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quarta-feira, 14 de agosto de 2019

A inconstitucionalidade da equiparação do crime de homofobia e transfobia ao crime de racismo



crime O STF (Supremo Tribunal Federal), no dia 13/06/2019, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), proposta pelo partido PPS (Partido Popular Socialista), fundamentada na “omissão do Poder Legislativo”, equiparou o crime de homofobia e transfobia ao crime de racismo, insculpido na Lei nº 7716/1989. Não obstante o entendimento de nossa Corte Superior, acreditamos que tal equiparação viola expressamente os princípios da legalidade e da reserva legal, bem como afronta diretamente o princípio da Separação de Poderes, em uma flagrante violação à sistemática jurídica brasileira, conforme exporemos a seguir.
2. Princípio da Legalidade e da Reserva Legal
O princípio da legalidade e da reserva legal vêm disposto no art. 5º, inciso XXXIX, de nossa Carta Magna:
XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
Não obstante já previstos em nossa Lei Maior, o art. 1º, do Código Penal, enfatiza:
Art. 1º – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
De acordo com nossa legislação pátria, não podemos falar em crime ou pena, sem que lei anterior os definam como tal. Ou seja, a lei deve ser a única fonte do Direito Penal, não dando espaço para que a liberdade dos cidadãos seja suprimida pelo livre arbítrio de quaisquer autoridades que sejam. Nesse mesmo sentido, Paulo Bonavides nos ensina que
O princípio da legalidade nasceu do anseio de estabelecer na sociedade humana regras permanentes e válidas, que fossem obras da razão, e pudessem abrigar os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível da parte dos governantes. (…), evitando-se assim a dúvida, a intranquilidade, a desconfiança e a suspeição, tão usuais onde o poder é absoluto…
Muitos autores remontam a origem dos princípios da legalidade e reserva legal à Carta Magna Inglesa, do ano de 1215, editada pelo Rei João Sem Terra, que em seu art. 39 dispos que
Nenhum homem livre será detido, nem preso, nem despojado de sua propriedade, de suas liberdades ou livres usos, nem posto fora da lei, nem exilado, nem perturbado de maneira alguma; e não poderemos, nem faremos pôr a mão sobre ele, a não ser em virtude de um juízo legal de seus pares e segundo as leis do país.
A inteligência do citado artigo impressiona, tendo em vista o período em que foi escrito. 
Apesar de à época viger uma monarquia, o rei, utilizando-se de seu poder absoluto, editou uma lei que limitou seus próprios poderes de ação contra a menor das minorias: o indivíduo, obrigando-se a se submeter às leis consagradas da comunidade e do país.
Seguindo a lógica da Carta Magna Inglesa de 1215, o Brasil, desde o Código Criminal do Império, de 1830, até a reforma da parte geral do Código Penal de 1940, efetuada no ano de 1984, previu expressamente o princípio da legalidade e da reserva legal, dando a todos os cidadãos brasileiros a segurança jurídica de que ninguém poderia ser punido por um tipo incriminador que não estivesse previsto antecipadamente em lei.
Neste mesmo sentido, analisando a importância dos princípios em tela, Ferbauch assevera:
I) Toda imposição de pena pressupõe uma lei penal (nullum poena sine lege). Por isso, só a cominação do mal pela lei é que fundamenta o conceito e a possibilidade jurídica de uma pena. (…) Por fim, é mediante a lei que se vincula a pena ao fato, como pressuposto jurídico necessário. III) O fato legalmente cominado (o pressuposto legal) está condicionado pela pena legal (nullum crimen sine poena legali). Consequentemente, o mal, como consequência jurídica necessária, será vinculado mediante lei a uma lesão jurídica determinada.
Ou seja, consoante Ferbauch, a lei é PRESSUPOSTO JURÍDICO NECESSÁRIO para que o Estado possa punir um indivíduo sob seus domínios, limitando, assim, seu poder, além de abarcar seus cidadãos com a segurança jurídica.
3. Violação ao princípio da legalidade, ao princípio da reserva legal e ao princípio da separação de poderes
Acreditamos que qualquer grupo, através dos meios disponíveis e legais previstos em um Estado Democrático de Direito, pode lutar para que leis sejam promulgadas em seu benefício – ainda que de conteúdo incriminador e repressivo -, desde que, repise-se: observem o trâmite necessário disposto em nossa Constituição para que uma lei seja promulgada e passe a viger.
Entretanto, no caso em tela, vemos um grupo minoritário, usando do Judiciário (que, em tese, só deveria aplicar as leis e dar a elas a melhor interpretação) PARA CRIAR UMA LEI DE CARÁTER PENAL, QUE PODE ATENTAR DIRETAMENTE CONTRA A LIBERDADE DOS INDIVÍDUOS.
Ou seja, ao atender o pedido efetuado pelo PPS (Partido Popular Socialista) na ADO nº 26, o Judiciário, usurpando a função conferida ao Poder Legislativo, inovou legislativamente, ultrapassando os seus limites institucionais, já que, de acordo com o art. 22, inciso I, da Constituição Federal, é de competência da União (Congresso Nacional) a edição de leis de cunho penal.
Nesse sentido, elucidativa a lição de Guilherme de Souza Nucci:
Ao cuidarmos da legalidade, podemos visualizar os seus três significados. No prisma político, é a garantia individual contra eventuais abusos do Estado. Na ótica jurídica, destacam-se os sentidos lato e estrito. […] Neste último enfoque, é também conhecido como princípio da reserva legal, ou seja, os tipos penais incriminadores somente podem ser criados por lei em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, de acordo com o processo previsto na Constituição Federal.
Apesar do cediço conhecimento desses princípios pela comunidade jurídica, vemos que, na prática, eles foram totalmente ignorados pelo nosso Supremo Tribunal Federal.
4. Conclusão
Há, por conseguinte, notória violação por parte do STF aos princípios da legalidade e da reserva legal, além de afronta direta ao princípio da Separação dos Poderes, todos previsto em nossa Constituição Federal, ao equiparar crimes de cunho homofóbico e transfóbico ao crime de racismo, em uma flagrante inovação legislativa.
No mais, frise-se: todos os grupos têm o direito de lutar para que leis que os protejam sejam editadas, entretanto, como operadores do direito, não podemos compactuar com atuações que envilecem princípios de nosso ordenamento jurídico, sob pena de abalarmos a ordem do Estado Democrático de Direito.

domingo, 5 de maio de 2013

Escolas se livram de estereótipos para formar sociedade menos machista



Getty Images
Menino segura boneca em Phnom Penh, Camboja (foto ilustrativa/ 24/02/2003)
No salão de cabeleireiro de mentirinha, João Pontes, de 4 anos, penteia a professora, usa o secador no cabelo de uma coleguinha e maquia a outra, concentradíssimo na função. Menos de cinco minutos depois, João está do outro lado da sala, em um round de luta com o colega Artur Bomfim, de 5 anos, que há pouco brincava de casinha.
Nos cantos da brincadeira do Colégio Equipe, na zona oeste de São Paulo, não há brinquedo de menino ou de menina. Todos os alunos da educação infantil - com idade entre 3 e 5 anos - transitam da boneca ao carrinho sem nenhuma cerimônia.
"O objetivo é deixar todas as opções à disposição e não estimular nenhum tipo de escolha sexista. Acreditamos que, ao não fazer essa distinção de gênero, ajudamos a derrubar essa dicotomia entre o que é tarefa de mulher e o que é atividade de homem", explica a coordenadora pedagógica de Educação Infantil do Equipe, Luciana Gamero.
Trata-se de um "jogo simbólico", atividade curricular da educação infantil adotado por um grupo de escolas que acredita que ali é o espaço apropriado para quebrar alguns paradigmas. A livre forma de brincar visa a promover uma infância sem os estereótipos de gênero - masculino e feminino -, um dos desafios para construir uma sociedade menos machista.
"Temos uma civilização ainda muito firmada na questão do gênero e isso se manifesta de forma sutil. Quando uma mulher está grávida, se ela não sabe o sexo da criança, compra tudo amarelinho ou verde", afirma Claudia Cristina Siqueira Silva, diretora pedagógica do Colégio Sidarta. "Nesse contexto, a tendência é de que a criança, desde pequena, reproduza a visão de que menino não usa cor de rosa e menina não gosta de azul."
Por isso, no colégio em que dirige, na Granja Viana, o foco são as chamadas brincadeiras não estruturadas, em que objetos se transformam em qualquer coisa, a depender da criatividade da criança. Um toco de madeira, por exemplo, pode ser uma boneca, um cavalo ou um carrinho. "Quanto menos referência ao literal o brinquedo tiver, menos espaço haverá para o reforço social", diz Claudia.
A reprodução dos estereótipos acontece até nas famílias que se enxergam mais liberais. Ela conta que recentemente, em uma brincadeira sobre hábitos indígenas, um menino passou batom nos lábios. Quando a mãe chegou para buscá-lo, falou de pronto: "Não quero nem ver quando seu pai vir isso."
"Podia ser o fim da experimentação sem preconceitos, que não tem qualquer relação com orientação sexual. Os adultos, ao não entender, tolhem essa liberdade de brincar por uma 'precaução' sem fundamento", afirma Claudia.
Visão de gênero
Se durante a primeira infância esses estímulos são introjetados sem que a criança se dê conta, ao crescer um pouquinho - a partir dos 5 anos -, elas já expressam conscientemente a visão estereotipada que têm de gênero.
No Colégio Santa Maria, no momento de jogar futebol, os meninos tentavam brincar apenas entre eles, não permitindo que as meninas participassem. Foi a hora de intervir. "Explicamos que não deveria ser assim e começamos a propor, por exemplo, que os meninos fossem os cozinheiros de uma das brincadeiras", diz Cássia Aparecida José Oliveira, orientadora da pré-escola da instituição.
Na oficina de pintura, todos foram convidados a usar só lápis cor de rosa - convite recusado por alguns. "Muitos falam 'eu não vou brincar disso porque meu pai diz que não é coisa de menino'. Nesses casos, a gente conversa com a família. Entre os convocados, os pais de meninos são a maioria. Um menino gostar de balé é sempre pior do que uma menina querer jogar futebol. E, se não combatemos isso, criamos uma sociedade machista e homofóbica."
O embate é árduo e é preciso perseverança. Mesmo no Colégio Equipe, aquele em que as crianças se alternam entre o cabeleireiro e o escritório, alguns comentários demonstram que a simulação da casinha é um primeiro passo na construção de um mundo menos machista. O pequeno Artur, de 5 anos, se anima ao participar da brincadeira. Mas, em um dado momento do faz de conta, olha bem para a coleguinha e avisa: "Eu sou o marido. Vou sair para trabalhar. Você fica em casa."

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