
Les Plaisirs du bal, Jean-Antoine Watteau
 
Alcir Pécora
A ideia da conversação como uma parte decisiva da vida civil foi 
desenvolvida por três importantes autores italianos do século 16: 
Baldassare Castiglione (1478-1529); Giovanni Della Casa (1503-1556) e 
Stefano Guazzo (1530-1593). Em pouco tempo, tais considerações avançaram
 pelas principais cortes europeias, delas recebendo diferentes traduções
 e emulações.
Nos salões parisienses, em pleno período de rebelião dos grandes 
senhores contra a política de centralização monárquica levada a cabo 
pelos cardeais Richelieu e Mazarino, tais ideias foram aclimatadas de 
maneira interessante. Sob o reinado de Luís XIV, dois nomes, pouco 
conhecidos atualmente fora da França, destacaram-se nesse processo.
O primeiro deles é o de Antoine Gombaud, Chevalier de Méré (1607-1684). No De la conversation,
 de 1677, define a conversação como qualquer diálogo entre pessoas que 
se encontram casualmente ou não, com o propósito principal de diversão. 
Portanto, opõe conversa a conselho ou conferência, isto é, reuniões de 
negócios, onde não cabem gracejos e brincadeiras. Uma boa conversa deve 
ser distinta; agradar aos que escutam, pois apenas se estima o que 
contribui para a felicidade própria; suscitar movimentos moderados da 
alma, sem tristeza ou riso excessivos; usar argumentos de fácil 
inteligência; ter maneiras diversificadas; dar-se em boa companhia; 
possuir uma eloquência própria, mais próxima de pequenos retratos sem 
relação entre si, do que de grandes quadros.
Além disso, para Gombaud, a boa conversa supõe elocução fluente, sem 
grande ornamentação; supõe também simplicidade, que apenas existe no ar 
nobre e natural, oposto ao excesso de estudo, e ainda conformidade, isto
 é, uma acomodação do discurso às pessoas que se deseja conquistar. 
Convém sempre um humor afável e complacente com os amigos, além de um 
emprego comedido de provérbios, equívocos e agudezas, pois perdem a 
graça quando repetidos ou traduzidos para estrangeiros e visitantes.
Gombaud aconselha adotar um ritmo de “pressa lenta” na conversa, que 
nunca demonstre afã de impressionar; com esse mesmo propósito, também 
cabe evitar o tom sentencioso, de gosto vulgar. Realça ainda o papel da 
desenvoltura, para que não pareça que apenas se consegue falar bem 
mediante muito esforço, e a importância de evitar o didatismo livresco 
nas conversas. Outro aviso importante é do de temperar os elogios para 
que a fala não ganhe ares de adulação.
Para o autor, a regra mais decisiva da conversação é a de perceber o 
que cai ou assenta melhor na conversa, o que implica ser capaz de intuir
 sentimentos e pensamentos dos que escutam, de modo a jamais 
embaraçá-los. Ou seja, um conversador hábil deve saber o que a matéria e
 ocasião pedem, o que talvez se possa traduzir pelo critério mais geral 
de “senso de conveniência”.
O segundo nome que gostaria de mencionar é o de Madeleine de Scudéry (1607-1701), cujas séries de Conversations,
 escritas entre 1680 e 1688, recebem grande atenção de seus 
contemporâneos. Para ela, a utilidade e o prazer da conversação residem 
no estabelecimento de laços entre os homens. A isso se opõem vários maus
 hábitos correntes, como conversar sobre cuidados domésticos, sobre 
criados ou filhos, e ainda mais sobre roupas e o quanto elas custaram. 
Tampouco julga adequado falar cifradamente de intrigas; discutir 
genealogia e bens de família; falar da própria profissão, que em geral é
 maçante e só interessa aos que fazem o mesmo; e, de modo geral, entrar 
em assuntos graves, nos quais não cabe jovialidade. Também desaconselha 
reunião exclusiva de mulheres, sem a presença de ao menos um homem, 
mesmo que seja tolo, pois, a sós, tendem a esfriar o ambiente com 
bagatelas.
Madame de Scudéry ainda condena risos excessivos; narrações de casos 
funestos bem como de histórias do passado para gente que não o tenha 
vivido; empregar-se a falar de novidades locais, sem interesse para o 
visitante; falar baixinho, como se fosse segredo, o que geralmente não 
vai além de segredar falsas novidades. Tampouco julga adequado fantasiar
 grandes novidades ou falar de tudo seguidamente, para demonstrar 
espírito. É péssimo o hábito de falar aprofundadamente de um só assunto, 
que nunca se deixa mudar.
Para ela, a regra mais geral a adotar-se para uma conversação é a de 
falar livre e diversamente, segundo a ocasião, os lugares onde se está e
 as pessoas com quem se fala. O corolário dessa regra de ouro é que um 
grande conversador, dotado de espírito de polidez, reúne em si três 
talentos principais: o de desviar a direção usual das conversas; um 
espírito alegre e um sentido de conveniência sem apego a regras rígidas.
Salvo engano, portanto, a leitura dessas antigualhas ainda pode, senão instruir, divertir um bocado a quem se aventurar nelas.
Fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2014/11/a-arte-de-conversar/