Em João Lisboa (a 625 km de São Luís), um juiz eleitoral se tornou sinônimo de luta para tentar tornar as campanhas dos candidatos mais transparentes. Um dos idealizadores da ação popular que resultou na Lei da Ficha Limpa e professor de direito eleitoral, Márlon Reis criou um blog e exigiu que os candidatos das três cidades que estão sob sua jurisdição divulgassem quem são os financiadores das campanhas.
Na pequena comarca do sul do Maranhão --o Estado mais pobre do Brasil--, Reis foi o primeiro juiz do país a baixar a medida, com base na Lei de Acesso à Informação, determinando que as duas prestações de contas parciais dos candidatos informem os nomes e dados dos doadores.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) adotou o mesmo modelo e, no último dia 24, publicou, com base no mesmo argumento do acesso à informação, os dados das doações de todos os candidatos a prefeito e vereador do país. Até então, os candidatos e as campanhas só eram obrigados a revelar tais dados após o pleito.
Foto 4 de 29 - Placa de José Sarney foi colocada na entrada do municipio de João Lisboa (MA)Leandro Moraes/UOL
Para garantir a publicação das prestações de contas em seis de agosto, Márlon criou um blog em um site público, já que, até então, o sistema da Justiça Eleitoral não permitia tal divulgação.
Existe um ditado que diz que quem paga a banda escolhe a música
Márlon Reis, juiz eleitoral de João Lisboa, Senador La Rocque e Buritirana
“O que ocorreu é que Lei de Acesso à Informação, que é mais recente, revogou o dispositivo da Lei Eleitoral que omitia esses dados. E eu baixei um provimento informando isso aos candidatos”, explicou. O mesmo argumento foi usado pela presidente do TSE, Carmen Lúcia, para defender a liberação dos dados ainda durante as campanhas eleitorais.
“Eles [do TSE] pegaram a repercussão da decisão que eu e outros juízes começamos a baixar pelo país. Não tenho dúvida que foi uma decorrência da nossa ação, que teve grande repercussão nos meios de comunicação. Tanto que usaram os mesmos fundamentos jurídicos. Eu passei o fim de semana em estado de graça, ao saber que o TSE seguiu a mesma linha”, disse Reis.
Mais transparência
Mas engana-se quem pensa que o juiz se dá por satisfeito. Um novo provimento baixado nesta quinta-feira (3) deve tornar a prestação de contas ainda mais clara para eleitor e órgãos de fiscalização.
“Com a revelação dos números apareceu outro problema: muitos candidatos estão usando os partidos políticos para omitir dados. Isso ocorreu no país inteiro, especialmente nas grandes cidades. Não basta dizer que o dinheiro veio do partido. O novo provimento é para que os candidatos informem de onde veio o dinheiro do partido, pois ele não brotou do chão e tem que ter uma fonte declarada", disse.
Além de Márlon Reis, outros 12 juízes dos Estados do Mato Grosso, Amazonas, Bahia, Tocantins e Paraná, além do Maranhão, baixaram medidas similares no mesmo dia, com o mesmo conteúdo.
Reis exemplifica onde estaria o problema: “Tem candidato que recebeu até R$ 2 milhões do partido. Só que os partidos não têm essa verba. O que acontece é que os partidos vão atrás do dinheiro, conseguem, mas sem vincular os nomes dos verdadeiros doadores. As empresas doam ao partido, que repassam ao candidato. É fraude. Os partidos só vão prestar contas em abril do próximo ano, o que impossibilita uma ação eleitoral, em caso de irregularidade.”
O juiz explica que o candidato que não prestar contas de forma correta –e com a inclusão da origem do dinheiro repassado pelo partido— poderá perder o cargo, caso seja eleito.
“Se eles não prestarem a informação completa, vão incorrer em um ato ilícito. Isso está dito no novo provimento. Eles têm de informar, sob pena de terem as contas rejeitadas.”
Para Reis, a questão da informação sobre os dados de quem doou é crucial para o eleitor e órgãos de fiscalização. “A nossa ideia é que as doações façam parte do debate eleitoral. Esse mecanismo é fundamental para dar transparência. Alguém, por exemplo, pode estar fazendo uma campanha maior do que anuncia. Como diz o ditado, não há melhor desinfetante que a luz do sol. Com essa ação se torna difícil fiscalizar. Mas sem esses dados, é impossível”, avalia.
Falta internet
Apesar do esforço do juiz, os moradores da cidade não têm conhecimento da medida, conforme apurou a reportagem. O pequeno alcance pode ser explicado pela exclusão digital da cidade. Com 20 mil habitantes, apenas 400 domicílios tinham computadores conectados à internet, segundo dados do Censo 2010, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). “Tentamos divulgar, usamos a rede social, mas não temos mecanismos para fazer um ato de publicidade necessário. A todos que temos oportunidade de apresentar, apresentamos. Mesmo com as limitações, podemos nos orgulhar, pois essa simples ferramenta é a primeira na história desse país para que as pessoas possam saber os doadores antes do pleito”, comentou.