oito ou até dez anos (reincidentes). O governador também quer que, ao completar 18 anos, o adolescente seja encaminhado para o sistema prisional.
Lotação
Seria uma forma também de reduzir a superlotação da Fundação Casa - um em cada cinco internos, incluindo o jovem apreendido nesta semana no Brás, tem 18 anos ou mais. Dados obtidos pelo Estado, por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que, em dezembro de 2012, três em cada quatro unidades da Fundação Casa abrigavam mais adolescentes do que sua capacidade original. Apenas 30 dos 143 equipamentos tinham lugares ociosos.
O principal motivo para a lotação é o grande aumento no número de internações de menores por tráfico de drogas, principalmente no interior paulista. “Isso já está bem claro. Há um excesso de condenação por tráfico no interior, mesmo com jurisprudência dos tribunais superiores de que a internação de menores por tráfico só deve ser feita em caso de reincidência, descumprimento de medida socioeducativa ou emprego de violência”, afirma a presidente da fundação, Berenice Giannella.
Vagas
Apesar do aumento de quase 30% no número de vagas na Fundação Casa desde 2006, há unidades funcionando com até 50% mais adolescentes do que o previsto. É o caso de uma unidade de semiliberdade na zona leste da capital ou de uma de internação na região de Campinas - a regional com maior índice de lotação em todo o sistema, com 12% a mais de internos do que vagas, na média.
Mesmo assim o advogado Ariel de Castro Alves, vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ressalta que houve um grande avanço nas condições de atendimento a adolescentes infratores após a criação da Fundação Casa, em 2006. “Mas existe a postura no Judiciário de que, quanto mais vaga houver, mais eles vão encaminhar menores.”
Segundo ele, um dos aspectos negativos do excesso de internações é o aumento da insatisfação dos adolescentes. “Isso causa tumultos e até rebeliões”, disse. O presidente do sindicato dos trabalhadores da Fundação Casa, Júlio Alves, concorda. “Há funcionários para atender só até a capacidade da unidade.”
Já a presidente da Fundação Casa afirma que 600 novos funcionários deverão ser contratados em breve. “E a maioria das unidades tem algo como 60 adolescentes, e 15% a mais disso são só 9 menores a mais. Isso não faz diferença”, ressaltou Berenice. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: br.noticias.yahoo.com

sexta-feira, 30 de março de 2012

A filosofia e o drama existencial num episódio de Evangelion

Nesse post trago um episódio dublado em português da série de animação japonesa Evangelion (Neon Genesis Evangelion). 

Numa era pós-apocalíptica, adolescentes criados para pilotar robôs gigantes, chamados Unidades Evangelion (EVA's), vivem suas amarguras, seus dramas existenciais, seus medos e incertezas em meio a uma realidade opressiva, marcada pelo controle instrumental da tecnologia e pelo domínio dos adultos que os cercam. 

Como poderão notar, o conteúdo dos diálogos presentes em vários episódios da série é extremamente filosófico, questionador, crítico, com fortes nuances de análises psicológicas  entre os embates dos personagens e seus problemas existenciais (principalmente Shinji Ikari, o garoto personagem central do presente capítulo), o que acaba por dar a este anime uma densidade única, sobretudo ao debruçar-se sobre a complexidade das relações humanas. 

Uma excelente ferramenta para professores de filosofia estimularem o debate em sala de aula com os seus alunos. Assistam!


domingo, 29 de janeiro de 2012

Lei assegura visita íntima a menor infrator



A Lei 12.594/2012, promulgada no último dia 18, pela presidente Dilma Rousseff, assegura direito a visita íntima aos menores infratores detidos. Ariel de Castro Alves, vice-presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB, explica que, embora a visita íntima fosse permitida em estabelecimentos de ressocialização de jovens em alguns estados, isto não era garantido como direito por lei.
A lei que concede este benefício é a mesma que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), padronizando o atendimento a jovens infratores que cumprem medidas socioeducativas em todo o país. "Apenas alguns estados tinham casos e resoluções isoladas. O que ocorre agora é uma regulamentação de que esta medida deve ser atendida. Muitos menores são pais ou já são casados, e terão que comprovar que este vínculo existe desde antes da detenção", explica Ariel Alves.
O direito, de acordo com a lei, deve ser concedido aos jovens que comprovem ser casados ou que tenham um relacionamento estável. A autorização para essas visitas será do juiz responsável pelo acompanhamento do caso.
Membro da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJ paulista, o desembargador Antonio Carlos Malheiros, vê a inovação com bons olhos. "O acompanhamento de uma namorada(o) pode ajudar na ressocialização do menor. Por óbvio, este direito precisa ser bem analisado e acompanhado. A partir dos 12 anos o menor já pode ser detido, entretanto não considero recomendável a concessão deste direito para alguém nesta idade. Como disse, é necessária uma análise cuidadosa", afirma.
Falhas
Para Ariel Alves, "a legislação poderia ser mais incisiva em prever unidades de internação com capacidade para até 40 internos e a criação de ouvidorias e corregedorias independentes para enfrentar as constantes situações de maus-tratos, torturas e outras irregularidades — que são as principais queixas dos jovens e de entidades de direitos humanos com relação ao Sistema Socioeducativo no País e que em algumas situações também geraram processos internacionais".

Já o juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça, Reinaldo Cintra, um ponto a ser ressaltado, é que o Sinase, enquanto recomendação, nunca definiu com precisão de quem era a competência de acompanhar o cumprimento da medida socioeducativa — se era do juiz que a aplicou, ou daquele que tinha jurisdição sobre a unidade de ressocialização. A lei sancionada perdeu a oportunidade de preencher a lacuna. “Espero que a interpretação que se dê a lei, seja aquela que já vinha sendo dada ao Sinase, quando ainda era apenas recomendação: de que o acompanhamento da execução fique a cargo do juiz da jurisdição”, opina.
Retorno à escola
Apesar de possuir um artigo polêmico, o novo Sinase é visto como um avanço na questão de medidas socioeducativas ao obrigar que os adolescentes voltem a estudar durante e após o cumprimento das medidas. De acordo com o artigo 82, os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, com os órgãos responsáveis pelo sistema de educação pública e as entidades de atendimento, deverão, no prazo de um ano, a partir da publicação da lei, garantir a inserção de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa na rede pública de educação, em qualquer fase do período letivo.

Avanços
A partir do Sinase, governo federal, estados e municípios deverão desenvolver, em conjunto, um Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo (Pnas) com o objetivo de afastar crianças e adolescentes da criminalidade. O Pnas irá determinar as ações, medidas, recursos e fiscalização. O sistema prevê, ainda, a integração com o Sistema Único de Saúde (SUS), o Sistema Único Assistência Social (Suas), com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o Judiciário.

Reinaldo Cintra ressalta que a transformação da orientação em lei é de suma importância, já que a partir de agora, as autoridades serão obrigadas a cumprir o Sinase. “Embora já fosse adotado por muitos estados, a transformação em lei é de extrema relevância porque nos permite exigir o cumprimento das diretrizes”, explica.
Alves conclui ressaltando que "além da execução das medidas socioeducativas, o mais importante é evitar o envolvimento dos jovens com a criminalidade através de programas e serviços sociais, educacionais e de saúde, porque se o adolescente procura a escola, o serviço de atendimento a drogadição, trabalho e profissionalização e não encontra vaga, ele vai pro crime. O crime só inclui quando o Estado exclui".
Fonte: Revista Consultor Jurídico

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