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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

"Fake news não é notícia falsa, é notícia fraudulenta" (por Pedro Canário)


No fim de março, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Fux, convocou jornalistas para um anúncio importante: com base num estudo da USP que listava os principais divulgadores de fake news, ordenaria a instalação de “procedimento” para que a Polícia Federal descobrisse “que tipo de material essas organizações têm à sua disposição”.

Meses depois, em junho, o ministro Sérgio Banhos, do TSE, atendeu a pedido do Rede e mandou o Facebook retirar do ar posts que relacionavam a ex-senadora Marina Silva, candidata a presidente pela legenda, à operação “lava jato”. De acordo com a decisão, a postagem partiu de um perfil dedicado a divulgar fake news para prejudicar a candidata.
Dois bons exemplos de como é pantanoso o terreno das fake news. Especialmente quando o sistema de Justiça se encontra com o noticiário.
Quando falou no estudo da USP, Fux disse que ele fora produzido pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da universidade. Menos de uma semana depois do anúncio, os responsáveis pelo “estudo” publicaram artigo na Folha de S.Paulo explicando que não era nada daquilo: eles coordenam um grupo sobre debate político na internet e, um ano antes, um dos membros do grupo divulgara uma lista de sites que não dão as fontes de suas informações. Seria, na visão da pessoa que fez a lista, um indicativo de fake news. Mas não era um ranking, muito menos um levantamento formal.
A decisão de Sérgio Banhos mandou o Facebook apagar os posts sobre Marina Silva porque eles não passavam de fake news. Mas quem clicasse nos links divulgados na rede social veria que eles remetiam a notícia da Folha. Não eram falsas, só não foram confirmadas: o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, dissera em delação premiada que sua empresa financiou a campanha da ex-senadora à Presidência da República em 2014, mas ela não gostava de falar no assunto.
São episódios que mostram por que o Judiciário deve agir com parcimônia nesse campo. Para o advogado Diogo Rais, professor de Direito Eleitoral do Mackenzie e da FGV-SP e pesquisador de Direito e tecnologia, o primeiro passo deve ser de definições. A começar pela tradução. Fake news não são notícias falsas, diz ele. São notícias fraudulentas, sabidamente mentirosas, mas produzidas com a intenção de provocar algum dano.
Em entrevista à ConJur, ele explica que “são necessários três elementos fundamentais para identificar fake news como objeto do Direito: falsidade, dolo e dano”. A discussão sobre a veracidade de uma informação, especialmente se publicada por um veículo de comunicação, não cabe ao Judiciário. “A mentira, nesse contexto, parece ser mais objeto da Ética que do Direito.”
Diogo Rais é doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP, coordenador do Observatório da Lei Eleitoral da FGV-SP e fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Leia a entrevista:
ConJur — O que é fake news?
Diogo Rais —
 É difícil definir, porque a tradução literal, “notícia falsa”, não dá conta, por ser um paradoxo em si mesmo: se algo é notícia, não pode ser falso; e se é falso, não pode ser notícia. Organizações internacionais, universidades e cientistas de diversas áreas vêm tratando o tema sob um ângulo ainda mais amplo, o da ideia de “desinformação”. Considerando o caso brasileiro e, especificamente, o âmbito jurídico, talvez uma boa tradução não seja “notícia falsa”, mas “notícia fraudulenta”. A mentira, nesse contexto, parece ser mais objeto da Ética que do Direito, sendo a fraude o adjetivo mais próximo da face jurídica da desinformação.
ConJur — Então como definir o que é fake news, ou notícia fraudulenta?
Diogo Rais —
 São necessários três elementos fundamentais para identificar fake news como objeto do Direito: falsidade, dolo e dano. Ou seja, no contexto jurídico, fake news é o conteúdo comprovada e propositadamente falso, mas com aparência de verdadeiro, capaz de provocar algum dano, efetivo ou em potencial.
ConJur — O que determina a diferença entre uma informação errada e fake news?
Diogo Rais —
 Partindo do conceito que mencionei, não existiria fake newspor simples erro. Não existiria um conceito jurídico de “fake news culposa”, já que para sua caracterização são indispensáveis a existência de dano e dolo. Nesse contexto, o erro não seria alcançado e, portanto, não poderia ser considerado fake news, mas um erro jornalístico, que sempre existirá e deve ser reconhecido o mais breve possível e, assim que identificado, corrigido, buscando atingir a mesma amplitude da notícia divulgada com erro.
ConJur — E qual é a definição de “desinformação”?
Diogo Rais —
 Venho trabalhando conforme os estudos da Comissão Europeia, que adotou o conceito formulado pelo High Level Expert Group on Fake News and Online Disinformation [Grupo de Especialistas de Alto Nível em ‘Fake News’ e Desinformação Online] sobre desinformação on-line. Num relatório divulgado em março, o grupo definiu desinformação como “informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens econômicas ou para enganar deliberadamente o público, e que é suscetível de causar um prejuízo público”.
ConJur — Uma lei específica poderia resolver o problema?
Diogo Rais —
 Existe um espaço interpretativo enorme diante de questões como a da desinformação. Por isso, não é possível fazer uma lei que seja eficiente e, ao mesmo tempo, protetora da liberdade de expressão. Essa dificuldade remete para dois caminhos: ou não se interfere, ou se interfere com base no caso concreto. E é a segunda opção que escolhemos no Direito brasileiro. Por conta disso, de algum modo, toda essa gama interpretativa é destinada à autoridade judicial, que, diante do caso concreto, considerando suas provas, deve decidir.
ConJur — O Judiciário é o melhor lugar para esse debate?
Diogo Rais —
 Destinar ao Judiciário a tarefa de regular a verdade não parece boa ideia. Os melhores lugares para se debater a matéria são a academia, a imprensa e as iniciativas da sociedade. Cabe ao Judiciário a tarefa de decidir diante do conflito, do dano e do dolo.
ConJur — Fake news pode ser um fator de medição de qualidade da imprensa?
Diogo Rais —
 Esse é um dos inúmeros efeitos colaterais de se tratar fake news como notícias falsas e não fraudulentas. Seria aberta uma margem para discutir o erro e a qualidade jornalística. Não faz sentido exigir da imprensa o dever de certeza. Deve-se exigir o dever de apuração e de cuidado. Excessos e desvios são tratados em casos concretos e o Direito já dispõe de mecanismos suficientes para cobrança e atribuição de responsabilidade. A boa reportagem ou o bom jornalismo devem se diferenciar da reportagem ruim, mas essa é uma decisão editorial e dos leitores, não da Justiça. Não tem sentido usar o Direito para exigir uma espécie de padrão de qualidade jornalístico.
Podemos ter advogados e juízes não tão bons ou médicos não tão bons. Mas criar um artifício jurídico que proíba a atuação jornalística não tão boa seria absurdo. Quem diria o que é tão bom assim? O que faríamos com os “não tão bons”? A imprensa não deve publicar sem responsabilidade, mas daí exigir que tudo publicado seja expressão absoluta da certeza inequívoca seria equivalente a autorizar a impossibilidade de atuação do jornalismo investigativo, do humor, das apurações no curso da reportagem. Talvez nem o horóscopo pudesse estar nos jornais.
ConJur — Recentemente o TSE determinou que informações sobre a candidata a presidente Marina Silva fossem retiradas do Facebook, aplicando um conceito de fake news. A repercussão na Justiça Eleitoral foi imediata e juízes e tribunais assumiram posturas parecidas. O que acha desse tipo de decisão?
Diogo Rais —
 A legislação há anos prevê o direito de resposta diante de ofensa ou “notícias” sabidamente inverídicas. Mas, ali, limita a atuação da Justiça Eleitoral aos candidatos e ao período eleitoral. Apesar disso, a resolução do Tribunal Superior Eleitoral que trata da propaganda eleitoral para as eleições de 2018 (Resolução 23.551) ampliou a questão e, além do direito de resposta, instituiu amparo jurídico para a retirada de notícia sabidamente inverídica em sentido amplo, mesmo que tenha sido publicada por eleitor (artigo 22, parágrafo primeiro cumulado com o artigo 33). É claro que a discussão do que é "sabidamente inverídica" destina mais uma vez para as provas de um caso concreto, mas não deve ser encarada como um espaço criativo do juiz, mas como um dever de vinculação ao caso concreto e seu material probatório. A Justiça Eleitoral não deve ser árbitra da verdade e buscar uma limpeza da mentira ou da internet, não deve ser órgão censor ou administrativo de atuação. Não se espera do Judiciário que faça política pública, e sim uma atuação mínima e subsidiária diante do conflito instalado, atuando somente nos casos em que há dano (efetivo ou em potencial) e o dolo.
ConJur — Qual o limite entre essa preocupação da Justiça Eleitoral com as ditas fake news e a censura judicial?
Diogo Rais —
 Toda decisão dessa espécie tem que ser revestida de ampla responsabilidade sem se desviar do caso concreto e de suas provas. Não se pode descolar da ideia de que, em cada comando de retirada de conteúdo, há uma grande chance de ferir a liberdade de expressão. Então, na dúvida, não se retira; na dúvida, não se interfere; na dúvida, não se fere a liberdade de expressão. A Justiça Eleitoral deve, diante da remoção de conteúdo, ter uma atuação mínima. A Resolução 23.551, no artigo 33, diz expressamente que sua atuação diante de conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático. É sempre um desafio falar sobre limites fora do caso concreto, em abstrato, mas existem alguns cuidados que podem afastar a atuação jurisdicional da censura judicial.
ConJur — Uma modalidade comum de fraude é a divulgação de informações antigas e desatualizadas como se fossem atuais. Tem como o Judiciário coibir esse tipo de coisa?
Diogo Rais —
 É muito sensível esse tipo de desinformação. A informação é verdadeira, mas sua postagem pode ser enganosa pelo contexto. Apesar disso, se for a divulgação pura e simples de um fato passado, não seria desinformação, seria memória. O que me parece vedado é criar intencionalmente um cenário enganoso se utilizando de material verdadeiro do passado. O material pode não ser o problema, mas se há uma maquiagem enganando o leitor, e esse conteúdo causa dano efetivo ou em potencial, aí sim poderíamos ter uma fake news na acepção jurídica.
ConJur — A responsabilidade entre quem compartilha e quem produz fake news deve ser a mesma?
Diogo Rais —
 É preciso entender que fake news não é forma, e sim conteúdo. Isso quer dizer que para descobrir se algo é fake news será necessário analisar o conteúdo e, de acordo com ele, verificar se houve danos diversos e previsão legal diversa. Então, para os casos em que a ação combatida pela lei seja a divulgação, o compartilhamento se insere na modalidade, já que o seu responsável tem a conduta tipificada, de divulgar.
O compartilhamento acaba dando mais visibilidade ao conteúdo, mas a criação de conteúdo enganoso deve ser a parte central de atuação. Há muitos incentivos econômicos para criação de conteúdo, há a chamada “indústria do clique”, que monetiza a viralização de conteúdo e outros meios que motivam a criação de fake news.
ConJur — Recentemente quase todos os grandes veículos de comunicação se juntaram para criar uma iniciativa de checagem de informação e denúncia de fake news financiada pelo Google e pelo Facebook. Isso não pode ser mais negativo que positivo para a circulação de informações?
Diogo Rais —
 São bem-vindos o jornalismo investigativo e a checagem de informações, mas é preciso perceber que há uma gama enorme de situações em que a checagem, além de não responder efetivamente à pergunta sobre a falsidade, pode confundir ainda mais os leitores. Uma coisa é checar se, na gestão daquele determinado candidato, foram realmente construídas cinco escolas. Outra é checar se ele foi o melhor prefeito. Melhor em quê? Como medir? Ou ainda uma checagem sobre um pensamento: como entrar na cabeça de alguém e saber o que pensa?
Um trabalho sério de checagem ajuda a enfrentar o desafio da desinformação, mas um trabalho sem rigor metodológico ou sem responsabilidade, agrava-se, ainda mais, a desinformação.
ConJur — Conhece boas iniciativas de combate a fake news – ou a notícias fraudulentas?
Diogo Rais —
 Existem muitas ações no campo da prevenção, como educação jornalística digital, as agências de “fact-checking”, os portais e iniciativas da sociedade civil organizada como o do movimento #NãoValeTudo, que reúne incríveis iniciativas em prol do uso ético da tecnologia nas eleições. No ambiente acadêmico também é possível encontrar muitas iniciativas interessantes, como o excelente projeto da UFMG coordenado pelo professor Fabricio Benevenuto.
Há um ano venho coordenando, no Mackenzie, junto com o coordenador de Jornalismo, o portal fake news (que em breve também poderá ser conferido o conteúdo em www.eleitoralize.com.br). Além disso, também treinamos os graduandos em Direito para que sejam checadores de conteúdo. A ideia é levar substrato técnico sobre o tema para que também se transformem em difusores dessa cultura de responsabilidade do usuário na internet. Pela pluralidade do tema, pelas faces de prevenção, multidisciplinaridade e de educação digital, entendo que os remédios mais eficazes para a matéria estão no campo da educação digital e do empoderamento do usuário e não no Judiciário. O usuário precisa entender que, na internet, é ele o curador e o responsável pelo conteúdo.
Fonte: www.conjur.com.br

domingo, 20 de julho de 2014

EUA criam sistema de controle no MP para evitar condenações erradas

 
 
A mentalidade dos promotores americanos está mudando, progressivamente. O esforço sistemático para condenar a qualquer custo todos os réus que caiam na malha da Promotoria e obter a pena mais alta possível para eles vem sendo substituído, aos poucos, por um esforço coordenado para buscar a verdade e promover a justiça, apenas. A coordenação desse esforço é feita por um órgão de controle interno e externo, criado em diversas unidades do Ministério Público do país. Em algumas jurisdições são chamados de Programa de Integridade da Condenação. Em outras, de Unidade de Integridade da Condenação.

Há razões nobres e, de certa forma, vergonhosas, para isso. As vergonhosas dispararam o alarme. Por exemplo, um estudo recente do Centro para Integridade Pública, chamado “Erro Nocivo: Investigando Promotores Locais nos EUA”, examinou processos criminais em 2.341 jurisdições e encontrou inúmeros casos de má conduta de promotores, que quebraram ou manipularam as regras para obter condenações.

O estudo relatou mais de 2 mil casos em que juízes de 1º Grau ou de tribunais de recursos extinguiram a ação, anularam condenações ou reduziram sentenças, citando como causa a má conduta de promotores.

A Promotoria do Distrito de Manhattan, em Nova York, que lidera o movimento pelo porte de seu Programa de Integridade da Condenação, declara em seu website que o objetivo é “buscar justiça em todos os casos que chegam à Promotoria e rever erros passados”. E explica a razão: “Através dos anos e em todo o país, homens e mulheres inocentes têm sido condenados por crimes que não cometeram. Isso não apenas rouba a liberdade da pessoa inocente, como deixa nas ruas um criminoso, livre para cometer mais crimes”.

O website da Unidade de Integridade da Condenação do Condado de Cuyahoga, em Ohio, declara na abertura do texto: “Todos os promotores querem condenar os culpados, não os inocentes. Porém, embora os processos de julgamento e de recursos contenham salvaguardas para todos os acusados de crime, reconhecemos que o sistema de Justiça criminal é uma instituição humana e, como tal, não pode ser perfeito”. Por isso, a Promotoria local criou seu próprio sistema de controle interno e externo.

O programa de Manhattan é liderado pelo promotor Cyrus Vance, um ex-advogado criminalista — um caso raro de advogado criminalista que se converte para a Promotoria, porque o inverso é bastante comum. Alguns promotores que não gostam do programa, dizem que Vince é um advogado criminalista que se travestiu de promotor para criar despesas desnecessárias para o Ministério Público.

Porém, a ex-promotora, ex-juíza e professora da Escola de Direito da Universidade de Washington, em Seattle, Maureen Howard, saiu em sua defesa. Ela declarou ao Huffington Post que “se foi necessário um advogado criminalista se tornar promotor para resgatar os ideais do Ministério Público, ele é muito bem-vindo — e já chegou tarde”.

Para a ex-promotora, Vince e a Promotoria de Manhattan entendem que a função dos membros do Ministério Público é a de promotor de Justiça, não promotor de condenações. Em outras palavras, ela disse, eles estão recuperando o que as diretrizes éticas da classe professam: um membro do Ministério Público é um “ministro da Justiça” — uma espécie de sacerdócio.

Segundo Maureen Howard, os papéis do promotor e do advogado de defesa não são simétricos. A obrigação do advogado de defesa é o de defender seu cliente contra possíveis abusos do Estado, durante o curso do processo. A do promotor é bem diferente.

As proteções constitucionais garantidas aos réus, tais como privilégio contra a autoincriminação, a presunção de inocência, o rigoroso padrão da culpabilidade além da dúvida razoável, a exigência de veredicto unânime do júri (no sistema dos EUA, obviamente), existem para contrabalançar o poder muito maior do Estado sobre o indivíduo, ela diz.

O promotor também tem o dever de buscar provas que podem, potencialmente, prejudicar o seu caso, bem como o de exibir provas exculpatórias para a defesa, voluntariamente e sem pedido, enquanto isso não é um dever da defesa, diz a ex-promotora.

A revelação de prova exculpatória pela acusação à defesa é uma decorrência do sistema americano de “discovery”, um processo em que as duas partes “trocam figurinhas” — isto é, revelam os fatos, as provas, os testemunhos e qualquer outro elemento que possa esclarecer o caso, antes do julgamento. O resultado, muitas vezes, é que não há julgamento, porque a acusação e a defesa fazem um acordo.

A descoberta, a qualquer momento, de que a Promotoria escondeu provas exculpatórias que mudariam o rumo do julgamento enfurece os juízes, muitas vezes, que reprimem duramente o promotor e o fazem cair em desgraça até entre os colegas.

Condenações indevidas

Criminal District Court Judge, Lynda Van Davis
Na última semana, a juíza Lynda Van Davis, de Nova Orleans, anulou a condenação à pena de morte de Michael Anderson, de 23 anos, pelo assassinato de cinco pessoas, depois da descoberta de que o promotor escondeu duas peças essenciais de prova.

Essa anulação de julgamento eleva as preocupações da comunidade jurídica do país com o sistema judicial de Nova Orleans, diz Maureen Howard. Ela conta que um estudo recente do advogado Bidish Sarma, da Universidade Southern de Louisiana, revelou que mais condenados à morte na cidade foram libertados do que de executados, devido a comprovações posteriores de condenações erradas.
Mas os promotores não são os únicos responsáveis por “condenações erradas”. O Projeto Inocência, que libertou recentemente 317 presos inocentes, alguns deles no corredor da morte, atribui as condenações erradas a, principalmente, seis causas: identificação errada do réu por testemunhas, provas forenses ruins ou mal elaboradas, confissões falsas conseguidas pela Polícia, má conduta de promotores, má-fé de informantes ou denunciantes e serviços ineptos de alguns advogados.

Estudos realizados indicam que as formas mais comuns de má conduta de policiais são os seguintes: sugerir os fatos do crime a um inocente durante longos interrogatórios para que façam uma confissão coerente, coagir confissões falsas, mentir ou iludir os jurados sobre suas observações, deixar de apresentar aos promotores provas exculpatórias, oferecer incentivos para garantir provas não confiáveis de informantes.


As formas mais comuns de má conduta de promotores, segundo esses estudos, são: esconder provas exculpatórias da defesa, manipular, manejar ou destruir provas deliberadamente, permitir a participação de testemunhas sabidamente não confiáveis no julgamento, pressionar testemunhas da defesa a não testemunhar, usar provas forenses fraudulentas, apresentar argumentos enganosos que elevam o valor probatório de testemunhas.

Isso tudo é uma coisa que deve ficar no passado, como declaram as jurisdições da Promotoria americana que criaram as unidades em defesa da integridade da condenação, que estão surgindo uma após a outra em todo o país. Essas unidades têm duas frentes de trabalho principais: uma, impedir que esses problemas voltem a ocorrer daqui para a frente, criando mecanismos de controle para assegurar a correção; outra, aceitar requerimentos de inocentes presos, de seus familiares e advogados, para que voltem a investigar o caso e possam corrigir erros em condenações passadas.

Se a unidade comprovar uma condenação errada, a própria Promotoria tomará a iniciativa de pedir ao juiz a anulação da sentença condenatória.
Após reexame de caso, a Corte de Dallas oficialmente declarou Cornelius Dupree Jr. inocente, depois de 30 anos na prisão

Os prerrequisitos para uma unidade reexaminar o caso variam um pouco de uma jurisdição para outra, mas incluem, em geral: 1) a condenação deve ter ocorrido dentro da jurisdição; 2) o condenado deve estar vivo; 3) o pedido deve se referir a um caso verdadeiro de inocência – pedidos frívolos e casos de erro processual apenas são descartados; 4) devem existir provas novas e verossímeis da inocência e a promotoria deve ser informada sobre como pode acessar essas provas; 5) o condenado deve renunciar a suas salvaguardas e privilégios processuais, concordar em cooperar com a unidade e em fornecer informações completas à unidade em todas as inquirições – essa última leva alguns advogados a torcer o nariz.

O modelo criado pela Promotoria de Manhattan, seguido pela maioria dos demais programas de outras jurisdições, tem um Comitê da Integridade da Condenação, o chefe do Comitê e um Painel Consultor de Política de Integridade da Condenação.

O comitê é um órgão interno, formado por dez membros graduados da Promotoria, com a atribuição de rever as práticas e políticas relativas ao treinamento dos promotores (novos e veteranos), avaliação de casos, investigação e obrigações de divulgação [de provas e fatos], com foco em possíveis erros, tais como identificações falsas por testemunhas e confissões falsas. O chefe coordena o trabalho do comitê e lidera todas as investigações de casos que apresentam uma reclamação significativa de condenação errada.

O painel consultor é um órgão externo, formado por especialistas respeitados em justiça criminal, incluindo juristas e ex-promotores, com a atribuição de assessorar o comitê e orientá-lo sobre melhores práticas e questões em desenvolvimento na área de condenações erradas.

Para encontrar sites desses programas na Internet, basta pesquisar nos mecanismos de busca as palavras “Conviction Integrity Program” ou “Conviction Integrity Unit”.

Fontes: Conjur/Eleitoral Brasil

sábado, 10 de novembro de 2012

Violência fora de controle


Escalada de assassinatos em São Paulo escancara erros da política de segurança pública estadual e mostra que é preciso mudar a abordagem para enfrentar o crime organizado

Flávio Costa e Natália Martino
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Clima de Pânico 
Conflitos de PMs com o crime organizado espalham terror pelas
ruas da principal cidade do País: 72 mortes em uma semana
São Paulo vive há meses uma guerra silenciosa que denota a falência da política de segurança pública estadual. Policiais Militares são alvejados na porta de casa, chacinas se sucedem, criminosos incendeiam ônibus e comerciantes e escolas fecham as portas ao menor ruído sob “toque de recolher”, numa onda de medo que tomou conta da região metropolitana da cidade. Na última semana, a escalada de violência atingiu o auge. Em apenas uma semana, entre 25 de outubro e 1º de novembro, 72 pessoas foram assassinadas na Grande São Paulo. É um número superior ao da média mensal de homicídios que ­ocorreram entre janeiro e setembro, em Ciudad Juarez, no México, município dominado pelo narcotráfico e conhecido como a cidade mais violenta do mundo.

Os assassinatos das últimas semanas seguiram um mórbido padrão: um policial é executado e, em seguida, vários civis são mortos na mesma região por homens mascarados. No pico de violência iniciado na quinta-feira 25, o 86 º PM assassinado neste ano foi alvejado por dois indivíduos de moto, na porta de casa, na Vila Nova Curuçá, zona leste da capital. Na sequência, na mesma região, duas pessoas também foram mortas a tiros por homens encapuzados. “Considerando-se a dinâmica dos crimes, me parece muito plausível a hipótese de se tratar de assassinatos de policiais cometidos pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) e subsequente retaliação praticada por milícias policiais”, avalia a socióloga Camila Dias, pesquisadora associada do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP).

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MOTIVO 
O aumento dos confrontos e da letalidade da polícia pode 
ter detonado o atual ciclo de retaliações entre PMs e criminosos
Especialistas ouvidos por ISTOÉ elencam diversos erros cometidos pela atual administração no combate ao crime organizado: a falta de reconhecimento público da dimensão e da força do PCC, o investimento na militarização das ações de segurança, o esvaziamento das funções da Polícia Civil e o excessivo encarceramento em um sistema prisional dominado pelos criminosos. 

Embora continue a minimizar a força do crime organizado, o governo ­estadual esboçou uma reação tardia ao ocupar Paraisópolis, a maior favela da capital, com 600 homens da PM na semana passada. Em um prédio da comunidade funcionava uma espécie de quartel do PCC, onde foram encontrados documentos que provam a relação do maior grupo criminoso do País com as recentes mortes de PMs. As execuções foram ordenadas, segundo o secretário de Segurança Antonio Ferreira Pinto, por Francisco Antonio Cesário da Silva, o Piauí, integrante da facção, acusado de chefiar o crime na favela. Os papéis encontrados pela PM durante a ocupação pertencem a membros da quadrilha comandada por Piauí. Condenado por crimes como roubo, sequestro, homicídio, receptação e falsidade ideológica, ele está preso desde agosto em Avaré, a 272 quilômetros da capital paulista. 

Entre os documentos revelados pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, havia cadernos com nomes, endereços, descrições físicas e detalhamento da rotina de mais de 40 policiais militares ao lado de uma carta com ordens para matar dois policiais para cada “execução covarde” de um membro do PCC. “Esclarecemos que não foi (sic) nós que buscamos esse caminho, ao contrário, estamos sendo executados na maior covardia na mão da Polícia Militar, da Rota”, diz um trecho da carta, fazendo referência direta ao batalhão de elite da PM, Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar. Detalhes de como funcionava o chamado tribunal da facção eram relatados em páginas que incluíam os nomes dos responsáveis por conduzir os julgamentos, as testemunhas e até as sentenças aplicadas a cada delito.

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Diante de tantas mortes e das novas revelações, não é de surpreender que os próprios PMs estejam assustados. Os ataques em série fizeram com que parte dos policiais buscasse socorro na religião. A associação PMs de Cristo lançou a campanha “Ore por um PM”, que consiste em um ciclo de orações, até o dia 15 de dezembro, contra a morte de colegas. “Neste momento em que estamos enfrentando esses sobressaltos é preciso reforçar a nossa fé em Deus e a união da corporação”, diz o capitão Joel Rocha, presidente da entidade.

O aumento dos confrontos e da letalidade da polícia pode ter detonado esse ciclo de retaliações entre PMs e criminosos. O atual secretário Antonio Ferreira Pinto priorizou as ações de enfrentamento e de policiamento ostensivo da Polícia Militar em detrimento do trabalho investigativo da Polícia Civil. “Ocupações como a de Paraisópolis amenizam a situação, mas, depois que a PM sai, o crime volta a imperar. É preciso um trabalho de investigação profundo por parte da Polícia Civil para identificar os chefes e sufocar a rede de financiamento do crime organizado”, afirma o delegado George Melão, presidente do sindicato paulista da categoria.

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Outra falha remonta ao início dos anos 2000. À medida que aumentava o encarceramento, o PCC arregimentava novos membros no sistema prisional. Líderes foram espalhados pelas prisões do Estado, mas não foram mantidos em isolamento. A partir dos ataques de 2006, a facção, que já era poderosa nos presídios, passou a controlar as atividades ilegais do lado de fora, como tráfico de drogas, assaltos e sequestros. “O governo cedeu espaço ao PCC no sistema penitenciário. Há uma espécie de acordo tácito: prendemos os bandidos, mas eles fazem o que querem na cadeia”, afirma o ex-subsecretário nacional de Segurança Pública Guaracy Mingard, para quem é fundamental isolar as lideranças da facção , restringir, de verdade, o uso de celulares e retomar o controle das penitenciárias pelo Estado.
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SOCORRO
Alvos, policiais recorreram à religião. A associação PMs de Cristo lançou 
a campanha “Ore por um PM”, um ciclo de orações até o dia 15 de dezembro
É preciso mudar a abordagem para vencer o crime organizado em São Paulo. O Rio de Janeiro, cidade que durante décadas viveu à mercê de facções criminosas, só conseguiu recuperar territórios dominados pelos bandidos e reduzir os índices de violência quando assumiu que a postura até então estava equivocada. As autoridades paulistas deveriam aprender com o exemplo carioca e abandonar a tática do enfrentamento. “É necessário fortalecer a Polícia Civil e investir em inteligência policial para deixar claro aos criminosos que todos os crimes serão punidos”, diz a socióloga Camila, da USP. Outra medida eficiente é secar os lucros na origem e atacar os negócios que permitem a lavagem de dinheiro e, consequentemente, o funcionamento da máquina do crime. “A fonte de arrecadação do PCC tem que ser cortada”, defende Mingard. “No caso do tráfico de drogas, deve-se impedir o funcionamento das bocas e prender os chefes dos locais.”
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Diante de um inimigo comum, em vez de trabalharem em conjunto, autoridades federais e estaduais passaram a semana trocando farpas. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmava que tem oferecido ajuda à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e vagas em presídios federais para isolar os líderes do PCC desde junho. E o secretário Ferreira Pinto e o governador Alckmin diziam que apresentaram um plano de ações e não obtiveram respostas. No final da semana, eles ensaiaram um entendimento, mas a única ação concreta foi a ocupação de Paraisópolis. A polícia deteve suspeitos, apreendeu armas de fogo, munição e drogas. Especialistas temem, entretanto, que sejam presos apenas peixes pequenos. “Se não investirmos em investigação, vamos ter que esperar para ver qual grupo se cansa primeiro de matar e interrompe o ciclo de ‘mata-mata’”, diz Luciana Guimarães, diretora da ONG Sou da Paz. 
Fotos: Adriano Machado; Apu Gomes/Folhapress; JOSÉ PATRÍCIO/ESTADÃO
Fonte: IstoÉ - 7/nov - ano 36 - n.º 2243

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