quinta-feira, 31 de dezembro de 2020
CAOSTROSPECTIVA 2020
quarta-feira, 30 de dezembro de 2020
sexta-feira, 25 de dezembro de 2020
quinta-feira, 24 de dezembro de 2020
terça-feira, 22 de dezembro de 2020
segunda-feira, 21 de dezembro de 2020
MINHA VIDA ENTRE LIVROS
domingo, 20 de dezembro de 2020
UM SOPRO DE VENTO EM MEU ROSTO
Rogério Rocha (filósofo e escritor) |
Por Rogério Henrique Castro Rocha
Bateu com as mãos seis vezes sobre seu peito. Um tronco forte, forjado na luta cotidiana e em anos de saga no trabalho das fazendas do interior. Punho cerrado, braço forte, como o peso de um porrete. Vi no gesto algo como um primata em ambiente natural, num alarido que aos outros soaria quase como um ritual bárbaro. Uma forma extrema de reafirmação de seu poder.
Gritou, esmurrou, socou. Primeiro o peito dele, depois o meu. Sobre o dele os murros eram como impulsos de energia, a potencializar ainda mais a dinâmica daquele momento. Uma prévia da ação. Sobre o meu, era como se uma carreta estivesse por me esmagar. Era quase um coice de cavalo bravo.
Bateu com força e esbravejou. Sempre que fazia isso era a meio metro de distância, deixando a espuma respingar dos cantos de sua grande boca. Aquela mesma que um dia, sedenta, desfrutei ao beijar a primeira vez. É... Quem diria.
Apesar dos meus pedidos, era incapaz de parar. Minha alma estava pálida àquela altura. Meu rosto também. Mas depois mudaria para pior, ficaria rubro, vermelho. Nele o sangue, a fraqueza, a frouxidão...
Ele veio com tudo. Sim. Veio com fome de mim. Distribuiu um golpe seco, chapado, com a palma da mão cheia de calos sobre a minha face. Afinal, o trabalho na obra nunca o dignificara. Nunca, nunca mesmo.
Ele bateu em seu peito de rinoceronte. Bateu, depois cuspiu sobre mim. Empurrou-me sobre a mesa da cozinha. Com os braços esticados em sua direção, as mãos querendo proteger o rosto, retruquei com algumas palavras tímidas que nem sei quais foram. Mas não importa! Para mim nada importa hoje. Para ele menos ainda.
Fui tímida a vida toda. Tímida e tola. Sobretudo quando deitava na cama para que o seu pesado corpo, ainda não banhado, me amassasse com frenéticas investidas, que bagunçavam tudo dentro de minhas entranhas.
Algumas vezes percebi ser eu a fonte daquela gênese de sentimentos, mas tudo muito confuso. Ciúmes e posse, amor, violência, querer e ceder. Depois, mansamente, fui recuando para dentro do meu deserto de esperas e falsas esperanças. Espera pelo que nunca seríamos e esperança pelo que deixaria de ser também, muito brevemente.
O café que derramei sobre o pano da mesa, quando contra ela me choquei, estava preto. Sem um pingo de leite. Preto, preto, simples como a vida. Sem açúcar também, isso lembro. Mas não consegui pegar o pote, pois foi justo quando ele chegou do trabalho. Estava tarde. Era tarde mesmo, eu sei. Mas parece que para mim tudo é tarde já faz um tempo.
Sofri em desespero com as descargas de adrenalina que faziam daqueles olhos verdes, que me fulminavam segundo após segundo, um lago de insanidade. Também sofri pelos trancos que minha coluna pegou, pelos trincos que a cervical devia ter, por causa daquelas mãos pegajosas atadas aos meus braços, a me sacudir como se fosse uma boneca de pano em tamanho gigante.
Foi quando girou rumo à porta que dava para o pequeno quarto dos gozos que eu não mais tivera, em busca do cinto que sempre usava, que abri a gaveta do armário da cozinha, tirei a faca de pão e a escondi atrás de mim. Na volta, com a mão direita a esmagar minhas bochechas, num breve deslize da guarda, antes de outra surra, enfiei de um golpe só o pequeno instrumento no lado esquerdo de sua garganta. Foi duro, rápido, urgente. Quase um flash para mim, a eternidade para ele.
Ouvi um urro de leão ecoar no espaço diminuto da nossa casa, um corpo imenso a cair no chão esperneando, debatendo-se como um porco a estrebuchar. Paralisada, devorei com os olhos lacrimosos a imagem daquele monstro, já nas últimas. Até o ponto em que pude, eu o encarei, navegando em velocidade da luz as memórias destroçadas de uma história de constantes desassossegos.
Depois do que vi, não tive mais pena, medo, dor, cansaço. Saí sem trancar a porta. Sem olhar ao redor. Mãos sujas de sangue. Deixei naquela casa minhas roupas e o pouco que construí com o meu carrasco. Num rumo incerto, passei a correr mais leve, mais rápido. A alma então, outrora pesada, bem mais que a sombra frágil do meu corpo, fugia em disparada.
Era noite. Ia eu embora pela rua deserta. Chorava e sorria, num descontrole que lembrava o jorro de ar na torneira, quando a água chega. Por mero influxo, o riso me tomou a face, lambeu meus lábios, limpou todo o sangue. Ao mesmo tempo, sentia, com prazer, um sopro de vento que beijava meu rosto e um forte arrepio, da coluna à nuca, enquanto descia a ladeira em direção ao nada daquela vida que acabara e ao tenso encontro com a liberdade de uma incerta madrugada.
terça-feira, 15 de dezembro de 2020
sexta-feira, 4 de dezembro de 2020
Ferreira Gullar | Trajetórias
domingo, 29 de novembro de 2020
domingo, 15 de novembro de 2020
sexta-feira, 13 de novembro de 2020
sábado, 31 de outubro de 2020
terça-feira, 27 de outubro de 2020
COMENTÁRIOS SOBRE O LIVRO DE POEMAS "PEDRA DOS OLHOS" (TEXTO DO ESCRITOR CHARLES SIMÕES)
Entre o real e o imaginário: quem é o público para o qual escrevo?
Por Rogério Rocha
domingo, 25 de outubro de 2020
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
terça-feira, 20 de outubro de 2020
sábado, 10 de outubro de 2020
sexta-feira, 2 de outubro de 2020
terça-feira, 29 de setembro de 2020
sexta-feira, 25 de setembro de 2020
sábado, 19 de setembro de 2020
segunda-feira, 14 de setembro de 2020
quinta-feira, 10 de setembro de 2020
A FILOSOFIA NA OBRA MUSICAL DE BELCHIOR
Por Rogério Rocha
O modo como a crítica tentava classificar Antônio Carlos Belchior tendia a situá-lo basicamente no interior de dois grupos do cenário musical brasileiro. “O primeiro deles conhecido como “pessoal do Ceará” e que reunia os artistas que, a partir da década de 1970, chegaram ao mercado nacional, sobretudo quando migraram para o Rio de Janeiro e São Paulo. Dentre eles, figuras singulares como Fagner, Ednardo e Amelinha, tidos como seus principais expoentes. O outro grupo dizia respeito à tão propalada MPB, que agrupa artistas dos mais diversos gêneros musicais, todos ligados a uma apreciação valorativa positiva e elitizada da nossa música. Neste grupo encontram-se nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Elis Regina e outros tantos.
O compositor Belchior, em sua trajetória dentro da música brasileira, a bem da verdade, não estava (nem queria estar) ligado especificamente a nenhum grupo artístico. Dono de uma inteligência aguda, de um olhar crítico, sensível e profundo, criou um estilo próprio e marcante. Para isso, investiu em alguns interessantes procedimentos discursivos e estilísticos em suas composições, fazendo uso, inclusive, de certos recursos linguísticos que criaram interessantes contrapontos em diálogos polêmicos com músicas de outros compositores e cantores, como Raul Seixas e Caetano Veloso, por exemplo.
Sua semelhança com o filósofo alemão Friedrich Nietzsche ia muito além do vasto bigode, que os dois cultivaram a vida toda. Em que pese não a manifestar explicitamente, Belchior certamente sofreu muita influência de alguns dos principais conceitos nietzschianos, dentre os quais as noções de vontade de poder, moral de rebanho, eterno retorno do mesmo e, principalmente, de sua crítica ao mundo idealizado. A relação fica bem mais evidenciada quando analisamos detidamente as letras do cearense.
Para o filósofo alemão, o juízo moral tem em comum com o juízo religioso o fato de crer em realidades que não existem. Ou seja, no entendimento dele, criamos, com isso, um mundo demasiadamente idealizado que, por outro lado, acaba por negar o mundo real.
Essencialmente realista e vitalista, o cearense Belchior, na mesma linha das ideias defendidas por Friedrich Nietzsche, via a experiência com a realidade como o verdadeiro espaço da emancipação do ser humano. Vemos isso em “A palo seco”, por exemplo, quando diz: “Se você vier me perguntar por onde andei no tempo em que você sonhava, de olhos abertos, lhe direi: amigo, eu me desesperava. ” Um pé no chão que reaparece também em “Alucinação”, à base de afirmações como: “Eu não estou interessado em nenhuma teoria, nem nessas coisas do Oriente, romances astrais... A minha alucinação é suportar o dia-a-dia e meu delírio é experiência com coisas reais. ”
Em sua obra, portanto, temos a arte como uma das vias de emancipação humana, ou seja, um instrumento para a libertação dos sentidos que possibilitaria a vivência de coisas novas, cravadas no cotidiano, cantado e contado em suas belas músicas. Na mesma perspectiva, Nietzsche pensava a beleza da arte como um estímulo à fruição da vida. Afirmava que ela só era possível com a manifestação da vontade de potência dos sentidos fisiológicos. O filósofo, portanto, comparava a verdadeira arte a Dionísio, divindade grega da festa, do sexo, da alegria, da liberdade, enfim, dos sentidos do corpo e dos afetos inebriados.
Para se afirmar como um dos grandes compositores da nossa música (e um dos mais geniais, ao meu sentir), Antônio Carlos Belchior atravessou terrenos divisórios entre o corpo e a alma, forjando sua discografia sem a sede da fama fácil e da popularidade passageira. Buscou mostrar, para tanto, na crueza da realidade, na sinceridade das coisas, a dor que nos ensina a melhor sorver os momentos de alegria. Afinal, como ele cantava, “a felicidade é uma arma quente.”
Ademais, o tom das críticas presentes em suas letras mexia com nossas frustrações ideológicas, filosóficas e políticas. Sua música, feita para esse mundo onde nem tudo são flores, despertava em nós uma lucidez luminosa, difícil de encontrar em outros artistas.
No livro intitulado “Humano, demasiado humano”, Nietzsche aponta para aquele que seria o destino do espírito verdadeiramente livre, afirmando que: “Quem alcançou em alguma medida a liberdade da razão, não pode se sentir mais que um andarilho sobre a Terra e não um viajante que se dirige a uma meta final: pois esta não existe. Mas ele observará e terá olhos abertos para tudo quanto realmente sucede no mundo; por isso não pode atrelar o coração com muita firmeza a nada em particular; nele deve existir algo errante, que tenha alegria na mudança e na passagem. ”
Esta
sentença define muito bem quem foi para mim Belchior: além de um grande
compositor, um espírito livre. Um ser errante, poeta-músico e filósofo do constante
devir, que andou caminho errado “pela
simples alegria de ser”. Ser do algum lugar e do lugar nenhum. Afinal, “o mundo inteiro está naquela estrada ali na
frente”.
sexta-feira, 21 de agosto de 2020
SEIS LIÇÕES DE VIDA QUE EXUPÉRY ME ENSINOU
SEIS LIÇÕES DE VIDA QUE EXUPÉRY ME ENSINOU
Por Rogério Rocha
Antoine Jean-Baptiste Marie Roger Foscolombe, Conde de Saint-Exupéry, nome dado a Antoine de Saint-Exupéry, escritor, ilustrador e piloto de aviões. Simplesmente o autor francês mais lido e traduzido até hoje, tendo obras publicadas em 26 (vinte e seis) idiomas e em, aproximadamente, 260 (duzentas e sessenta) línguas e dialetos. Fato que por si só já bastaria para colocá-lo num lugar de honra na literatura universal.
Parte considerável desse fenômeno tem ligação com duas de suas maiores contribuições à imaginação humana: “O Pequeno Príncipe” (1943), que vendeu 80 (oitenta) milhões de exemplares no mundo, e “A Cidadela” (1948), obra póstuma que é a síntese de suas concepções filosóficas. Dois livros que reputo fundamentais ao Ocidente e cujas qualidades e características ajudaram a moldar pessoas, transformar vidas e influenciar centenas de escritores durante muitas gerações.
Mas o que me trouxe a este texto não foram as obras, mas o homem, a pessoa humana do escritor Exupéry, chamado de Zé Perri pelos moradores de Campeche, comunidade de pescadores na ilha de Santa Catarina, onde, entre 1929 a 1931, por várias vezes esteve, quando trabalhava no serviço aéreo postal francês pilotando os aviões da empresa Latécoère, numa rota monumental que ia de Toulouse a Buenos Aires. Convivência essa documentada em seu livro “Voo Noturno” (1931), que reúne também passagens de sua experiência e amizades com a gente simples daquele lugar.
Movido pela magnitude dessa biografia, e mais que isso, pela força viva da figura simples e sensível de Exupéry, apresento aqui seis lições de vida que ele me ensinou.
A primeira veio da sua infância e está ligada ao irmão François. Criados por muitas mulheres (a mãe, uma tia idosa, amas, governantas e três irmãs), ele e seu irmão (dois anos mais jovem) nutriam uma grande rivalidade. Um dia, contudo, aos 15 (quinze) anos, François adoece. Doença que se arrastaria por um mês, até que em dada noite a enfermeira bate à porta de seu quarto e avisa a Antoine que seu irmão queria vê-lo. Chegando ao quarto do doente, e à beira da cama, ele segura em suas mãos e diz: “Pega um papel e toma nota! Vou morrer! Vou morrer e quero que tomes nota de tudo o que vou te deixar.” Incrédulo, Antoine então diz: “Não, esqueça! Cura-te!” Ainda assim, com a insistência do irmão, toma nota e arrola uma lista de bens. Na mesmo noite, François morreria.
O impacto da perda prematura do irmão pesou forte em sua alma. A partir desse dia, Exupéry aprenderia a jamais ser um materialista. A vida (ou a morte) lhe ensinara a compreender a força dos mais belos e profundos laços humanos.
A segunda lição extraio da sua passagem pela Latécoère, empresa que levava o nome do homem que imaginou o que poderia fazer com aviões (invento que, à época, ainda engatinhava). Com ele é criada a primeira companhia de correio postal aéreo da França. Uma ideia a que fora desaconselhado e que se imaginava irrealizável. Talvez por isso, seu criador então afirmava: “Só nos falta uma coisa: realizá-la.” E com ele, lá estava Antoine, um destemido piloto, apaixonado pelo voo, a realizar viagens transoceânicas, num avião com poucas aparelhagens, sem itens de segurança e durante longos trechos à noite, ensinando àqueles que ouvem os que dizem que suas ideias não podem ser realizadas o seguinte: mãos à obra, ajam!
A terceira lição de vida que aprendi com ele vem do deserto. Sim, o deserto em Saint-Exupéry tem uma presença decisiva. É forte, brilha, fala, envolve, aquece, acolhe, silencia e amedronta. Está no encontro do pequeno príncipe com o aviador solitário (inspirado no próprio autor, por certo). Está nos contos, histórias, imagens e memórias poético-filosóficas da sua “A cidadela”, apresentada em linguagem alegórica, quase bíblica. Afinal, para unir os homens e carregar mensagens, em suas cartas e postagens, sobrevoava o Saara, correndo risco de ser abatido pelos egípcios. Os mesmos egípcios com quem passara muitas noites a conversar, construindo laços de amizade com pessoas que antes eram meras desconhecidas. O deserto, portanto, até poderia matá-lo, mas serviu-lhe de inspiração, evocando, em toda sua aridez, o oposto, a humanidade de quem pretendia apenas tentar compreender o diferente de um outro modo.
A partir deste aprendizado, ensinou-me ainda mais. Uma quarta lição, conexa à anaterior: a tolerância. Tolerar o diferente é um exemplo de imensa humanidade. Justamente um dos traços que melhor caracterizavam a personalidade do fascinante escritor francês, que ainda hoje muito nos diz. Aqui prefiro que ele mesmo fale. Ouçam! “Se és diferente de mim, irmão, em vez de me prejudicares, tu me enriqueces. É essa diferença que faz a minha riqueza. E é a minha riqueza que faz a tua diferença.”
Chego agora ao quinto ensinamento, certo de que sua grande dor era escrever. Escrever não era um bálsamo. Era tormenta. Antoine reescrevia quinze, vinte, trinta vezes seus textos. Era um artífice obstinado, demiurgo onipotente em suas lindas histórias, pensamentos e palavras. Buscava, talvez por isso, uma linguagem universal. Escrevia para as gerações futuras. Até porque, como ele mesmo dizia, “o importante é o invisível”. O invisível do porvir, dos sentimentos ainda não revelados, dos projetos humanos, de tudo que ainda não é. O invisível do alcançar, do desbravar. Voava à noite quando não existiam instrumentos para isso. Voava às cegas. Olhava para onde queria ir e os meios apareciam. Apareciam os caminhos no ar. Era a vontade, só a vontade o que contava. Cruzava desertos, terras e oceanos. E conseguia. Ele conseguia. Afinal, o que é preciso dizer aos homens para que sejam homens? É preciso dizer-lhes sobre a essência das coisas. Sobre a natureza das coisas, sobre o inefável. Porque o invisível aos olhos só é visto pelo coração. E o que é do íntimo do coração, só se vê ao fechar os olhos.
Mas abro os meus novamente, respiro fundo e chego ao fim desse trajeto de aprendizados, dessas lições, desse imenso voo noturno sobre o meu próprio Saara, carregado de pesadas esperanças e guardando em meu coração (único lugar onde isso tudo poderia caber) a sexta lição que o mestre Saint-Exupéry me ensinou, e que aqui sintetizo numa frase: “Não esperes nada do homem se ele só trabalha para sua vida e não por sua eternidade.”
Obrigado Antoine, mestre inspirador! Professor de superação de si mesmo.
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