Michael Sohn/AP
Chanceler alemã, Angela Merkel, cumprimenta o
presidente da França, François Hollande, depois de uma cerimônia militar
de boas-vindas em Berlim, Alemanha
Le Mond (por Daniel Cohen)
A poucos dias do conselho europeu de 28 e 29 de junho, os debates entre
França e Alemanha estão começando a parecer um diálogo de surdos. Os
franceses querem reforçar a união econômica, enquanto os alemães querem
um acordo prévio sobre a união política. Ninguém parece entender o que
outro quer dizer. Os alemães ouvem as propostas francesas como uma nova
edição do slogan "A Alemanha vai pagar", que marcou a vida política
francesa após a Primeira Guerra Mundial. Os franceses interpretam a
integração política à maneira alemã como um direito de vigilância e
ingerência sobre seu sistema de proteção social.
Essa dificuldade em se entenderem, na verdade, é o sintoma do problema
que deve ser resolvido. O euro é a moeda de uma união não identificada, e
ele tem sofrido, de acordo com o raciocínio constantemente lembrado
pelos economistas americanos, por não estar apoiado em um Estado
federal. Nos Estados Unidos, um Estado que seja atingido por uma
recessão automaticamente paga menos impostos ao Estado central, sem que
isso tenha influência sobre as despesas federais. Esse mecanismo cria
uma importante proteção automática, que permite compensar em 30% a 40% o
custo da recessão.
Já no caso dos Estados europeus, a atual crise os tem paralisado, uma
vez que eles não podem recorrer a um nível superior de responsabilidade
para amortecer seu impacto. Além disso, como um desempregado grego ou
espanhol não pode ir para a Baviera encontrar um emprego, as fronteiras
nacionais se tornam de fato uma prisão para os países em dificuldades.
A crise bancária é um exemplo essencial dos problemas que têm surgido.
Quando o Estado californiano se encontra em crise, os correntistas do
banco nacional Wells Fargo não são ameaçados, pois são protegidos por
garantias federais indivisíveis. Muitos pedem hoje por uma união
bancária europeia, que faça voltar para o nível federal a dupla tarefa
de supervisionar e recapitalizar os bancos em apuros.
Mas há dois problemas. Primeiro, não se compra uma apólice de seguros
depois que o incêndio já aconteceu, quando foram revelados os
beneficiários do mecanismo. Vista a partir da Alemanha, a proposta de
uma união bancária equivale a pedir que os contribuintes alemães
recapitalizem os bancos espanhóis. Segundo – o obstáculo maior - , não
se sabe o que é o "nível federal" dentro da zona do euro. O Tribunal
Constitucional de Karlsruhe proíbe que se tire o poder orçamentário do
Bundestag em prol de instituições "não democráticas". Qual é o sentido
exato do conceito?
De acordo com recentes decisões desse Tribunal Constitucional, seria
considerada como democrática uma instância eleita segundo o princípio de
que um voto tem o mesmo peso que o outro. O Parlamento Europeu, segundo
essa definição, não é, pois os representantes atuam de acordo com
circunscrições nacionais que não respeitam a equivalência entre
demografia e representação. Além disso, o Parlamento Europeu não é
dedicado à zona do euro, mas à Europa dos 27 Estados-membros. Em suma,
não existe uma instância de controle democrático que possa vigiar o
poder concedido a um organismo encarregado, por exemplo, de
recapitalizar um banco em dificuldades.
A imensidão da tarefa parece desanimadora, mas nenhum desses problemas é insuperável.
Só para ficar no exemplo da união bancária, pode-se primeiramente
decidir sobre o fato de que um dia ela será criada, uma vez que os
bancos nacionais tenham sido devidamente recapitalizados. Isso resolve o
primeiro problema, o do reconhecimento; primeiro se faz a faxina,
depois se passa para o nível federal, para voltar a dar coerência
sistêmica ao projeto europeu. A respeito do controle democrático, é
preciso ter uma instância própria da zona do euro. Os alemães têm
considerado uma nova Câmara, constituída de parlamentares nacionais.
É possível também imaginar outras fórmulas. Os eurodeputados da zona do
euro poderiam ser eleitos em chapas transnacionais, ao passo que os
outros países escolheriam seus representantes de acordo com as
circunscrições nacionais habituais. Um parlamento da zona do euro
poderia então se reunir o tanto que fosse necessário, para designar as
comissões dedicadas aos temas que dizem respeito à zona e votar neles. O
processo seria longo e complexo. Não bastará fechar um acordo com a
Alemanha sobre uma nova estrutura institucional, será preciso também
encontrar um consenso sobre os princípios constitucionais fundadores que
orientarão as políticas comuns.
Pode-se ter o luxo de se embarcar nessa nova iniciativa, num momento em
que a crise exige que se tomem decisões rápidas? Ela evidentemente não
substituirá as decisões de curto prazo que deverão ser tomadas, a
respeito da dívida e da condução da política orçamentária. Mas o anúncio
de que uma iniciativa ambiciosa foi tomada, com um cronograma preciso,
teria um efeito considerável. Isso porque o paradoxo dos mercados
financeiros é que eles podem entrar em uma espiral quando são
abandonados, mas que eles também são perfeitamente capazes de se
antecipar a um cronograma distante, contanto que ele seja plausível. É
possível ainda sair da crise por cima, se mostrarem que entenderam a
causa.
Tradutor: Lana Lim
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