Parece madrugada
Parece madrugada. Olhos mórbidos no além.
Além das placas, além dos postes,
homens inóspitos se contorcem.
Parece frio, mas é coração.
Vazio teatro sem público,
sem espetáculo.
Ilusões efetivas, como lanças,
como farpas, ferem, furam, rasgam.
Luminárias com seus pálidos fachos.
Mesas desertas, cadeiras sem ninguém.
"Pode sentar! Não paga nada."
"Fique à vontade!"
Parece madrugada.
Parece desvio, mas é caminho
sem volta, sem portas, campainhas...
Só o medo não desata. Só o desejo flui sem pejos.
Mas não há gozos, não há beijos. Só risadas de ontem.
Nos estertores de um arremedo.
Um arremesso, um arremate.
Um xeque-mate nos sentimentos.
Não sei se é cedo, não sei se é tarde,
Parece lisonja, mas é desprezo,
o olhar que não ronda, a voz que não fala,
o assédio que não pega, a mão que nunca afaga.
Pranto resguardado em canto de olhos fugidios.
Um frio terrível que nunca passa...
Um silêncio inapelável nos fundos da casa.
Parece amor, mas é precipício.
Parece abismo, mas é solidão.
Parece vida essa madrugada.
Rogério Rocha.
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