domingo, 8 de março de 2020

“Ausência” - Vinícius de Moraes

“Ausência” - Vinícius de Moraes

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

O NEGRO OLHAR SOBRE A SOCIEDADE MARANHENSE

O negro olhar sobre a sociedade maranhense
Rafaela Pereira*
José do Nascimento Moraes (1882-1958) figura como expressão de destaque entre os intelectuais de seu tempo. Seus escritos ficcionais e ensaísticos abordam as contradições vigentes em seu Estado, sobretudo no tocante às questões raciais. Como cidadão, combateu os preconceitos, não se deixando intimidar por aqueles que não reconheciam o valor de seu trabalho. Crítico ferino, não tinha benevolência com os que se utilizavam da literatura como forma de promoção pessoal, posicionando-se, também, contra a hierarquização de culturas e a supremacia da cultura europeia. Marcado por uma perspectiva irônica e mordaz, seu romance Vencidos e degenerados (1915) é considerado uma das narrativas de maior impacto sobre a escravidão no Brasil e suas consequências, tanto no plano individual e psicológico, quanto em termos sociais. Publicou ainda Puxos e repuxos (1910), em que exercita seu talento de polemista; a reunião de crônicas Neurose do Medo (1923); além dos Contos de Valério Santiago, editados postumamente em 1972. Jornalista comprometido com os desafios de seu tempo, Nascimento Moraes teve forte atuação nos periódicos O Maranhão, Diário de São Luís e O Globo. Foi também professor do Liceu Maranhense e presidente da Academia Maranhense de Letras.
Inspirado pela perspectiva de mudanças políticas no país, especificamente no Maranhão, Vencidos e degenerados constrói outra leitura para a presença entre nós de africanos escravizados e seus descendentes, com ênfase no contexto da abolição e em suas consequências. Utilizando-se de uma linguagem voltada para a fala popular daquela época e com personagens representativos, compõe um painel de rara intensidade sociológica sobre a São Luís do final do século XIX. A narrativa se inicia na manhã de 13 de Maio de 1888, na casa de José Maria Maranhense, espécie de quartel general abolicionista, onde várias pessoas aguardavam a chegada do telegrama com a notícia da aprovação da Lei Áurea. João Olivier, personagem central da trama, é um respeitado jornalista que tem como fonte de sustento as crônicas que escreve para um órgão local. Mestiço, posiciona-se a favor dos cativos e é através de seu olhar que as críticas vão sendo tecidas por toda obra em relação à imprensa e à sociedade maranhense. Nesta passagem percebemos a visão do personagem sobre a abolição:
A liberdade dos negros vem contribuir para o desenvolvimento desta terra infeliz, e dar-lhes novas forças, novos elementos, novos aspectos... Esta fidalguia barata virá caindo aos poucos e o princípio de confraternidade virá acabar com supostas e falsas superioridades do ser, que tem sido um dos mais vis preconceitos da nossa existência política. (MORAES, 2000, p. 67).
Em sua fala, a queda da “fidalguia” acontecerá com abolição e com ela se extinguirão os preconceitos oriundos das classes superiores que, para se manterem no poder, fazem uso extremo da hipocrisia. Seu otimismo em relação à libertação dos negros o faz acreditar que o fim do regime lhes daria condições de progresso e a queda daqueles que tinham sede de poder. É também na figura de Olivier que se encontra um “dos maiores elementos contra a escravidão”. É através de sua fala que percebemos as manifestações indignadas sobre os que realmente precisam trabalhar e os que trabalham por vaidade; e sobre a ausência de reconhecimento da sociedade em relação às pessoas esclarecidas. Pai adotivo de Cláudio, tem a intenção de fazer do menino “um homem de luta” pela própria raça, e não um bacharel ou comendador, mas o filho adotivo deixa dúvidas se estava realmente seguindo as intenções propostas por Olivier.
Cláudio era filho de Andreza e Daniel Aranha, ex-escravos. Perseguido pelos professores e pelos colegas por causa de sua cor, o menino tem a proteção do pai adotivo, que cuida de sua educação com zelo. Olivier era descendente de família tradicional, o que explica seu prestígio nos círculos intelectuais. Porém, bastou tornar suas ideias conhecidas para que fosse perseguido a ponto de ter que sair do Maranhão. Tem como mestre Carlos Bento, jornalista e professor, também afastado da imprensa por razões políticas, o que o obriga a viver de aulas particulares. Fora também professor de Olivier e escreve um panfleto no qual faz uma síntese política e social. Com a morte de Olivier, Claudio termina os estudos no Liceu e começa a dar aulas particulares para ajudar na renda familiar. Segue o exemplo do pai adotivo e se torna jornalista, chegando a fundar o periódico O Campeão, que logo encontrou um rival, O Triunfo, criado pela elite local como resposta. Não demorou muito para que Cláudio também fosse atacado. Como a renda do magistério não era suficiente para as despesas, recebia um auxílio de José Machado. Este, ao saber que Cláudio era amante de Armênia, começa a tratá-lo com indiferença até que deixa de lhe fornecer a preciosa ajuda mensal. O jovem passa a ser novamente perseguido e após ser salvo de uma emboscada por Aranha, seu pai biológico, sai do Maranhão e vai para o Amazonas, onde passa a ocupar elevada posição como jornalista. A sua volta acontece no dia 15 de novembro, no momento em que estão comemorando a Proclamação da República.
Os personagens são construídos através de dualidades: livres e cativos; pobres e ricos; pessoas de famílias tradicionais e pessoas de famílias sem importância social; homens ilustres e homens ignorantes; mulheres de família e mulheres festeiras; entre outros. Os cativos, ao invés de apáticos e submissos, são retratados como homens escravizados que reagem a seu modo às atrocidades praticadas pelas mãos brancas. E são eles que têm amplo desenvolvimento nas ações do romance. São exemplos disso a cena em que D. Amandra, senhora acostumada a aplicar cruéis castigos, leva uma bofetada de sua ex-escrava; das cozinheiras que abandonaram os patrões antes de lhes servirem o jantar; a cena em que os escravos quebram móveis e louças numa expansão de raiva e ódio. Pela figura cômica de Zé Catraia, escravo que é libertado no dia na abolição, o autor ironiza a possibilidade se ser livre mesmo sendo cativo. Catraia é visto por muitos como um bêbado, sem valor, mas tudo vê, tudo ouve e tudo sabe. Era homem de confiança de seu senhor, que sabia de sua inteligência e temia que os seus segredos de contrabando fossem revelados. É através deste personagem que vamos tecendo a imagem de Paletó Queimado, alcunha de José Machado, quando Zé Catraia conta a Cláudio a forma como o português se transformou em homem poderoso. Ex-quitandeiro, torna-se um capitalista por meios duvidosos e figura como representação da corrupção na sociedade. Inescrupuloso e ganancioso, Paletó Queimado representa o arrivismo tão comum naquele momento histórico e, motivado por segundas intenções, chega a oferecer ajuda a Olivier.
Já Carlos Bento – o “intelectual falido” – é afastado da imprensa devido à sua postura ideológica. Por sua fala percebemos a desvalorização do professorado e das pessoas sábias, o parecer sobre a sociedade e a educação, e sua crítica sobre a decadência da lavoura quando descreve a imagem do feitor e analisa o atraso  econômico do Maranhão. Em um diálogo entre ele e João Olivier, este manifesta a sua desilusão quanto a Proclamação da República:
Eu esperava que, depois do 13 de Maio, por que trabalhei tanto; depois do 15 de Novembro, com que me alegrei bastante; esperava que houvesse uma renovação social. Errônea ou acertadamente eu cuidava que a pública administração com luzes mais fortes e puras, tomasse outro caminho que não esse que hoje nos infelicita. (MORAES, 2000, p. 77).
Poucos anos depois da Proclamação da República, Olivier percebe que os negros não melhoraram de condição e continuaram marginalizados socialmente. Para Carlos Bento seria necessário que os ex-escravos e seus filhos fossem alfabetizados, o que lhes permitiria conhecer os seus direitos políticos e saber que mudanças efetivas demoram anos, talvez séculos. Pela fala dos personagens, o romance traça um painel de como ficaram os negros após a abolição, principalmente para aqueles que acreditaram numa possível ascensão econômica e social. Renovação que aconteceu, mas não da forma nem na velocidade como Olivier julgava.
Com refinada ironia o autor apresenta o perfil da sociedade maranhense dos anos iniciais da República fazendo uso de registros próximos do jornalístico. A relação entre o campo literário e o político permite ao autor fazer o retrato de uma cidade onde os letrados, principalmente os que eram negros, não tinham importância devido à sua condição. Para alguns críticos, Vencidos e degenerados se assemelha ao O Mulato, de Aluísio Azevedo, mas é preciso ressaltar as diferenças presentes em ambas as obras, a começar pela forma como se posicionam frente às desigualdades raciais. Pode-se dizer também que tal comparação ocorre devido ao fato de Moraes, em sua obra, abordar uma realidade social, descrever os seus personagens de forma minuciosa, tanto física quanto psicologicamente, discutindo questões que certamente eram polêmicas para a época.
Afinal, quem seriam os vencidos e os degenerados do Maranhão? A respeito do negro na literatura brasileira, sabemos que sua representação, via de regra, o reduz a ser permanentemente subalterno. Todavia, Nascimento Moraes soube muito bem como romper com esta prática secular ao construir uma obra típica de quem pensava à frente de seu tempo. Suas indagações permanecem vivas se inquietam a todos os que procuram as razões e os sentidos das desigualdades contemporâneas. 
Referência
MORAES, Nascimento. Vencidos e degenerados. 4. ed. São Luís: Centro Cultural Nascimento Moraes, 2000.
* Rafaela Pereira é graduanda da Faculdade de Letras da UFMG.

4º Ciclo | Os tambores de São Luís: 40 anos da obra-prima de Josué Montello

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

A CHAMA PLURAL (por Eduardo Lourenço)






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'Não se pode dizer de língua alguma que ela é uma invenção do povo que a fala. O contrário seria mais exacto. É ela que nos inventa. A língua portuguesa é menos a língua que os portugueses falam, que a voz que fala os portugueses. Enquanto realidade presente ela é ao mesmo tempo histórica, contingente, herdada, em permanente transformação e trans-histórica, praticamente intemporal. Se a escutássemos bem ouviríamos nela os rumores originais da longínqua fonte sânscrita, os mais próximos da Grécia e os familiares de Roma. Juntemos-lhe algumas vozes bárbaras das muitas que assolaram a antiga Lusitânia romanizada, uns pós de arábica língua, que espanta não tenham sido mais densos, e teremos o que chamámos, com apaixonada expressão, o “tesouro do Luso”.

Na nossa Idade Média o estatuto da língua era, como o das outras falas cristãs, um “falar” sem transcendência particular. Com o Renascimento, abertura sobre o universal segundo o modelo greco-latino, paradoxalmente, os “falares” europeus tornam-se “língua”, e a língua, signo privilegiado de identidade. Nascem os discursos hagiográficos da língua nacional, da bela língua italiana para Bembo, da altiva fala castelhana para Nebrija, da polida língua francesa para Du Bellay, da nossa nobre e suave língua portuguesa para Fernão de Oliveira, Barros, António Ferreira que a converte em objecto de culto e de orgulho. Diz-me que língua falas, dir-te-ei o estatuto que tens. Nenhum destes endeusamentos ou apologias da dignidade das línguas nacionais é inocente. Fazem parte do processo histórico em que culmina o sentimento nacional.

Descobre-se que a língua não é um instrumento neutro, um contingente meio de comunicação entre os homens, mas a expressão da sua diferença. Mais do que um património, a língua é uma realidade onde o sentimento e a consciência nacional se fazem “pátria”.

Ainda vem longe o tempo em que para cada uma das línguas dominantes da cultura europeia se torne também claro que uma língua não é um dom do céu, destinado à vida eterna, mas um tesouro que deve ser defendido da usura do tempo e das pretensões das outras a ocupar os espaços sem defesa.

A língua é uma manifestação da vida e como ela em perpétua metamorfose. Não há expressão mais melancólica que a tão comum e tão pouco meditada de “língua morta”, nem maravilha maior que a da sua ocasional ressurreição. Como o universo, uma língua viva deve estar em perpétua expansão, ao menos no seu espaço interior, sob pena de se tornar ainda em vida “língua morta”. Essa vitalidade não releva apenas da mera ordem voluntarista ou do ritualismo conservador de academias ou profissionais das nobres ciências da gramática, ou da filologia. É, sobretudo, obra dos que a trabalham ou a sonham como exploradores de um continente desconhecido: romancistas, dramaturgos, poetas, sobretudo, que não apenas os que assim se chamam mas todos os que na quotidiana vida inventam sem cessar as expressões de que precisam para não se perder tempo que passa, do mundo que se renova e transfigura.

É de supor que os homens se tenham inventado como seres falantes por um acto mágico, por um “fiat” ainda hoje misterioso que cada palavra recomeça como se o fogo de hoje se ligasse ao fogo original por uma cadeia de chamas que se ateassem umas às outras. Essa magia original é ao mesmo tempo um desafio e um exorcismo. O destino de cada cultura está intimamente ligado a esses dois papéis que toda a língua encarna. As culturas que o esquecem são as que têm já, dentro de si, as primícias do seu esgotamento. Por graças da História, a língua portuguesa encontrou-se, em dado momento, em condições de elevar esse desafio, esse exorcismo conaturais a toda a fala, a exercício, quase se podia dizer, a missão vital, amalgamando como poucas o destino da sua cultura ao destino da sua língua. Essa aventura podia ter sido, como outras europeias, apenas um exemplo mais da violência colonizadora clássica. Foi também isso, mas foi algo mais e mais importante.

A celebrada alma portuguesa pelo mundo repartida, de camoniana evocação, foi, sobretudo, língua deixada pelo Mundo. Por benfazejo acaso, os portugueses, mesmo na sua hora imperial, eram demasiado fracos para “impor”, em sentido próprio, a sua língua. Que ela seja hoje a fala de um país-continente como o Brasil ou língua oficial de futuras grandes nações como Angola e Moçambique, que em insólitas paragens onde comerciantes e missionários da grande época puseram os pés, de Goa a Malaca ou a Timor, que a língua portuguesa tenha deixado ecos da sua existência, foi mais benevolência dos deuses e obra do tempo que resultado de concertada política cultural. Sob esta forma, um tal projecto seria mesmo anacrónico. Nenhum autor português, nem estrangeiro, escreveu acerca da nossa acção uma obra como “a conquista espiritual do México”, pois não tivemos nenhum México para conquistar e lusitanizar.

O derramamento, a expansão, a crioulização da nossa língua foram como a das nossas “conquistas”, obra intermitente de obreiros de acaso e ganância (da terra e do céu) mais do que premeditada “lusitanização” como nós imaginamos – porventura enganados – que terá sido a romanização do mundo antigo ou a francisação e anglicisação dos impérios francês e britânico.

Quiseram também as circunstâncias – na sua origem pouco recomendáveis – que a nossa língua europeia, em contacto com a africana escrava, se adoçasse, mais do que já é na sua versão caseira, para tomar esse ritmo aberto, sensual, indolente, do português do Brasil ou o tom nostálgico da de Cabo Verde.

A miragem imperial dissolveu-se há muito. Da nossa presença no mundo só a língua do velho recanto galaico-português ficou como elo essencial entre nós, como povo e como cultura, e as novas nações que do Brasil a Moçambique se falam e mutuamente se compreendem entre as demais... Uma língua não tem outro sujeito que aqueles que a falam, nela se falando. Ninguém é seu “proprietário”, pois ela não é objecto, mas cada falante é seu guardião, podia dizer-se a sua vestal, tão frágil coisa é, na perspectiva do tempo, a misteriosa chama de uma língua.

Mas como duvidar que a longa cadeia dos mais exemplares e ardentes dos seus guardiães, aqueles que tornaram sensível o que nela há de imponderável, de Fernão Lopes a Gil Vicente, de Camões a Vieira, de Castro Alves a Pessoa, de Machado de Assis a Guimarães Rosa, ou de Baltazar Lopes a José Craveirinha, se apague ou se estiole? Houve épocas de depressiva configuração em que não era possível pensar no futuro da nossa plural e una fala portuguesa, sem alguma melancolia.

Hoje, não temos motivos para imaginar que, em prazo humanamente concebível, o seu destino seja o dos famosos versos da Tabacaria de que o tempo apagará o traço e a memória. A pluralizada língua portuguesa tem o seu lugar entre as mais faladas no Mundo. Isso não basta para que retiremos dessa constatação empírica um contentamento, no fundo, sem substância. Se contentamento é permitido, só pode ser o que resulta de imaginar que esse amplo manto de uma língua comum, referente de culturas afins ou diversas, é, apesar ou por causa da sua variedade, aquele espaço ideal onde todos quantos os acasos da História aproximou, se comunicam e se reconhecem na sua particularidade partilhada. Não seria pequeno milagre num Mundo que sonha com a unidade sem alcançar outra coisa que o seu doloroso simulacro.'


'Eduardo Lourenço (São Pedro de Rio Seco, 1923) é um professor e filósofo português. Entre 1953 e 1965, foi leitor de Cultura Portuguesa na Alemanha e em França. Começou como maître assistant na Universidade de Nice, até que se tornou jubilado pela mesma, em 1988. Em 1989, assumiu funções como conselheiro cultural junto da Embaixada Portuguesa em Roma e, desde 1999, ocupa o cargo de administrador da Fundação Calouste Gulbenkian. Ganhou o Prémio Pessoa em 2011 e, da sua obra, destacam-se: Heterodoxia (1949); Nós e a Europa ou as Duas Razões (1988) e Os Militares e o Poder (2013).'


In Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/outros/antologia/a-chama-plural-/678 [consultado em 17-02-2020]

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

TEXTO LIDO PELO POETA ARTHUR PRAZERES NO LANÇAMENTO DO LIVRO PEDRA DOS OLHOS DE ROGÉRIO ROCHA





A primeira coisa que precisa ser dita sobre Rogério é que ele está fazendo da poesia um desafio e um risco, como bem apontava o grande poeta Ivan Junqueira no célebre poema “O Grito”.

Rogério faz da poesia um desafio porque escreve numa terra de grandiosos poetas. Poetas como Sousândrade, Nauro Machado, Maranhão Sobrinho e ainda Gonçalves Dias, o grande primeiro poeta nacional e o mais “paraversificado” de todos. E faz da poesia um risco pois a vocação do poeta é a um só tempo divina e maldita. 

É divina porque a poesia tem o dom de salvar vidas e maldita porque a poesia meio que absorve toda a vida do poeta. A poesia demanda muito, consome muito.

Eu acho importante falar ainda que Rogério Rocha reuniu em Pedra dos Olhos poemas de todo o fazer de uma vida até agora; mas é uma poesia muito expurgada e de grande viés reflexivo.

 Acredito eu que raros poetas tiveram a coragem de reunir seus poemas da mocidade. Podemos contar nos dedos: Olavo Bilac foi um deles e João Cabral de Melo Neto rasgou e jogou no lixo toda a sua produção da mocidade.

Ademais, meus queridos, para não nos estendermos muito, digo-lhes que a Poesia de Rogério Rocha é uma poesia pensamentada, e como não poderia deixar de ser, uma poesia filosófica que lembra muito outro grande pensador da Poesia brasileira: Ivan Junqueira de “Três Meditações na Corda Lírica”. Obrigado!

(Texto de autoria do poeta Arthur Prazeres)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

COM USO DA MATEMÁTICA, POLÍCIA FEDERAL DESCOBRE E DESBARATA REDE DE PORNOGRAFIA INFANTIL

A Matemática e a Física se tornaram aliadas inovadoras nas investigações conduzidas pelo Grupo de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal no Rio Grande do Sul. Conceitos científicos e até fórmulas têm sido estudadas como ferramentas para decifrar organizações criminosas, identificar quais as peças principais das redes - e como é possível desmontar essas organizações.

Para contar como a ciência pode ajudar a desvendar o funcionamento do crime, três policiais federais do Brasil, em parceria com três matemáticos da Universidade de Limerick (Irlanda), publicaram artigo este mês na revista Nature, uma das mais conceituadas publicações científicas no mundo. No texto, detalham o impacto da Operação Darknet, feita pela PF entre 2014 e 2016 em 18 Estados e no Distrito Federal, em uma rede de pornografia infantil que atuava nas profundezas da internet. O saldo de 182 presos resultou na derrubada das publicações que concentravam 60% das visualizações no fórum virtual em que eram compartilhados vídeos e imagens pornográficas.
Policiais federais em ação da Operação Darknet
Policiais federais em ação da Operação Darknet
Foto: Divulgação/PolíciaFederal / Estadão Conteúdo
O artigo científico ressalta efeitos de algo que destoa da rotina de investigações brasileiras: aproximar a ciência da apuração policial. Nesse encontro, as duas partes se beneficiam de um incremento na eficiência.
A Operação Darknet tem duas marcas emblemáticas que, segundo os pesquisadores, são iniciativas pioneiras no mundo: 1) infiltrar agentes policiais em uma rede da dark web, parte da internet escondida intencionalmente para proteger a identidade dos usuários e bastante usada para propósitos ilícitos, como negociações do mercado paralelo de armas e drogas, além da pornografia infantil; 2) o uso de técnicas para compreender a atuação dos criminosos para análise dos impactos causados pela operação.

Para investigar a produção e a distribuição de pornografia infantil nesse ambiente, a PF infiltrou agentes, com aval da Justiça, que monitoraram e coletaram dados sobre o tráfego, reunindo informações que poderiam responsabilizar os criminosos. A maior dificuldade foi quebrar a barreira de anonimato para deixar de lidar com avatares - espécies de máscaras digitais, atrás das quais os usuários podem se esconder - e conhecer as pessoas reais por trás das ações. A chave para quebrar essa barreira segue guardada em sigilo pelos investigadores.
"Só duas polícias do mundo trabalharam nesse ambiente, o FBI (EUA) e a Scotland Yard (Reino Unido). Com tecnologia desenvolvida dentro da própria Polícia Federal, conseguimos identificar os criminosos e bater na porta dos caras certos", disse ao Estado o agente da PF Luiz Walmocyr dos Santos Júnior, que assina o artigo.

Rede

A analogia que ele escolhe para explicar o trabalho é a de um castelo de cartas. O castelo, diz, representa a rede criminal. Há cartas, continua, que representam muito mais para a sustentação do que outras. "Claro que se retirar todas as cartas, inevitavelmente o castelo cai. Mas qual é a forma mais eficiente de derrubá-lo com poucas prisões? É importante saber", conta, ressaltando que nenhum crime pode ser desconsiderado.
Os investigadores mostram que de 10,4 mil usuários do fórum de pornografia alvo da Operação Darknet, 9,6 mil estão conectados com o chamado núcleo central de 766 indivíduos fortemente conectados. Estes 9,6 mil usuários não publicaram conteúdo. Em outra via, os 766 do núcleo compartilham e visualizam ativamente, o que os põe, sob a ótica dos federais, na posição de estruturadores.
Analisar como esse castelo se estrutura, qual o comportamento das peças e como atacá-las do modo mais eficaz é trabalho do agente da PF Bruno Requião da Cunha, físico por formação que se aprofundou no uso da ciência para o entendimento de redes criminais durante o pós-doutorado na Irlanda.
Para explicar o que faz, ele usa o termo criminofísica, que remete à física social - aplicar métodos da Física para entender o comportamento humano. Essa análise sobre interações na rede - com uso de conceitos e até fórmulas matemáticas - permite identificar padrões e perfis que serão úteis à investigação tradicional. "Uma rede é um conjunto de pontos ligados por linhas. A maneira como essas conexões ocorrem sempre vai refletir determinado comportamento. Sabemos que há previsibilidade nessas relações. Não é aleatório."
O modelo, diz, já pode ser usado em outras investigações de crimes em rede, mesmo fora da internet, como grupos de tráfico de drogas, terrorismo e lavagem de dinheiro.

'É preciso investir em inteligência', afirma Moro

O ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro, disse ao Estado que a publicação do artigo dos agentes da Polícia Federal na revista é "um indicador da qualidade dos conhecimentos científicos forenses da PF". "Reforça ainda o quanto é preciso investir em métodos de inteligência para valorizar o trabalho dos investigadores." Essa modernização, de acordo com o ministro, é uma das metas da pasta.
O agente da PF Bruno Requião da Cunha, físico de formação e um dos autores, diz que o que tem sido feito no País é inovador no mundo inteiro. Isso precisa ser reconhecido, diz, e fomentado. Para dar escala a esse método de trabalho, segundo ele, é preciso cooperação entre centros de pesquisa e órgãos de investigação. Mas, mesmo com toda a ciência, o conhecimento do investigador experiente não fica de lado. "A supervisão deles pode confirmar se os resultados fazem sentido na vida real", afirma Cunha. 

Fonte: Matéria publicada originalmente no Portal Terra
Link: https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/pf-descobre-rede-de-pornografia-infantil-usando-matematica,813ae53127c628d687def30de0115529ac5xyyei.html

domingo, 5 de janeiro de 2020

CRÔNICA SOBRE UM TEXTO SEM ASSUNTO



Hoje acordei bem cedo. Às 6 da manhã.

Não sei a razão, mas apesar de não ser o horário em que acordo normalmente, estava eu lá, acordado.

Deu-me uma vontade danada de ir ao computador, escrever algo. Um texto sobre um assunto interessante, estimulante, motivador. Capaz de provocar o leitor ou apenas fazê-lo refletir.

Talvez sobre algo que pairasse ali, ao instante, perdido em meio às camadas de sutil inconsciência de um dia recém-começado.

Como de costume, liguei o laptop, coloquei-o sobre a mesa de trabalho e abri a janela do escritório, a fim de deixar entrar por ela os primeiros raios de sol do que parecia vir a ser uma bela manhã de domingo.

Sobre os telhados da casa à frente dois pombos cinzentos passeavam impunemente.

Enquanto isso, lá embaixo, no jardim, um filhotinho de gato buscava em vão alcançar a lagartixa que antes caçava um inseto sob as folhas de um arbusto.

Do outro lado do gramado, um cão de guarda, sentado como uma estátua, admirava a cena sem esboçar reação.

No apartamento ao lado, a menininha chorava e pedia a sua avó que lhe desse logo o mingau.

A casa silenciosa era o convite perfeito ao fluir das ideias. Melhor cenário, impossível.

Afinal, estava eu lá, sentado, confortável, consciência plena, em busca de um reles assunto.

Voltando a mim, e ao texto que dali a pouco estava certo que escreveria, lembrei-me de que escritores que se prezam desenvolvem métodos que lhes permitem abordar qualquer assunto a partir de várias perspectivas.

Alguns chegam a divulgar suas técnicas em obras nas quais as expõem quase como se fossem receitas de bolo. Fazes isto e aquilo, vens aqui e vais ali, pões isto, retiras aquilo, pá e pum e já está.

Outros são concisos, objetivos. Secos e cristalinos. Escrevem sem volteios. Lançam todas as suas setas no centro do alvo.

Há os que visam somente a emoção. Capturam o leitor pelo impacto da narrativa, as peripécias de estilo e um final acachapante, com direito a moral da história.

Há ainda os que adotam um tom sapiente. Veem tudo, sabem tudo, desnudam os personagens e desatam a narrativa com maestria digna de prêmio Nobel.

Certa vez disse Clarice Lispector: “Eu queria escrever um livro. Mas onde estão as palavras? Esgotaram-se os significados.”

Ciente que quase a metade da manhã evaporara desde que ali me abanquei, dei-me conta da ótima noite de sono que tivera. Não podia reclamar, era verdade.

Afora um sonho besta sobre afogar-me no meio do oceano e nadar em direção a uma ilha para me salvar das ondas bravias, tive um descanso praticamente santificado.

Ainda assim, a vontade que me assaltara logo cedo parecia não vingar. E a cada duas ou três linhas, pensando nisto e naquilo outro, tome escrever e apagar coisas sem sentido.

Três horas e meia depois de alguns períodos curtos e muitos lamentos, era esquálido o resultado do que escrevera. A peça produzida não refletia a minha alma, a cidade, o dia, um fato, um caso ou acaso digno de que alguém lesse.

Aquele jogo de empurra com as palavras. Pensar, planejar, ruminar e escrever. Redigir, digitar. Vira e volta. Revolta.

Pausa para escovar os dentes, banho, café, suco, passada de olhos nas notícias de um site jornalístico, as fofocas da manhã na tv, etc.

Os empregados do condomínio todos em ação. Cães a passear com seus donos. Crianças brincando com seus pais. Carros saindo e chegando. Portas que abrem e fecham. Gente que cozinha e gente que cochila ainda.

Volto à mesa angustiado. Vejo a escrita inacabada.

Revigoro as forças olhando pela janela. Vou até a sacada.

Olho os jovens que jogam bola no campinho aqui ao lado. As pessoas que caminham para os ginásios. Grupos de jovens que vão para os colégios. Bicicletas que carregam botijões de água. Motos e entregadores de comida. Alguém no andar de baixo ouve música mais alto que o normal. Os gatos rolam sobre a grama do jardim, aos pulos, uns sobre os outros, como se o tempo não valesse nada.

Torço, retorço, insisto. Mais um pouco, mais um pouco... Mais isto e aquilo e aquilo e aquilo... Quase lá... Está bom! Não! Não está! Esta palavra calha melhor, aquela não. Fica assim, está bonito. É sonora esta passagem. Emociona. Eu sinto, eu sinto... Eu sinto nascer de mim. Pronto! Pronto!

Chego ao final do texto um tanto decepcionado, devo confessar.

Afinal, mesmo após uns bons parágrafos criados e deletados, não consegui escrever sobre o tal tema interessante que buscava no início, quando a manhã apenas sorria.

Aliás, dou-me conta de que não havia texto.

Em verdade, em verdade vos digo: não havia assunto. Nunca houve, em nenhum momento.

Não houve título, tema, história, enredo, acontecimento nenhum. Nada. Nada. Nada.

Só houve vontade. O dolo, a intenção, a pulsão de escrever, escrever, escrever... e sentir.

Compreendo agora porque há gente que escreve coisas que prendem a nossa atenção com todo tipo de conteúdo. Tolices. Baboseiras sem forma e sem fundo.

Alguns até fazem bem. E o resultado é como um bolo bonito, daqueles que hoje postamos fotos no Instagram. Aquela cobertura maravilhosa, mas o recheio... insípido.

Outros fazem mágica. Chegam a tirar grandes coelhos de cartolas imaginárias.

Contudo, notem, mesmo a breve falta de inspiração serviu-me. Percebem?

Chegado a esta altura, após digitar, deletar, digitar e empacar, fazer e refazer, atrás de um tema, buscando o assunto, tenho a crônica aqui esculpida. Deitada em esplêndido berço, armado sobre o nada inequívoco de quando não se tem o que dizer.

Aliás, a propósito, o grande mestre Carlos Drummond de Andrade já dizia que os cronistas escrevem sobre qualquer coisa. Sobre coisas deste mundo ou de qualquer outro possível. E arrematava, afirmando que o cronista, com ou sem assunto, sempre comete as suas croniquices.

Enfim, eis aqui, viva e clara, para quem quiser ler, minha crônica sobre um texto sem assunto.

Sobre o qual nem imaginei ser possível.

Um texto sobre mim, sobre o sentir. Um texto qualquer. Um texto sobre nada. Um texto que nunca escrevi.

Ou escrevi?

Rogério Henrique Castro Rocha
São Luís, 05/01/2020.




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