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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

"Fake news não é notícia falsa, é notícia fraudulenta" (por Pedro Canário)


No fim de março, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Fux, convocou jornalistas para um anúncio importante: com base num estudo da USP que listava os principais divulgadores de fake news, ordenaria a instalação de “procedimento” para que a Polícia Federal descobrisse “que tipo de material essas organizações têm à sua disposição”.

Meses depois, em junho, o ministro Sérgio Banhos, do TSE, atendeu a pedido do Rede e mandou o Facebook retirar do ar posts que relacionavam a ex-senadora Marina Silva, candidata a presidente pela legenda, à operação “lava jato”. De acordo com a decisão, a postagem partiu de um perfil dedicado a divulgar fake news para prejudicar a candidata.
Dois bons exemplos de como é pantanoso o terreno das fake news. Especialmente quando o sistema de Justiça se encontra com o noticiário.
Quando falou no estudo da USP, Fux disse que ele fora produzido pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da universidade. Menos de uma semana depois do anúncio, os responsáveis pelo “estudo” publicaram artigo na Folha de S.Paulo explicando que não era nada daquilo: eles coordenam um grupo sobre debate político na internet e, um ano antes, um dos membros do grupo divulgara uma lista de sites que não dão as fontes de suas informações. Seria, na visão da pessoa que fez a lista, um indicativo de fake news. Mas não era um ranking, muito menos um levantamento formal.
A decisão de Sérgio Banhos mandou o Facebook apagar os posts sobre Marina Silva porque eles não passavam de fake news. Mas quem clicasse nos links divulgados na rede social veria que eles remetiam a notícia da Folha. Não eram falsas, só não foram confirmadas: o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, dissera em delação premiada que sua empresa financiou a campanha da ex-senadora à Presidência da República em 2014, mas ela não gostava de falar no assunto.
São episódios que mostram por que o Judiciário deve agir com parcimônia nesse campo. Para o advogado Diogo Rais, professor de Direito Eleitoral do Mackenzie e da FGV-SP e pesquisador de Direito e tecnologia, o primeiro passo deve ser de definições. A começar pela tradução. Fake news não são notícias falsas, diz ele. São notícias fraudulentas, sabidamente mentirosas, mas produzidas com a intenção de provocar algum dano.
Em entrevista à ConJur, ele explica que “são necessários três elementos fundamentais para identificar fake news como objeto do Direito: falsidade, dolo e dano”. A discussão sobre a veracidade de uma informação, especialmente se publicada por um veículo de comunicação, não cabe ao Judiciário. “A mentira, nesse contexto, parece ser mais objeto da Ética que do Direito.”
Diogo Rais é doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP, coordenador do Observatório da Lei Eleitoral da FGV-SP e fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Leia a entrevista:
ConJur — O que é fake news?
Diogo Rais —
 É difícil definir, porque a tradução literal, “notícia falsa”, não dá conta, por ser um paradoxo em si mesmo: se algo é notícia, não pode ser falso; e se é falso, não pode ser notícia. Organizações internacionais, universidades e cientistas de diversas áreas vêm tratando o tema sob um ângulo ainda mais amplo, o da ideia de “desinformação”. Considerando o caso brasileiro e, especificamente, o âmbito jurídico, talvez uma boa tradução não seja “notícia falsa”, mas “notícia fraudulenta”. A mentira, nesse contexto, parece ser mais objeto da Ética que do Direito, sendo a fraude o adjetivo mais próximo da face jurídica da desinformação.
ConJur — Então como definir o que é fake news, ou notícia fraudulenta?
Diogo Rais —
 São necessários três elementos fundamentais para identificar fake news como objeto do Direito: falsidade, dolo e dano. Ou seja, no contexto jurídico, fake news é o conteúdo comprovada e propositadamente falso, mas com aparência de verdadeiro, capaz de provocar algum dano, efetivo ou em potencial.
ConJur — O que determina a diferença entre uma informação errada e fake news?
Diogo Rais —
 Partindo do conceito que mencionei, não existiria fake newspor simples erro. Não existiria um conceito jurídico de “fake news culposa”, já que para sua caracterização são indispensáveis a existência de dano e dolo. Nesse contexto, o erro não seria alcançado e, portanto, não poderia ser considerado fake news, mas um erro jornalístico, que sempre existirá e deve ser reconhecido o mais breve possível e, assim que identificado, corrigido, buscando atingir a mesma amplitude da notícia divulgada com erro.
ConJur — E qual é a definição de “desinformação”?
Diogo Rais —
 Venho trabalhando conforme os estudos da Comissão Europeia, que adotou o conceito formulado pelo High Level Expert Group on Fake News and Online Disinformation [Grupo de Especialistas de Alto Nível em ‘Fake News’ e Desinformação Online] sobre desinformação on-line. Num relatório divulgado em março, o grupo definiu desinformação como “informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens econômicas ou para enganar deliberadamente o público, e que é suscetível de causar um prejuízo público”.
ConJur — Uma lei específica poderia resolver o problema?
Diogo Rais —
 Existe um espaço interpretativo enorme diante de questões como a da desinformação. Por isso, não é possível fazer uma lei que seja eficiente e, ao mesmo tempo, protetora da liberdade de expressão. Essa dificuldade remete para dois caminhos: ou não se interfere, ou se interfere com base no caso concreto. E é a segunda opção que escolhemos no Direito brasileiro. Por conta disso, de algum modo, toda essa gama interpretativa é destinada à autoridade judicial, que, diante do caso concreto, considerando suas provas, deve decidir.
ConJur — O Judiciário é o melhor lugar para esse debate?
Diogo Rais —
 Destinar ao Judiciário a tarefa de regular a verdade não parece boa ideia. Os melhores lugares para se debater a matéria são a academia, a imprensa e as iniciativas da sociedade. Cabe ao Judiciário a tarefa de decidir diante do conflito, do dano e do dolo.
ConJur — Fake news pode ser um fator de medição de qualidade da imprensa?
Diogo Rais —
 Esse é um dos inúmeros efeitos colaterais de se tratar fake news como notícias falsas e não fraudulentas. Seria aberta uma margem para discutir o erro e a qualidade jornalística. Não faz sentido exigir da imprensa o dever de certeza. Deve-se exigir o dever de apuração e de cuidado. Excessos e desvios são tratados em casos concretos e o Direito já dispõe de mecanismos suficientes para cobrança e atribuição de responsabilidade. A boa reportagem ou o bom jornalismo devem se diferenciar da reportagem ruim, mas essa é uma decisão editorial e dos leitores, não da Justiça. Não tem sentido usar o Direito para exigir uma espécie de padrão de qualidade jornalístico.
Podemos ter advogados e juízes não tão bons ou médicos não tão bons. Mas criar um artifício jurídico que proíba a atuação jornalística não tão boa seria absurdo. Quem diria o que é tão bom assim? O que faríamos com os “não tão bons”? A imprensa não deve publicar sem responsabilidade, mas daí exigir que tudo publicado seja expressão absoluta da certeza inequívoca seria equivalente a autorizar a impossibilidade de atuação do jornalismo investigativo, do humor, das apurações no curso da reportagem. Talvez nem o horóscopo pudesse estar nos jornais.
ConJur — Recentemente o TSE determinou que informações sobre a candidata a presidente Marina Silva fossem retiradas do Facebook, aplicando um conceito de fake news. A repercussão na Justiça Eleitoral foi imediata e juízes e tribunais assumiram posturas parecidas. O que acha desse tipo de decisão?
Diogo Rais —
 A legislação há anos prevê o direito de resposta diante de ofensa ou “notícias” sabidamente inverídicas. Mas, ali, limita a atuação da Justiça Eleitoral aos candidatos e ao período eleitoral. Apesar disso, a resolução do Tribunal Superior Eleitoral que trata da propaganda eleitoral para as eleições de 2018 (Resolução 23.551) ampliou a questão e, além do direito de resposta, instituiu amparo jurídico para a retirada de notícia sabidamente inverídica em sentido amplo, mesmo que tenha sido publicada por eleitor (artigo 22, parágrafo primeiro cumulado com o artigo 33). É claro que a discussão do que é "sabidamente inverídica" destina mais uma vez para as provas de um caso concreto, mas não deve ser encarada como um espaço criativo do juiz, mas como um dever de vinculação ao caso concreto e seu material probatório. A Justiça Eleitoral não deve ser árbitra da verdade e buscar uma limpeza da mentira ou da internet, não deve ser órgão censor ou administrativo de atuação. Não se espera do Judiciário que faça política pública, e sim uma atuação mínima e subsidiária diante do conflito instalado, atuando somente nos casos em que há dano (efetivo ou em potencial) e o dolo.
ConJur — Qual o limite entre essa preocupação da Justiça Eleitoral com as ditas fake news e a censura judicial?
Diogo Rais —
 Toda decisão dessa espécie tem que ser revestida de ampla responsabilidade sem se desviar do caso concreto e de suas provas. Não se pode descolar da ideia de que, em cada comando de retirada de conteúdo, há uma grande chance de ferir a liberdade de expressão. Então, na dúvida, não se retira; na dúvida, não se interfere; na dúvida, não se fere a liberdade de expressão. A Justiça Eleitoral deve, diante da remoção de conteúdo, ter uma atuação mínima. A Resolução 23.551, no artigo 33, diz expressamente que sua atuação diante de conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático. É sempre um desafio falar sobre limites fora do caso concreto, em abstrato, mas existem alguns cuidados que podem afastar a atuação jurisdicional da censura judicial.
ConJur — Uma modalidade comum de fraude é a divulgação de informações antigas e desatualizadas como se fossem atuais. Tem como o Judiciário coibir esse tipo de coisa?
Diogo Rais —
 É muito sensível esse tipo de desinformação. A informação é verdadeira, mas sua postagem pode ser enganosa pelo contexto. Apesar disso, se for a divulgação pura e simples de um fato passado, não seria desinformação, seria memória. O que me parece vedado é criar intencionalmente um cenário enganoso se utilizando de material verdadeiro do passado. O material pode não ser o problema, mas se há uma maquiagem enganando o leitor, e esse conteúdo causa dano efetivo ou em potencial, aí sim poderíamos ter uma fake news na acepção jurídica.
ConJur — A responsabilidade entre quem compartilha e quem produz fake news deve ser a mesma?
Diogo Rais —
 É preciso entender que fake news não é forma, e sim conteúdo. Isso quer dizer que para descobrir se algo é fake news será necessário analisar o conteúdo e, de acordo com ele, verificar se houve danos diversos e previsão legal diversa. Então, para os casos em que a ação combatida pela lei seja a divulgação, o compartilhamento se insere na modalidade, já que o seu responsável tem a conduta tipificada, de divulgar.
O compartilhamento acaba dando mais visibilidade ao conteúdo, mas a criação de conteúdo enganoso deve ser a parte central de atuação. Há muitos incentivos econômicos para criação de conteúdo, há a chamada “indústria do clique”, que monetiza a viralização de conteúdo e outros meios que motivam a criação de fake news.
ConJur — Recentemente quase todos os grandes veículos de comunicação se juntaram para criar uma iniciativa de checagem de informação e denúncia de fake news financiada pelo Google e pelo Facebook. Isso não pode ser mais negativo que positivo para a circulação de informações?
Diogo Rais —
 São bem-vindos o jornalismo investigativo e a checagem de informações, mas é preciso perceber que há uma gama enorme de situações em que a checagem, além de não responder efetivamente à pergunta sobre a falsidade, pode confundir ainda mais os leitores. Uma coisa é checar se, na gestão daquele determinado candidato, foram realmente construídas cinco escolas. Outra é checar se ele foi o melhor prefeito. Melhor em quê? Como medir? Ou ainda uma checagem sobre um pensamento: como entrar na cabeça de alguém e saber o que pensa?
Um trabalho sério de checagem ajuda a enfrentar o desafio da desinformação, mas um trabalho sem rigor metodológico ou sem responsabilidade, agrava-se, ainda mais, a desinformação.
ConJur — Conhece boas iniciativas de combate a fake news – ou a notícias fraudulentas?
Diogo Rais —
 Existem muitas ações no campo da prevenção, como educação jornalística digital, as agências de “fact-checking”, os portais e iniciativas da sociedade civil organizada como o do movimento #NãoValeTudo, que reúne incríveis iniciativas em prol do uso ético da tecnologia nas eleições. No ambiente acadêmico também é possível encontrar muitas iniciativas interessantes, como o excelente projeto da UFMG coordenado pelo professor Fabricio Benevenuto.
Há um ano venho coordenando, no Mackenzie, junto com o coordenador de Jornalismo, o portal fake news (que em breve também poderá ser conferido o conteúdo em www.eleitoralize.com.br). Além disso, também treinamos os graduandos em Direito para que sejam checadores de conteúdo. A ideia é levar substrato técnico sobre o tema para que também se transformem em difusores dessa cultura de responsabilidade do usuário na internet. Pela pluralidade do tema, pelas faces de prevenção, multidisciplinaridade e de educação digital, entendo que os remédios mais eficazes para a matéria estão no campo da educação digital e do empoderamento do usuário e não no Judiciário. O usuário precisa entender que, na internet, é ele o curador e o responsável pelo conteúdo.
Fonte: www.conjur.com.br

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Michael Sandel - A diversidade e a democracia


Michael Sandel, filósofo político norte-americano, argumenta que a separação entre as classes, em um mundo em que cada vez mais coisas podem ser compradas, afeta diretamente a democracia.

Para o professor do curso "Justiça", de Harvard, a diferença entre os preços impede que ricos e pobres convivam nos mesmos espaços e consumam as mesmas experiências e bens. O reconhecimento da diversidade social cessa de existir e isso que faz com que paremos de nos importar com o bem comum. 


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

JOÃO LISBOA (MA) - JUIZ SE ANTECIPA AO TSE, CRIA BLOG E EXIGE TRANSPARÊNCIA DE CANDIDATOS


Juiz maranhense Marlon Reis: um exemplo a ser seguido





Em João Lisboa (a 625 km de São Luís), um juiz eleitoral se tornou sinônimo de luta para tentar tornar as campanhas dos candidatos mais transparentes. Um dos idealizadores da ação popular que resultou na Lei da Ficha Limpa e professor de direito eleitoral, Márlon Reis criou um blog e exigiu que os candidatos das três cidades que estão sob sua jurisdição divulgassem quem são os financiadores das campanhas.
Na pequena comarca do sul do Maranhão --o Estado mais pobre do Brasil--, Reis foi o primeiro juiz do país a baixar a medida, com base na Lei de Acesso à Informação, determinando que as duas prestações de contas parciais dos candidatos informem os nomes e dados dos doadores.

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) adotou o mesmo modelo e, no último dia 24, publicou, com base no mesmo argumento do acesso à informação, os dados das doações de todos os candidatos a prefeito e vereador do país. Até então, os candidatos e as campanhas só eram obrigados a revelar tais dados após o pleito.

Veja imagens do município maranhense de João Lisboa

Foto 4 de 29 - Placa de José Sarney foi colocada na entrada do municipio de João Lisboa (MA)Leandro Moraes/UOL
Para garantir a publicação das prestações de contas em seis de agosto, Márlon criou um blog em um site público, já que, até então, o sistema da Justiça Eleitoral não permitia tal divulgação.

Existe um ditado que diz que quem paga a banda escolhe a música

Márlon Reis, juiz eleitoral de João Lisboa, Senador La Rocque e Buritirana
“O que ocorreu é que Lei de Acesso à Informação, que é mais recente, revogou o dispositivo da Lei Eleitoral que omitia esses dados. E eu baixei um provimento informando isso aos candidatos”, explicou. O mesmo argumento foi usado pela presidente do TSE, Carmen Lúcia, para defender a liberação dos dados ainda durante as campanhas eleitorais.
“Eles [do TSE] pegaram a repercussão da decisão que eu e outros juízes começamos a baixar pelo país. Não tenho dúvida que foi uma decorrência da nossa ação, que teve grande repercussão nos meios de comunicação. Tanto que usaram os mesmos fundamentos jurídicos. Eu passei o fim de semana em estado de graça, ao saber que o TSE seguiu a mesma linha”, disse Reis.

Mais transparência

Mas engana-se quem pensa que o juiz se dá por satisfeito. Um novo provimento baixado nesta quinta-feira (3) deve tornar a prestação de contas ainda mais clara para eleitor e órgãos de fiscalização.
“Com a revelação dos números apareceu outro problema: muitos candidatos estão usando os partidos políticos para omitir dados. Isso ocorreu no país inteiro, especialmente nas grandes cidades. Não basta dizer que o dinheiro veio do partido. O novo provimento é para que os candidatos informem de onde veio o dinheiro do partido, pois ele não brotou do chão e tem que ter uma fonte declarada", disse.
  • Leandro Moraes/UOL
    Casa em ruínas demonstra lado precário de João Lisboa; clique na imagem para ver mais fotos
Além de Márlon Reis, outros 12 juízes dos Estados do Mato Grosso, Amazonas, Bahia, Tocantins e Paraná, além do Maranhão, baixaram medidas similares no mesmo dia, com o mesmo conteúdo.
Reis exemplifica onde estaria o problema: “Tem candidato que recebeu até R$ 2 milhões do partido. Só que os partidos não têm essa verba. O que acontece é que os partidos vão atrás do dinheiro, conseguem, mas sem vincular os nomes dos verdadeiros doadores. As empresas doam ao partido, que repassam ao candidato. É fraude. Os partidos só vão prestar contas em abril do próximo ano, o que impossibilita uma ação eleitoral, em caso de irregularidade.”
O juiz explica que o candidato que não prestar contas de forma correta –e com a inclusão da origem do dinheiro repassado pelo partido— poderá perder o cargo, caso seja eleito.
“Se eles não prestarem a informação completa, vão incorrer em um ato ilícito. Isso está dito no novo provimento. Eles têm de informar, sob pena de terem as contas rejeitadas.”
Para Reis, a questão da informação sobre os dados de quem doou é crucial para o eleitor e órgãos de fiscalização. “A nossa ideia é que as doações façam parte do debate eleitoral. Esse mecanismo é fundamental para dar transparência. Alguém, por exemplo, pode estar fazendo uma campanha maior do que anuncia. Como diz o ditado, não há melhor desinfetante que a luz do sol. Com essa ação se torna difícil fiscalizar. Mas sem esses dados, é impossível”, avalia.

Falta internet

  • Leandro Moraes/UOL
    Ivo, morador de João Lisboa (MA), trabalha no açougue da cidade; clique na imagem para ver mais fotos
Apesar do esforço do juiz, os moradores da cidade não têm conhecimento da medida, conforme apurou a reportagem. O pequeno alcance pode ser explicado pela exclusão digital da cidade. Com 20 mil habitantes, apenas 400 domicílios tinham computadores conectados à internet, segundo dados do Censo 2010, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). “Tentamos divulgar, usamos a rede social, mas não temos mecanismos para fazer um ato de publicidade necessário. A todos que temos oportunidade de apresentar, apresentamos. Mesmo com as limitações, podemos nos orgulhar, pois essa simples ferramenta é a primeira na história desse país para que as pessoas possam saber os doadores antes do pleito”, comentou.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Democracia e capitalismo

No final de 2008 pareceu que o segundo muro havia ruído 19 anos após a queda do primeiro em Berlim. Este para selar o colapso do chamado socialismo real, aquele da main street do capitalismo para precipitar o enterro do neoliberalismo. Enganaram-se os esperançosos analistas, apressados. O célebre wall resistiu e o mercado prosseguiu no comando, perdão, o MERCADO, deus último e famigerado.
A hora trágica da incompatibilidade

Leio um texto exemplar de Carlo Azeglio Ciampi, límpido funcionário do Estado, ex-presidente do Banco Central da Itália, ex-primeiro-ministro, ex-presidente da República. Diz ele: “Desafiaram a lei moral que permite distinguir a comunidade humana da selva (…) fizeram da finança, aquela que, conforme os manuais de economia, está a serviço da produção, da troca, do desenvolvimento, uma selva onde se satisfazem apetites ferinos, onde impera a lei não escrita do desprezo por todos os valores, afora o ganho, o sucesso, o poder”.
Ciampi fala de uma tormenta que dura há três décadas e confere ao capitalismo “um rosto desumano”. A crise global atiça, em diferentes instâncias, o debate sobre o estágio atual do capitalismo. Das lideranças das forças produtivas aos intelectuais de diversos calibres e aos analistas de publicações de alto nível, como The Economist, Foreign Affairs, Financial Times. Em questão, o modelo político e econômico ocidental, a partir de mudanças consolidadas. A globalização com seus efeitos mais recentes, por exemplo. Ou o galope do avanço tecnológico.
É do conhecimento até do mundo mineral que conseguimos globalizar a desgraça ao aprofundar os desequilíbrios entre ricos e pobres em todas as latitudes de uma forma bastante peculiar. Deixemos de lado o Brasil, reservado, como se diz de certos elementos de receitas culinárias. Sobram países pobres, ou mesmo paupérrimos, e que continuam como tais, e países ricos cada vez mais empobrecidos. A constatação inevitável nos leva a validar a tese de que a riqueza foi transferida para algumas corporações e seus mandachuvas. São eles os donos do mundo. A senhora Merkel, o senhor Sarkô, tentam se dar ares de superioridade, mas não convencem.
É a vitória dos especuladores e de -suas artimanhas, e não era com isso que sonhava Adam Smith. Ou, muito tempo antes, o banqueiro genovês que financiou a construção dos barcos destinados ao transporte das tropas da Primeira Cruzada. As consequências do neoliberalismo, deste selvagem fundamentalismo, não põem em xeque somente o sistema econômico mundial, mas também a própria democracia, a qual não se satisfaz com a -liberdade para buscar a igualdade. Ao menos, a igualdade de oportunidades.
O mundo mineral continua a confirmar o senhor De La Palisse. O neoliberalismo promove o predador espertalhão, ou, por outra, a lei da selva, a acentuar a desigualdade. E onde fica a democracia? Daí a preocupação de quem ainda a considera indispensável à realização de uma sociedade que se pretenda justa. Chegou a hora de retirar o Brasil da reserva em que me permiti colocá-lo, à espera de completar a receita. O Brasil tende a sofrer menos com a crise, talvez muito menos, do que a turma outrora seleta do ex-Primeiro Mundo.
O País deu e dá importantes passos à frente nos últimos nove anos. Começa finalmente a aproveitar suas extraordinárias potencialidades, os generosíssimos presentes da natureza, graças a governos contrariados pela desigualdade. Como haveria de ser, aliás, todo capitalista consciente das suas responsabilidades de cidadão de uma nação democrática. Podemos crer que, de fato, somos uma nação democrática?
O Brasil é, a seu modo, um caso à parte, como alguns outros países. Carecemos da passagem pelo Iluminismo e pela Revolução Francesa. A dita elite brasileira é uma das mais atrasadas do mundo. Nunca usufruímos de um Estado de Bem-Estar Social e os sistemas da indiscutível atribuição estatal, educação, saúde e transporte público, são além de bisonhos. São Paulo tem a segunda maior frota de helicópteros do mundo e uma enorme área do País não conta com saneamento básico. Nesta moldura, a democracia há de lutar bravamente para se afirmar.
A vantagem quem sabe esteja no seguinte ponto: a democracia perde terreno para tantos que a conheceram e praticaram, nós temos largo espaço à frente para conquistá-la.

Fonte: Carta Capital

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Cenas do BBB12: são coisas de “Zé Mané”, como disse Pedro Bial?


LUIZ FLÁVIO GOMES*
No programa Altas Horas, Pedro Bial, o apresentador do BBB, disse: “Gosto de ver coisa ruim na TV”. Boni, cujo filho, Boninho, dirige o BBB, perguntou: “Então você assiste o BBB”. Pedro Bial, dando nome aos que participam e assistem ao programa, respondeu: “Eu não assisto porque não gosto de me ver. Mas, para domar o formato, tive de me despir da condição de jornalista e ser Zé Mané junto com os outros”. O BBB, então, é coisa de “Zé Mané”?
Tocqueville (nobre francês que foi estudar a democracia norte-americana), em 1840, escreveu: “Vejo [na democracia] uma multidão inumerável de homens semelhantes e iguais que giram, sem descanso, sobre si mesmos para procurarem pequenos e vulgares prazeres com os quais preenchem suas almas”.
Será que o “Zé Mané” a que se refere o Pedro Bial (certamente com exceção da Luíza que está no Canadá!) corresponderia a esse tipo de homo democraticus, guiado pela vulgaridade, que significa mediocridade moral e decadência do bom gosto?
Os moralistas, os árbitros da elegância, os aristocratas e os burgueses da elite nunca aceitaram a cultura da vulgaridade, mas não se pode esquecer que ela é co-irmã da cultura da igualdade e marca registrada da democracia.
O Ocidente inventou muitas coisas fantásticas nos últimos três séculos: as ciências, o Estado de Direito e a democracia estão dentre essas inovações. Democracia (igualdade, liberdade e fraternidade, da Revolução francesa) significou a derrubada da aristocracia e monarquia. A desigualdade formal e material era a regra. Com a democracia veio a igualdade (pelo menos formal). E com essa igualdade surgiu como cultura preponderante a vulgaridade, que ganhou força inigualável com o advento da televisão, em meados do século XX.
O ser humano do século XXI (ser humano massa) tem bons motivos para comemorar a evolução fantástica ocorrida em relação às liberdades (o progresso moral, nesse campo, é inequívoco), mas com frequência cai na tentação de não fazer bom uso dessa liberdade, gerando excentricidades e grosserias típicas do mundo medieval.
Incentivar ou programar ou transmitir (sem tomar nenhuma providência) cena de estupro (real ou simulada), onde um homem estaria abusando de uma mulher, em estado de inconsciência, claro que retrata uma bizarrice brutal, que poderíamos chamar de televidiotice.
Em casos recentes desse tipo de barbárie os anunciantes do programa foram os primeiros a tirar o time de campo (isso ocorreu, por exemplo, com o grotesco jornal inglês News of the World, de propriedade de Rupert Murdoch, que foi fechado em julho de 2011). Paralelamente acontecia a reprovação geral do público.
Agora que temos as redes sociais, é chegado o momento de nos emanciparmos de nós mesmos (da nossa democrática e igualitária vulgaridade), buscando ostatus de cidadãos envolvidos com o destino da polis e da democracia, por meio da exemplaridade (Javier Gomá), dando vida a um novo modelo de democracia como projeto de uma civilização igualitária, fundada em bases finitas. Podemos nos valer das redes sociais para nos posicionar pela construção de uma nova paideia(formação cultural), que censure os abusos da liberdade (especialmente a de expressão) e que lute pelo desenvolvimento de sentimentos e costumes coletivos fundadores de uma saudável e viável vida comunitária.
O ser humano democrático contemporâneo deveria refletir seriamente sobre a necessidade de autolimitação do seu “eu” subjetivo dotado de direitos e liberdades, dominando os seus instintos corporais mais animalescos e eliminando do seu cotidiano as excentricidades e extravagâncias nefastas, dando evidências da sua urbanização, que consiste na eleição da civilização e recusa, ao mesmo tempo, da barbárie.
Há fortes razões para que nós reformulemos nosso estilo de vida, tornando nossapolis atrativa para a convivência humana, ou seja, livre da anarquia e da anomia (ausência de regras ou desprezo às regras). Um bom exemplo poderia ser dado desde logo pelas emissoras de televisão, que deveriam ser pressionadas pelos anunciantes e pela opinião pública para participarem de uma nova paideia(formação cultural), fundada na civilização, na cidadania, na democracia e na exemplaridade. Quem vai dar o pontapé inicial nesse grandioso empreendimento de reformulação do ser humano?
* LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Manifestações devem continuar no Oriente Médio e no Norte da África


Relatório da Anistia Internacional analisa com detalhe os casos das revoltas no Egito, Tunísia e Líbia

Agência Brasil
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A violência e a repressão “deverão continuar a assolar o Oriente Médio e o Norte de África em 2012”, segundo relatório da Anistia Internacional (AI), divulgado nesta segunda-feira (9), sobre os efeitos da chamada Primavera Árabe – onda de protestos e manifestações que ocorreram no Oriente Médio e no Norte da África, entre 2010 e 2011, e que culminou na queda de líderes que se mantinham há anos no poder.
O documento analisa com detalhe os casos das revoltas no Egito (onde o presidente Hosni Mubarak renunciou), na Tunísia (onde o ex-presidente Zinedine el Abidine Ben Ali fugiu para a Arábia Saudita) e na Líbia (país que ainda vive em meio a tensões mesmo após a morte do ex-presidente Muammar Khadafi). No relatório Ano de Rebelião: o estado dos direitos humanos no Oriente Médio e no Norte de África, a Anistia Internacional revê “os drásticos acontecimentos” que afetaram estas regiões no ano passado e prevê que os confrontos continuem, “a menos que os governos da região e as potências internacionais percebam a dimensão das mudanças exigidas”.
No documento, a organização descreve “como os governos de toda a região têm recorrido à violência extrema na tentativa de resistir aos pedidos, sem precedentes, [das populações civis] por reformas políticas e sociais”.
Repressão
Reconhecendo que “os movimentos de protesto na região não mostraram sinais de quererem abandonar os seus objetivos ou aceitar reformas incompletas”, a AI demonstra preocupação com a reação dos regimes.
“Com raras exceções, os governos têm falhado em reconhecer que tudo mudou”, considera Philip Luther, diretor interino da Anistia Internacional para o Oriente Médio e o Norte de África, citado no relatório. “Os movimentos de protesto em toda a região revelam ser resistentes face à repressão, por vezes, implacável. Eles são liderados, em muitos casos, por jovens - entre eles, mulheres - que desempenham papéis centrais”, avalia o documento.
Apesar das promessas das Forças Armadas em “cumprir as exigências” do movimento civil egípcio, a Anistia constata “uma série de abusos, em alguns aspectos, piores do que os ocorridos sob o governo de Hosni Mubarak”, o presidente deposto. E receia que em 2012 “possam surgir novas tentativas”, por parte dos militares, “de restringir a capacidade dos egípcios de se manifestarem e de expressarem livremente as suas opiniões”.
Desde a deposição do regime anterior, na Tunísia, verificaram-se “melhorias significativas em matéria de direitos humanos, mas, um ano depois, muitos consideram que o ritmo das mudanças tem sido lento, com as famílias das vítimas da revolta ainda aguardando por justiça”, destaca a entidade.
A “capacidade das novas autoridades” líbias para “controlar as brigadas armadas" que ajudaram a depor Muammar Khadafi é questionada pela Anistia Internacional, salientando que “os graves abusos” cometidos contra o anterior regime “raramente foram punidos”. 
À espera da revolução
A organização refere-se ainda a outros “governos que continuam determinadamente agarrados ao poder”. As Forças Armadas e os serviços secretos sírios "têm sido responsáveis por um padrão de assassinatos e tortura que podem ser considerados crimes contra a humanidade”, sustenta a AI, criticando ainda “o impasse” na situação política no Iémen.
No Bahrein, “no final do ano, continuavam as demonstrações do governo em implementar as amplas recomendações [para conter a repressão contra manifestações civis]” de um relatório independente realizado por peritos internacionais sobre os abusos relacionados com as manifestações civis.
Os protestos seguem ainda na Arábia Saudita, apesar da “repressiva lei antiterrorismo” adotada pela monarquia, e no Irã “o governo continuou a sufocar a oposição, aumentando as restrições à liberdade de informação”.
Mas as críticas da Anistia Internacional não ficam restritas aos Estados que vivem momentos de tensão – “a resposta aos acontecimentos de 2011 por parte das potências internacionais e dos organismos regionais, como a União Africana, a Liga Árabe e a União Europeia, tem sido inconsistente”.
Fonte: Revista Istoé

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