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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Manipulação midiática e cultura de massa: um convite à alienação
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Rogério Rocha
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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
Crack, fissura, e reality shows: é a sociedade quem precisa ser retirada do ar
Paulo Rosenbaum (do Jornal do Brasil)
Palavras dizem quase tudo, entretanto algumas têm mais valor simbólico que outras: A palavra agora é crack (racha, fenda, estrondo, estalido e, segundo o American Heritage, quebrar sem dividir em pedaços). Temos vários cracks históricos: o de 29 (por ironia a especialidade acadêmica de Ben Bernake, secretário do Tesouro norte-americano), o de 2008 nas bolsas americanas, o de 2010 nas europeias, cracks sociais, cracks simbólicos, cracks narcóticos e simplesmente crack, a onomatopeia, o som de algo se partindo.
Depois da grande desmobilização que sucedeu à queda do regime militar no Brasil, faz alguns anos que parece, nós, o povo, assistimos a tudo pela janela e pela TV. Na maior parte das vezes sequer nos levantamos para ver o que está acontecendo na esquina. Uma estranha passividade reina. Uma doença social imobilista, paralisante, que, diante da exaustão precoce, vai se instalando a ponto de tudo parecer normal quando nada está.
O problema desta vez não é só com a classe média – sempre a vilã contrarrevolucionária por excelência, mas que na análise retrospectiva se mostra uma força importante na sustentação das sociedades civilizadas pelo mundo. O problema poderia estar então na natureza voyeur da vida contemporânea. Estamos poluídos por imagens de alta definição, saturados com excesso de megapixels , ludibriados por amizades virtuais que escolhem “curtir” sem se envolver, emboscados pela vida mansa, vista de longe. E cada vez mais, cada vez mais longe. Nós é que estamos entorpecidos sem nos darmos conta da autodepredação. É chato admitir, mas nossa fissura – no duplo sentido – está em conservar uma distância segura desses viciados. De preferência, muros altos que ocultem o horror que nos cerca.
Nada mais alienante – para ressuscitar uma palavra dos anos de chumbo – do que os reality shows. Que moralistas o chamem de cativeiros ornamentais com músculos à mostra ou narcisismo das moças que buscam fama, pouco importa. Ninguém negará, contudo, que eles são um bom resumo da ideologia da sociedade industrial: mostrar e ser consumido.
O fato é que a vida não está ali.
É a inércia, e não a ação, a força governante. Ela nos leva sem que ofereçamos uma resistência digna à calamidade. Diante desse neo-hedonismo inculto das famílias ligadas no Big Brother (pobre Orwell), ficamos paralisados e sem saber o que oferecer como solução ao pesadelo. Agora, a última é que querem tirar o programa do ar! Ora, é a sociedade quem precisa ser retirada do ar. Tudo que nos restou foi dar espiadas. A tragédia é que ainda não nos demos conta de que é sobre essa realidade, e não a virtual, que deveríamos votar.
O tráfico, a violência impune (não me convenço de que está melhorando), o loteamento e o escandaloso centralismo partidário da atual administração federal são parte integrante desse cenário. Um teatro no qual os oprimidos foram vetados de antemão.
Mas vamos todos relaxar geral, pessoal, é só mais um filme do Padilha! Logo mais, à noite, na Globo, a bestialidade e as cenas de miséria parecerão realidade distante, malgrado estejam num raio de 10 quarteirões de distância de qualquer um de nós em quase todas as cidades brasileiras.
Se tudo já foi dito, talvez o mais inteligente fosse calar-se e deixar que levem de vez o caneco.
Não será possível, a esperança é incontrolável.
Postado por
Rogério Rocha
às
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sábado, 3 de dezembro de 2011
O crime de Lady Gaga (por Marcia Tiburi)
(Por Marcia Tiburi)
Lady Gaga é o mais recente ídolo pop da cena internacional.
Entenda-se por ídolo pop um indivíduo que encanta as massas com a
habilidade artística de que é capaz sendo seu autor ou o mero
representante de uma estética inventada por publicitários e
estrategistas de produtos culturais. Nesse sentido, todo ídolo pop age
como o flautista de Hamelin conduzindo por certo efeito de hipnose uma
quantidade sempre impressionante de pessoas. Ele é também um guia
estético e moral das massas. A propósito, entenda-se por massa um grupo
de indivíduos que, ao se encontrar com outros, perde justamente a
individualidade, tornando-se sujeito de sua própria dessubjetivação. Em
outras palavras, ele é hipnotizado como se estranhamente desejasse
sê-lo. A Indústria Cultural depende desse mecanismo, por meio do qual
oferece ao indivíduo a oportunidade de se perder com a sensação de que
está ganhando. O ídolo pop é a humana mercadoria que permite o gozo pelo
logro que o espectador logrado aplica a si mesmo.
Lady Gaga certamente veio para nos lograr. Mas, como disse Walter
Benjamin sobre livros (e também putas), muitas vezes a mercadoria vale
muito mais do que o dinheirinho que pagamos por ela.O paradoxal desejo das massas
Antes de mais nada, é preciso ver que Lady Gaga, a despeito da qualidade
boa ou má de si mesma e do que ela produz, vem a nós com números
impressionantes. Se na internet seus vídeos são vistos por milhões de
pessoas (certamente, quando você ler este artigo, os números serão ainda
maiores) é porque ela mesma sabe – ou o diretor e roteirista de seus
belos videoclipes nos quais a quantidade aparece, seja na nota de dólar
com o rosto de Gaga como no vídeo de “Paparazzi”, seja em “Bad Romance”
nos índices na cena dos computadores – que se trata em sua obra da
questão da quantidade, mais do que da qualidade. A Indústria Cultural
sempre tem na quantidade uma questão mais importante do que a qualidade,
mas, se Lady Gaga sabe disso e não o esconde, é porque elevou o cinismo
a discurso, mas, ao mesmo tempo, lança-nos uma ironia capaz de fazer
pensar.
A questão da quantidade adquire um contorno subjetivo na mentalidade
dos indivíduos aniquilados no todo. Assim, uma característica expositiva
da condição das massas de nosso tempo é o próprio “desejo de ser
massa”. Trata-se da ânsia de adesão ao todo que se disfarça no desejo de
saber o que todo mundo sabe, ver o que todo mundo vê. Complicado falar
de desejo das massas, quando a “massa” remonta à possibilidade de se
deixar moldar pela ação exterior justamente por ausência de desejo.
Podemos, no entanto, entendê-lo usando uma imagem gasta como a da ovelha
a participar do rebanho. Um modo de ter lugar desaparecendo
mimeticamente no todo. Nesse sentido, o desejo de ser massa é o mesmo
que nos coloca na situação de fazer parte da audiência fazendo com que
liguemos a televisão no programa mais visto, que queiramos ver o filme
com a maior bilheteria, que, caso cheguemos a desejar um livro, seja da
lista dos mais vendidos. Fazer parte da audiência é a garantia de que em
algum momento estaremos juntos, que faremos parte de uma comunidade
mesmo que ela seja apenas “espectro”. A angústia da solidão, da
separação e da própria individuação desaparece por um passe de mágica da
imagem do ídolo pop.
Uma estética pop para o pós-feminismo?
A obra da jovem Lady Gaga não é objeto descartável como a maioria das
mercadorias promovidas no contexto da indústria e do mercado cultural.
Se nos detivermos em sua música, em sua dança ou em sua imagem
isoladamente, não entenderemos o todo da mercadoria. Portanto, é preciso
estar atento à performance que ela realiza. A apreciação disto que
devemos hoje chamar de obra-produto ou produto-obra deve começar por aí,
tendo em vista que, acima de tudo, Lady Gaga é uma performer que agrega
em seus vídeos diversas formas artísticas que vão da música ao cinema,
passando pela dança e chegando a uma relação curiosa com um aspecto
inusitado da produção contemporânea nas artes visuais. Lady Gaga tange
em seus vídeos mais famosos questões que estão presentes na obra de
artistas contemporâneas que podemos chamar de vanguardistas por falta de
expressão melhor, tais como Cindy Sherman, Daniela Edburg e Chantal
Michel. No Brasil, Karine Alexandrino, Paola Rettore ou o pernambucano
Bruno Vilella praticam a mesma suave ironia até o mais cáustico deboche
com trabalhos sobre mulheres mortas.
O tema da mulher morta torna-se quase um lugar-comum na arte
contemporânea, como foi no século 19. Naquele tempo, ele representava o
impulso próprio do romantismo que via na mulher falecida e inválida um
ideal agora retomado de modo irônico por diversas artistas
contemporâneas. Lady Gaga vai, no entanto, muito além dessas artistas em
termos de coragem feminista. Enquanto elas zombam das mulheres
estereotipadas que morrem como Ofélias por um homem, Lady Gaga, de modo
mais surpreendente e corajoso do que importantes artistas cultas, dá um
passo adiante.
No vídeo de “Paparazzi” fica exposto o amor-ódio que um homem nutre
por uma mulher, a invalidez à qual ela é temporariamente condenada por
sua violência e, por fim, uma vingança inesperada com o assassinato
desse mesmo homem. “Incitação à violência”, pensarão as mentes mais
simples; “feminismo como ódio aos homens”, dirá a irreflexão sexista
acomodada, quando na verdade se trata de uma irônica inversão no cerne
mesmo do jogo simbólico que separa mulheres e homens. Se em “Paparazzi” o
deboche beira o perverso autorizado psicanaliticamente (a mulher sai da
posição deprimida ou melancólica e aprende a gozar com seu algoz, que
ela transforma em vítima), em “Bad Romance”, “o vídeo mais visto de
todos os tempos”, mulheres de branco – como noivas dançantes – surgem de
dentro de esquifes futuristas para curar uma louca que chora querendo
ter um “mau romance” com um homem. Um contraponto é criado no vídeo
entre a imagem do rosto da própria Gaga levissimamente maquiado,
demarcando o caráter angelical de sua personagem, em contraposição ao
caráter doentio da personagem da mesma Gaga de cabelos arrepiados e
olhos esbugalhados. Entre eles a bailarina sensual junto de suas
companheiras faz o elogio do corpo que é obrigado a se erotizar diante
de um grupo de homens.
A noiva é queimada. Sobre a cama, no fim, a noiva como um robô um
pouco avariado, mas ainda viva, contempla o noivo cadáver. A ironia é o
elogio do amor-paixão, do amor-doença e morte ao qual foi reduzido o
amor romântico pela estética pop da ninfa pós-feminista. O feminismo só
tem a agradecer.
Em “Telephone”, a estética eleita é a da lésbica e da pin-up. Ambas
criminosas. A primeira por ser uma forma de vida feminina que dispensa
os homens, a segunda por ameaçá-los com uma estética da captura (a
mulher-imagem-de-papel, a mulher “cromo”, a mulher-desenho-animado que
configura o conceito do “broto”, do “pitéu”). No mesmo vídeo o
personagem de Gaga compartilha com Beyoncé uma cumplicidade incomum
entre mulheres.
Esse sinal é dado no meio do vídeo, quando Beyoncé vai resgatar Gaga
na prisão e ambas mordem um pedaço de pão, que logo é lançado fora como
algo desprezível. A comida mostra-se aí como o objeto do crime. O vídeo é
mais que um elogio ao assassinato do mau romance, ou da vingança contra
o evidente amor bandido de quem a personagem de Beyoncé quer se vingar.
Trata-se de uma profanação da comida pelo veneno que nela é depositado.
O amor bandido é morto pela comida, uma arma simbólica muito poderosa
associada à imagem da mulher-mãe, da mulher-doação, dedicada a alimentar
seu homem na antipolítica ordem doméstica.
O palco é a lanchonete de beira de estrada como em Assassinos por
Natureza, de Oliver Stone. O assassinato é o objetivo do serviço das
duas moças perversas que, no fim do vídeo, dançam vestidas com as cores
da bandeira norte-americana – meio Mulher Maravilha – diante dos
cadáveres de suas vítimas, já que, além do amor bandido, todos morreram.
Cinismo? Sem dúvida, mas como paradoxal autodenúncia.
Mas o maior crime de Gaga, aquilo que fará com que tantos a odeiem,
não será, no entanto, o feminismo sem-vergonha que ela pratica como uma
brincadeira em que o crime é justamente o que compensa? E, como ídolo
pop, não poderá soar aos mais conservadores como um modo de rebelar as
massas de mulheres subjugadas pela perversa autorização ao gozo, doa a
quem doer?
Fonte: Revista Cult
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Rogério Rocha
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