O longa-metragem do diretor novato Pedro Morelli mescla três narrativas diferentes para satirizar, com inteligência, os clichês do cinema
NINA FINCO
Emma trabalha numa fábrica de produtos eróticos. Inspirada pelos bustos avantajados das bonecas que produz, ela faz plástica nos seios, mas se arrepende do resultado. Enquanto bola um plano nada convencional para conseguir dinheiro e desfazer a cirurgia, ela dá continuidade a uma história em quadrinhos, de sua autoria, sobre Edward, um diretor de cinema cansado de blockbusters. Em uma tentativa de provar seu valor para Hollywood, Edward produz um filme de arte sobre Michelle, uma modelo que quer ser mais que um rostinho bonito e decide ser escritora. Ela se refugia numa cidadezinha litorânea do Nordeste do Brasil. Enquanto tenta fugir de um namorado pedante, envolve-se em um romance lésbico e rascunha a história de uma garota que trabalha numa fábrica de produtos eróticos e está insatisfeita com o tamanho de seus seios...
Parece confuso, mas o cineasta brasileiro Pedro Morelli, de 28 anos, em seu primeiro filme solo, Zoom (produção Brasil-Canadá que estreou dia 31 de março), conseguiu conectar essas três histórias, sem que o espectador, mesmo sendo conduzido sem aviso prévio de uma trama a outra, se sinta, ao final de uma hora e meia, perdido em Marte. Ao final dessa babilônia, Zoom mostra seu verdadeiro propósito: satirizar os clichês comerciais da indústria do cinema. O ataque aos padrões de Hollywood é outro clichê do cinema “de autor”, mas o filme de Morelli faz essa crítica com frescor, sem ser pretensioso e entregando ao público um espetáculo divertido de assistir, com uma pegada pop.
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A principal inovação de Zoom é o uso de várias linguagens: live action (o filme como o conhecemos, gravado com atores reais), animação clássica e histórias em quadrinhos. A história de Edward (o ator mexicano Gael García Bernal), o diretor de Hollywood cansado de blockbusters, é contada inteiramente por desenhos. Quando está entre os rascunhos na mesa de Emma (a americana Alison Pill), a funcionária de uma fábrica de produtos eróticos, Edward surge em formato de histórias em quadrinhos. Ao virar protagonista do filme, ele se transforma em uma animação criada por rotoscopia – técnica em que animadores criam desenhos baseados em movimentos de atores captados em vídeo. As cenas gravadas com Gael no papel de Edward foram transformadas em 20 mil desenhos supercoloridos.
Entre uma história e outra, Morelli brinca com Hollywood. A produtora de Edward exige que a modelo Michelle (Mariana Ximenes) deixe de ser desleixada e ostente um penteado impecável, use salto alto e mostre a barriga chapada, tudo enquanto dirige um carro de última geração (que entra no filme graças a uma exigência do patrocinador) e é sequestrada pelo namorado em um helicóptero. Não importa se não faz sentido, o importante é apelar para a audiência. “Zoom é uma paródia, um tapa na cara sobre como tentar alcançar padrões é um esforço sem sentido”, diz Morelli.
O caminho de Zoom começou a ser traçado em 2008, quando Morelli foi assistente nas gravações de Ensaio sobre a cegueira, adaptação de Fernando Meirelles do romance de José Saramago. Mesmo novato, com 21 anos, Morelli chamou a atenção do produtor do filme, o israelense Niv Fichman. Há cinco anos, Fichman convidou Morelli para participar de seu programa para filmes de novos diretores. A ressalva era que a história fosse fora da curva. Morelli criou então uma história dentro de uma história dentro de outra história, inspirando-se no diretor e roteirista americano Charlie Kaufman, o autor da trilogia formada por Quero ser John Malkovich (1999),Adaptação (2002) e Sinédoque, Nova York (2008).
As três histórias de Kaufman têm em comum a quebra da “quarta parede” (divisória imaginária entre a ficção e a audiência, que permite ao espectador aceitar tudo o que acontece na tela como verdade). A derrubada desse muro acontece quando o personagem toma conhecimento de que suas ações não são reais e a plateia se lembra de que está vendo uma obra de ficção. O dramaturgo alemãoBertolt Brecht (1898-1956) foi um grande entusiasta desse recurso, por acreditar que ele encorajava a plateia a assistir às peças de forma mais crítica. O espectador se mantém atento para tentar descobrir se aquela história é real ou está acontecendo na cabeça de alguém. “Kaufman brinca com a lógica do mundo que cria e instiga o público a questionar as regras que ele estabelece em seus roteiros”, diz Morelli.
Fugindo de todos os arquétipos, e correndo o risco por sua ousadia,Zoom consegue lançar um olhar divertido, original e brasileiro sobre a indústria do cinema.
Originalmente publicado em: http://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/04/zoom-um-filme-brasileiro-que-critica-hollywood-e-nao-e-chato.html