Gazeta Wyborcza, Varsóvia – Presseurop – imagem de Rainer Hachfeld
A
coisa parece decidida: Berlim vai impor a sua visão política e a sua
ordem económica à UE. Não é fácil, escreve o Gazeta Wyborcza, porque o
seu modelo social está em declínio e o país não está mais bem preparado
do que os outros para a união política.
Muitos
mitos foram crescendo em torno da política europeia da Alemanha, mitos
que não permitem abarcar totalmente a gravidade da situação atual. Pelo
menos dois exigem uma explicação.
O
primeiro mito diz que a Alemanha – o maior beneficiário da moeda única e
a maior economia da Europa – renunciou à solidariedade com o resto do
continente e virou-lhe as costas. Na realidade, sem o apoio da Alemanha,
a zona euro teria caído há muito tempo. Nos últimos três anos, Berlim
concedeu mais de 200 mil milhões de euros em empréstimos e garantias de
crédito a Estados-membros da conturbada zona euro.
O
segundo mito diz que – apesar da crise – a Alemanha está hoje tão bem
que perdeu o interesse na Europa e procura parceiros em países como a
China ou o Brasil. É certo que foi o comércio com aqueles países que
levou ao crescimento da Alemanha no primeiro trimestre de 2012, apesar
da deterioração das condições de mercado. Mas as exportações alemãs
continuam dependentes da zona euro, que representa 40% das transações
(contra apenas 6% com a China). O colapso do euro e a agitação social e
política que previsivelmente se seguiria em pelo menos algumas das
economias da moeda única afetaria muito mais a Alemanha do que diversos
outros países.
Fim da simbiose
As
fontes do problema alemão da Europa – ou do problema europeu da
Alemanha – residem noutro lado e são mais determinantes. Em primeiro
lugar, a atual crise atingiu duramente a Alemanha. Não em termos
económicos, mas em termos políticos e morais. Longe de anunciar o início
de uma "Europa alemã", significa realmente o seu fim.
O
sistema de moeda comum foi baseado no modelo alemão e o Banco Central
Europeu é uma cópia do Bundesbank. A falência desta "Europa de
Maastricht" destrói efetivamente dois pressupostos cruciais para a
política da Alemanha – que as soluções alemãs são as melhores para a
Europa e que o modelo económico alemão progride em simbiose com a
integração europeia.
Antes
de a crise começar, ambos faziam sentido. A Alemanha apoiou uma
integração cada vez mais estreita, servindo de motor à formação do
mercado comum e da moeda única – e isso beneficiou a Europa. Mas foi
também um pré-requisito para a prosperidade do pós-guerra da Alemanha,
que se baseou na reconstrução da reputação internacional do país e no
desenvolvimento de uma economia orientada para a exportação. Nas últimas
duas décadas, a Alemanha habituou-se a pensar que o que era bom para a
Alemanha também o era para a Europa. Hoje, essa simbiose acabou.
Remédio para a crise
Para
salvar a Europa, os alemães não precisam apenas de abrir os cordões à
bolsa, mas também de abandonar os seus conceitos a respeito da Europa e
da economia, considerados garantia de sucesso da Alemanha nas décadas do
pós-guerra. Isso significa um grande desafio político e intelectual.
O
princípio inabalável de que cada país é responsável pelas suas próprias
dívidas está hoje posto de lado. O BCE tem desempenhado um papel
fundamental na recuperação da economia de vários países da falência,
contrariando o dogma alemão de que a manutenção da estabilidade
monetária é a única função da instituição.
É
um paradoxo que a Alemanha precise de se reinventar num momento em que o
seu modelo tem mais êxito que nunca, com a economia em crescimento e o
desemprego mais baixo de sempre. Mudar de rumo nestas circunstâncias
requer uma grande dose de coragem e determinação, que Merkel não tem.
A fraqueza do gigante
O
segundo motivo, pouco conhecido, para o presente dilema europeu da
Alemanha tem a ver com a sua própria situação socioeconómica. Os
benefícios do sucesso económico da Alemanha da última década têm tido
uma distribuição muito desigual. A desigualdade económica tem crescido
mais rapidamente do que no resto do mundo industrializado.
Durante
a fase de crescimento, a competitividade das exportações da Alemanha
deveu-se precisamente, em grande parte, a valores de mão de obra, ou
seja, baixos salários. Quem antes estava desempregado beneficiou
realmente com a criação de novos empregos. Mas a qualidade da maioria
desses empregos está muito longe do confortável epíteto de "capitalismo
do Reno". A Alemanha detém a maior quantidade de contratos de trabalho
“descartáveis” da Europa.
A
isso somam-se elevadas dívidas de muitos municípios, que, forçados a
introduzir medidas de austeridade drásticas, fecham serviços públicos,
piscinas, centros culturais e de saúde. Paradoxalmente, a erosão do
modelo social alemão acelerou-se a partir do lançamento do euro e do
resultante “boom” económico.
Enquanto
a Europa vê a Alemanha como uma potência económica que domina todo o
continente, os alemães – apesar da prosperidade – assistem a uma crise
do modelo de Estado social e de crescimento do bem-estar a que se tinham
habituado a seguir à guerra.
Déficit democrático
O
terceiro problema da Alemanha em relação à Europa tem a ver com
democracia. A recusa dos alemães em aceitar a criação de “eurobonds”
(títulos europeus de dívida) ou outras soluções mais radicais prende-se
com o facto de considerarem que tal transferência de prerrogativas para a
UE iria obrigar a alterações na sua constituição. O Tribunal
Constitucional de Karlsruhe assim o defendeu em tempos, definindo os
limites possíveis para a integração.
A UE tem hoje um problema real de democracia. Um dos aspetos é a tecnocracia, que, como aponta Ivan Krastev na edição
mais recente de Polityczny Przegląd ("Comentário político"), significa
que, na Itália ou Grécia, "os eleitores podem mudar governos, mas não a
política económica".
A
outra face deste problema é a falta de vontade política por parte das
sociedades (não apenas da alemã) em delegar mais poderes à UE. Talvez a
Europa só possa ser salva com um grande passo na direção de uma união
política, mas é precisamente a isso que a opinião pública dos
Estados-membros se opõe.
O
economista norte-americano Raghuran Rajan escreveu há algum tempo que
os políticos são incapazes de responder a perigos de escala
desconhecida. É uma boa explicação para a posição de Angela Merkel. Até
agora, a política alemã concentrou-se em minorar danos e tentar
preservar ao máximo a "Europa alemã".
Nos
últimos tempos, a chanceler Merkel vem mencionando a necessidade de
criar uma união política, perspetiva que os dirigentes da UE irão
discutir na cimeira do final deste mês. Não é Berlim, mas Paris, que se
pode revelar o maior obstáculo a esse processo. O dilema "colapso da UE
ou união política" tornou-se muito real. Talvez a maior falha de Merkel
tenha sido a sua incapacidade para preparar o público para ambos os
cenários.
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Merkel-Hollande
Entre o narcisismo e a histeria
Ao
oferecer 100 mil milhões de euros em garantias à Espanha para resgatar o
sistema bancário do país, a chanceler Angela Merkel "esqueceu os seus
princípios por momentos". Deixou também no ar a ideia de que os gregos
iriam ser igualmente beneficiados. Mas, como realça a Newsweek Polska, isso ainda não significa uma reversão da política de austeridade e de cortes no orçamento:
A
Alemanha tornou-se um gigante narcisista – muito orgulhoso do seu
êxito... A chanceler parece estar a dizer a todos na UE: ‘Sejam como
nós’. Este narcisismo não seria tão trágico se não se tivesse dado o
render da guarda em França. Ao invés de procurar novas soluções, o novo
Presidente francês está apenas interessado em dizer mal de Berlim. Vem
exigindo histericamente que Merkel – sem quaisquer condições à partida –
assine um enorme programa de ‘eurobonds’, que os alemães não terão
capacidade de cobrir. Esta é a fotografia da liderança da UE cinco
minutos antes do desastre. O narcisismo alemão está no comando. E a
histeria francesa continua a fazer exigências irrealistas, porque é a
única coisa de que é capaz.
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