Por Raphael Martins
São Paulo – Depois de tesourar novas bolsas de estudo
para graduandos, o corte de verbas para o programa de incentivo ao
estudo internacional Ciência Sem Fronteiras (CsF) prejudica também a
pesquisa de estudantes de pós-doutorado no exterior.
Essa parcela representa 5% de todas as bolsas concedidas desde 2011 e
são destinadas a pesquisadores que desenvolvem trabalhos no mais alto
grau acadêmico do CsF.
Com a restrição orçamentária, as solicitações de parte desses acadêmicos
para renovação de suas bolsas têm sido negadas pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mesmo com
recomendação de orientadores para que mantenham os trabalhos de pesquisa
nas respectivas universidades.
Em resposta ao recadastramento, o CNPq responde que não tem prorrogado
nenhuma bolsa de pós-doutorado ou doutorado sanduíche, apenas a
categoria GDE, de doutorado pleno.
"Não há recursos para pagar nenhuma prorrogação de outra modalidade. Não
se trata de mérito ou demérito das propostas, é apenas uma questão
orçamentária mesmo", diz o CNPq em resposta a pesquisadores via e-mail.
"Solicitação de reconsideração pela plataforma não é possível. A única
forma é por e-mail mesmo e nenhuma tem sido aprovada também."
Segundo o órgão, subordinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações,
as bolsas passam por uma análise a cada doze meses até o total de 48
meses. A avaliação positiva do orientador no exterior, além de
relatórios de produtividade, deveriam servir de garantia para a
renovação da bolsa.
Acontece que o orçamento do ministério foi reduzido em 19,7% no último
ano e isso congelou as bolsas. Sem elas, os pesquisadores precisarão
voltar ao Brasil e interromper pesquisas de alta complexidade que vêm
desenvolvendo.
O enxugamento contraria, portanto, o discurso do governo federal de que o
programa de internacionalização priorizará de agora em diante a
pós-graduação.
Consultado, até o fechamento da reportagem o CNPq não comentou a situação.
Em junho, o jornal Folha de S. Paulo retratou situação semelhante com relação à Capes, órgão que toca o CsF pelo Ministério da Educação.
Na ocasião, estudantes de doutorado pleno enfrentavam por motivos muito
semelhantes problemas para renovar a concessão de suas bolsas,
deixando-os sem dinheiro ou em situação ilegal no país em que estudam.
Cientistas devem voltar ao Brasil
Através da internet, pesquisadores tentam se mobilizar para manter o financiamento, seja através de uma petição on-line
ou pela organização de pressão pelas redes sociais. Em um grupo no
Facebook, pós-doutorandos compartilham experiências semelhantes de
problemas com a renovação de bolsas e como proceder com os cortes.
Um dos que não têm destino definido é o engenheiro de materiais Maviael
Silva. A renovação da bolsa, antes prevista para dois anos, foi
rejeitada pelo CNPq.
Silva faz seu pós-doutorado na Politécnica de Gdansky, na Polônia,
onde há um laboratório de ponta em caracterização de materiais
cerâmicos em altas temperaturas. Seu trabalho é focado na aplicação de
vitro-cerâmicos em selantes para células a combustível, buscando
mecanismos de corrosão desses materiais a altas temperaturas e
caracterizando o comportamento da condutividade em função da
temperatura.
"Imagina que materiais refratários usados na indústria de cerâmicos, por
exemplo, poderiam se beneficiar desse meu trabalho, além de publicações
em revistas especializadas", diz Silva. "Você faz adaptação ao país de
destino, ao uso dos equipamentos e, quando está prestes a encontrar
resultados, tem que abortar tudo e voltar."
A farmacêutica Alessandra Fedoce enfrenta situação parecida nos Estados Unidos. Ela estuda o papel do estresse oxidativo na indução de doenças psiquiátricas, como ansiedade e o estresse pós-traumatismo.
Sua pesquisa está sendo realizada na Universidade do Sul da Califórnia
(USC) — com Kelvin Davies, pesquisador referência mundial na área — e
poderia desvendar como o organismo se adapta ao estresse oxidativo e
como isso muda ao passar do anos.
"A hipótese da perda de adaptação é a mais atual para explicar as
doenças neurodegenerativas, como Alzheimer. Como a gente sabe, a
população brasileira está envelhecendo rápido e estudos nessa área são
de expressa importância", diz. "Meu relatório foi classificado como
excelente! Nem uma carta de recomendação do Kelvin Davies elogiando meu
trabalho me deu a chance de investir nesses resultados".
Pelo cronograma, a pesquisadora terá que voltar ao Brasil no mês que vem, deixando o trabalho pela metade.
Nesta semana, EXAME.com mostrou o tamanho do corte no Ciência sem Fronteiras,
que extinguia as bolsas destinadas a estudantes de graduação. Pois a
tesoura chegou também aos pesquisadores do mais alto grau acadêmico
entre os beneficiários.
Veja números abaixo.