Contaminada pela polarização
eleitoral, a discussão sobre as quedas sucessivas do PIB, de 0,2% no
primeiro trimestre e de 0,6% no segundo, proporciona uma oportunidade
para desfazer o equívoco de considerar o desaquecimento da economia
brasileira uma exceção em um mundo em franca retomada. Não é bem assim,
como mostrou o diretor de assuntos internacionais do Banco Central, Luiz
Awazu Pereira da Silva, em exposição na Federação das Indústrias de São
Paulo, em 22 de agosto.
Na comparação das projeções de crescimento do PIB apuradas em abril e
em julho deste ano, a variação mundial esperada caiu de 3,6% para 3,4%.
Nos países avançados, o recuo foi de 2,2% para 1,8%. Nos Estados
Unidos, a estimativa oscilou de 2,8% para 1,7% e na área do Euro, recuou
de 1,2% para 1,1%. Apenas a expectativa para o Japão aumentou
ligeiramente, de 1,4% para 1,6%.
O avanço esperado do PIB dos países emergentes diminuiu de 4,9% em
abril para 4,6% em julho. Houve redução discreta das projeções para a
China, de 7,5% para 7,4%, e estabilidade das estimativas para a Índia,
em 5,4% . Caíram as previsões para Rússia (1,3% para 0,2%), África do
Sul (2,3% para 1,7%), Brasil (1,8% para 1,3%) e México (3% para 2,4%).
“Não houve a ‘tempestade perfeita’ nos emergentes”, disse
Awazu. E o Brasil “tem fundamentos macrofinanceiros sólidos e
instituições capazes de assegurar estabilidade macroeconômica e
financeira, capacidade de resposta a choques e desafios e demonstrada
resiliência à crise, com um modelo de desenvolvimento sustentável
visando o aumento da inclusão social e financeira”. As expectativas de
crescimento em 2015 são também declinantes, praticamente sem exceção.
As quedas seguidas do PIB lideraram a onda de notícias negativas
sobre o desempenho recente da economia. O déficit primário do setor
público de 4,7 bilhões de reais em julho, a redução da produção de
veículos em 22,4% em agosto, uma nova queda na confiança dos empresários
da indústria e do setor de serviços e as taxas de juros mais altas
desde 2011 integraram o quadro de informações ruins. Houve fatos
positivos, insuficientes para reverter o pessimismo. O principal deles
foi o aumento de 0,7% na produção industrial de julho sobre o mês
anterior, segundo o IBGE, depois de cinco quedas sucessivas.
A variação negativa do PIB do Brasil nos dois últimos trimestres é
indiscutível. Concluir a partir deste fato que há uma recessão no País,
nem tanto. Manuais de finanças definem “recessão técnica” como dois
trimestres consecutivos de crescimento negativo. O economista
conservador Geoffrey H. Moore, um dos maiores especialistas em ciclos
econômicos, identificou “sérios problemas” nessa visão. Um deles é não
considerar datas mensais de início e fim das recessões. “Por esse
motivo, o National Bureau of Economic Research dos Estados Unidos
utiliza medidas mensais de produção, emprego, vendas e renda, todas
expressas em termos reais”, escreveu no ensaio
Recessões. Moore
coordenou a instituição por 30 anos e foi diretor emérito do Center for
International Business Cycle Research, da Universidade de Columbia.
“Outro problema é a possibilidade de sérios declínios na atividade
econômica mesmo sem dois trimestres consecutivos de oscilação negativa”,
alertou Moore.
As observações do especialista não reduzem a relevância dos
problemas, mas levantam dúvidas sobre o diagnóstico de recessão. “As
quedas do PIB brasileiro durante dois trimestres seguidos não foram
acompanhadas de desemprego e redução da massa salarial e isso não
permite caracterizar uma recessão. O termo correto para definir a
situação atual é estagnação”, diz o economista Antonio Corrêa de
Lacerda, da PUC de São Paulo. “Estamos em recessão técnica, embora
atípica porque o nível de desemprego está baixo. Houve fatores
conjunturais, como a Copa do Mundo, mas a economia dava sinais de
estagnação, relacionada a várias causas, entre elas a forte
desaceleração do setor manufatureiro”, afirma o economista Luiz Fernando
de Paula, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Para avaliar corretamente o desempenho da economia, além de
considerar as diferenças entre recessão e estagnação e contextualizar
mundialmente a dinâmica brasileira, é preciso expurgar interpretações
facilitadas pelo predomínio de informações fragmentadas e de curto
prazo. Os superávits comerciais de agosto, de 1,2 bilhão de dólares (as
projeções indicavam 400 milhões) e dos últimos oito meses, de 249
bilhões de dólares (houve déficit de 3,8 bilhões no mesmo período em
2013), não receberam destaque no noticiário. A ênfase recaiu no fato de o
saldo positivo de agosto ser “o pior para o mês desde 2001”. Uma
parcela significativa do saldo positivo da balança comercial deveu-se à
exportação de plataformas de petróleo para empresas estrangeiras de
prospecção atuantes no Brasil. Segundo algumas interpretações, teria
ocorrido uma “exportação contábil de plataformas”. A expressão utilizada
denota atribuição de pouca importância ao fato econômico relevante de
obtenção de receita em moeda conversível mediante a venda de um produto
feito internamente, com uso de mão de obra e de insumos locais, em um
processo gerador de efeitos positivos encadeados e de uma arrecadação
tributária relevante. Sob essa ótica, talvez fosse necessário levar as
plataformas aos países das importadoras e transportá-las de volta ao
Brasil para considerar legítimas as exportações.
A necessidade de retomar o crescimento econômico é consenso no debate
eleitoral, mas há mais de uma estratégia para atingir o objetivo. No
debate promovido na quarta-feira 27 pela Associação Brasileira da
Indústria de Máquinas, o economista José Roberto Mendonça de Barros,
representante de Aécio Neves, enfatizou a necessidade de um “ajuste
macroeconômico”, expressão elástica capaz de abrigar de um tarifaço ao
corte de salários. Para o economista Rodrigo Sabbatini, da campanha de
Dilma, o ajuste econômico necessário é diferente daquele defendido pelo
PSDB. "Não dá para fazer a inflação baixar para o centro da meta no
curto prazo sem provocar um processo recessivo. Nisso nosso ajuste
macroeconômico é diferente". A candidata Marina Silva não enviou
representante à Abimaq.
Velhas soluções agravariam a situação, alerta Fernando de Paula.
“Estou pessimista com esta ideia de que o simples canto da sereia, a
volta do livre mercado, vai resolver tudo no Brasil. Isso já foi tentado
no governo FHC e não deu certo, a economia ficou muito vulnerável, se
desindustrializou, desnacionalizou, houve apagão. A visão predominante é
que a intervenção do Estado impede o Brasil de crescer. Tenho críticas
ao governo Dilma, pois fez um intervencionismo a meu juízo atrapalhado e
mal coordenado, mas não acho que a alternativa “Deus Mercado” vá ser a
panaceia.”
O economista Delfim Netto identifica um sinal animador. “Caiu a
ficha. É agora geral o reconhecimento de que a causa fundamental da taxa
de crescimento do PIB foi a pouca atenção dada à cuidadosa destruição
da capacidade competitiva da indústria manufatureira nacional,
consequência do uso da taxa de câmbio como instrumento de controle da
inflação em substituição às políticas fiscal e monetária.” Em discurso
na quarta-feira 3, Dilma Rousseff admitiu problemas na política
industrial e no avanço da economia e prometeu mudanças. É um começo.
Fonte: Carta Capital - Economia - Edição Online - Set./2014