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Néviton Guedes - Desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª região |
A possibilidade de que normas constitucionais
possam entrar em colisão tem conformado um dos mais graves problemas da
contemporânea teoria jurídica. Como se sabe, normas constitucionais,
especificamente as advindas do processo constituinte originário, não
guardam hierarquia entre si (princípio da unidade da Constituição) e,
portanto, não permitiriam, em caso de colisão, uma solução de
precedência a priori ou absoluta em favor de uma ou de outra
norma. Por sua vez, alegando ausência de racionalidade do método, muitos
têm buscado evitar a ponderação de bens como forma de solucionar a
colisão de normas constitucionais, nomeadamente entre direitos
fundamentais, negando a existência da própria colisão.
Segundo o
que pretendo demonstrar, negar a possibilidade de colisão e, por
consequência, a ponderação entre normas constitucionais é, entretanto,
um caminho intelectual que apenas se desenvolve ao custo de um resultado
muito mais arbitrário do que os seus defensores admitem e, o que é
pior, com um déficit de argumentação e fundamentação não presentes na
ponderação que eles recusam, entretanto, por um suposto déficit de
racionalidade.
Em primeiro lugar, registre-se que não são poucos
aqueles que negam a colisão sem o perceber. De fato, conquanto, em boa
parte, afirmem negar apenas a ponderação de bens, na verdade, todas as
vezes que alguém afirma que um princípio não incidiu num caso concreto
para negar a ponderação, o que faz, logicamente, é negar a própria
colisão de normas.
De outro lado, existem aqueles que negam a
colisão de bens, mas, contraditoriamente, não recusam aplicação ao
princípio (ou a regra) da proporcionalidade. Ocorre que a regra na
proporcionalidade, em qualquer das suas fases (adequação, necessidade e
proporcionalidade em estrito sentido), tem por óbvio pressuposto a
existência de colisão de normas. De fato, de um lado, enquanto a
adequação afirma que a restrição a um princípio deve se mostrar adequada
para proteção de um outro princípio ou bem com ele colidente, de outro,
a necessidade dispõe que entre duas possibilidades de restrição de um
princípio em colisão com outro princípio, deve-se optar pela restrição
menos gravosa ao princípi que será preterido. Já na proporcionalidade em
estrito sentido (que R. Alexy corretamente iguala à ponderação de
bens), o método pressupõe, precisamente, uma ponderação dos bens
envolvidos em colisão, cujo resultado apenas será alcançado após um
longo processo de argumentação e justificação dos princípios em colisão,
tudo em consideração às circunstâncias ou posibilidades do caso
concreto.
As teorias que negam a própria colisão entre normas
sugerem e prometem resultados prévios, cujo processo de demonstração
fica localizado em algum ponto arquimediano entre a descoberta intuitiva
e a (auto)demonstração ou (auto)evidência hermenêutica. Obviamente,
para qualquer saber que não se move por intermédio de mera lógica
formal, como é o caso do Direito, o discurso de evidência e
(auto)demonstração é apenas um recurso de que nos valemos, consciente ou
ingenuamente, para esconder processos, posições e premissas que não
queremos, não conseguimos ou não podemos justificar.
Portanto, se é
para falar a sério, processos de aplicação do conteúdo de uma norma
nunca são de mera “descoberta”. Nunca são autoevidentes nem
autodemonstráveis. De fato, como já deixei consignado neste espaço, a
antecipação que, no círculo fechado de nossas opiniões prévias
(Vormeinungen), como intérpretes, fazemos do conteúdo de uma norma há de
ser confirmada no seu confronto com os fatos concretos[1]. Em outros termos, as antecipações de entendimento que o intérprete lança sobre o conteúdo da norma a aplicar,
marcadas por sua pré-compreensão, obviamente hão de ser confirmadas
pela realidade do problema a que essa mesma norma, não se pode esquecer,
se destina a solucionar[2].
Como afirma Konrad Hesse, a partir de Gadamer, o intérprete não pode
atingir o conteúdo de uma norma como que de um ponto arquimédico situado
fora da existência histórica, mas apenas em contato com a situação
histórica concreta. (...) Só idealmente, não num processo real, é
possível separar essa condição da interpretação constitucional desta
segunda: o "compreender" — e com isso a concretização — apenas é
possível tendo em vista o problema concreto[3].
Se o intérprete deseja mesmo conhecer um conteúdo de uma norma, resume
Konrad Hesse, ele deve relacioná-la a um problema concreto[4].
Como
é óbvio, qualquer discurso de mera aplicação de normas jurídicas,
sobretudo normas constitucionais, que se centre e confie na antecipação
das marcas distintivas de uma mera hipótese normativa e não se abra às
possibilidades do próprio caso, de ordem a admitir, inclusive, que elas
possam ultrapassar a hipótese de incidência do âmbito normativo de
proteção dessa ou daquela norma para se estender, inclusivamente, ao
âmbito de norma que lhe é colidente, como dizia, um discurso assim não
suportará as sutilezas a que é chamado a enfrentar em casos complexos,
como são os de colisão de direitos fundamentais[5].
Nesses
termos, não se pode escapar à conclusão de que toda
concretização-densificação de uma norma legal voltada à sua aplicação,
aí incluída a norma constitucional, é sempre um procedimento hic et
nunc, pois, só ao aplicar-se (resultado final do processo de
concretização) é que a norma encontrará de fato a determinação mais
adequada de seu âmbito material de proteção[6].
Aqui não há antecipação possível a não ser, em termos gadamerianos, a
antecipação de uma hipótese que se põe à prova, podendo sempre ser
abandonada, ou preterida, quando, diante das circunstâncias do caso
concreto, depois de um processo de ponderação (R. Alexy), uma outra
norma opor-lhe uma primazia condicionada (repito: ao caso concreto).
Se
isso é assim, pode-se perfeitamente concluir, no que diz respeito ao
caso concreto, que só ao final do processo de aplicação da norma é que
ela encontra sua verdadeira justificação (material). Se a aplicação de
uma norma pressupõe sua justificação, não é menos verdadeiro, como se
vê, que a própria fundamentação (justificação) da norma depende também
de sua densificação (que seu conteúdo normativo esteja determinado em
concreto). Ainda que se possa aceitar que, do ponto de vista formal, um
enunciado de uma norma encontra-se previamente fundamentado pelo só fato
de pertencer ao texto legal, do ponto de vista material, entretanto, só
se pode considerar a justificação do conteúdo de uma norma (norma já
densificada), obviamente, a partir do momento em que esse mesmo conteúdo
se encontre delimitado, o que, a toda vista, não se dá tão simplesmente
com a compreensão antecipada que o intérprete atribuiu à norma, mas
apenas quando de seu real confronto com os fatos, o que, consoante se
demonstrou, só é possível no momento de sua aplicação[7].
Como
a disposição de um texto normativo não se confunde com a norma, que é o
texto depois de sua interpretação — ou, nas exatas palavras do
professor Canotilho: Disposição é parte de um texto ainda a interpretar;
norma é parte de um texto interpretado —, obviamente, para falar-se do
conteúdo legítimo de uma norma é necessário que o processo de extração
(interpretação) da norma — a partir do texto — se tenha completado[8].
Ora, se como vimos, essa interpretação da norma apenas se conduzirá
adequadamente em consideração aos fatos a que ela se dirige, então, a
própria interpretação da norma (pressuposto de sua justificação
material) é fenômeno que apenas se pode considerar acabado quando
iniciado o momento de sua aplicação, onde, após delimitados os fatos a
que a norma se dirige e depois de profunda consideração de todas as suas
marcas distintivas relevantes, é que se torna possível a sua adequada
interpretação.
Não há dúvida, portanto, de que, no momento de
aplicação da norma a fatos concretos (resultando em sua concretização),
não se verifica apenas um discurso interno de simples aplicação de
normas (previamente determinadas) a fatos. Aí também se exige uma
delimitação concomitante e, com isso, uma fundamentação (externa) da
própria norma. Por isso, a estarem corretos os ensinamentos de Gadamer,
também para uma correta aplicação da norma constitucional, é necessário
que o intérprete esteja disposto a escapar do círculo restrito
(Bannkreis) de suas próprias opiniões prévias[9],
o que só será possível quando ele se abre e se mantém aberto às
possibilidades do texto submetido à sua interpretação (o que pode
confirmar ou não as suas opiniões prévias)[10].
Obviamente,
sabemos que, no espaço cotidiano de interpretação e concretização de
normas jurídicas, nem sempre esse "por em dúvida" ou "abrir-se a
possibilidades" é um procedimento adotado e, quando adotado, nem sempre é
percebido, o que não prepara grande dificuldade, já que, na maior parte
das vezes, ainda que de forma latente, a justa adequação dos acordos
linguísticos (semânticos, sintáticos e pragmáticos) feitos em torno de
uma norma é confirmada no seu processo de concretização[11].
É quase sempre o que se verifica quando o intérprete admite como
adequada a seleção de sinais característicos de uma norma jurídica
previamente selecionados e, muito embora sob a silenciosa consideração
da cláusula ceteris paribus (mantidas inalteradas todas as demais coisas), aplica-os a todos os casos que se apresentam ao seu julgamento[12].
Como,
em boa parte das vezes, os sinais adicionais de um caso concreto podem
mesmo não influenciar o processo de concretização daquela norma, ante a
sua ausência de significado normativo para o problema, o questionamento e
a resposta sobre o adequado âmbito de proteção da norma que é chamada à
aplicação são desenvolvidos de forma mais expedita, muitas vezes
latente, baseada em generalizações promovidas de ponderações
anteriormente já realizadas, desde que incontroversa a repetição dos
sinais característicos do modelo de ponderação que agora se pretende
repetir[13]. Em síntese, em tais situações, se não se pode falar de casos idênticos, pode-se perfeitamente falar de casos semelhantes.
Mas nem sempre é assim.
A cláusula ceteris paribus e a ponderação
O que fazer, contudo, quando o alcance da norma é posto em
questionamento precisamente porque — por exemplo, em caso das colisões
de princípios — os sinais característicos do caso não são — de maneira
incontroversa — iguais, ou semelhantes, àqueles existentes em
ponderações ou decisões jurídicas anteriormente já apresentadas? Em
outras palavras, o que fazer quando alguém coloca em dúvida as
principais notas distintivas do caso, negando que permaneçam ou sejam
semelhantes às de casos já decididos? Em tais situações, um discurso
(puro) de aplicação, centrado na cláusula “tudo o mais constante” (ceteris paribus-Klausel), portanto, apenas serviria para excluir artificialmente (künstlich) a consideração de diversas e diferenciadas situações no momento da aplicação[14]. Por outro lado, um discurso puro de aplicação tende a uma desconsideração artificial de normas (princípios) a serem aplicadas.
A
exclusão prévia, por exemplo, da incidência de uma norma a um caso
concreto, evitando-se assim a sua colisão com outras normas incidentes,
em boa parte das vezes, apenas significará a exclusão artificial e
arbitrária (e não fundamentada) de notas distintivas do próprio caso
concreto.
No caso de colisão de princípios, no qual se estende e
prolonga o problema da fundamentação da norma ao espaço e ao momento da
própria aplicação, erra um defensor da ideia de que, em casos de colisão
(tida por aparente) de princípios, baseando-se numa prévia delimitação
das normas a serem aplicadas, o que se exigiria, sem consideração à
topografia do caso concreto e sem ponderação, seria apenas a exata
verificação daqueles princípios que têm relação com o caso submetido à
decisão. Na verdade, com isso se estaria tão somente promovendo uma
arbitrária preterição, porque parcial, prévia e unilateral (arbitrária),
de normas (princípios) que, na verdade, pelas características
específicas da situação real, têm com ela legítima implicação.
No
direito comparado, são muitos os casos, por exemplo, no Tribunal
Constitucional alemão, em que aquela corte cassa a decisão dos órgãos
inferiores pelo simples fato de terem desconsiderado norma ou princípio
constitucional que, em colisão com outros princípios ou normas, era
incidente na espécie. Com isso, evitaram-se a colisão e a ponderação das
normas, mas de forma arbitrária e indevida.
Não se pode,
logicamente, aceitar a exclusão prévia da presença de um princípio (um
direito fundamental, por exemplo) como forma ilegítima de demitir-se da
obrigação de argumentar. Numa colisão, princípios implicados com o caso
podem ser afastados (preteridos), em maior ou menor medida, em favor de
outros princípios apenas e tão somente quando, graças às condições
jurídicas e objetivas da situação concreta, numa avaliação a posteriori, não conseguiram justificar-se (discurso de fundamentação) na mesma medida daquele que alcançou primazia[15].
É
por isso, por exemplo, que o Tribunal Constitucional alemão, como se
dizia, em muitas situações que envolvem colisão e ponderação de direitos
fundamentais, apenas devolve a decisão aos tribunais inferiores para
que, considerando os princípios ou os direitos fundamentais que tenham
sido ilegitimamente desprezados, procedam a novo julgamento, ainda que o
resultado não seja necessariamente diferente do primeiro. Bom exemplo
disso é o caso Josefine Mutzenbacher, em que aquele Tribunal
Constitucional determinou à instância inferior que proferisse nova
decisão de modo a tomar, desta feita, em consideração a liberdade
artística. No caso, a Justiça ordinária daquele país, julgando correta a
indexação e proibição administrativas do livro homônimo (Josefine
Mutzenbacher) como pornografia prejudicial à juventude e às crianças,
não entendeu presente no caso a incidência da norma constitucional que
protege a liberdade artística[16].
O
Tribunal Constitucional Federal daquele país, de forma diversa, chegou à
conclusão de que o fato de cuidar-se, como realmente se cuidava, de
obra substancialmente pornográfica[17],
não subtraía da obra, por si só, o seu caráter artístico, com o que se
fazia presente no caso o direito fundamental da liberdade artística,
envolvendo o caso, pois, evidente colisão de princípios, já que Lei
Fundamental alemã veicula simultaneamente tanto a liberdade artística
como a proteção à infância e à adolescência, pressupostos de julgamento
que, evidentemente, não poderiam ter sido desconsiderados pela instância
inferior, ainda que, repita-se, se chegasse ao final à mesma conclusão.
Em
tais situações, afastando a ideia, repetidas vezes veiculada pela
crítica, de conformar um modelo casuístico, impressionista, ou de
sentimentos, o método da ponderação mostra-se o mais adequado,
precisamente, por não dispensar, nas palavras de Gomes Canotilho, uma
cuidadosa topografia do conflito assim como uma justificação da solução
do conflito através da ponderação[18].
Em
conclusão, a complexidade do problema da colisão aumenta a sua dimensão
ao considerarmos que, no mundo contemporâneo, problemas de aplicação
não raramente se convertem em (ou retornam a) problemas de
fundamentação. Assim, frequentemente, na aplicação de princípios a casos
concretos, exige-se do encarregado de aplicar a norma que não apenas
empregue adequadamente os princípios (como razões de fundamentação
previamente dispostas) aos casos litigiosos, mas, antes e
principalmente, sobretudo em situações nas quais são os próprios
princípios que estão problematicamente envolvidos em uma colisão, que
apresente as razões (de fato e de direito) com base nas quais conferiu
primazia a esse ou aquele princípio (em detrimento de outros tantos).
Com isso, uma situação de aplicação de princípios, em casos de colisão,
dificilmente deixará de percorrer uma conversão recíproca de
argumentação/fundamentação e aplicação, de tal forma que, diante de uma
colisão com outros princípios, o princípio previamente disposto para
aplicação (como fundamento de decisão) deve confirmar a sua aplicação ao
caso com a comprovação de merecer — mediante argumentação com as
possibilidades jurídicas e reais do caso — a outorga de sua pretensão de
primazia (discurso de fundamentação).
[1] H-G Gadamer.
Wahrheit und Methode, p. 270 e seguinte, especialmente, p. 273. Konrad Hesse.
Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland,
p. 24 e seguintes, onde o autor, sobre descrever o processo de
interpretar/concretizar a constituição, a partir de Gadamer, desenvolve a
acurada leitura sobre o papel da pré-compreensão (
Vor-Verständnis) no âmbito da interpretação constitucional.
[2] Konrad Hesse.
Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, p. 25. Ver também H-G Gadamer.
Wahrheit und Methode, p 270 e seguintes.
[3] Konrad Hesse.
Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, p. 25.
[4] Konrad Hesse.
Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, p. idem.
[5]
No nosso entender, aliás, precisamente porque os casos concretos a
serem regulados por uma determinada norma podem, no futuro, sugerir
circunstâncias dignas de consideração não passíveis de previsão por quem
haja editado a norma, é que se pode preferir regular uma dada matéria
mediante princípio, e não por intermédio de regras.
[6] Konrad Hesse.
Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland,
p. idem. Dando suporte às ideias aqui reveladas, em passagem,
especialmente clara, anota Gomes Canotilho, na mesma direção, que
«Diferentemente
dos postulados da metodologia dedutivo-positivista, deve considerar-se
que: (1) a letra da lei não dispensa a averiguação do seu conteúdo
semântico; (2) a norma constitucional não se identifica com o texto; (3)
a delimitação do âmbito normativo, feita através da atribuição de um
significado à norma, deve ter em atenção elementos de concretização
relacionados com o problema carecido de decisão» (J. J. Gomes Canotilho
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1185 e 1200)
.
[7] Indicando a mesma idéia, o Prof. Friedrich Müller afirma
que o texto normativo no início da concretização recebe apenas validade e não já significado (
Juristische Methodik, 7ª ed., p. 144).
[8] Estabelecendo com clareza a diferença entre norma e enunciado de norma, J.J. Gomes Canotilho insiste que se deve distinguir
entre enunciado (formulação, disposição) da norma e norma. A formulação da norma
é qualquer enunciado que faz parte de um texto normativo (de «fonte de
direito»). Norma é o sentido ou significado adscrito a qualquer
disposição (ou a um fragmento de disposição, combinação de disposições,
combinações de fragmentos de disposições). Ao que finaliza dando suporte ao que aqui se vem defendendo:
Disposição é parte de um texto ainda a interpretar; norma é parte de um texto interpretado (
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1185 e 1186)
. (Grifos nossos).
[9] H-G Gadamer.
Wahrheit und Methode, p. 273.
[10] H-G Gadamer.
Wahrheit und Methode, p. 305.
[11]
Por outro lado, como se sabe, numa suposta ausência de previsibilidade e
segurança (tão caras ao direito) reside muito da simpatia que alguns
autores acabam por demonstrar às teorias estreitas do suposto de fato (
Tatbestand)
dos direitos fundamentais, que, em sua essência, mais não prometem do
que, sempre e sempre, a existência de um âmbito previamente delimitado
de sinais característicos de uma norma constitucional independentemente
das circunstâncias jurídicas (outras normas) e objetivas (outros fatos)
que condicionem a sua interpretação e aplicação. Confira-se Robert
Alexy.
Theory der Grundrechte, p. 280 e seguintes. Como um bom modelo de teoria estreita do suposto fático dos direitos fundamentais, ver
Die Positivität der Grundrechte de Fr. Müller.
[12] Klaus Günther.
Der Sinn für Angemessenheit, p. 266 e seguintes.
[13] Aqui talvez, com muito cuidado, dentro desses estreitos limites, ganhasse algum significado o modelo de ponderação
por definição,
ao gosto dos americanos, já atrás extensamente criticado. De fato, um
modelo de ponderação, obviamente, sempre que possível, deve ser mais do
que um mero resultado para o caso concreto e isolado. Assim, conforme
Laura Clérico (
Die Struktur der Verhältnismäβigkeit, p. 152), casos com evidentes sinais iguais ou semelhantes podem
prima facie
estar vinculados a um mesmo resultado de ponderação, o que garantiria
ao mesmo tempo estabilidade, previsibilidade e segurança em relação às
decisões de ponderação de bens. Hoje, chega-se mesmo a falar de
rede de ponderações
para referir-se às relações havidas entre casos de ponderação que
possam oferecer uma generalização de proposição de primazia ou
preferência entre princípios onde se possam atestar sinais e marcas de
caracterização iguais ou semelhantes (cfe. Laura Clérico.
Die Struktur der Verhältnismäβigkeit,
p. 156 e seguintes). Entretanto, adverte a mesma autora, a aceitação de
uma rede de regras de resultado de ponderação pode evidentemente
conduzir à desvantagens como a petrificação de soluções e o tratamento
igual de situações substancialmente diferentes, tudo em nome de uma
continuidade e estabilidade irrefletida (
idem, p. 160).
[14] Klaus Günther.
Der Sinn für Angemessenheit, p. 266.
[15] Uma adequada análise dos limites das teorias reduzidas do
Tatbestand dos direitos fundamentais veja-se, por todos, em Robert Alexy.
Theory der Grundrechte, p. 280 e seguintes.
[16] BVerfGE 83, 130-155 – Josefine Mutzenbacher.
[17]
O livro - de ficção - é a história vivida no início do século por uma
prostituta vienense, narrada por ela mesma, consistindo em grande medida
nas experiências sexuais que a profissão e a vida de prostituta
impunham à personagem principal.
[18] J.J. Gomes Canotilho.
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1222/3.
Néviton Guedes é desembargador federal do TRF da 1ª Região e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.
Artigo extraído da Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2012