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segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

TEXTO LIDO PELO POETA ARTHUR PRAZERES NO LANÇAMENTO DO LIVRO PEDRA DOS OLHOS DE ROGÉRIO ROCHA





A primeira coisa que precisa ser dita sobre Rogério é que ele está fazendo da poesia um desafio e um risco, como bem apontava o grande poeta Ivan Junqueira no célebre poema “O Grito”.

Rogério faz da poesia um desafio porque escreve numa terra de grandiosos poetas. Poetas como Sousândrade, Nauro Machado, Maranhão Sobrinho e ainda Gonçalves Dias, o grande primeiro poeta nacional e o mais “paraversificado” de todos. E faz da poesia um risco pois a vocação do poeta é a um só tempo divina e maldita. 

É divina porque a poesia tem o dom de salvar vidas e maldita porque a poesia meio que absorve toda a vida do poeta. A poesia demanda muito, consome muito.

Eu acho importante falar ainda que Rogério Rocha reuniu em Pedra dos Olhos poemas de todo o fazer de uma vida até agora; mas é uma poesia muito expurgada e de grande viés reflexivo.

 Acredito eu que raros poetas tiveram a coragem de reunir seus poemas da mocidade. Podemos contar nos dedos: Olavo Bilac foi um deles e João Cabral de Melo Neto rasgou e jogou no lixo toda a sua produção da mocidade.

Ademais, meus queridos, para não nos estendermos muito, digo-lhes que a Poesia de Rogério Rocha é uma poesia pensamentada, e como não poderia deixar de ser, uma poesia filosófica que lembra muito outro grande pensador da Poesia brasileira: Ivan Junqueira de “Três Meditações na Corda Lírica”. Obrigado!

(Texto de autoria do poeta Arthur Prazeres)

domingo, 11 de agosto de 2019

O DIA EM QUE A PROSA VENCEU UM CONCURSO DE POESIA*


   POR JEANDERSON MAFRA*

Mais de quarenta poetas ludovicenses aguardavam neste dia 10 de Agosto, aniversário do poeta maranhense Gonçalves Dias, o desfecho de um Concurso de Poesia em São Luís, e para estranheza de boa parte dos que "constroem com as palavras" e, neste caso, Poesia, a Prosa saiu vitoriosa.

É certo que há um grande dissenso no mundo literário sobre o que contém literariedade ou não e a Crítica Literária já se debruçou em demasia nesse campo. A Poesia Concreta, para exemplificar, foi a mais taxativa e ruptora com o cânone tradicional e de forma alguma a queremos reconfigurar à nossa realidade poética tão rica e, por vezes, "vanguardista"; rompendo com o metro e a medida na sua saga pela beleza estética que melhor desperte as emoções e quebre os paradigmas, libertando-se de amarras e da prisão conceitual dos lugares institucionalizados e "velhacos", os quais vivem a ditar os limites do que é literariedade.

A Poesia, originalmente, era identificada pelo que possuía de ritmo. E foi assim que Bandeira trincheirou o seu 'fazer poético' em sua obra "O Ritmo Dissoluto".

O verso, a métrica, o ritmo, o sentido figurado, a paródia e, sobretudo, a "criatividade" definem a Poesia e seu poder imagético, harmônico e capaz de transcender à realidade banal qualquer particular. É a isto que chamamos CATARSE.

Sem mais delongas, o prêmio calhou à Prosa. E a pergunta é: pode haver Poesia numa Prosa? Sim, pode. Porém esta tem sua definição e estrutura própria, sendo a mais simplória desta categoria, o conto.

É certo que até havia um 'lirismo' poético na Prosa vencedora do Concurso "de Poesia" hoje, mas temo que Gonçalves Dias se revirara no caixão quando a ordem do discurso era transgredida em sua "terra das palmeiras, onde canta o sabiá". Pois, por mais que a Prosa possa ter de poeticidade, em sua construção, continua a ser prosa.

Há - por mais "outsider" que este pobre ensaísta possa ser - uma linha que delimita os gêneros e, por conseguinte, os perpetua na construção do que é literário. Romance é romance, conto é conto, crônica é crônica, ainda que haja algo de poético em seu contexto (e penso que sempre haverá). Porém Prosa é Prosa e Poesia é Poesia. Se não, tudo será considerado poesia a partir de hoje e passaremos a apreciar as bulas de remédio.
A Poética,  ora observada na Prosa "Eu pirata"(sic) - que torço a que o agraciado escritor transforme em Romance - foi, nada mais e nada menos,  um "condoreirismo" inicial da interjeição de surpresa e lamento "Aahh" que dava o 'tom poético' de uma leitura enfadonha de mais ou menos cinco laudas, lidas por um "poeta" (sim, não tenho dúvidas!) com faringite e que, graças à Providência, não tossiu como temia no decurso da "leitura".

No meio do salão lotado, com a imprensa "imprensando" os transeuntes, cabeças poéticas balançavam e meneavam em negativa. Uma negativa, praticamente, geral.

Acontece que cinco poetas foram classificados para a final e três escolhidos para premiação. O terceiro lugar ficou para um jovem poeta que tinha como mote poético "o olho", ainda que "o olho do cú" tenha ficado "para sempre" como referência no seu excelente,  e bem nordestino,  cordel. Pois foi de fato um poema de matiz cordelista o que lera, no meio de uma platéia mista de crianças a idosos e na qual meu filho de 09 anos não conseguiu reter o riso (aliás, todos rimos).

O segundo lugar ficou para um lindo e verdadeiro poema que falava de São Luís e versava sobre a "solidão histórica" de nossa cidade. O poema é de autoria do poeta Rogério Rocha que, dos cinco finalistas traduziu o "espírito" do Concurso de Poesia e que, na minha irrisória opinião deveria vencer.

O primeiro lugar, como adiantado, foi de uma Prosa "resgatada" entre tantos poemas, como se lançada ao ar para sorteio e "lida" (jamais declamada) tediosamente, lauda por lauda.Tanto que o vencedor, "ao chegar na metade eu já havia esquecido o começo" confessou-me uma poetisa ao final.

Sucede que a "Comissão Avaliadora" - os ditos ""jurados", responsáveis por avaliar a presença de "poesia" nos textos - era inapta para o empreendimento, o que acabou por refletir no resultado. Ainda que escritores e membros de Academias regionais, é forçoso dizer que só quem escreve Poesia, e "oficia" sobre ela,  pode "dissertar" sobre a mesma, tendo a autoridade de julgar seu poder catártico. Ora, todos os presentes naquele salão eram poetas e foram, por assim dizer, subestimados em seu poder de análise - e não podemos deixar este momento em branco, sem a devida "crítica" e observação que lhe cabe.
A Literatura no Maranhão,  e sua ausente "crítica",  foi silenciada por muito tempo devido a um "provincianismo oligárquico" onde quem detinha o "status" simplesmente era tratado como autoridade apenas por publicar uma obra, coisa que "antigamente" era privilégio de poucos. Lembremos, por exemplo,  que nossa Maria Firmina dos Reis foi reconhecida, ao seu devido lugar na História da Literatura nacional, apenas recentemente, devido ao preconceito, racismo, misoginia e "egoísmo literário" de sua época. Não precisamos relembrar também que os grandes e renomados literatos da nossa "Atenas Brasileira" só foram reconhecidos quando cruzaram a fronteira do Maranhão.

A Associação  Maranhense de Escritores Independentes está de parabéns por este e por outros projetos que têm desenvolvido ao longo deste curto espaço de tempo desde que foi fundada e do qual tive a honra de participar. Esta breve crítica vêm pela própria necessidade de se fazer uma crítica literária no âmbito de nossa Literatura maranhense, sempre deixada nas brumas das noites ludovicenses, por vezes, no peito dos inspirados poetas.

Frye, em sua "Anatomia da Crítica"( 1957), dizia que

"[... ] a primeira coisa que um crítico literário, tem de fazer é ler literatura, para obter um levantamento indutivo de seu próprio campo e deixar seus princípios críticos se configurarem a si próprio apenas com o conhecimento deste campo".

Longe de qualquer "crítica pelo gosto" ou reacionarismo em prol de cânones arcaicos, defendo o pensamento dos formalistas russos onde as rupturas e o não-alinhamento à "tradição literária" quanto à poética devem ser o caminho para se atingir o ideal que se quer da Poesia: o de atingir o âmago da alma humana e de vislumbrar assim a liberdade.



Jeanderson Mafra*, postulante a poeta, graduado em Letras, co-autor do livro "Fragmentos de Mármore" e amante das palavras.

quinta-feira, 29 de março de 2018

A Golpes de Martelo (por Rogério Rocha)


Meu martelo constrói a incompletude.
Meu martelo trabalha com afinco,
Destrói o mundo com seu golpe rude.
Meu martelo cria e urde, desafia e
Emudece as formas que surgem,
Mas habita na fala das pedras
Desamparadas do ente mais duro.

Meu martelo titânico destrói e devassa,
Burila e avassala rochas densas,
De natureza inconcussa e magmática.

Bate sobre o solo com firmeza instrumental.
Absorve-se no absurdo que é bater no infinito,
Despejar no monolito a frieza do seu grito magistral.

O arquiteto noviço, o artífice decrépito, o reles escultor,
Coletam lascas, coletam nesgas, rastejam na praça
Em busca dos restos do objeto perfeito que esculpo.

Um ruído surdo invade os orbes celestes,
devora o mundo, prefere os ataques lascivos,
os dedos massivos do pai dos tormentos.

Meu martelo espanca o ilusório;
Meu martelo trabalha com fúria
E detona todo vulto civilizatório.
Meu martelo desarma, num gesto,
A solene ambição dos que regem
O processo nefasto do estar à mão.

Meu martelo profético desfaz e arrasa,
Com golpes potentes, enormes pancadas,

As torres maciças que o templo resguarda.

"Símbolo" (por Rogério Rocha)

Rogério Rocha
Símbolo


A vida dentro da vida
guardada n’alma,
sorvida da aurora
das nossas alegrias.

O símbolo dentro do símbolo.
A guarda do sagrado,
O império dos segredos,
Instado a dizer-nos
No não dito, no não visto,
No sim, no não, no íntimo.

Somos sonho, somos signo,
Somos tempo, somos símbolo.

O vermelho do sangue
Na pele brotando,
A ferida nefasta
Nascida de um parto,
De um grito, de um fato.
Um sinal que emite sentidos.
Um som inaudível, a princípio,
E no princípio, ruídos ao fundo.

A voz da memória, o passado em jogo,
O sinal do princípio no crepitar do fogo.
No mais antigo do antigo a figura perene,
A dizer, no sempre, o que queremos.

A esfinge nos atinge: Kerub.

O mistério de ser gente,
De ser corpo, de ser homem.
O olhar que nos fala,
O corpo que nos fala,
O silêncio que nos fala,
A paixão que nos consome.

A gramática do ser
Abundante, a mostrar,
Apontar, consignar,
Uma physis constante.

Somos sonho, somos signo,
Somos tempo e somos símbolo.
Ainda assim, nos importa
Saber ler nos símbolos
A linguagem dos túmulos,
A voz dos narradores,
A letra dos pergaminhos,
O som dos arredores.

Fragmentos de um tempo
Adormecido.

P.S.: Poema do livro "Travessias" (no prelo)

sábado, 23 de dezembro de 2017

POESÍA: UN SALUDO A LA VIDA Y A LA MUERTE (por Enrique Villagrasa)

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Lêdo Ivo foi poeta, romancista, contista, cronista e ensaísta (*Maceió, BR - 1924   +Sevilla, ES - 2012)

El brasileño Lêdo Ivo alcanzó cotas universales con su poemario ‘Réquiem’ (El gallo de oro).
No sé si existen la casualidades en la vida, pero, lo curioso en este caso es que tengo en mis manos la prosa escogida de Lêdo Ivo (Maceió, estado de Alagoas, Brasil, 1918-Sevilla, 2012) bajo el título de Isla de mí (Saltadera), en edición y traducción del gran conocedor de la obra del poeta Martín López-Vega, con epílogo de Gonçalo Ivo, su hijo, reconocido pintor él; también, la edición bilingüe ampliada de La imaginaria ventana abierta (Contra Capa), o sea, la colección de poemas del poeta brasileño traducida y estudiada por Carlos Montemayor, con prefacio de Jorge Ruiz Dueñas y posfacio de Gilberto Araújo; y su maravilla poética: Réquiem (El gallo de oro), también en edición bilingüe, con traducción y notas de Martín López-Vega, con dos epílogos, de Gonçalo Ivo y del profesor Edgar Lyra, de muy necesaria lectura, pues explica el sentir pensado del poeta sobre la muerte, desde la filosofía.
Este libro, Réquiem, se publicó en Brasil en 2008, celebrando sus 84 años de vida y un año más tarde le concedieron el Premio Casa de las Américas. Y me pregunto si es casualidad porque el primer verso de este último poemario se inicia con este enorme verso: “AQUÍ estoy, aguardando el silencio”. Que explica cómo se encuentra uno en estos momentos de su vida: azar y necesidad. Verso que conmueve y emociona en su enorme verdad y grandeza, y que me lleva a escribir sobre él para que se (re)lea a este gran poeta. Es de agradecer la labor que realiza este especialista en su obra, López-Vega, con sus traducciones de prosa y poesía de este señero poeta brasileño.
Me gusta Lêdo Ivo porque en él todos sus versos brotan como el agua en un manantial: con fuerza libre y sin mansedumbre: “Los días pasan y traen siempre la muerte”. Réquiem es, pues, su más bello poemario y más intenso: “Viví sin aprender que todo es pérdida y pasaje/ y que el salitre borra el nombre de los navíos/ y lleva muy lejos los rumores de la vida”.
Este poeta, narrador y ensayista es una de las más brillantes figuras de la literatura brasileña: uno de los máximos representantes de la llamada Generación del 45, junto a Joao Cabral de Melo Neto. Él concebía la poesía como el renacer de la palabra, con la que disfrazaba su vida personal y confeccionaba el disfraz carnavalesco de su mitología particular, que sustituía a la más que trivial existencia que nos ha tocado en suerte. En este poemario deambula por el mundo de sus pérdidas, que trasciende al dolor universal; eso sí, con un gran ritmo y musicalidad en el verso: es intenso, original, grandioso en lo simple y silencioso: “Tan solo la muerte enseña que los ángeles no existen.// Cuanto perdí lo perdí para siempre”.
Creo que este Réquiem es una de las maravillas poéticas universales, de una belleza e intensidad sin igual, donde el poeta hace un balance de su existencia: un saludo a la vida y a la muerte, que siente no lejana, tras la muerte de su esposa Leda, en 2004: “Fui siempre amor en el lecho memorable/ y ahora mi mano errante solo encuentra la tiniebla/ allí donde encontraba el cuerpo bien amado”. Se trata de una poesía elegíaca que se plasma con un lirismo torrencial en versos libres y largos: “Quien tiene la llave de los sueños abre cualquier puerta”. Y, a la vez, es el canto al amor y la vida compartida de toda una existencia, esa belleza frágil de las cosas: “Soy el viento que sopla en Maceió. (…) el murmullo de las sílabas del mar interminable”.
Además, si la poesía de Lêdo Ivo es un canto de alabanza a la vida y al universo creado y habitado por seres grandes y pequeños, en Réquiem también podemos encontrar en el poema V ecos de la poesía de Francisco de Asís, del Cántico del hermano sol, y del evangélico Sermón de la Montañarelatado por los evangelistas Lucas y Mateo: “Felices quienes vivieron más de una vida./ Felices quienes vivieron vidas incontables”.
Creo que, como dice Carlos Montemayor: “No es fríamente perfecto el poema; es tan imperfectamente humano como la vida que sus versos contienen y aman. Es, como en todas las épocas de la gran poesía, el canto”. O, como escribe Lêdo Ivo en la página 113 de Isla de mí: “El poeta crea aquello que contempla”.

Texto original publicado en Librújula



sábado, 2 de setembro de 2017

Demain dès l'aube - poème de Victor Hugo (Amanhã, ao amanhecer - poema de Victor Hugo)

Nesse post faço uma homenagem, com um vídeo-poema, ao grande escritor e poeta francês Victor Hugo. Trago para vocês um de seus poemas mais tocantes, chamado "Demain dès l'aube" (Amanhã, ao amanhecer), escrito em memória da filha morta, Léopoldine Hugo. Em complemento, abaixo estão o texto original de Hugo, em sua língua natal, e uma tradução em português, de autoria de JB Xavier.

O vídeo que aqui abrilhanta ainda mais os versos hugueanos, e que vocês certamente gostarão de ver, foi produzido, montado e realizado por Geoffroy Groult, com Nicolas Vincent, Rémi Monedi e Elise Correard. Deleitem-se!


Demain, dès l’aube…

Victor Hugo
Demain, dès l’aube, à l’heure où blanchit la campagne,
Je partirai. Vois-tu, je sais que tu m’attends.
J’irai par la forêt, j’irai par la montagne.
Je ne puis demeurer loin de toi plus longtemps.

Je marcherai les yeux fixés sur mes pensées,
Sans rien voir au dehors, sans entendre aucun bruit,
Seul, inconnu, le dos courbé, les mains croisées,
Triste, et le jour pour moi sera comme la nuit.

Je ne regarderai ni l’or du soir qui tombe,
Ni les voiles au loin descendant vers Harfleur,
Et quand j’arriverai, je mettrai sur ta tombe
Un bouquet de houx vert et de bruyère en fleur.


Victor Hugo, extrait du recueil «Les Contemplations»


Amanhã, ao amanhecer...
Victor Hugo
Tradução: JB Xavier
 
Amanhã, ao amanhecer, quando de branco o campo se banha,
Eu partirei. Sei que você me vê, e sei que espera por mim...
Seguirei pelas florestas e cruzarei a montanha.
Não posso ficar longe de você tanto tempo assim...
 
Marcharei com os olhos fixos em meu pensamento,
Sem desviar minha atenção, sem ouvir qualquer ruído,
Só e desconhecido, costas encurvadas, as mãos num lamento,
Dia triste como a noite para mim, quando eu tiver partido.
 
Nem para o dourado da noite que cai eu olharei,
Nem verei as velas que para Harfleur descem em triste ardor...
E quando eu chegar, em seu túmulo colocarei
Um buquê de verde azevinho e urzes em flor.
 
Fontes e referências:
geoffroy-groult.com Canal do YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=lwVWtPzTFIU
Poema em tradução portuguesa por JB Xavier em http://www.jbxavier.com.br
Poema em francês retirado do site: www.poetica.fr

sábado, 28 de novembro de 2015

Homenagem ao poeta Nauro Machado em face de sua morte (por Rogerio Rocha)

Minha homenagem ao poeta maranhense Nauro Machado, falecido esta madrugada. Escrito no ano de 2003, imaginava um dia oferecer-lhe como presente ou ler esse poema para ele. Não foi possível. Ainda assim, ficará, desde já, eternizado junto ao seu nome.


Nauro (poema extra)

Nauro, poeta ‘extraordináurio’...
Eu o vejo descendo a pé
A sempre velha Rua de Nazaré...
Os velhos prédios, as velhas pedras
Acenam pra ele no passar infindo.
Leva à mão direita
Um guarda-chuva negro, grande
E pontudo...
Na mão esquerda uma pasta
(que ao poeta nada basta).
Na mão direita seu guarda-chuva
(guarda-preces, guarda-dores, guarda-escárnios),
tal qual bengala, margeia a beira,
feia, fria e dura beira de calçada,
como se escrevesse, como se traçasse,
nela e com ela, uma outra linha,
paralela, imaginária...
ponteando o seu passar.

Nauro desce a Praia Grande.
Seu corpo é um grande copo,
Corpo translúcido, brilhante,
Cabendo no fluxo de um líquido
Profuso que cai no vazio vazante
Do continente, conteúdo que espuma
Da cabeça aos pés e se banha no rio
Do temporário, que o espera sobre
As mesmas mesas dos mesmos bares,
Refúgio presente, pleno sacrário
De tudo que sorve a dor e proclama
Suas relíquias no objeto incendiário.

Nauro, poeta ‘extraordináurio’...
Vejo daqui, desta sacada,
Bem de cima, bem do alto,
Tua cabeça descampada.
Vejo da sacada deste velho casarão.
Tua cabeça é como um vão.
A tua sombra perene,
teus versos enchendo a rua,
subindo aos ares, lambendo o chão,
onde correm passos que varrem
a paisagem, paisagem solene
das pedras que dormem nuas.
Silêncio, silêncio meu poeta!
Estou afeito a curtir pensamentos
Que escrevem mãos caladas.
Vago também pelos vales e valas,
Pelas vagas onde ecoam os berros
De tua voz grave e trágica.
Ecoa no espaço azul do sereno,
Vige ainda no tempo o teu dito.
Oh! poeta, que me ofusca!

Oh! tu, poeta, és quase adivinho,
És quase profeta na encruzilhada.

Tua fala, teu andar desconcertante,
Teu acuro com a essência da palavra,
Prisão ferrenha, destino amargo
e porto incandescente.
Em teu ombro carregas, cansado,
o altar de Apolo.
Mesmo assim, celebras Dionísio.

Oh! tu, amena criatura! Solitário ser
Que transita nossas ruas escuras,
Confiscando as posses desse sítio falido,
Confundindo-se à fauna efêmera
Das desvanecidas multidões,
Que, pouco a pouco, sucumbem
à dilaceração furiosa do teu logos,
semente negra que se espalha
sob os restos de tudo que jaz,
perfumando com ácido aroma
nossa triste e perpétua mortalha.

Dentro de ti, de tua pasta,
Não sei o que carregas.
(Talvez carregue mágoas!)
Talvez nela guardes poemas novos,
poemas velhos, poesias enjauladas...
Na tua pasta (ó, meu poeta!) só cabe a tua alma.
Há pouco espaço para o ser que não és.

Assim vai, descendo o poeta, sempre a pé,
A mais que velha Rua de Nazaré.

Poeta nefasto, poeta nefando...
Música trágica tocando ao fundo,
Qual trilha sonora do meu desencanto.
Uma criatura qualquer, filha das ruas,
Passante sem rumo, o saúda com palavras
Que, à distância, não as ouço dizer,

Vai, rua abaixo, o poeta... sismo ambulante.

Dele saem gotas frias de suor,
Banhando sua carne inquieta,
Sua magnitude metafísica.
Poeta mal-visto, mas poeta que se guarda.
Poeta sem lugar, posto que abarca
O tudo e o nada.

São Luís é pequena... São Luís é parca...
A ilha é pequena, é pouca, esquálida...
Não preenche o vazio de sua estrada,
Pois fenece antes, apodrece em suas mãos,
Sem chegar ao profundo, sem abrir as portas
E adentrar as salas desertas que afloram
no além-palavra.

São Luís, 29/03/03.

Sobre a vida e a morte de Nauro Machado





Tive a honra de participar - em meados dos anos 2000 - de um encontro (na verdade um sarau) com jovens poetas maranhenses, levado pelas mãos de um amigo (também escritor), ocasião em que esteve presente o poeta Nauro Machado (foi quando fui apresentado a ele) e onde pude ler e mostrar-lhe uma de minhas poesias. À época, e nunca me esquecerei, esse grande mestre me honrou com sua generosidade ao elogiar o poema que eu acabara de ler. 

Além dessa, por várias outras vezes encontrei-o a andar pela cidade, geralmente pela parte antiga de São Luís, seu centro histórico. Era uma criatura familiar àquele sítio, confundindo-se mesmo com suas ruas, com as praças, botecos, etc. Ao saudá-lo, como de praxe, me aprazia ouvi-lo responder, de forma sempre carinhosa: "Meu príncipe!" (que era como ele geralmente tratava as pessoas) ou o tradicional "Meu poeta!"

Nauro Machado foi, em minha opinião, o maior poeta maranhense de todos os tempos. Maior até que Gonçalves Dias e Ferreira Gullar (em que pese estes dois terem alcançado reconhecimento e exposição tremendamente maior do que a alcançada por Nauro). 

E falo isso (como sempre falei) não por demagogia ou pelo fato de não o termos mais dentre nós. Falo isso pela densidade, riqueza estilística, pela intensidade e beleza de tudo o que ele produziu. Era um arquiteto das palavras. Um demiurgo da poesia: construindo e desconstruindo coisas e mundos o tempo todo. Sua obra é única, singular (e essencial), tendo alcançado, segundo penso, um patamar de burilamento ontológico incomum. Mas, infelizmente, a maior parte dos nossos conterrâneos pouco ou nada sabe sobre quem era e o teor e importância da obra desse homem, que foi traduzido para o francês, inglês e alemão, escreveu 37 livros e tem ainda obras inéditas que, espero, possam chegar até as livrarias futuramente.

A construção de seus versos, a densidade, a intensidade, o peso dramático, existencial, profético, vivencial, que transborda dos poemas de Nauro Machado, traduzem uma identidade perfeita entre o autor, a vida e a estética do fazer poético. Por isso e muito mais é que esse homem (in)comum, que nos deixou esta madrugada, e que carregava a cidade dentro e fora de si mesmo,  merece ser, por todos os que amam a poesia, eternamente reverenciado. Obrigado, mestre Nauro! Obrigado, meu príncipe! Obrigado, meu poeta!

domingo, 12 de julho de 2015

"If" (Se) - poesia de Rudyard Kipling declamada por Leonardo Goldberg



Se

Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar --sem que a isso só te atires,
De sonhar --sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!";

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao minuto fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais --tu serás um homem, ó meu filho! 

If

If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you
But make allowance for their doubting too,
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don't deal in lies,
Or being hated, don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise;

If you can dream--and not make dreams your master,
If you can think--and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build 'em up with worn-out tools; 

If you can make one heap of all your winnings
And risk it all on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breath a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on!" 

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings --nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you;
If all men count with you, but none too much,
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that's in it,
And --which is more-- you'll be a Man, my son!

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Nauro Machado - a essência do poeta maranhense


Tive a honra de participar - em meados dos anos 2000 - de um encontro (na verdade um sarau) com jovens poetas maranhenses, ocasião em que esteve presente o poeta Nauro Machado e onde pude ler uma de minhas poesias para ele. À época, e nunca me esquecerei, esse grande mestre da poesia me honrou com sua generosidade ao elogiar um de meus escritos. 

Além dessa, por várias outras vezes encontrei-o a andar pela cidade, confundindo-se com suas ruas, praças, cantos e recantos. Ao saudá-lo, como de praxe, me aprazia ouvi-lo responder: "Meu príncipe!" ou o tradicional "Meu poeta!"

Nauro Machado é, para mim, o maior poeta maranhense de todos os tempos - e olha que temos outros tantos que brilhantemente escreveram seus nomes na história literária deste país - e, muito possivelmente um dos maiores, senão o maior (vivo), no Brasil. 

Afirmo isso porque há nele, e em sua pouco conhecida obra literária, algo de único, singular e essencial. Sua poesia alcançou um patamar de burilamento ontológico incomum. A construção de seus versos, a densidade, a intensidade, o peso dramático, existencial, profético, vivencial que transborda dos poemas de Nauro Machado traduzem uma identidade perfeita entre o autor, a vida e a estética do fazer poético. Por isso e muito mais é que esse homem que carrega a cidade dentro e fora de si  merece ser, por todos os que amam a poesia, eternamente reverenciado.

sábado, 8 de novembro de 2014

A CIDADE (por Rogério Rocha)




A Cidade

Há de tudo dentro do mundo.
Há tanto mundo dentro de mim.
Há lugares e rumos, sentidos profundos
e vagos desejos caindo das copas
das árvores.

Há vida em lugares impensáveis.
Há margens que cruzam espaços.
Há cidades para além das cidades.

Onde estamos é o lugar de viver.
Onde vivemos é o lugar de se estar.
Todo lugar, de algum modo, é meu lugar.
E nas manhãs, abro os olhos
e vejo subir aos céus
aquelas partículas de doce alegria.

Dentro de mim espero brotar maravilhas,
coisas que nunca guardei.

Dentro de tudo há um mundo,
há um mundo dentro de mim.

Nas cidades para além das cidades
não sobram saudades,
porque levo-as comigo e trago;
absorvo os sentidos e removo as barreiras
para sabê-las melhor e não tê-las.

Minha cidade é também absurda
e confunde-se com a cidade que não há,
mas, mesmo assim, hei de estar.

O meu lugar é qualquer.
O meu lugar é onde estou.
E o melhor lugar para se estar
é onde reside o querer.

O hoje é parte do que construo
como premissa do meu futuro.
A cidade em mim mais branda,
é, porém, não menos estranha.

A cidade que vivo
habita em cada motivo,
habita aqui e acolá.

São Luís, Paris, qualquer lugar...

A cidade orbita em meus versos,
a cidade medita quando me disperso
e a esqueço.
E se a esqueço, não perco de mim, contudo,
os seus caminhos mais profundos,
os teus reinos e submundos,
eis que em mim vive a célula primeva
que te inventa como verdade. 

Quero ser qual andarilho.
Quero ser como poeta.
Quero ser como profeta
que recebe versos do além
e os decifra em fúlgido estribilho.

Cidade eterna, cidade concreta,
filha dos ventos e das noites.
Poetas que nunca te escreveram
serão lembrados, pois, desde sempre,
saídos do teu ventre quente,
caídos ao teu lado, 
serão parte desse enredo incerto,
dessa magnitude insólita.

Cidade que trago comigo
e que levo para todos os cantos.
Cidade de sonhos e desencantos,
cidade das minhas alegrias.
Quero-te tanto em noites tenebrosas
como nas manhãs luzidias.

São Luís, 08 de novembro de 2014.

Rogerio Rocha




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