Andé Ramos Tavares
Livre Docente em Direito pela USP. Professor da PUC/SP, do Mackenzie, do CEU-SP e da ESA-SP; Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais, autor do Curso de Direito Constitucional (Saraiva, 7. ed.) DIRETOR DA ESCOLA JUDICIÁRIA ELEITORAL
Originariamente, as Forças militares de um Estado encontravam sua finalidade primeira na conquista ou na defesa de territórios, embora se deva reconhecer o desempenho de um papel fundamental também na segurança interna. Recordo, a propósito, que na origem do próprio constitucionalismo e da democracia atual foram razões de ordem militar e de defesa comum, dos Estados que haviam se tornado recém-independentes da ex-Corôa britânica, que levaram à formatação do primeiro Estado Constitucional e democrático e, com ele, à manutenção de forças armadas com a função de segurança em geral. Todas as Constituições brasileiras previram expressamente as Forças Armadas incumbindo-as da defesa da pátria contra seus inimigos tanto externos quanto internos. Não há dúvida de que se trata de assunto com histórica feição constitucional. Na Constituição brasileira atual, assim como ocorre com a maioria das constituições contemporâneas no Mundo Ocidental, as Forças Armadas constituem, ainda, um instrumento de força, mas estão inseridas no contexto de um Estado Democrático de Direito, o que significa, primeiramente, que a elas é designado papel fundamental na manutenção da estabilidade das instituições, e ainda, em atividades de segurança pública e humanitárias. Colocam-se, com isso e em democracias consolidadas, como democraticamente imprescindíveis e responsáveis. Sobre a necessária relação, para o bem ou para o mal, das Forças Armadas com os "poderes constitucionais" e seus valores, vale recordar as palavras de Nelson Hungria, por ocasião do golpe de Estado que derrubou Café Filho. Afirmou o ilustre jurista brasileiro que o Supremo Tribunal Federal brasileiro era um arsenal de livros, e não de tanques - e, por isso, nada podia fazer para garantir o Governo, podendo apenas mostrar uma realidade, qual seja, a de que sem a garantia democrática das Forças Armadas não há poderes constituídos. No plano interno brasileiro, especificamente quanto à segurança pública, as Forças Armadas também podem ser chamadas a atuar, mas a Constituição brasileira atribui a segurança pública prioritariamente às polícias e corpos de bombeiros. Ainda no plano interno brasileiro, as Forças Armadas podem atuar diante de algumas hipóteses como: em intervenção federal; estado de defesa ou de sítio; na manutenção da lei e da ordem com policiamento no caso de esgotamento dos instrumentos previstos no art. 144 da Constituição brasileira; na segurança em eventos oficiais ou públicos de interesse nacional. Na busca de uma definição desse contemporâneo poder militar Joseph S. Nye Jr[1] o identifica com a força. Para esse autor, o poder militar expressa-se por meio de ameaças, o que permitiria a coerção, dissuasão e proteção, além de dar origem a políticas governamentais como a diplomacia coercitiva, a guerra e as alianças. Nye menciona a capacidade persuasiva do poder militar, que poderia, em situações específicas, gerar admiração, reconfortar, proteger, auxiliar os desvalidos em contextos de catástrofe etc. Lawrence Freedman[2], ao se debruçar sobre a latência do poder militar, ressalta seu caráter paradoxal: "o paradoxo do poder militar latente é que os benefícios políticos que podem ser obtidos por seu intermédio tendem a ser fundamentalmente negativos, ou seja, evidenciam-se pela ausência de desenvolvimentos perigosos e são colocados em risco tão logo haja demandas no sentido da passagem do estado latente para o ativo". Logo, a força armada seria mais democraticamente bem vinda em seu estado de letargia, e apesar de estar direcionada para responder, para entrar em ação, quando necessário, sua atuação efetiva é considerada, aqui, como sendo potencialmente ameaçadora. As Forças Armadas devem atuar diante de difícil e crucial missão seja em plano externo ou interno, mas em uma democracia constitucional devem se submeter à Constituição e ao governo civil e democrático, e em uma sociedade mundializada e em constante relacionamento devem funcionar como fator de estabilidade e segurança internacional. Todas essas dimensões de análise encontram-se vinculadas diretamente à democracia e aos direitos fundamentais, pois não posso conceber que o tema possa estar dissociado destes dois preciosos valores. Para mim, refletir sobre a contextualização do papel das forças militares nas democracias contemporâneas e na Ordem Internacional implica uma chave de leitura adequada que, aqui, há de ser um conceito ainda pouco desenvolvido, o da "segurança humana", superando-se, assim, a vetusta idéia de autodeterminação dos povos[3]. [1] NYE JR. Joseph S. Soft power: the means to success in world politics. New York: Public Affairs, 2004 apudALSINA JR. João Paulo Soares. Política externa e poder militar no Brasil - universos paralelos. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2009, p. 23. [2] FREEDMAN, Lawrence. Military power and political influence. International Affairs, v. 74, n. 4, Oct. 1998. P. 780 apud ALSINA JR. João Paulo Soares. Política externa e poder militar no Brasil - universos paralelos. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2009, p. 24. [3] ESTEVES, Paulo. Operações de manutenção de paz sob o programa da paz democrática. In: Segurança internacional, práticas, tendências, conceitos, 2010, p. 253. Fonte: Jornal Carta Forense |
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