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quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

COM USO DA MATEMÁTICA, POLÍCIA FEDERAL DESCOBRE E DESBARATA REDE DE PORNOGRAFIA INFANTIL

A Matemática e a Física se tornaram aliadas inovadoras nas investigações conduzidas pelo Grupo de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal no Rio Grande do Sul. Conceitos científicos e até fórmulas têm sido estudadas como ferramentas para decifrar organizações criminosas, identificar quais as peças principais das redes - e como é possível desmontar essas organizações.

Para contar como a ciência pode ajudar a desvendar o funcionamento do crime, três policiais federais do Brasil, em parceria com três matemáticos da Universidade de Limerick (Irlanda), publicaram artigo este mês na revista Nature, uma das mais conceituadas publicações científicas no mundo. No texto, detalham o impacto da Operação Darknet, feita pela PF entre 2014 e 2016 em 18 Estados e no Distrito Federal, em uma rede de pornografia infantil que atuava nas profundezas da internet. O saldo de 182 presos resultou na derrubada das publicações que concentravam 60% das visualizações no fórum virtual em que eram compartilhados vídeos e imagens pornográficas.
Policiais federais em ação da Operação Darknet
Policiais federais em ação da Operação Darknet
Foto: Divulgação/PolíciaFederal / Estadão Conteúdo
O artigo científico ressalta efeitos de algo que destoa da rotina de investigações brasileiras: aproximar a ciência da apuração policial. Nesse encontro, as duas partes se beneficiam de um incremento na eficiência.
A Operação Darknet tem duas marcas emblemáticas que, segundo os pesquisadores, são iniciativas pioneiras no mundo: 1) infiltrar agentes policiais em uma rede da dark web, parte da internet escondida intencionalmente para proteger a identidade dos usuários e bastante usada para propósitos ilícitos, como negociações do mercado paralelo de armas e drogas, além da pornografia infantil; 2) o uso de técnicas para compreender a atuação dos criminosos para análise dos impactos causados pela operação.

Para investigar a produção e a distribuição de pornografia infantil nesse ambiente, a PF infiltrou agentes, com aval da Justiça, que monitoraram e coletaram dados sobre o tráfego, reunindo informações que poderiam responsabilizar os criminosos. A maior dificuldade foi quebrar a barreira de anonimato para deixar de lidar com avatares - espécies de máscaras digitais, atrás das quais os usuários podem se esconder - e conhecer as pessoas reais por trás das ações. A chave para quebrar essa barreira segue guardada em sigilo pelos investigadores.
"Só duas polícias do mundo trabalharam nesse ambiente, o FBI (EUA) e a Scotland Yard (Reino Unido). Com tecnologia desenvolvida dentro da própria Polícia Federal, conseguimos identificar os criminosos e bater na porta dos caras certos", disse ao Estado o agente da PF Luiz Walmocyr dos Santos Júnior, que assina o artigo.

Rede

A analogia que ele escolhe para explicar o trabalho é a de um castelo de cartas. O castelo, diz, representa a rede criminal. Há cartas, continua, que representam muito mais para a sustentação do que outras. "Claro que se retirar todas as cartas, inevitavelmente o castelo cai. Mas qual é a forma mais eficiente de derrubá-lo com poucas prisões? É importante saber", conta, ressaltando que nenhum crime pode ser desconsiderado.
Os investigadores mostram que de 10,4 mil usuários do fórum de pornografia alvo da Operação Darknet, 9,6 mil estão conectados com o chamado núcleo central de 766 indivíduos fortemente conectados. Estes 9,6 mil usuários não publicaram conteúdo. Em outra via, os 766 do núcleo compartilham e visualizam ativamente, o que os põe, sob a ótica dos federais, na posição de estruturadores.
Analisar como esse castelo se estrutura, qual o comportamento das peças e como atacá-las do modo mais eficaz é trabalho do agente da PF Bruno Requião da Cunha, físico por formação que se aprofundou no uso da ciência para o entendimento de redes criminais durante o pós-doutorado na Irlanda.
Para explicar o que faz, ele usa o termo criminofísica, que remete à física social - aplicar métodos da Física para entender o comportamento humano. Essa análise sobre interações na rede - com uso de conceitos e até fórmulas matemáticas - permite identificar padrões e perfis que serão úteis à investigação tradicional. "Uma rede é um conjunto de pontos ligados por linhas. A maneira como essas conexões ocorrem sempre vai refletir determinado comportamento. Sabemos que há previsibilidade nessas relações. Não é aleatório."
O modelo, diz, já pode ser usado em outras investigações de crimes em rede, mesmo fora da internet, como grupos de tráfico de drogas, terrorismo e lavagem de dinheiro.

'É preciso investir em inteligência', afirma Moro

O ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro, disse ao Estado que a publicação do artigo dos agentes da Polícia Federal na revista é "um indicador da qualidade dos conhecimentos científicos forenses da PF". "Reforça ainda o quanto é preciso investir em métodos de inteligência para valorizar o trabalho dos investigadores." Essa modernização, de acordo com o ministro, é uma das metas da pasta.
O agente da PF Bruno Requião da Cunha, físico de formação e um dos autores, diz que o que tem sido feito no País é inovador no mundo inteiro. Isso precisa ser reconhecido, diz, e fomentado. Para dar escala a esse método de trabalho, segundo ele, é preciso cooperação entre centros de pesquisa e órgãos de investigação. Mas, mesmo com toda a ciência, o conhecimento do investigador experiente não fica de lado. "A supervisão deles pode confirmar se os resultados fazem sentido na vida real", afirma Cunha. 

Fonte: Matéria publicada originalmente no Portal Terra
Link: https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/pf-descobre-rede-de-pornografia-infantil-usando-matematica,813ae53127c628d687def30de0115529ac5xyyei.html

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Lei 13.432/2017 limitou investigação por detetive particular (por Henrique Hoffmann Monteiro de Castro e Adriano Sousa Costa)

Entrou em vigor a Lei 13.432/17, com o propósito de disciplinar a atividade do detetive particular. Definiu sua natureza como não criminal (artigo 2º), exigiu contrato escrito com estipulação de honorários e prazo (artigos 7º e 8º) e confecção de relatório do serviço (artigo 9º), além de estabelecer vedações (artigo 10), deveres (artigo 11) e direitos (artigo 12). Possibilitou ainda a colaboração do detetive profissional com a investigação policial mediante autorização do contratante e aceite do delegado de polícia (artigo 5º). A lei não instituiu carteira de identidade profissional (como desejava a versão inicial do projeto de lei) nem concedeu porte de arma de fogo ao detetive. A regulamentação é complementada pela Lei 3.099/57 e pelo Decreto 50.532/61, que não foram revogados expressa ou tacitamente pela Lei 13.432/17.

O detetive particular pode atuar “por conta própria ou na forma de sociedade civil ou empresarial” (artigo 2º). Caso opte por constituir sociedade, deve estar registrada na Junta Comercial do estado respectivo (artigo 1º da Lei 3.099/57), bem como na delegacia de polícia do local de atuação (artigo 1º do Decreto 50.532/61).

A atuação do detetive é restrita territorialmente. Não altera essa constatação o fato de ser direito do detetive (artigo 12, I) exercer a profissão “em todo o território nacional”, pois isso deve ser feito “na forma desta Lei”, ou seja, observando a exigência de estipulação contratual do “local em que será prestado o serviço” (artigo 8º, V).

A legislação não criou a figura de investigador privado, eis que a atuação do detetive particular deve ser extrapenal. Sua função é de coleta de informações de natureza não criminal, limitando-se ao “esclarecimento de assuntos de interesse privado do contratante” (artigo 2º), que constituem, ao menos em princípio, irrelevantes penais (tais como infidelidade conjugal e desaparecimento de pessoas ou animais).

Sua atividade é movida pelo lucro (artigo 8º, VI), e não pelo interesse público. Por isso, foi vetado o dispositivo (artigo 12, V) que o definia como “profissional colaborador da Justiça e dos órgãos de polícia judiciária”, justamente para evitar “confusão entre atividade pública e privada, com prejuízos a ambas e ao interesse público”.

Com efeito, a investigação criminal continua sendo atividade essencial e exclusiva de Estado, em homenagem ao princípio da oficialidade, o que significa dizer que as funções de apuração de infrações penais e de polícia judiciária são exercidas pela polícia judiciária, com a presidência do procedimento policial nas mãos do delegado de polícia (artigo 144 da CF e artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 12.830/13). Eventual contrato que ajustar a investigação criminal como objeto é nulo em razão da expressa vedação legal (artigo 2º).

E nem mesmo a reunião de dados de interesse privado é exclusiva do detetive profissional, conforme consignam os vetos aos artigos 1º e 3º, podendo perfeitamente ser exercida, por exemplo, por um advogado.

A lei não empregou os termos investigação ou apuração, preferindo coleta de dados e informações (artigos 2º, 9º e 10, III e V), deixando claro que não se confunde com a investigação criminal ou tampouco com a atividade de inteligência.

Diferencia-se da investigação criminal, pois o detetive profissional não possui poder de polícia (não pode condicionar a liberdade e a propriedade dos indivíduos mediante ações preventivas e repressivas). A coleta particular de dados é desprovida dos atributos da discricionariedade, autoexecutoriedade e coercibilidade, inexistindo supremacia do seu agir em relação ao particular, ao contrário da atuação do membro da polícia judiciária (artigo 144 da CF, artigo 2º, parágrafo 2º da Lei 12.830/13 e artigo 6º do CPP).

Também se distingue da atividade de inteligência, executada para obtenção de dados negados de difícil acesso e/ou para neutralizar ações adversas marcadas por dificuldades e/ou riscos iminentes. A compilação privada de elementos de convicção não abrange o emprego de pessoal, material e técnicas especializadas (Portaria 2/16 do Ministério da Justiça, que aprovou a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública).

Ou seja, o detetive está longe de ser um policial privado ou um agente de inteligência particular. Age como um despachante do cliente, arrecadando informações de natureza não criminal, como pode ser feito por qualquer pessoa; inclusive pelo contratante, que todavia preferiu a comodidade de pagar para que alguém faça esse serviço em seu lugar. Isto é, cuida-se de um contrato específico de prestação de serviços (sinalagmático, oneroso e intuitu personae). A Lei 13.432/17 não conferiu ao prestador do serviço qualquer prerrogativa ou vantagem na coleta de dados, pelo contrário, trouxe mais exigências para a formalização do contrato e admitiu sua colaboração somente dentro de rígidos limites.

Sua atuação é apenas complementar. Não pode executar técnicas ordinárias de investigação (tais quais oitivas e quebra de sigilo de dados) nem meios extraordinários de obtenção de prova (como infiltração policial comum ou virtual). Também não tem autorização para implementar ações de inteligência de segurança pública (a exemplo de vigilância e entrevista).

O detetive não pode participar diretamente de diligência policial (artigo 10, IV). Além disso, os recursos de pesquisa permitidos ao contratado são apenas aqueles disponíveis a qualquer cidadão, que não podem atingir direitos fundamentais alheios (artigo 3º do Decreto 50.532/61), sendo um de seus deveres justamente “respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem das pessoas” (artigo 11, II).

Outrossim, o detetive pode apenas pesquisar informações em fontes abertas (tais quais redes sociais e sites de órgãos públicos e privados), em locais públicos (como vias públicas e áreas não restritas de estabelecimentos) e sem molestar envolvidos (vítima, testemunha ou suspeito). Sua atuação se dá por meio da sugestão de fontes de prova (a exemplo de indicação de testemunha, localização de objeto e exibição de documento e apontamento de dados). A efetiva obtenção do meio de prova (intimação e oitiva da testemunha, apreensão e perícia na coisa e requisição de dados) será feita pela polícia judiciária, sob o manto estatal.

Não vingou a redação original do Projeto de Lei 1.211/11, que autorizava o detetive a realizar investigação criminal, por meio de diligências como “relatórios de investigações privadas, juntando descrições, croquis, gráficos, fotografias, filmes e gravações magnéticas” referentes a “situação hipotética envolvendo fato, criminoso ou não”. Nessa esteira, o relatório a que faz menção o artigo 9º consiste em simples prestação de contas ao contratante em relação ao serviço realizado, e não documentação de diligência de investigação criminal, razão pela qual não deve ser juntado no procedimento policial.

A limitação do trabalho do detetive é essencial para garantir a higidez da persecução penal e evitar a perda de uma chance probatória, além de preservar a própria integridade física do detetive, que atua desarmado, sem identidade profissional e movido por interesse financeiro.

A atuação do detetive fora dos limites enseja responsabilidade pessoal e ilicitude de provas.

O detetive particular que exceder aos limites da chancela autorizadora do delegado de polícia será responsabilizado por usurpação de função pública (artigo 328 do CP), pois não abarcado pela excludente de ilicitude de exercício regular de direito (artigo 23, III do CP), admitindo-se cumulação de outras infrações penais como violação de domicílio (artigo 150 do CP), lesão corporal (artigo 129 do CP), interceptação telefônica clandestina (artigo 10 da Lei 9.296/96) ou perturbação da tranquilidade (artigo 65 da LCP).

Ademais, se a obtenção da informação pelo detetive ocorrer mediante violação de normas legais ou constitucionais (realizando ato típico de investigação criminal ou inteligência de segurança pública, em vez de se limitar a pesquisar em locais públicos e fontes abertas), a prova será ilícita e não poderá ser aproveitada (artigo 5º, LVI da CF e artigo 157 do CPP).

Excepcionalmente, a ilicitude de prova clandestina será excluída por aplicação da máxima da proporcionalidade, quando a colheita ilícita da prova se der para o suspeito se defender e provar sua inocência (prova ilícita pro reo)[1], ou a vítima proteger seu bem jurídico ofendido ou colocado em risco (prova ilícita em legítima defesa)[2], podendo se valer de auxílio técnico do detetive[3]. Sublinhe-se: apenas como desvio da regra geral.

Como regra, o detetive atua em situação penalmente atípica (a exemplo de levantamento da vida pregressa de um postulante a cargo em empresa, verificação da idoneidade de contratante ou constatação das companhias de um filho). Entretanto, muitas situações (como o inadimplemento contratual e o desaparecimento de pessoa) se encontram no limbo entre o que é extrapenal e penal; ocasiões em que geralmente a polícia judiciária possui dados precários que não se qualificam como indícios mínimos aptos a ensejar a instauração de inquérito policial.

Nesse contexto sobressai a verificação da procedência das informações (artigo 5º, parágrafo 3º do CPP). Possui a finalidade de comprovação da verossimilhança da notitia criminis apresentada[4], evitando a instauração despropositada de inquérito policial se não houver evidência mínima da infração penal[5]. Permite a confirmação ou não da notícia de crime, de modo que a instauração do inquérito policial ocorrerá apenas se diante de início de justa causa (juízo de possibilidade), sob pena de trancamento[6].

Nessa vereda, a colaboração do detetive, quando autorizada, possui como principal utilidade servir de elemento de convicção que permita a deflagração do inquérito policial, e não instruir um procedimento policial já instaurado. Isso porque, se o inquérito policial está em curso, é sinal de que o delegado já obteve os mínimos dados necessários e a polícia judiciária já definiu caminho investigativo para extrair os meios de prova, sendo o aprofundamento da investigação incompatível com a possibilidade limitada de atuação do detetive. Apenas excepcionalmente deve ser admitida a participação do contratado para indicar fontes de prova ainda não conhecidas do Estado-Investigação.
Além do mais, a atuação do advogado já é suficiente para tutelar os direitos do investigado ou da vítima no inquérito policial. O trabalho que o detetive particular poderia exercer será melhor realizado pelo causídico, já que o rol de ferramentas do advogado em muito excede ao do detetive particular, a exemplo da apresentação de razões e quesitos (artigo 7º, XXI da Lei 8.906/94) e acesso às diligências concluídas do inquérito policial (artigo7º, parágrafo 11 do Estatuto da OAB e Súmula Vinculante 14 do STF), bem como requerimento de diligências (artigo 14 do CPP).

O detetive sequer pode requerer diligências em nome do cliente (artigo 14 do CPP), pois celebra contrato de prestação de serviços de coleta de dados (artigos 2º e 8º da Lei 13.432/17), e não de mandato (artigo 653 do CC e artigo 1º, II do Estatuto da OAB) que o habilitaria a pleitear perante a polícia judiciária.

Em epítome, a partir da instauração do inquérito policial, desaparece a legitimidade do detetive particular, ganhando relevo a atuação do advogado na defesa dos interesses de seu cliente.

A colaboração do detetive profissional com a investigação policial deve ser precedida de autorização do cliente e concordância do delegado de polícia (artigo 5º).

A anuência do contratante deve ser expressa (por escrito) e específica (documento à parte, não bastando cláusula genérica no contrato). Isso porque o pacto negocial possui natureza não criminal e fugiria ao espírito da lei uma autorização geral para colaboração criminal que não passasse pelo crivo especial do cliente.

Intitulamos o documento que formaliza a colaboração de termo de colaboração particular circunstanciada. O nome do documento já permite a identificação das principais características:

a) termo de colaboração: autorização escrita do delegado de polícia para que o detetive auxilie a polícia judiciária provendo elementos mínimos iniciais;
b) particular: o detetive atua em caráter privado, preservando a oficialidade da investigação criminal e a presidência do procedimento policial nas mãos do delegado de polícia (sem qualquer protagonismo do prestador de serviço);
c) circunstanciada: a atuação do detetive deve ser especificada do modo mais detalhado possível. É restrita, não podendo o detetive participar diretamente de diligência policial (artigo 10, IV) e só podendo realizar pesquisas disponíveis a qualquer cidadão, sem imperatividade e sem atingir direitos fundamentais alheios (artigo 11, II e artigo 3º do Decreto 50.532/61).
Caso já disponha de informações, o detetive deve imediatamente fornecê-las indicando as fontes de prova (pessoas e coisas) de onde a polícia judiciária possa extrair os elementos de convicção. Se não dispuser dos dados, a busca pode ser feita em determinado lapso temporal fixado pelo delegado (que não irá extrapolar o prazo estabelecido no contrato firmado pelo detetive e seu cliente para atuação não criminal — artigo 8º, II).

Deve ficar registrado no termo qual é o interesse do cliente para motivar a proposição de colaboração na investigação policial, seja na condição de vítima ou suspeito. Não pode o detetive colaborar com o Estado quando não houver interesse particular a ser tutelado (como no caso de crimes vagos).

Além disso, o detetive não pode atuar em investigação policial relativa a crimes violentos, ocasião em que deve não só se abster de colaborar com a polícia judiciária, mas inclusive renunciar ao serviço contratado face ao risco à sua integridade física ou moral (artigo 12, III).

São anexos obrigatórios do termo: a) autorização expressa do contratante, que deve ser feita por escrito; b) contrato de prestação de serviços do detetive para seu cliente (artigo 8º), que precisa conter a qualificação completa, natureza da coleta de dados não criminais (especificação do problema, tal qual infidelidade conjugal), local de coleta de dados, prazo, relação de documentos e dados fornecidos pelo contratante e estipulação de honorários.

Não se exige concordância do Ministério Público nem chancela judicial.

A ação penal do crime não afeta a possibilidade de colaboração. Em crimes de ação penal pública condicionada ou privada, caso o contratante seja a vítima, sua autorização já constituirá a condição de procedibilidade para deflagração do procedimento policial.

A autoridade de polícia judiciária pode exercer juízo de retratação e voltar atrás em seu ato discricionário para determinar a qualquer tempo a cessação da colaboração em curso (artigo 5º, parágrafo único da Lei 13.432/17); o contratado também deve interromper o auxílio em caso de extinção do contrato (pressuposto da colaboração) em razão da rescisão por inadimplemento ou força maior (artigo 607 do CC).

A participação do detetive particular no curso da investigação policial é uma discricionariedade do delegado de polícia, e não uma prerrogativa profissional. Registre-se ainda que não há qualquer menção sobre a possibilidade de tal profissional auxiliar no curso do processo criminal.

É vedado ao detetive divulgar os meios e os resultados da coleta de dados e informações a que tiver acesso no exercício da profissão, salvo em defesa própria (artigo 10, III).

E é seu dever profissional preservar o sigilo das fontes de informação (artigo 11, I). Obviamente esse segredo não pode impedir o fornecimento de documentos e indicação de pessoas e coisas pelo detetive ao delegado, se autorizado a colaborar com a investigação criminal.

É crível concluir que a lei não promoveu alargamento na utilização da investigação criminal privada (e sua espécie investigação criminal defensiva)[7], ao contrário do que ocorreria com aprovação do novo Código de Processo Penal (Projeto de Lei 156/09, artigo 13), que faculta ao investigado entrevistar pessoas. Na atual sistemática, a vítima ou suspeito não pode produzir a prova com imperatividade.

Para que a informação obtida pelo particular se revista de idoneidade a embasar a persecução penal, já que não possui fé pública, deve ser submetida à supervisão estatal, sem a qual não há como assegurar a confiabilidade dos relatos[8]. Incide a chamada teoria da canalização, segundo a qual o elemento de convicção, para ser considerado válido e aproveitável na persecução criminal, deve obter a chancela estatal, dando verniz de oficialidade. Além disso, a ação instrutória do particular não pode obstruir a investigação policial por meio de inovação artificiosa do estado de lugar, coisa ou pessoa, sob pena de crime (artigo 347 do CP).


[1] STF, RE 402.717, rel. min Cezar Peluso, DJ 2/12/2008.
[2] STJ, REsp 1.026.605, rel. min. Rogerio Schietti Cruz, DJ 13/5/2014.
[3] Para gravação de conversa telefônica ou ambiental, por exemplo.
[4] STJ, RHC 14.434, rel. min. Jorge Scartezzini, DJ 1/4/2004.
[5] COSTA, Adriano Sousa; SILVA, Laudelina Inácio da. Prática policial sistematizada. Niterói: Impetus, 2016.

Fonte: Consultor Jurídico
[6] STF, HC 132.170 AgR, rel. min Teori Zavascki, DJ 16/2/2016.
[7] MACHADO, André Augusto Mendes. Investigação criminal defensiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
[8] STF, AP 912, rel. min. Luiz Fux, DJ 14/2/2017.

domingo, 5 de agosto de 2012

Gilmar Mendes pede abertura de investigação contra Wikipédia



O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu a abertura de uma investigação contra a Wikipédia na Polícia Federal. Ele reclama de definição distorcida em seu verbete, o qual considerou ideológico.

A parte do verbete que incomodou o ex-presidente do STF reproduz uma denúncia da revista "Carta Capital" que ele contesta judicialmente. Mendes afirma que o verbete deve ter apenas sua biografia, sem dados jornalísticos.
A Wikipédia é uma enciclopédia livre onde os próprios usuários, virtualmente, podem adicionar conteúdo. Sem êxito em chegar aos editores do trecho sobre a denúncia, o ministro decidiu ir contra o site, o qual ele afirma estar "aparelhado".
Fonte: site SRZD

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Você me desculpa?


Pesquisadores investigam se cães realmente  sentem culpa ao quebrar regras impostas pelos donos
por Jason G. Goldman

©mlorenz / Shutterstock

 “Cheguei em casa e ele estava agindo de maneira estranha. Eu sabia que ele tinha feito alguma coisa errada”, contou-me ela. Pedi mais detalhes. “Sua cabeça estava baixa e ele não me olhava nos olhos”, continuou. “Então eu encontrei: embaixo da cama”.

Minha amiga passou semanas treinando seu cão, Henry, para que ele não fizesse cocô no carpete. E lá estava, embaixo da cama. “Ele sabia que havia se comportado mal, por isso estava agindo com tanta culpa”, insistiu a moça, certa de que seu cão sabia que havia violado suas regras. Mas ela não estava sozinha: 74% dos donos de cães acreditam que seus animais sentem culpa.

Existem muitas evidências para o que os cientistas chamam de emoções primárias – alegria e medo, por exemplo – em animais. Mas evidências empíricas para emoções secundárias como ciúme, orgulho e culpa são extremamente raras na literatura sobre cognição animal, já que emoções secundária requerem certo nível de sofisticação cognitiva, particularmente no que diz respeito à autoconsciência, que pode não existir em animais não-humanos.

O problema é que a demonstração de comportamentos associados à culpa não é, em si, sinal da capacidade de senti-la emocionalmente. Os comportamentos culposos se seguem às transgressões? Se sim, isso forneceria pistas de que os cães podem estar conscientes delas. Ou será que o comportamento de culpa acompanha uma repreensão ao animal? – uma especulação razoável, já que os donos tendem a brigar menos com seus cães se eles “se arrependerem”. Se esse for o caso, o comportamento poderia ser simplesmente resultado da associação aprendida entre um estímulo (como fazer cocô no carpete) e o castigo que se segue.

Para analisar a questão, um grupo de pesquisadores de cognição canina da Eotvos Lorand University, em Budapeste, liderados por Julie Hecht, criou um experimento, relatado no periódico Applied Animal Behavior Science.

Os pesquisadores queriam responder duas perguntas. “Quando estão recebendo seus donos, cães que se comportaram mal na ausência deles agem diferentes dos “inocentes?”/ “Os donos seriam capazes de determinar, baseando-se apenas no comportamento do cão, se  eles cometeram alguma transgressão?

Durante o estudo, os pesquisadores determinaram o comportamento de recepção padrão de 64 cães, após breve separação dos donos. Além disso, estabeleceram uma regra social: animais não podem pegar comida que fica em cima da mesa. Em seguida, os cães foram deixados sozinhos com e os pesquisadores verificaram como recebiam seus donos após terem se alimentado, ou não, da “comida proibida” e observavam se os donos conseguiam determinar se os cães haviam quebrado a regra.

A primeira descoberta mostrou que os cães nem sempre agem com culpa – apenas em certas circunstâncias. Eles mostraram significativamente menos comportamentos associados à culpa quando estavam sendo recebidos por seus donos do que quando estavam sendo repreendidos. Depois, os pesquisadores verificaram se os cães transgressores demonstravam mais culpa. Surpreendentemente, os dois grupos apresentaram a mesma tendência a agir com culpa. Juntas, as conclusões fornecem uma possível resposta para a primeira pergunta: cães que se comportaram mal não tinham tendências estatisticamente significativas de se comportar diferente dos demais.

Outra descoberta, no entanto, pode indicar possíveis sentimentos de culpa. Cada cão teve três oportunidades de receber seus donos: uma vez antes de a regra ser estabelecida; depois de a regra ter sido estabelecida e os cães terem oportunidade de violá-la; e uma terceira vez, após a regra, mas sem oportunidade de violá-la. Enquanto todos tendiam a agir com culpa durante a segunda recepção ao serem repreendidos, somente os que de fato cometeram transgressões mantiveram o comportamento durante a terceira recepção.

Sobre os donos, quase 75% foram capazes de determinar se os cães haviam se comportado mal: um resultado significativamente maior que o esperado para chutes aleatórios. No entanto, é possível que os donos estivessem se baseando no comportamento anterior dos cães para isso. Talvez os donos não estivessem se baseando apenas no comportamento dos animais, mas em sua tendência anterior a comer os alimentos! Após eliminar esses donos (que sabiam que os cães haviam violado a regra antes mesmo de ela ter sido estabelecida), os participantes não conseguiram determinar se seus cães haviam se comportado mal.

Pesquisas futuras, segundo os pesquisadores, terão de investigar questões em ambientes familiares, e não no laboratório, examinando regras sociais já estabelecidas entre dono e cão. Ainda pode demorar algum tempo para que possamos saber com certeza se cães sentem culpa, ou se as pessoas conseguem determinar se um cão violou uma regra antes de encontrar evidências concretas disso.

Texto original publicado em http://blogs.scientificamerican.com/thoughtful-animal/2012/05/31/do-dogs-feel-guilty/

Jason G. Goldman Jason G. Goldman é um estudante de pós-graduação em psicologia do desenvolvimento na University of Southern Califórnia.
Fonte: Scientific American Brasil

terça-feira, 29 de maio de 2012

CACHOEIRA ARRUMOU AVIÃO PARA DEMÓSTENES E “GILMAR”




Escutas telefônicas indicam que o contraventor Carlinhos Cachoeira providenciou um avião King Air para dar uma carona ao senador Demóstenes Torres e a "Gilmar", no retorno de uma viagem da Alemanha ao Brasil. Em uma ligação no dia 23 de abril, um ex-vereador do PSDB pede autorização para buscar o "Professor" Demóstenes em um "jatinho", que está com o "Gilmar". Na degravação, a PF questiona entre parênteses (“Mendes?”). O ministro do STF foi a Europa neste período para participar de um congresso internacional de Direito.

Najla Passos e Vinicius Mansur – Carta Maior

Brasília - Escutas telefônicas interceptadas pela Polícia Federal (PF), com autorização da Justiça, durante a Operação Monte Carlo, questionam se o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, “pegou carona” em um avião fornecido pela quadrilha de Carlinhos Cachoeira, no dia 25 de abril de 2011, quando teria retornado da Alemanha ao Brasil, na companhia do senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO).

No dia 23 de abril de 2011, às 19:31, o ex-funcionário da empreiteira Delta e ex-vereador de Goiânia pelo PSDB, Wladimir Garcez, também preso durante a Operação Monte Carlo, diz em ligação a Cachoeira que “o Professor (Demóstenes) está querendo vir de São Paulo no avião do Ataíde” e que “Gilmar” o acompanha. O documento da PF indaga: “Gilmar Mendes?” Cachoeira responde “que pode autorizar” enquanto ele acha o Ataíde.

Ataídes de Oliveira (PSDB-TO) é primeiro-suplente do senador João Ribeiro (PR-TO) e empresário do ramo de construção civil, incluído pela PF na lista de políticos ligados ao contraventor, preso na Operação Monte Carlo.

Às 20:14, Wladimir volta a falar com Cachoeira e informa que está providenciando o avião do Rossini. As investigações da PF indicam que Rossini Aires Guimarães é sócio de Cachoeira em uma empresa de segurança, a Ideal Segurança, e na fazenda Gama, em Brasília.

Cachoeira: Qual é o avião do Rossini?

Wladimir: É um jatinho né, ele tem um que é um jatinho que ele falou, um King Air (na verdade, um bimotor turboélice).

Cachoeira: A, um pequeno né?

Wladimir: é... aí eu peguei falei com ele, ele falou não, não preocupa não que eu organizo. Porque ta vindo ele e o Gilmar né, porque não vai achar vôo sabe.

Às 20:38, ainda no dia 23, Cachoeira pergunta a Wladimir se o senador chega na “segunda cedo”. O ex-vereador informa que “é tudo desconjuntado, ele sai de lá amanhã meio dia, que é sete horas da manhã daqui” e que já deixou tudo acertado. O bicheiro pergunta que horas o vôo chegará em São Paulo e Wladimir responde “ seis horas da manhã”.

No dia 25, às 12:10, Wladimir diz ao bicheiro que o senador já chegou.

Berlim

As declarações recentes de Gilmar Mendes, a propósito de um encontro com Demóstenes em Berlim, fornecem indícios de que o “Gilmar” beneficiado pela carona exposta nesta reportagem seria o ministro do STF, Gilmar Mendes.

À revista Veja, Gilmar Mendes afirmou que se encontrou com Demóstenes em Berlim, na Alemanha, mas negou as acusações de que suas despesas foram pagas por terceiros. Ainda segundo a Veja, o ministro teria uma filha residente em Berlim e, por isso, frequentaria a cidade com regularidade.

Em entrevista à Globonews na noite desta segunda-feira (28), Mendes afirmou que o encontro com Demóstenes aconteceu logo após uma “atividade acadêmica em Granada”.

Mendes foi à Europa participar de um congresso internacional em homenagem ao jurista italiano Antônio D’Atena, promovido pelo Fundação Peter Häberle e pela Universidade de Granada, da Espanha. O congresso foi aberto no dia 13/4/2011, mas a participação de Mendes se deu na manhã do dia seguinte, com a palestra “A integração na América Latina, a partir do exemplo do Mercosul”.

A presença de Demóstenes em Berlim, por sua vez, é confirmada por Cachoeira em uma ligação a Wladimir Garcez, interceptada pela PF no dia 18/4/2011, às 18:08 horas.

Não há registros públicos de quais atividades Demóstenes teria ido desenvolver na Europa, mas levantamento feito por Carta Maior demonstra que ele não participou das votações realizadas no plenário do Senado entre 13 e 25/4/2011.

Em nota oficial, Lula manifesta indignação

A assessoria de imprensa do Instituto Lula divulgou nota oficial onde o ex-presidente manifesta indignação com o teor da matéria publicada pela revista Veja. A nota afirma:

Sobre a reportagem da revista Veja publicada nesse final de semana, que apresenta uma versão atribuída ao ministro do STF, Gilmar Mendes, sobre um encontro com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 26 de abril, no escritório e na presença do ex-ministro Nelson Jobim, informamos o seguinte:

1. No dia 26 de abril, o ex-presidente Lula visitou o ex-ministro Nelson Jobim em seu escritório, onde também se encontrava o ministro Gilmar Mendes. A reunião existiu, mas a versão da Veja sobre o teor da conversa é inverídica. “Meu sentimento é de indignação”, disse o ex-presidente, sobre a reportagem.

2. Luiz Inácio Lula da Silva jamais interferiu ou tentou interferir nas decisões do Supremo ou da Procuradoria Geral da República em relação a ação penal do chamado Mensalão, ou a qualquer outro assunto da alçada do Judiciário ou do Ministério Público, nos oito anos em que foi presidente da República.

3. “O procurador Antonio Fernando de Souza apresentou a denúncia do chamado Mensalão ao STF e depois disso foi reconduzido ao cargo. Eu indiquei oito ministros do Supremo e nenhum deles pode registrar qualquer pressão ou injunção minha em favor de quem quer que seja”, afirmou Lula.

4. A autonomia e independência do Judiciário e do Ministério Público sempre foram rigorosamente respeitadas nos seus dois mandatos. O comportamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o mesmo, agora que não ocupa nenhum cargo público.
Fonte: Página Global

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