Falar
em técnica (techné) e nos problemas
que o tema suscita, significa questionar a essência das estruturas que ajudaram
a construir o saber e o pensar na modernidade ocidental, a partir de uma dada
hermenêutica da história da razão. Consiste ainda em se falar sobre algo que se
constitui enquanto uma forma de “desencobrimento”
do real, onde vige e vigora ainda uma verdade.
Quando
o filósofo alemão Martin Heidegger profere, em maio de 1953, sua famosa
conferência “A Questão da Técnica”, parecia ele querer, com aquela, intimar o
meio acadêmico europeu de então a dar-se conta das implicações, já em curso, da
determinação da existência segundo um modo de ser e de operar que ora se instaurava
com tremenda magnitude e cujos reflexos futuros ainda pouco se sabia.
Tomando
como ponto de partida a questão do fundamento da existência, o autor de “Ser e
Tempo”, nos remete à pergunta pelos modos de proceder através dos quais a
racionalidade técnica se estabelece no horizonte historial, permeando a distante relação entre o Dasein (ser-aí-no-mundo) – termo que,
numa leitura simplificada, serve para denominar o homem – e a essência da
verdade. É envolvido por tais circunstâncias que Heidegger buscará interpretar
o que se encontra guardado no íntimo da determinação do apoderamento da
realidade pelo fenômeno da técnica moderna.
Sabe-se
que a consciência do homem de nosso tempo opera, predominantemente, a partir de
certos preceitos formais e conexões lógicas que o levam necessariamente a
querer impor todas as possibilidades de desempenho
perante os entes intramundanos (entes à mão, objetos, instrumentos), a propor
representações e adequá-las aos seus projetos. Ao cogitar, portanto, o homem
formula conceitos, depois os transfere a uma razão discursiva (linguagem) para,
em seguida, concretizá-la numa disposição
que tende a encarar a natureza segundo um modo de ser objetal. O que implica
dizer que a consciência, em sua intencionalidade, tende a relacionar-se
tecnicamente com o real, ou seja, com tudo aquilo que lhe está posto ao uso, ao
alcance das mãos, à sua manualidade (Zuhandenheit).
Nesse prisma, o homem passa a dispor do monopólio do que Heidegger chamou de “uso
regulamentado dos entes”. Talvez por isso, se assim podemos inferir, a ciência
se depare “apenas” com as coisas que seu modo de representação lhe permita ver
como objeto possível, anulando, com isso, toda e qualquer outra forma de ser e
aparecer (fenômeno).
A
essência da técnica, enquanto esse “des-encobrimento”, esse “desabrigamento”, é
vislumbrada na égide do poder de controle e previsão manifestados, sobretudo,
pelas ciências da natureza, na ênfase por elas dada à capacidade humana de
domínio sobre a matéria. Nesse sentido, a técnica
seria o modo privilegiado do desabrigar.
Modo este que o nosso tempo elegeu para dominar e requerer do mundo um âmbito
próprio para o seu produzir.
Na
técnica moderna, um produzir antipoiético impera sobre coisas e seres, desafiando
a natureza e entregar-se por completo, fornecendo ao homem toda a sua energia.
Requerendo, ininterruptamente, o que nela há de essencial.
A
floresta, que sucumbe ao corte incisivo das motosserras, é desafiada e exigida em
suas riquezas orgânicas; os rios,
instados a gerar a força motriz das usinas e a sustentar a avidez das massas
sedentas; o campo, o solo, o subsolo, explorados à exaustão, como exigência do
perpétuo produzir de uma indústria mundializada.
Mas
é justamente pelo fato de que tudo opera segundo tais princípios, de que tudo
deve funcionar num ritmo propício às produções maquinais, aos padrões
operatórios, segundo uma ordem coerente e estável, de que a sociedade
tecnológica gera seus admiráveis prodígios em larga escala, de que tudo se dá,
aparentemente, quase à perfeição, - e que continuamos, portanto, a produzir
energia, a manipular genes, a clonar seres, a mexer nos núcleos dos átomos, a
projetar sondas espaciais que buscarão outros planetas – justamente por isso, é
que devemos suspeitar que estamos nós entregues ao primado da técnica,
deixando-nos guiar por ela, e não o contrário. Em outras palavras: o homem
passa a sofrer o controle, a exigência e a injunção de um poder que se
manifesta à sua vista e que ele próprio não domina. Move-se, sem perceber, no âmbito
desse apelo e dessa imposição.
Por Rogério Henrique Castro
Rocha
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