A
judicialização da política é um fenômeno observado em diversas sociedades
contemporâneas e apresenta, segundo CASTRO (2011), dois componentes
característicos:
(1) um novo "ativismo
judicial", isto é, uma nova disposição de tribunais judiciais no sentido
de expandir o escopo das questões sobre as quais eles devem formar juízos
jurisprudenciais (muitas dessas questões até recentemente ficavam reservadas ao
tratamento dado pelo Legislativo ou pelo Executivo); e (2) o interesse de
políticos e autoridades administrativas em adotar procedimentos (a)
semelhantes aos de um processo judicial (chamados de ‘procedimentos
quase-judiciais’) e (b) parâmetros jurisprudenciais em suas deliberações
(muitas vezes, o judiciário é politicamente provocado a fornecer esses
parâmetros).
Esse
novo judiciário exige do aplicador do direito que saia da condição inercial
(não no sentido atribuído doutrinariamente ao princípio da inércia do
judiciário, mas de passividade) e assuma postura proativa, alinhada com os
ditames e valores da pós-modernidade, em todo seu dinamismo. Cobra-lhe a
superação do positivismo privatista e do formalismo burocrático para dar lugar
ao exercício da cidadania pelos atores sociais, que demandam junto ao
judiciário a realização de ações, intervenções e políticas não prestadas ou
prestadas insatisfatoriamente pelo Executivo e pelo Legislativo.
No
entendimento de LAGO (2010), analisando a assunção do ativismo judicial pelos
órgãos superiores do poder judiciário em suas decisões:
Em nada fere a (...) tese de tripartição de
poderes o reconhecimento de poder ao Supremo Tribunal Federal para dar
concretude à Constituição. Tanto é assim para quem defende ser o Supremo
Tribunal Federal, enquanto no exercício de jurisdição constitucional, um órgão
acima da tripartição de poderes, como um Tribunal Constitucional, como para
quem o reconhece apenas como órgão máximo do Poder Judiciário.
Nesse
sentido, não vislumbro no texto constitucional (nem explícita, nem
implicitamente, muito menos em seu aspecto principiológico) qualquer elemento
que aponte para a vedação da postura ativa do julgador (ativismo judicial),
subtraindo assim a validade e a legitimidade de tal conduta.
No
Brasil, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Carta Magna, é quem tem
assumido mais visivelmente, na figura de alguns dos seus ministros (dentre eles
citamos Gilmar Mendes e Celso de Mello) e em acórdãos do pleno – no
enfrentamento de questões complexas onde se discutem, dentre outras coisas,
omissões de políticas públicas por parte do Executivo ou a ausência de
normatização pelo Legislativo – o protagonismo e a independência necessárias à
resolução de disputas e demandas que por vezes envolvem problemas da seara
política.
Isto
posto, nada vejo de estranho em assim julgar o judiciário. A Constituição
Federal, em seu art. 5º, XXXV, dispõe de forma bastante clara que: “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Logo,
se questões como as acima citadas ocorrem de ser levadas a apreciação do
Supremo, não há como furtar-se um ministro que o compõe, nem há como eximir-se
aquele órgão de enfrentá-la e sobre ela decidir, desde que fundamentadamente.
Tal
ativismo, contudo, a despeito de se querer afirmar que se trata na verdade de
mera intromissão na esfera de competência (ou de atribuições) de outros
poderes, não surge por acaso, pois toma por base a constitucionalização de
direitos, numa visão garantidora da efetividade dos direitos fundamentais, articulada
também com o respaldo dos mecanismos de freios e contrapesos. Fato que nos remete
então à resposta da segunda questão acima formulada, qual seja, a de que não se
pode falar aqui em ofensa à separação de poderes (ou funções) do Estado.
No
ponto, entendo não haver ofensa ao princípio da separação tripartite de poderes
do Estado pelo fato de que a simples existência de três poderes – independentes e harmônicos entre si, como quer o caput do artigo 2º da Constituição
Federal – não significa dizer que os mesmos sejam estanques, desvinculados,
isolados, insulados. Nada disso! O que se estabeleceu teoricamente, com o
passar do tempo, a partir de uma leitura aprofundada e mais coerente com o
pensamento do filósofo Montesquieu – bem como para com os princípios e ideias
que regem o atual momento histórico – foi que os poderes (ou funções) do Estado
se interrelacionam, se intersectam.
Em
várias situações o que vemos é a existência de um diálogo, um verdadeiro
intercâmbio entre os mesmos, sem que com isso se veja abalada a aludida
prescrição constitucional. Apenas para exemplificar, cito a recente escolha do
novo membro do STF. O festejado Ministro Luiz Fux, segundo os ditames da
própria Constituição Federal, foi: 1º) indicado pela chefe do Poder Executivo
da União; 2º) sabatinado pela CCJ do Senado Federal e posteriormente aprovado
pela maioria absoluta dos membros daquela Casa e 3º) teve publicada sua
nomeação pela Presidente da República no Diário Oficial da União.
Como
se vê, no processo de escolha de um membro do Poder Judiciário houve a participação decisiva e direta de membros dos dois outros
poderes da República, dando-lhe a legitimidade necessária para o exercício de
tão relevante cargo.
Portanto,
desde que mantidas a harmonia e a independência entre os poderes, não há que se
falar em intromissão, ingerência ou qualquer ofensa a princípio dessa magnitude.
REFERÊNCIAS
CASTRO, Marcos Faro de. O
Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política. Disponível em: http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_34/rbcs34_09.htm.
Acesso em: 02.02.2011
LAGO,
Rodrigo. A hermenêutica constitucional como instrumento de acesso à justiça.
Disponível em: http://www.osconstitucionalistas.com.br/a-hermeneutica-constitucional-como-instrumento-de-acesso-a-justica.
Acesso em 30.06.2010
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