Zeca Baleiro - Cantor e compositor
Há um treino para tornar os prestadores de serviço gentis e, mais que gentis, "sofisticados"
A ideia de sofisticação perpassa toda a vida moderna. Em tudo hoje há esse ideal de sofisticação. Pois quando você recebe um telefonema de um operador de telemarketing e ele lhe avisa que “vai estar lhe enviando a fatura, etc.”, ele está imaginando ser mais sofisticado do que se lhe dissesse simplesmente “vou lhe enviar a fatura...”. Quando o atendente da lanchonete ou da loja se aproxima e diz “meu nome é Carlos, estou aqui para ajudá-lo no que precisar”, é sofisticado o que ele pretende ser. Quando o dono da casa de galetos a batiza de “Galeteria”, é sofisticação o que ele quer sugerir com esse nome. Que suburbano seria se pintasse na fachada “vende-se galetos”, não?
Sim, quase nunca é um ímpeto natural, espontâneo. Há um treino para tornar os prestadores de serviço gentis e, mais que gentis, “sofisticados”. Cardápios de restaurantes são também um bom termômetro desta busca desenfreada (e nem sempre honesta) pelo ideal de sofisticação e finesse. Não basta descrever o prato como ele de fato é, há que dourar a pílula, digo, a receita. Não basta ser um filé-mignon, não, muito básico. Tem que ser um filé orgânico maturado em vinha de alhos hidropônicos colhidos durante a primavera (de preferência por crianças africanas, para que, além de sofisticado, tenhamos um toque humanitário também). A salada também não pode ter um simples tomate plantado em Atibaia. Não. Tem que ser um tomate especial, geneticamente transformado, irrigado por águas da serra, plantado em solo adubado com argila indiana, etc., etc., etc.
Também na seara da indústria cultural, há alguns pequenos truques de transformar o “simples” em “chique”. Quando a música dita sertaneja surgiu com toda força no final dos anos 80, seus ícones exibiam visual pop ou rock-n-roll. Não parecia ser mera coincidência a semelhança entre os cabelos de duplas como Chitãozinho e Xororó com os cabelos de Siouxsie and The Banshees e outras bandas new wave dessa década.
A diva caipira Inezita Barroso declarou, em recente entrevista, que o rótulo sertanejo foi adotado por conta da vergonha que as duplas tinham de assumir o termo “caipira”, mais genuíno, diz ela. “Sertanejo remete mais ao Nordeste que ao interior de São Paulo. Ninguém fala ‘vou pro sertão de Jundiaí!’’’. Grande Inezita!
Depois houve o tempo do forró universitário, febre que assolou o Brasil, especialmente São Paulo. Mais um truque previsível, afinal o forró estava para sempre associado à rudeza nordestina, era música de “baiano”, coisa de “paraíba”, não era música de bacana. Mas eis que um gênio marqueteiro qualquer (há muitos por aí), em sua oficina de truques geniais, deve ter pensado: “Se colarmos uma palavra chique
à palavra forró, hummm, deixe-me pensar: eureka! ‘Forró universitário’, claro!”. E assim a cruza de Duda Mendonça com André Midani fez o seu golaço.
Há poucos anos, com o surgimento de novas duplas, nem tão “sertanejas” assim, tomou-se emprestada a alcunha e assim surgiu o “sertanejo universitário”, nova febre musical que hoje domina a cena nos quatro cantos do País. Espera-se para breve o “pagode universitário”, a “gafieira acadêmica” e o “brega de vanguarda”, quem sabe.
Fonte: Revista IstoÉ
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