Por LUIZ FLÁVIO GOMES*
Introdução: Meus amigos: como membro da Comissão de
Reforma do CP estou fazendo algumas sugestões de mudança na legislação
penal atual. São ideias e nada mais. Sujeitas, claro, aos debates. É com
essa finalidade que estamos dando publicidade a tais ideias.
Considerações preliminares:
atingimos, de acordo com os números consolidados pelo Datasus até
agosto de 2010, 40.610 mortes no trânsito. Todos os dias são sepultadas
111 pessoas em razão da violência no trânsito brasileiro. De acordo com
nossa opinião estamos diante de cinco (5) problemas: (a) dogmático; (b)
sancionatório; (c) probatório e conceitual; (d) grau de relevância da
punição na prevenção de mortes no trânsito e (e) rapidez na atuação da
máquina judiciária.
Problema dogmático (dolo ou culpa?):
diante da insuficiência do sistema penal atual o dolo eventual passou a
ser visto como a “solução” para o problema. É extremamente complexo
distinguir o dolo eventual da culpa consciente. Mais complexo ainda é
provar o dolo eventual, que exige a aceitação do resultado pelo agente. O
enquadramento dos delitos como dolo eventual satisfaz os desejos
emocionais e vingativos da mídia, dos familiares das vítimas, dos
políticos e dos legisladores (ressalvadas em todas as categorias as
honrosas exceções), mas isso é feito com muita distorção dogmática
(técnica).
Estão “forçando a barra” na tipificação
como dolo eventual para que os abusos no trânsito sejam devidamente
reprimidos. Tecnicamente isso é um absurdo. É preciso acabar com essa
anomalia.
Possível solução: a
solução, consoante nossa opinião, está em reconhecer a culpa temerária
(que é a culpa gravíssima), que fica entre a culpa consciente e o dolo
eventual. O homicídio culposo no trânsito hoje é punido com pena de 2 a 4
anos de detenção (art. 302 do CTB). No caso de culpa temerária
(gravíssima) a pena (essa é nossa sugestão) seria de 4 a 8 anos de
prisão. A redação seria a seguinte:
“No homicídio culposo a pena será de 4
a 8 anos de prisão quando comprovada a embriaguez ao volante, a
participação em corrida, disputa ou competição automobilística não
autorizada pela autoridade, a velocidade excessiva superior à metade da
permitida ou qualquer outra causa reveladora de culpa gravíssima”.
O reconhecimento da culpa temerária como
regra geral para os casos de culpa gravíssima não impede que,
concretamente, em casos excepcionais, seja aceito o dolo eventual
(quando há provas inequívocas nesse sentido).
A mesma redação sugerida para o caso de morte no trânsito valeria, mutatis mutandis, para o delito de lesão corporal, dobrando-se a pena para um a quatro anos (dobro da pena atual).
Problema sancionatório (penas insuficientes?):
as sanções atuais são tidas como insuficientes para os casos muito
graves. O projeto aprovado pela CCJ do Senado (em novembro de 2011)
desproporcionalmente eleva as penas para 16 anos (no caso de morte).
Falta razoabilidade tanto ao sistema atual como ao sistema projetado
(para o caso de infrações muito graves).
Possível solução: de
acordo com nossa opinião, a elevação para o dobro (4 a 8 anos para o
caso de morte; de 1 a 4 anos para o caso de lesão corporal) é mais
razoável. De outro lado, pelo menos 1/6 da pena deveria ser cumprida em
prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico, custeado pelo réu,
salvo impossibilidade de fazê-lo.
Problema probatório e conceitual:
a exigência atual de 6 decigramas de álcool por litro de sangue (art.
306 do CTB) está gerando impunidade, porque essa taxa de alcoolemia só
pode ser comprovada mediante exame de sangue ou bafômetro. Ocorre que
ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo.
Possível solução: somos
favoráveis ao tolerância zero absoluto, fazendo-se uma distinção
importante: quando o sujeito dirige embriagado de forma correta, incide o
art. 165 do CTB (isso é mera infração administrativa). No caso de
direção sob influência do álcool ou outra substância análoga, ou seja,
quando se trata de uma direção perigosa (anormal, imprudente, geradora
de perigo indeterminado para a segurança viária), incide o crime do art.
306 do CTB.
Problema da relevância da punição na prevenção de mortes no trânsito:
a mera mudança legislativa, com modificação dos crimes e das penas,
resultará em pura enganação (simbolismo) se ela não fizer parte de uma
Política Pública de Segurança Viária, que passa pelos cinco eixos da
questão: EEFPP (Educação, Engenharia das estradas, das ruas e dos
carros, Fiscalização, Primeiros socorros e Punição).
Possível solução: a
punição, ainda que bastante efetiva (coisa que até hoje nunca aconteceu
no nosso país), é só um dos cinco eixos do problema. É preciso implantar
uma abrangente política pública nessa área, tal como fez a Europa que,
na década de 2000 a 2009, reduziu drasticamente as mortes no trânsito
(de 57 mil para 34 mil), 5% ao ano. Na mesma década as mortes aumentaram
no Brasil em 40%.
Problema da rapidez da Justiça: todos
queremos uma Justiça mais eficiente, mas isso não pode ser feito em
detrimento do sistema de garantias. O melhor instituto que permite a
conciliação do eficientismo com o garantismo é o da suspensão
condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95).
Possível solução: a
suspensão condicional do processo deveria ser autorizada para todos os
crimes culposos, independentemente da pena mínima, reforçando-se
proporcionalmente as suas condições, para atender a finalidade da
prevenção geral.
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