Marca de Ayrton Senna continua sendo uma das mais valiosas e rentáveis do esporte brasileiro (Foto: AP)
Duas décadas depois do acidente que matou
Ayrton Senna
na pista de Ímola, em 1º de maio de 1994, a marca do piloto continua a
ser uma das mais valiosas e rentáveis do esporte brasileiro.
Hoje é possível comprar desde aparelhos de DVD a capas de smartphone,
macarrão instantâneo, achocolatado e artigos de papelaria com a grife do
piloto ou do personagem de história em quadrinhos criado em sua
homenagem - o Senninha.
Marco Crespo, diretor de negócios do Instituto Ayrton Senna (IAS),
estima que o montante movimentado com a venda desses produtos e
campanhas ligadas ao nome de Senna seja de R$ 600 milhões a R$ 1 bilhão.
Ovo de páscoa do Senninha (Foto: Divulgação IAS)
"Essa é a estimativa do valor total dos produtos que chegam ao
consumidor final", explicou Crespo à BBC Brasil. "O que obtemos com
royalties é uma parcela pequena disso - em geral de 5% a 15% do preço no
varejo. Ou menos, no caso dos produtos do Senninha."
Em 2012 e 2013, o IAS recebeu mais de R$ 20 milhões com contratos de licenciamento, segundo Crespo.
Segundo um levantamento feito no ano passado por Erich Beting,
sócio-diretor da agência de notícias Máquina do Esporte, especializada
em marketing esportivo, tal patamar coloca a marca Senna no segundo
lugar entre as mais lucrativas do esporte brasileiro, à frente de Neymar
(R$ 20 milhões ao ano) e Ronaldo (entre R$ 15 e R$ 18 milhões), e atrás
apenas de Pelé - cujos rendimentos teriam chegado a R$ 70 milhões em
função dos contratos ligados a Copa.
Além disso, embora nenhum número tenha sido divulgado para 2014, Crespo
diz que a arrecadação do IAS deve crescer com os lançamentos ligados ao
aniversário da morte de Senna e eventos que aumentam a exposição de seu
nome.
"Já percebemos uma alta de 50% na busca por parcerias e contratos de licenciamento", diz o diretor de negócios do instituto.
Em março, por exemplo, a Montegrappa anunciou a criação de uma série
comemorativa de canetas de luxo em homenagem a Senna. A fabricante de
motos Ducati também está colocando a venda no mercado brasileiro um
modelo de R$ 100 mil com a marca do ídolo. E a companhia aérea Azul pôs
em operação uma aeronave com as cores do seu capacete. O primeiro voo,
com a presença de Viviane Senna, irmã do piloto e presidente do IAS, foi
de Porto Alegre a São Paulo na última terça-feira.
Narrativa do herói
Para especialistas em marketing esportivo, o sucesso da marca Senna deve-se a uma combinação de dois fatores.
Primeiro, a força da história e do legado do piloto. Segundo, a boa gestão dos negócios ligados ao seu nome pelo IAS.
"Senna viveu o auge de sua carreira em um momento em que o Brasil
passava por uma espécie de 'crise de autoestima''', acredita Pedro
Trengrouse, coordenador do curso de 'Gestão, Marketing e Direito no
Esporte' da Fundação Getúlio Vargas.
Avião com marca de Senna (Foto: AFP)
"No início dos anos 90, havíamos acabado de nos tornar uma democracia,
ainda sofríamos com a hiperinflação e a seleção brasileira não ganhava
uma Copa desde os anos 70 - mas ligávamos a TV no domingo e víamos a
bandeira brasileira no pódio", ele lembra.
"Ayrton Senna personificava a ideia de um país que podia dar certo, era
motivo de orgulho nacional em um momento crítico. Por isso, é natural
que sua imagem tenha ficado gravada na memória afetiva de tantos
brasileiros."
Segundo um estudo do instituto Ibope Repucom que analisa a percepção da
população sobre celebridades - o Celebrity DBI - Senna é a
personalidade com mais aceitação entre os brasileiros.
No total, 89% da população em geral admira o piloto - percentual maior
que o de ídolos como Pelé, Ronaldo, Neymar e o tenista Gustavo Kuerten.
No caso dos brasileiros com mais de 25 anos, o índice é de 93%.
Para Eduardo Muniz, professor da Escola Superior de Propaganda e
Marketing (ESPM) e sócio-diretor da agência Top Brands, contribui para a
força da imagem do piloto o fato de sua história reproduzir a
"trajetória de um herói de uma tragédia mitológica".
"O acidente de Ímola matou Senna no auge. Ninguém chegou a ver o
declínio de sua carreira, como no caso de outros atletas, como Gustavo
Kuerten", diz Muniz.
"Isso eternizou na mente das pessoas a imagem do piloto em seu melhor momento - o que ajuda a dar força a sua marca."
Gestão da marca
Na opinião dos especialistas, porém, parte desse potencial de negócios
ligado ao nome Senna poderia ter se perdido ao longo dos anos não fosse a
boa gestão da marca pela família do piloto - que a vinculou a projetos
sociais tidos como referência na área de educação.
Muniz nota, por exemplo, que embora o piloto sempre fosse visto como
alguém sensível a problemas sociais e humanos, morreu antes de poder
concretizar seus projetos nessa área.
O IAS foi idealizado por Senna, mas só saiu do papel em novembro de
1994, quando sua família lhe cedeu todos os direitos sobre a imagem do
piloto.
Desde então, a ONG vem atuando em projetos para melhorar a eficiência
de instituições de ensino por todo o país, organizando desde programas
de reforço escolar e capacitação de educadores até sistemas de gestão de
recursos.
Pelas contas de seus coordenadores, atende a uma média de 2 milhões de
crianças a cada ano. E é para tal projetos que se destina toda a receita
obtida com o licenciamento de produtos da grife Senna - do tênis do
Senninha aos relógios Hublot da coleção do piloto.
"O fato de os recursos serem usados em projetos sociais é o que permite
que uma variedade tão grande de mercadorias seja licenciada sem que
haja um desgaste comercial da marca", acredita Muniz.
"Se o lucro com esses negócios fosse simplesmente embolsado pela
família, provavelmente eles teriam de selecionar uma gama menor de itens
mais ligados ao universo da Fórmula 1 para evitar a percepção de que o
nome do piloto poderia estar sendo superexplorado", opina.
Viviane Senna
(Foto: Roberto Setton/Divulgação IAS)
Branding
A grife Senna é um caso de sucesso em uma área de negócios que ainda engatinha no Brasil - o chamado 'branding' esportivo.
Trata-se do trabalho de construção e de administração de uma marca
esportiva para aproveitar seu potencial de mercado em licenciamentos e
campanhas publicitárias.
É claro que, no caso dos atletas, esse potencial depende antes de tudo
da forma como cada um toca sua vida e carreira, como explica João
Henrique Areias, autor do livro Uma Bela Jogada - 20 anos de Marketing
Esportivo.
"Se o atleta tem uma imagem positiva e uma conduta que pode servir de
inspiração para os jovens, mais empresas vão querer se vincular a seu
nome", diz Areias, que nos anos 90 foi sócio de Pelé em uma consultoria
de marketing esportivo que levava o nome do jogador.
"Era esse o caso de Senna, identificado com valores como garra e persistência."
Por outro lado, quem está constantemente metido em escândalos ou é
visto como um atleta sem ética pode se tornar um azarão no mundo
publicitário.
Um caso emblemático nesse sentido é o do ciclista Lance Armstrong, que
caiu em desgraça quando veio à tona que ele praticou doping para vencer
seus sete Tours de France.
Depois do escândalo, Armstrong não só perdeu o patrocínio da Nike como a
fabricante de produtos esportivos também anunciou que não pretendia nem
renovar sua parceria com a fundação criada por ele para apoiar vítimas
de câncer - a Livestrong.
"Há erros que são imperdoáveis para o público, embora deslizes menos
graves possam ser deixados para trás se forem admitidos prontamente e o
atleta mostrar arrependimento pelo que fez", acredita Areias.
Campanhas erradas
Ele destaca, porém, que mesmo com uma vida pessoal livre de polêmicas,
um esportista pode ter o potencial comercial de seu nome minado pela
escolha de produtos, campanhas e peças publicitárias erradas - e essa é
uma das áreas em que uma boa gestão da sua 'marca' pode fazer a
diferença, como mostra o caso Senna.
Nos anos 1970, por exemplo, o jogador Gérson acabou sendo identificado
como uma espécie de patrono dos malandros e sujeitos sem escrúpulos após
uma propaganda de cigarro na TV em que, com um sotaque carioca
carregado, convidava os telespectadores a serem espertos para 'levar
vantagem' na vida.
Hoje, os aficcionados por futebol provavelmente vão lembrar que o
meia-armador Gérson de Oliveira Nunes era parte da seleção tricampeã de
1970; que era conhecido como o "canhotinha de ouro" e conseguia lançar a
bola aonde quisesse, com uma precisão invejável.
Mas um número ainda maior de pessoas vai associar seu nome ao
controverso código de conduta que ficou conhecido com 'Lei de Gerson':
'Leve vantagem você também, leve vantagem em tudo'.
"Há contratos comerciais que garantem uma boa rentabilidade imediata,
mas se os valores da empresa em questão estão em desacordo com os
valores aos quais queremos ligar a nossa marca, o estrago pode ser
grande no longo prazo", explica Crespo, do IAS. "Sempre tivemos
consciência disso no IAS - e acho que isso foi crucial para o sucesso da
marca Senna."
Fonte: G1 Economia