terça-feira, 22 de dezembro de 2020

THE KORGIS - DON'T LOOK BACK ( Não olhe para trás)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

domingo, 20 de dezembro de 2020

UM SOPRO DE VENTO EM MEU ROSTO

Rogério Rocha
Rogério Rocha (filósofo e escritor)


Por Rogério Henrique Castro Rocha

 

Bateu com as mãos seis vezes sobre seu peito. Um tronco forte, forjado na luta cotidiana e em anos de saga no trabalho das fazendas do interior. Punho cerrado, braço forte, como o peso de um porrete. Vi no gesto algo como um primata em ambiente natural, num alarido que aos outros soaria quase como um ritual bárbaro. Uma forma extrema de reafirmação de seu poder.

Gritou, esmurrou, socou. Primeiro o peito dele, depois o meu. Sobre o dele os murros eram como impulsos de energia, a potencializar ainda mais a dinâmica daquele momento. Uma prévia da ação. Sobre o meu, era como se uma carreta estivesse por me esmagar. Era quase um coice de cavalo bravo.

Bateu com força e esbravejou. Sempre que fazia isso era a meio metro de distância, deixando a espuma respingar dos cantos de sua grande boca. Aquela mesma que um dia, sedenta, desfrutei ao beijar a primeira vez. É... Quem diria.

Apesar dos meus pedidos, era incapaz de parar. Minha alma estava pálida àquela altura. Meu rosto também. Mas depois mudaria para pior, ficaria rubro, vermelho. Nele o sangue, a fraqueza, a frouxidão...

Ele veio com tudo. Sim. Veio com fome de mim. Distribuiu um golpe seco, chapado, com a palma da mão cheia de calos sobre a minha face. Afinal, o trabalho na obra nunca o dignificara. Nunca, nunca mesmo.

Ele bateu em seu peito de rinoceronte. Bateu, depois cuspiu sobre mim. Empurrou-me sobre a mesa da cozinha. Com os braços esticados em sua direção, as mãos querendo proteger o rosto, retruquei com algumas palavras tímidas que nem sei quais foram. Mas não importa! Para mim nada importa hoje. Para ele menos ainda.

Fui tímida a vida toda. Tímida e tola. Sobretudo quando deitava na cama para que o seu pesado corpo, ainda não banhado, me amassasse com frenéticas investidas, que bagunçavam tudo dentro de minhas entranhas.

Algumas vezes percebi ser eu a fonte daquela gênese de sentimentos, mas tudo muito confuso. Ciúmes e posse, amor, violência, querer e ceder. Depois, mansamente, fui recuando para dentro do meu deserto de esperas e falsas esperanças. Espera pelo que nunca seríamos e esperança pelo que deixaria de ser também, muito brevemente.

O café que derramei sobre o pano da mesa, quando contra ela me choquei, estava preto. Sem um pingo de leite. Preto, preto, simples como a vida. Sem açúcar também, isso lembro. Mas não consegui pegar o pote, pois foi justo quando ele chegou do trabalho. Estava tarde. Era tarde mesmo, eu sei. Mas parece que para mim tudo é tarde já faz um tempo.

Sofri em desespero com as descargas de adrenalina que faziam daqueles olhos verdes, que me fulminavam segundo após segundo, um lago de insanidade. Também sofri pelos trancos que minha coluna pegou, pelos trincos que a cervical devia ter, por causa daquelas mãos pegajosas atadas aos meus braços, a me sacudir como se fosse uma boneca de pano em tamanho gigante.

Foi quando girou rumo à porta que dava para o pequeno quarto dos gozos que eu não mais tivera, em busca do cinto que sempre usava, que abri a gaveta do armário da cozinha, tirei a faca de pão e a escondi atrás de mim. Na volta, com a mão direita a esmagar minhas bochechas, num breve deslize da guarda, antes de outra surra, enfiei de um golpe só o pequeno instrumento no lado esquerdo de sua garganta. Foi duro, rápido, urgente. Quase um flash para mim, a eternidade para ele.

Ouvi um urro de leão ecoar no espaço diminuto da nossa casa, um corpo imenso a cair no chão esperneando, debatendo-se como um porco a estrebuchar. Paralisada, devorei com os olhos lacrimosos a imagem daquele monstro, já nas últimas. Até o ponto em que pude, eu o encarei, navegando em velocidade da luz as memórias destroçadas de uma história de constantes desassossegos.

Depois do que vi, não tive mais pena, medo, dor, cansaço. Saí sem trancar a porta. Sem olhar ao redor. Mãos sujas de sangue. Deixei naquela casa minhas roupas e o pouco que construí com o meu carrasco. Num rumo incerto, passei a correr mais leve, mais rápido. A alma então, outrora pesada, bem mais que a sombra frágil do meu corpo, fugia em disparada.

Era noite. Ia eu embora pela rua deserta. Chorava e sorria, num descontrole que lembrava o jorro de ar na torneira, quando a água chega. Por mero influxo, o riso me tomou a face, lambeu meus lábios, limpou todo o sangue. Ao mesmo tempo, sentia, com prazer, um sopro de vento que beijava meu rosto e um forte arrepio, da coluna à nuca, enquanto descia a ladeira em direção ao nada daquela vida que acabara e ao tenso encontro com a liberdade de uma incerta madrugada.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

COMENTÁRIOS SOBRE O LIVRO DE POEMAS "PEDRA DOS OLHOS" (TEXTO DO ESCRITOR CHARLES SIMÕES)


Reproduzo aqui um texto de autoria do escritor maranhense Charles Simões, onde tece considerações sobre a leitura de meu livro de poemas "Pedra dos Olhos". Boa leitura!

 
"Não sou crítico, mas se entendesse das coisas que necessitam de crítica talvez lesse um pouco mais, não para fazer uma crítica mas uma reflexão a partir das reflexões que me foram postas pelos textos que me foram apresentados.Como não sou crítico nem poeta, direi umas palavrinhas a respeito desta obra que acabei de ler depois de ter lido o autor que me impulsionou a ser um dos seus leitores a partir de um texto que postara hoje neste 27 de outubro que não é de Francis Cabrel.
 
A obra é " Pedra dos Olhos" da Editora Hamsa e o autor é o maranhense Rogério Rocha, professor e filósofo. Eu já conheço o autor e por vezes que nos encontramos ocasionalmente, Rogério, educado e cortesmente sempre nos permitiu um dedo de prosa, mas aquela prosa que se alguém não parar para ir-se embora, ficaria- se horas e horas. Na maioria das vezes, ele está sempre acompanhado de meninos simples mas que respiram poesia, embora digam não ser poetas.
 
Hoje, com um tempo de sobra, olhei a rede social de soslaio e encontrei o texto do artista se indagando a respeito dos tipos de leitores que o leriam. Achei- me no direito, sem pedir licença, de ser um leitor seu ou da sua obra. Já tinha visto no dia que adquiri o livro que a apresentação fora feita por Saulo Barreto que sempre tem o prazer de dividir e compartilhar ideias com o nobre filósofo e conforme o final da apresentação se acha um amigo menor.
 
Eu li a obra em um fôlego e simplesmente senti muito prazer ao fazer tão boa leitura. Não sou um leitor eficiente para leitura de textos deste calibre, até porque não sou poeta, mas cada poema deixava- me extasiado. Rogério Rocha não dispensa uma boa escolha lexical e de maneira muito disciplinada não segue regras impostas pelas regras dos doutores em poema e que muitas vezes entendem pouco de poesia, afirmação minha, como um homem simples no ato de pensar, porque poesia brota de dentro da gente como dizia outro grande poeta José Chagas.
 
Eu tenho a sensação que o poeta/filósofo, nunca finalizou um poema em um só dia, eu acho que sentava, e no silêncio de sua calma, ele matutava e matutava, para em versos brancos apresentar uma rica poesia que sempre traz um ritmo e métrica tão bem colocados que só depois do verso lido você percebe ser branco porque além de ricos em ritmos são muito marcados por uma métrica própria.
Não me peçam para explicar isso, adquiram a obra e tirem suas dúvidas, eu tenho plena consciência que o autor sabe sobre tudo e dialoga sobretudo sobre as coisas humanas e ele se preocupa como um poeta grande que não deixa os menores problemas serem passados em branco pois em brancos versos versa sobre tudo que lhe vem à mente.
 
Cada poema tem uma natureza singular, o dito está no que diz porque era preciso dizer e quando talvez não diz a gente encontra porque descobre que era aquilo que queria dizer. Todos os poemas são uma riqueza de poesia mesmo que venham interpolados com a crônica, mas percebi um grand poeta quando apresentou Nauro Machado um dos últimos poetas grandes que nasceu na nossa cidade que transpira poesia como as de Gonçalves Dias, Ferreira Gullar e tantos outros mais.
 
E aqui jamais eu digo que os demais não são poetas, são sim, mas que Nauro era daqueles poetas que fez da poesia a sua morada, às vezes quando se via com seu guarda- chuva e o seu silêncio, andando devagar na singela cidade, às vezes tão mal cuidada, o poeta construía tão primorosas poesias que cheias de magia nos encantavam como encantado fiquei ao ler todos os poemas de Pedra nos Olhos de Rogério Rocha. 
 
Nobres amigos leitores se desejam encantar-se ou se deixar encantar por tão rica, nobre e arrojada poesia leia a obra e tire suas próprias conclusões, pois podem crer que eu sou suspeita. 

Entre o real e o imaginário: quem é o público para o qual escrevo?


 Por Rogério Rocha

Escrever é um ato solitário. Em essência, trata-se, ao mesmo tempo, de um ausentar-se do mundo exterior e um abrigar-se no universo que vive no íntimo de cada um de nós
 
Na escrita, trafega-se do fora para dentro e do dentro para fora, num movimento pendular entre momentos de conversa com suas próprias ideias e outras com o mundo da vida, que dele nos convoca a tomar parte. Afinal, é nele que a maioria de nós vai buscar elementos para desfiar suas falas imaginárias, construir seus diálogos, plasmar cenários, personagens, fazer versos.
 
A criatividade também entra nesse complexo de coisas referenciáveis no plano das maquinações do autor. A um fluxo de livres pensamentos, ordenados posteriormente talvez por uma estrutura que acolha alguma lógica ou a pura sensibilidade, somam-se os eventos múltiplos que desfilam diante das visões formadas pela assunção do desejo de algo dizer, contar, expressar.
 
Nessa dinâmica processual, obras vem a lume (para o gosto ou desgosto do leitor). Sim. Aqui está ele! O leitor. O destinatário do objeto final da produção literária. Razão de ser teórica e prática de quem escreve. Afinal, só há livros porque há leitores. E um leitor torna-se o que é justamente por causa da existência do livro.
 
Mas será mesmo que quem escreve tem em mente sempre uma pessoa? E se for, quem é esse outro que me decifra, que me interpreta e que desvela as entrelinhas do que produzo? Esse ele ou ela para quem direciono o que compõe o meu querer dizer o mundo.
 
Há pelo menos três tipos de escritores: os que escrevem para si; os que escrevem para os outros (o público) e os que escrevem para si e para outros.
 
No primeiro tipo temos escritores e escritoras inseguros quanto a suas reais qualidades. Geralmente em formação, temem mostrar suas produções a outrem, com medo da reprovação, da crítica mais pesada ou mesmo do simples desprezo. São tímidos e não conseguem imaginar terem devassadas as suas mais íntimas inquietações, seus devaneios, personalidades, sonhos e loucuras. São autores e leitores de si mesmos – aliás, não nos esqueçamos, o autor é também sempre o seu primeiro leitor. No segundo tipo, ou seja, dos que escrevem para os outros, há os que escrevem para seus pares (autores e autoras) e para os críticos. Esses, decerto, possuem a tarefa mais inglória. Carregam a pedra mais pesada. Serão julgados pela plateia mais exigente e também a mais apta a construir ou destruir reputações. O último tipo, por fim, representaria, a meu sentir, a melhor equalização do problema.
 
Levando em conta tais possibilidades, que não devem deixar de ser sopesadas, podemos nos perguntar, afinal, sobre o peso que essa questão deve ter para uma escritora, um escritor. Nesse sentido, cabe formular o seguinte questionamento: o outro para quem escrevo será sempre alguém real? Ou será na verdade um leitor imaginado?
 
Caberia dizer que, se é certo que não se pode afirmar peremptoriamente que sabemos sempre quem nos lê, é possível, entretanto, prospectar um universo delimitado de potenciais leitores. Gente que de alguma forma pode nutrir um relativo interesse por certas temáticas, certos estilos, certas escolhas artísticas, e arriscar a mira em torno de nichos de mercado.
 
Daí o porquê dos gêneros, e sobretudo dos subgêneros, em literatura, apostarem muito, de tempos em tempos, em certas modas, capazes de chamar a atenção de parcela dos consumidores.
 
Temas como vampiros, o sobrenatural, magia, aventura, mundos fantásticos, distopias, obras oriundas de desdobramentos de filmes, séries, desenhos e peças teatrais, por isso, acabam tendo lugar nas prateleiras de algumas pessoas com mais frequência.
 
No mais, retornando à questão lançada acima, e ampliando-a um pouco mais, diria que todo leitor, de alguma forma, acaba transformando-se também numa ideação. Um leitor que, em princípio, é sempre um anônimo para mim.
 
O leitor padrão recebe as tintas da suposta mediania, fazendo com que a escritora ou o escritor o crie em paralelo ao que escreveu, imaginando os prováveis olhares que poderão recair sobre suas obras. Deste modo, um acadêmico que publica um livro baseado num estudo realizado na universidade, ou na pós-graduação, partirá do princípio de que os prováveis compradores advirão do mesmo meio no qual transita. Enquanto isso, o autor infanto-juvenil, por exemplo, tem em mira um universo de crianças e jovens em fase de formação (os chamados pequenos leitores), e quase nunca, ou dificilmente, os adultos.
 
Ainda assim, tendo claro ou não o real destinatário de sua obra (ou o mercado que a absorverá, as pessoas que a receberão), o autor literário termina, por certo, tendo que encarar a eterna angústia de não saber onde está e quem é seu público real. E mais: se ele existe, que perfil terá. E se tiver (o que não é impossível), compreender que, para além da face do público que um dia se possa perceber, haverá esse outro reino de mistérios, entre o real e o imaginário, envolto numa quase ficção. A de que existe mesmo “o leitor”, “um leitor”, “as leitoras”, que estão lá, esperando, em algum lugar (que não diviso ao certo). Sei que estão... Ou não???
 
 

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