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terça-feira, 10 de julho de 2012

SAIBA MAIS SOBRE O LEVANTE POPULAR DA CABANAGEM


A miséria e a submissão imposta pelo Império levaram às armas a população de Belém. Um dos maiores levantes do período, a Cabanagem transformou servos em senhores

Texto Fred Linardi / Ilustrações Carlos Caminha | 23/05/2012 19h1
Era noite de festa de Reis no Brasil Império e o povo de Belém festejava ao luar. Autoridades portuguesas e famílias poderosas brindavam na noite de gala do Teatro da Providência. Do lado de fora, estava armado o palco de uma guerra anunciada. No dia 6 de janeiro de 1835, aproveitando a distração geral pela data santa, mais de 1 000 guerrilheiros empunhando espingardas, mosquetões, foices, terçados e espadas se escondiam nas matas ao redor da cidade, cortada por igarapés. Moradores de Belém misturavam-se a combatentes vindos do interior. Chegaram à capital no começo do ano e já planejavam o ataque.

À saída do teatro, o presidente da província, Bernardo Lobo de Souza, foi para a casa da amante. Demorou a perceber o caos na cidade. Esgueirando-se pelos quintais, de casa em casa, conseguiu ficar escondido até o início do outro dia. Quando saiu à rua, foi morto à bala por um índio tapuio. Caiu em frente ao palácio do governo, tomado pelos cabanos durante a madrugada. Comerciantes, fazendeiros e intelectuais apartados das decisões na província lideraram a ofensiva dos tapuios (índios que abandonaram suas tribos), negros escravos e libertos, mamelucos, cafuzos, mulatos, mestiços e também brancos. Entre tantas origens diferentes da massa que surpreendeu os soldados aliados à Regência, uma característica comum batizou a revolta. Muito pobres e explorados na economia extrativista da região, os rebeldes moravam em cabanas simples de barro, cobertas de palha. A Cabanagem (1835-40) combateu o domínio do Império e da elite portuguesa local, acostumada aos privilégios coloniais. A população buscava melhores condições de vida e reclamava da tirania do governo do Grão-Pará, imposto pelo poder central no Rio de Janeiro. Não foi difícil para um grupo de proprietários e religiosos cooptar os mais necessitados sob a bandeira da luta pela autonomia da província. Mais próxima de Lisboa do que do Sudeste, Belém resistiu a aderir ao Brasil independente. Não aceitava as ordens vindas da nova capital do Império, o Rio. A instabilidade política se arrastava havia vários anos.

A revolta estourou depois da morte do cônego João Batista Campos. Ameaçado após sucessivas brigas públicas com Bernardo Lobo de Souza, ele fugiu da cidade no fim de 1834. Uma infecção no rosto provocada por um acidente com uma lâmina de barbear matou o religioso enquanto ele estava foragido. Para os cabanos, a culpa era do presidente.

Há quem compare a tomada do palácio do governo pelos cabanos à Queda da Bastilha, marco da Revolução Francesa na Paris de 1789. Era grande a presença de estrangeiros na região. A França costumava exilar prisioneiros contrários ao regime vigente na vizinha Guiana Francesa. No livro A Miserável Revolução das Classes Infames, o historiador Décio Freitas relata o testemunho de Jean-Jacques Berthier, um exilado francês que vai a Belém e se une ao movimento. "Na época havia, sim, um temor do Império quanto à aproximação das camadas populares, principalmente dos escravos e índios, com os franceses. Mas a Revolução Francesa saiu vitoriosa, enquanto o triunfo da Cabanagem está mais na memória", diz Eliana Ferreira, historiadora e pesquisadora na Universidade Federal do Pará.

A partir de Belém, os rebeldes conseguiram manter o controle da província por pouco mais de um ano.

Intrigas e traições entre os líderes causaram tanto prejuízo quanto as tropas inimigas. O governo cabano nasceu de uma culminância de movimentos formados ao longo dos anos anteriores. Os vários setores que se juntaram ao levante fizeram sua força, mas não demorou para que as divergências aparecessem. O primeiro presidente indicado, Félix Malcher, simpático ao Império, foi chamado de traidor e assassinado em meio à disputa de poder com o comandante de armas, Antônio Vinagre. O cadáver foi arrastado pelas ruas, a exemplo do que acontecera com Bernardo Lobo de Souza. Antes de completar 45 dias o governo cabano já tinha um novo chefe: Francisco Vinagre, irmão de Antônio.

Ao todo, três líderes rebeldes presidiram a província. Já na primeira gestão, uma moeda antiga passou a ser reutilizada e só valia no estado. Cabanos se apropriaram de casas de famílias portuguesas ou ligadas ao antigo regime. "Em algumas fazendas, castigaram os senhores com as mesmas torturas que haviam sofrido antes. O porte de arma foi legalizado, o que dava aos cabanos a sensação de realmente pertencerem à cidade. Isso tudo representava uma grande mudança no cotidiano", diz Ferreira. Mas em nenhum momento eles conseguiram consenso em torno de um projeto viável de governo.

Caos

A situação de Belém foi se tornando deplorável. Destruída pelos combates, enfrentou epidemias de varíola, cólera e beribéri. A população passava fome. A cidade ficou cercada por escunas e fragatas ligadas ao Império, onde se instalaram políticos e militares foragidos. O primeiro contra-ataque provocou a fuga dos cabanos para o interior. A ofensiva teve a ajuda do presidente Francisco Vinagre, em outro exemplo dos interesses contraditórios dentro do movimento. Os rebeldes resistiram sob o comando do irmão dele e de Eduardo Angelim. Em pouco tempo eles retomaram a capital e, aos 21 anos, Angelim assumiu o poder. Último presidente cabano, foi derrotado nove meses depois pela poderosa esquadra do brigadeiro Francisco José Soares de Andrea.

Angelim fugiu novamente da cidade, mas foi capturado e deportado. A violenta caça aos cabanos pela Amazônia prosseguiu até 1840. "Nesse período, a Cabanagem continua de forma que ainda não se sabe ao certo. Havia fortes lideranças em cidades como Vigia e Santarém, mas os estudos precisam ser aprofundados", afirma Ferreira. Mais de 30 mil rebeldes foram executados, um terço dos habitantes da província. A tortura era comum. Militares exibiam colares feitos com orelhas secas de cabanos.

No fim da revolta, Belém só tinha mulheres, crianças e idosos. A participação feminina nas conspirações e combates é foco de estudos recentes. Muitas mulheres foram atacadas e violentadas, do lado cabano e das famílias ligadas à Regência. Não há provas de que elas tenham participado das frentes de batalha, mas é certo que atuaram nos bastidores. "Um dos exemplos é a dona Bárbara, uma viúva de militar que foi até a corveta Defensora munida de moedas de ouro. O navio abrigava presos políticos." Eliana Ferreira sugere que ela tenha tentado comprar a liberdade de rebeldes. Parte do trabalho de troca de informações e suprimento de comida para os cabanos era feita por mulheres.
Mesmo sangrenta, a Cabanagem (1835-40) foi o mais bem-sucedido levante popular brasileiro.


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Vinte anos de luta

Os antecedentes e os marcos da revolta


1823

Mercenários de dom Pedro I forçam a adesão do Pará ao Império; 256 presos políticos são sufocados com cal.

1833

Instabilidade política continua. Bernardo Lobo de Souza assume a presidência local e persegue rebeldes.

1834

Foragido, morre Batista Campos, um dos líderes da resistência. Grupos se juntam para reagir.

7/1/1835

Cabanos tomam o poder, matam Souza e libertam Félix Malcher. O fazendeiro é indicado presidente.

21/2/1835

Malcher evita confrontar o Império. Chamado de traidor, é assassinado. Vinagre assume.

26/6/1835

Sucessor de Malcher, Francisco Vinagre, alia-se ao Império e renuncia à presidência. Líderes fogem para o interior.

23/8/1835

Cabanos retomam Belém. Eduardo Angelim é o novo presidente. A cidade sofre cada vez mais com a guerra.

13/5/1836

Esquadra do brigadeiro Francisco Andrea obriga cabanos a fugirem. Angelim é preso em outubro.

4/11/1839

É decretado o fim da guerra civil e foragidos são anistiados, mas a caça sangrenta vai até 1840.


Saiba mais


LIVROS

A Miserável Revolução das Classes Infames, Décio Freitas, Record, 2005

O autor analisa a Cabanagem a partir de cartas de Jean-Jacques Berthier, um francês exilado que vai a Belém.

Motins Políticos, Domingos Antônio Raiol, Universidade Federal do Pará, 1970

Escrito no século 19, o estudo de três volumes conta a história do Pará e é o primeiro a dedicar-se à Cabanagem.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Manifestações devem continuar no Oriente Médio e no Norte da África


Relatório da Anistia Internacional analisa com detalhe os casos das revoltas no Egito, Tunísia e Líbia

Agência Brasil
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A violência e a repressão “deverão continuar a assolar o Oriente Médio e o Norte de África em 2012”, segundo relatório da Anistia Internacional (AI), divulgado nesta segunda-feira (9), sobre os efeitos da chamada Primavera Árabe – onda de protestos e manifestações que ocorreram no Oriente Médio e no Norte da África, entre 2010 e 2011, e que culminou na queda de líderes que se mantinham há anos no poder.
O documento analisa com detalhe os casos das revoltas no Egito (onde o presidente Hosni Mubarak renunciou), na Tunísia (onde o ex-presidente Zinedine el Abidine Ben Ali fugiu para a Arábia Saudita) e na Líbia (país que ainda vive em meio a tensões mesmo após a morte do ex-presidente Muammar Khadafi). No relatório Ano de Rebelião: o estado dos direitos humanos no Oriente Médio e no Norte de África, a Anistia Internacional revê “os drásticos acontecimentos” que afetaram estas regiões no ano passado e prevê que os confrontos continuem, “a menos que os governos da região e as potências internacionais percebam a dimensão das mudanças exigidas”.
No documento, a organização descreve “como os governos de toda a região têm recorrido à violência extrema na tentativa de resistir aos pedidos, sem precedentes, [das populações civis] por reformas políticas e sociais”.
Repressão
Reconhecendo que “os movimentos de protesto na região não mostraram sinais de quererem abandonar os seus objetivos ou aceitar reformas incompletas”, a AI demonstra preocupação com a reação dos regimes.
“Com raras exceções, os governos têm falhado em reconhecer que tudo mudou”, considera Philip Luther, diretor interino da Anistia Internacional para o Oriente Médio e o Norte de África, citado no relatório. “Os movimentos de protesto em toda a região revelam ser resistentes face à repressão, por vezes, implacável. Eles são liderados, em muitos casos, por jovens - entre eles, mulheres - que desempenham papéis centrais”, avalia o documento.
Apesar das promessas das Forças Armadas em “cumprir as exigências” do movimento civil egípcio, a Anistia constata “uma série de abusos, em alguns aspectos, piores do que os ocorridos sob o governo de Hosni Mubarak”, o presidente deposto. E receia que em 2012 “possam surgir novas tentativas”, por parte dos militares, “de restringir a capacidade dos egípcios de se manifestarem e de expressarem livremente as suas opiniões”.
Desde a deposição do regime anterior, na Tunísia, verificaram-se “melhorias significativas em matéria de direitos humanos, mas, um ano depois, muitos consideram que o ritmo das mudanças tem sido lento, com as famílias das vítimas da revolta ainda aguardando por justiça”, destaca a entidade.
A “capacidade das novas autoridades” líbias para “controlar as brigadas armadas" que ajudaram a depor Muammar Khadafi é questionada pela Anistia Internacional, salientando que “os graves abusos” cometidos contra o anterior regime “raramente foram punidos”. 
À espera da revolução
A organização refere-se ainda a outros “governos que continuam determinadamente agarrados ao poder”. As Forças Armadas e os serviços secretos sírios "têm sido responsáveis por um padrão de assassinatos e tortura que podem ser considerados crimes contra a humanidade”, sustenta a AI, criticando ainda “o impasse” na situação política no Iémen.
No Bahrein, “no final do ano, continuavam as demonstrações do governo em implementar as amplas recomendações [para conter a repressão contra manifestações civis]” de um relatório independente realizado por peritos internacionais sobre os abusos relacionados com as manifestações civis.
Os protestos seguem ainda na Arábia Saudita, apesar da “repressiva lei antiterrorismo” adotada pela monarquia, e no Irã “o governo continuou a sufocar a oposição, aumentando as restrições à liberdade de informação”.
Mas as críticas da Anistia Internacional não ficam restritas aos Estados que vivem momentos de tensão – “a resposta aos acontecimentos de 2011 por parte das potências internacionais e dos organismos regionais, como a União Africana, a Liga Árabe e a União Europeia, tem sido inconsistente”.
Fonte: Revista Istoé

sábado, 24 de dezembro de 2011

Para Hobsbawm, protagonismo da classe média marca revoltas de 2011


O historiador britânico Eric J Hobsbawm (Rex Features)
Para historiador, classe operária perdeu seu papel histórico
A classe média foi a grande protagonista e força motriz das revoltas populares e ocupações que marcaram o ano de 2011. Esta é a opinião de Eric Hobsbawm, um dos mais importantes historiadores em atividade.

Em entrevista à BBC, o historiador marxista nascido no Egito, mas radicado na Grã-Bretanha, afirma ainda que a classe operária e a esquerda tradicional - da qual ele ainda é um dos principais expoentes - estiveram à margem das grandes mobilizações populares que ocorreram ao longo deste ano.
''As mais eficazes mobilizações populares são aquelas que começam a partir da nova classe média modernizada e, particularmente, a partir de um enorme corpo estudantil. Elas são mais eficazes em países em que, demograficamente, jovens homens e mulheres constituem uma parcela da população maior do que a que constituem na Europa'', diz, em referência especial à Primavera Árabe, um movimento que despertou seu fascínio.
''Foi uma alegria imensa descobrir que, mais uma vez, é possível que pessoas possam ir às ruas e protestar, derrubar governos'', afirma Hobsbawm, cujo título do mais recente livro, Como Mudar o Mundo, reflete sua contínua paixão pela política e pelos ideais de transformação social que defendeu ao longo de toda a vida e que segue abraçando aos 94 anos de idade.
As ausências da esquerda tradicional e da classe operária nesses movimentos, segundo ele, se devem a fatores históricos inevitáveis.
''A esquerda tradicional foi moldada para uma sociedade que não existe mais ou que está saindo do mercado. Ela acreditava fortemente no trabalho operário em massa como o sendo o veículo do futuro. Mas nós fomos desindustrializados, portanto, isso não é mais possível'', diz Hobsbawm.
Hobsbawm comenta que as diversas ocupações realizadas em diferentes cidades do mundo ao longo de 2011 não são movimentos de massa no sentido clássico.
''As ocupações na maior parte dos casos não foram protestos de massa, não foram os 99% (como os líderes dos movimentos de ocupação se autodenominam), mas foram os famosos 'exércitos postiços', formados por estudantes e integrantes da contracultura. Por vezes, eles encontraram ecos na opinião pública. Em se tratando das ocupações anti-Wall Street e anticapitalistas foi claramente esse o caso.''

À sombra das revoluções

Hobsbawm passou sua vida à sombra - ou ao brilho - das revoluções.
Ele nasceu apenas meses após a revolução de 1917 e foi comunista por quase toda a sua vida adulta, bem como um autor e pensador influente e inovador.
Ele tem sido um historiador de revoluções e, por vezes, um entusiasta de mudanças revolucionárias.
O historiador enxerga semelhanças entre 2011 e 1848, o chamado ''ano das revoluções'', na Europa, quando ocorreram uma série de insurreições na França, Alemanha, Itália e Áustria e quando foi publicado um livro crucial na formação de Hobsbawm, O Manifesto Comunista, de Marx e Engels.
Hobsbawm afirma que as insurreições que sacudiram o mundo árabe e que promoveram a derrubada dos regimes da Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen, ''me lembram 1848, uma outra revolução que foi tida como sendo auto-impulsionada, que começou em um país (a França) e depois se espalhou pelo continente em um curto espaço de tempo''.
Manifestante egípcio exibe cartaz retratando o líder egípcio deposto, Hosni Mubarak, seu filho, Gamal, o líder deposto da Tunísia, Ali Abudalah Saleh, o líder deposto da Líbia, Muamar Khadafi e o presidente da Síria, Bashar al Assad, na Praça Tahrir (AP)
Historiador diz que revoluções no mundo árabe tomaram rumo inesperado
Para aqueles que um dia saudaram a insurreição egípcia, mas que se preocupam com os rumos tomados pela revolução no país, Hobsbawm oferece algumas palavras de consolo.
''Dois anos depois de 1848, pareceu que alguma coisa havia falhado. No longo prazo, não falhou. Foi feito um número considerável de avanços progressistas. Por isso, foi um fracasso momentâneo, mas sucesso parcial de longo prazo - mas não mais em forma de revolução''.
Mas, com a possível exceção da Tunísia, o historiador não vê perspectivas de que os países árabes adotem democracias liberais ao estilo das europeias.
''Estamos em meio a uma revolução, mas não se trata da mesma revolução. O que as une é um sentimento comum de descontentamento e a existência de forças comuns mobilizáveis - uma classe média modernizadora, particularmente, uma classe média jovem e estudantil e, é claro, a tecnologia, que hoje em dia torna muito mais fácil organizar protestos.''
Fonte: BBC Brasil

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