ROGÉRIO ROCHA: O BLOG
Cultural e eclético
quinta-feira, 3 de julho de 2025
quarta-feira, 18 de junho de 2025
A LIÇÃO DO MESTRE
Machado de Assis e Rogério Rocha [imagem gerada por IA] |
Por Rogério Rocha
Não tenho certeza de que os fatos que vou narrar são produto da imaginação, de um surto, um sonho ou mesmo se aconteceram do modo aqui descrito. O fato é que uma febre chatinha me atacou recentemente, afetando-me a saúde. Com ela também vieram umas vertigens que, além do mal-estar repentino, costumavam turvar a minha visão durante alguns minutos. Mas juro pela alma de Allan Kardec que nada do que lerão vai passar, no máximo, de um breve delírio.
Era um fim de tarde calorento em São Luís. Eu vagava pelo centro histórico, nas férias, sem nada para fazer. Foi quando parei diante de uma portinha ladeada por colunas de madeira envelhecida. Na fachada pude ler: “Livraria O Alienista”. Morrendo de curiosidade, entrei.
Lá dentro havia um gato angorá preguiçoso, deitado sobre uma pilha de livros, coçando os bigodes e com os olhos semicerrados. As estantes abrigavam nomes imortais que moravam ali: Sousândrade, Cecília Meireles, Susan Sontag, Josué Montello, Ferreira Gullar, Goethe, Schiller e vários filósofos, daqueles que ninguém lê, mas que adoram repousar sobre as prateleiras empoeiradas.
Foi então que o vi.
Estava sentado lá ao fundo, no cantinho da sessão onde ficavam as últimas estantes. Ao me aproximar, percebi que tinha nas mãos uma edição rara de “O elogio da loucura”.
Em princípio, não acreditei! Repentinamente, veio-me outra vez a tal vertigem. Uma tontura enjoativa e os olhos turvos do qual falei. Após alguns segundos, com a visão recuperada, pude notar a figura do homem de pele escura, barba imponente, olhos expressivos e uma bengala escorada na cadeira ao lado, como se fosse o cetro de um monarca.
— Com licença, meu senhor. — murmurei timidamente.
Ele ergueu os olhos como se já aguardasse minha presença.
— Sente-se, meu amigo. Vamos conversar um pouco?
— Sim, senhor! Quem sabe possamos falar sobre os livros que temos aqui.
O velho sorriu, balançando a cabeça em sinal positivo.
— Percebo que você gosta de raridades. Que prefere os mapas aos GPS’s, estou certo?
— Como soube? Sim. Mas também gosto de descobrir novos caminhos!
O velho tamborilou os dedos sobre a capa do livro.
— Pois bem, esta livraria é um mundo para mim. Dentro dela há passagens secretas, janelas misteriosas, vozes guardadas pelo tempo. E o tempo, aqui, transcorre de um modo diferente. Olhe ao seu redor.
Voltei os olhos para os cantos da livraria. Ali estavam, em estantes próximas, Borges, Vinícius, Raquel de Queirós, Cervantes, Aluísio Azevedo; lá no fundo, enciclopédias, fileiras de coleções contendo obras clássicas, versões encadernadas, de capas duras, traduções em outros idiomas.
— Rogério, diga-me uma coisa, falou o mestre, cruzando as mãos sobre a mesa. Por que as pessoas perderam o interesse pela leitura? Por que ninguém tem paciência para entender a importância desse hábito?
— Talvez porque não tenham tempo. Ou porque não aprenderam a ler. E, no fundo, quem não tem tempo nem paciência não aprende a ler.
— É um bom argumento para tentar compreender uma arte quase esquecida.
— A da leitura, não é mesmo?
— A da paciência. A velha e boa arte da paciência. — disse, esboçando um leve sorriso.
— Gostei de conversar com você, mas já é hora de voltar para a minha prateleira.
— Prateleira! Como assim?
Ele apontou para o alto da estante. Lá havia um livro antigo com seu nome na lombada. Enquanto eu olhava para cima, a imagem daquele homem enigmático começou a se dissipar.
Num piscar de olhos, eu estava sozinho na livraria.
Sobre a mesa, pude notar a edição da obra que o velho folheava e um bilhete onde dizia: "Escreva como quem duvida. Publique como quem confessa. Leia como quem suspeita.” Assinado: Machado de Assis.
Levantei-me sem acreditar e, ainda um tanto confuso, dei uma última olhada ao redor. Por fim, saí da livraria como se houvesse acordado de um estado de coma.
Desde então, confesso: toda vez que escrevo um novo texto, escuto uma voz suave, como um sussurro que viesse da minha estante. É quando, por precaução, relembrando os conselhos do mestre, o reescrevo, pacientemente.


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