domingo, 28 de junho de 2020
sexta-feira, 19 de junho de 2020
segunda-feira, 15 de junho de 2020
sábado, 13 de junho de 2020
domingo, 7 de junho de 2020
domingo, 31 de maio de 2020
sábado, 30 de maio de 2020
sexta-feira, 29 de maio de 2020
sexta-feira, 22 de maio de 2020
quarta-feira, 20 de maio de 2020
sábado, 16 de maio de 2020
quinta-feira, 14 de maio de 2020
segunda-feira, 11 de maio de 2020
sábado, 9 de maio de 2020
sexta-feira, 8 de maio de 2020
segunda-feira, 4 de maio de 2020
quinta-feira, 30 de abril de 2020
sábado, 25 de abril de 2020
quinta-feira, 23 de abril de 2020
domingo, 19 de abril de 2020
Vida de cão (As crônicas de Maurício)
Rogério Rocha (poeta, escritor, filósofo) |
No
condomínio mora muita gente. São quatro etapas com sete blocos cada.
Cada bloco com doze apartamentos, divididos em três andares. Neles,
muitas famílias: adultos, crianças, jovens, idosos e conflitos, como é
inevitável em lugares em que muitos residem.
Como não poderia deixar de ser, tem quem goste e odeie animais.
É
um lugar onde há muitos felinos, é bom dizer. Gatos, gatas e seus
filhotes criaram verdadeiras comunidades dentro da comunidade. Desse
modo, cada bloco tem lá seus dez a quinze gatos, quase plenamente
integrados ao cenário interior do conjunto.
Digo quase porque,
afora os que tem donos e vivem suas vidas mansas dentro dos
apartamentos, os que transitam no mundo exterior são alvos constantes de
moradores que os odeiam e aspiram um dia vê-los todos empalhados em
estantes, atropelados pelo carro da coleta de lixo, quem sabe até fritos
em espetinhos servidos em botecos ou simplesmente fora deste ambiente
social ocupado por humanos.
Existem, de outra parte, aqueles que
os defendem e lhes dão bom trato, cuidando de alimentá-los e
municiá-los com água potável e ração, com regularidade e em horários
britanicamente observados.
Há uns quatro anos, contudo, surgiu
por aqui um cachorro. Abandonado, adentrou a área dos blocos e passou a
dormir nos tapetes da porta de entrada de alguns prédios. A princípio
rechaçado, foi ficando, ficando... Hoje já faz parte da ambiência e
responde pelo nome de Maurício.
Foi adotado pela comunidade intramuros e alçou-se ao patamar de cão coletivo.
Não
me perguntem quem deu a ele este nome. Nome bonito, por sinal, e nome
de gente (a primeira vez que ouvi alguém chamá-lo energicamente, pensei
que fosse algum novo morador que chegara).
Sei que Maurício,
hoje alegre e faceiro, é um misto de cão sem raça definida e Labrador
Retriever; ícone das manhãs iluminadas, das tardes chuvosas e das
noitadas sonolentas. Ora a perseguir outros dogs, ora a implicar com os
gatos, correndo feito louco pelo jardim, ou a encarar os transeuntes com
seus mimos e assédios.
O cão muitas vezes age como um ator.
Em sua performance mais costumeira apresenta aquilo que poderíamos
chamar de falso ataque. Vai ao encontro de alguns moradores menos
conhecidos (sim, aqueles que a gente não vê quase nunca), rosnando e
encarando-os para, logo depois, passado o susto tremendo de quem foi
alvo de seus latidos abafados, tornar à posição inicial de cão de
guarda. Sem morder ou arranhar ninguém, senta-se ou deita-se no mesmo
posto em que estava, como se nada tivesse acontecido (para a irritação
de suas espantadas quase-vítimas).
Amado por muitos e
odiado por outros, é filho, amigo, problema, solução, companheiro,
morador, barulhento, moleque, serelepe, bagunceiro, intruso e
guarda-noturno. Um cão de todos e de ninguém. Aliás, foi assim que
chegou: como se fosse ninguém, como se um nada houvesse chegado. Como se
fora uma coisa, um ente estranho, de origem ignorada. Chegou como se
uma espaçonave vinda de Vênus o tivesse deitado ao solo durante o
silêncio puro da madrugada.
Ilustre e famoso morador do
condomínio (hoje com endereço, dono e moradia) nosso Maurício apareceu
aqui com o abandono estampado na pele, a dor na carcaça e o fel da
amargura habitando em seus olhos.
Era arredio, desconfiado,
carente. Aparentava ter sofrido muito lá por onde andou. Parecia
congregar em si, a um só tempo, angústia e necessidade. A angústia
solitária de ver-se qual ser-aí-no-mundo, em meio a hominídeos
desconfiados, insanos e atrozes. E a necessidade de tudo: afeto,
acolhimento, de uma geografia, um entorno, um fora e um dentro onde
estar.
Hoje, ajudante da segurança, monta guarda todas as noites
ao lado dos vigias dos blocos. Não recebe por isso nada mais do que sua
paga habitual: o carinho daqueles que o amam e o desprezo dos que o
detestam. Vida de cão é assim!
No mundo, eu sei, há muita gente
que se sente como Maurício: triste às vezes, feliz em outras tantas, a
correr atrás de gatos imaginários, lambendo o pelo depois de ser molhado
pela lama da poça d’água que um automóvel lhe espirrou; sem pai nem
mãe; despejado de um lar que nunca habitou, que nunca lhe pertenceu.
Essa mesma gente, penso, tem muito a aprender com a humanidade presente
na alma do nosso sofrido cão.
Postado por
Rogério Rocha
às
15:36
0
comentários
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
cachorro,
cão,
crônica,
humanidade,
Rogério Rocha,
sofrido,
vida
domingo, 12 de abril de 2020
Angra - Rebirth (acústico)
Rebirth (Angra)
Cooling breeze from the summer dayHearing echoes from your heart
Learning how to recompose the words
Let time just fly
Joyful sea-gulls roaming on the shore
Not a single note will sound
Raise my head after I dry my face
Let time just fly
Recalling, retreating
Returning, retrieving
A small talk you're missing
More clever, but older now
A leader, a learner
A lawful beginner
A lodger of lunacy
So lucid in a jungle
A helper, a sinner
A scarecrow's agonizing smile
Oh Oh! Minutes go round and round
Inside my head
Oh Oh! My chest will now explode
Falling into pieces
Rain breaks on the ground! -blood
One minute forever
A sinner regreting
My vulgar misery ends
(And I) ride the winds of a brand new day
High where mountains stand
Found my hope and pride again
Rebirth of a man
Time to fly...
Inside my head
Oh Oh! My chest will now explode
Falling into pieces
Rain breaks on the ground! -blood
One minute forever
A sinner regreting
My vulgar misery ends
(And I) ride the winds of a brand new day
High where mountains stand
Found my hope and pride again
Rebirth of a man
Time to fly...
domingo, 5 de abril de 2020
MAYA ANGELOU
Recentemente, escutei algo como "os aniversários são para sempre". Não
sei quem me disse isso, se li ou ouvi, e nem o contexto. Mas quando
penso sobre hoje, aniversário de Maya Angelou, só consigo concluir que,
sim, é uma data para ser sempre celebrada.
Maya (Marguerite Annie Johnson) foi uma poeta, escritora, condutora de
bondes (a primeira negra contratada para a função), atriz, cantora,
dançarina, diretora de cinema, ativista pelos direitos dos negros, ou
seja, teve uma vida recheada de histórias - que
ela gostava de contar e repetir, e que lhe renderam 7 autobiografias,
sucessos mundiais.
Com a poesia, Maya conquistou o Pulitzer (com o livro "Apenas me dê um
copo de água gelada antes que eu morraaa) e 3 Grammy com álbuns de
poesia falada, e essa era uma relação especial porque foi através da
poesia que Maya conseguiu romper com um trauma vivido
na infância. Quando tinha 7 anos, Maya foi estuprada pelo namorado de
sua mãe. Ela compartilhou o acontecido com seu irmão, Bailey, que contou
para o resto da família - dias depois, o estuprador foi encontrado
morto. Com isso, Maya acreditou que sua voz tinha
matado aquele homem e que, portanto, poderia matar qualquer um, por
isso, parou de falar e esse mutismo durou anos, sendo quebrado pela
provocação feita por uma amiga da família, a senhora Flowers, com quem
Maya passava algumas tardes. A senhora Flowers lia
para Maya uma infinidade de poetas (Shakespeare, Dickens, Poe) que,
depois, se tornaram referências para ela.
"Maya, você não gosta de poesia… Você nunca vai gostar até que a
recite, até sentí-la rolar pela sua língua, sobre os dentes, através de
seus lábios. Você nunca vai gostar". Diante disso, 5 anos depois que decidiu parar de falar, Maya tentou recitar
um poema. Essa relação que criou com a poesia, Maya explicava como "a prova de que algo bom pode nascer de uma situação ruim".
Desse momento em diante, mesmo com diversas atividades, Maya sempre
enxergou a poesia como seu trabalho e algo de extrema importância.
Publicou 5 livros de poesia: Apenas me dê um copo de água gelada antes
que eu morraaa; Oh, reze para que minhas asas me caiam bem; E ainda
assim eu me levanto; Shaker, por que você não canta? e Eu não serei
levada, além de diversos poemas avulsos, que foram
traduzidos e publicados no Brasil, em março. Seus poemas falam sobre a
condição da mulher negra estadunidense, que ama, que viaja, que
trabalha, que tem fé, que resiste e luta - como dizia: "afiando a ponta
da caneta nas cicatrizes que existiam no seu próprio
corpo". Com a chegada desta publicação ao país, é possível, ainda, se
tratando de uma existência particular, encontrar diversas relações entre
a vida da Maya e as vidas de tantas mulheres negro-brasileiras.
Abaixo, poemas de Maya e suas traduções, um bocado de cada livro. Que
com eles, que com a vida que existe neles, possamos celebrar a
existência dessa mulher fenomenal - como ela mesma se enxergava.
Lubi Prates
* * *
Quando penso sobre mim mesma
Quando penso sobre mim mesma,
Gargalho até quase morrer,
Minha vida tem sido uma grande piada,
Uma dança que se anda,
Uma canção que se fala,
Gargalho tanto que quase perco o ar,
Quando penso sobre mim mesma.
Quando penso sobre mim mesma,
Gargalho até quase morrer,
Minha vida tem sido uma grande piada,
Uma dança que se anda,
Uma canção que se fala,
Gargalho tanto que quase perco o ar,
Quando penso sobre mim mesma.
Sessenta anos no mundo dessa gente,
A criança para quem trabalho me chama de garota,
Eu respondo “Sim, senhora” por causa do emprego.
Muito orgulhosa para me curvar,
Muito pobre para me quebrar,
Gargalho até meu estômago doer,
Quando penso sobre mim mesma.
A criança para quem trabalho me chama de garota,
Eu respondo “Sim, senhora” por causa do emprego.
Muito orgulhosa para me curvar,
Muito pobre para me quebrar,
Gargalho até meu estômago doer,
Quando penso sobre mim mesma.
Meus pais podem me fazer cair na gargalhada,
Rir tanto até quase morrer,
As histórias que eles contam soam como mentiras,
Eles cultivam a fruta,
Mas só comem a casca,
Gargalho até começar a chorar,
Quando penso sobre meus pais.
Rir tanto até quase morrer,
As histórias que eles contam soam como mentiras,
Eles cultivam a fruta,
Mas só comem a casca,
Gargalho até começar a chorar,
Quando penso sobre meus pais.
When I think about myself
When I think about myself,
I almost laugh myself to death,
My life has been one great big joke,
A dance that’s walked,
A song that’s spoke,
I laugh so hard I almost choke,
When I think about myself.
Sixty years in these folks’ world,
The child I works for calls me girl,
I say “Yes ma’am” for working’s sake.
Too proud to bend,
Too poor to break,
I laugh until my stomach ache,
When I think about myself.
My folks can make me split my side,
I laughed so hard I nearly died,
The tales they tell sound just like lying,
They grow the fruit,
But eat the rind,
I laugh until I start to crying,
When I think about my folks.
When I think about myself,
I almost laugh myself to death,
My life has been one great big joke,
A dance that’s walked,
A song that’s spoke,
I laugh so hard I almost choke,
When I think about myself.
Sixty years in these folks’ world,
The child I works for calls me girl,
I say “Yes ma’am” for working’s sake.
Too proud to bend,
Too poor to break,
I laugh until my stomach ache,
When I think about myself.
My folks can make me split my side,
I laughed so hard I nearly died,
The tales they tell sound just like lying,
They grow the fruit,
But eat the rind,
I laugh until I start to crying,
When I think about my folks.
Para assistir a Maya declamando esse poema:
https://youtu.be/k9ywTJvBwTc
§
Minha culpa
Minha culpa são "as correntes da escravidão", por muito tempo
o barulho do ferro caindo ao longo dos anos.
Este irmão vendido, esta irmã que se foi,
tornam-se uma cera amarga tapando os meus ouvidos.
Minha culpa fez música com as lágrimas.
o barulho do ferro caindo ao longo dos anos.
Este irmão vendido, esta irmã que se foi,
tornam-se uma cera amarga tapando os meus ouvidos.
Minha culpa fez música com as lágrimas.
Meu crime são "os heróis mortos e esquecidos",
Vesey, Turner, Gabriel, mortos,
Malcolm, Marcus, Martin King, mortos.
Eles lutaram pesado e amaram bem.
Meu crime é estar viva para contar.
Vesey, Turner, Gabriel, mortos,
Malcolm, Marcus, Martin King, mortos.
Eles lutaram pesado e amaram bem.
Meu crime é estar viva para contar.
Meu pecado é “estar pendurada numa árvore”,
Eu não grito, isso me deixa orgulhosa.
Decidi morrer como um homem.
Faço isso para impressionar a multidão.
Meu pecado é não gritar mais alto.
Eu não grito, isso me deixa orgulhosa.
Decidi morrer como um homem.
Faço isso para impressionar a multidão.
Meu pecado é não gritar mais alto.
My guilt
My guilt is “slavery’s chains,” too long
the clang of iron falls down the years. This brother’s sold, this sister’s gone,
is bitter wax, lining my ears.
My guilt made music with the tears.
My crime is “heroes, dead and gone,”
dead Vesey, Turner, Gabriel*,
dead Malcolm, Marcus, Martin King.
They fought too hard, they loved too well.
My crime is I’m alive to tell.
My sin is “hanging from a tree,”
I do not scream, it makes me proud.
I take to dying like a man.
I do it to impress the crowd.
My sin lies in not screaming loud.
the clang of iron falls down the years. This brother’s sold, this sister’s gone,
is bitter wax, lining my ears.
My guilt made music with the tears.
My crime is “heroes, dead and gone,”
dead Vesey, Turner, Gabriel*,
dead Malcolm, Marcus, Martin King.
They fought too hard, they loved too well.
My crime is I’m alive to tell.
My sin is “hanging from a tree,”
I do not scream, it makes me proud.
I take to dying like a man.
I do it to impress the crowd.
My sin lies in not screaming loud.
*Nota: Vesey, Turner e Gabriel, assim como os também citados (e mais
conhecidos) Malcolm X, Marcus Garvey e Martin Luther King, foram
lutadores pela liberdade dos negros.
§
Um brinde à recomposição
Eu fui numa festa
lá em Hollywood.
A atmosfera era péssima
mas as bebidas estavam boas
e foi onde ouvi você rir.
lá em Hollywood.
A atmosfera era péssima
mas as bebidas estavam boas
e foi onde ouvi você rir.
Então, eu fiz um cruzeiro
num velho navio grego.
A tripulação era divertida
mas os convidados não eram descolados,
foi aí que encontrei suas mãos.
num velho navio grego.
A tripulação era divertida
mas os convidados não eram descolados,
foi aí que encontrei suas mãos.
Numa caravana
para o Saara,
O sol acertava como uma flecha
mas as noites eram grandiosas,
e foi assim que eu encontrei seu peito.
para o Saara,
O sol acertava como uma flecha
mas as noites eram grandiosas,
e foi assim que eu encontrei seu peito.
Numa tarde no Congo
onde o Congo termina,
Eu me encontrei sozinha, ah
mas eu fiz alguns amigos,
e foi onde eu vi seu rosto.
onde o Congo termina,
Eu me encontrei sozinha, ah
mas eu fiz alguns amigos,
e foi onde eu vi seu rosto.
Eu tenho dedicado
todo meu tempo para reunir
partes suas que flutuam
ainda descoladas.
todo meu tempo para reunir
partes suas que flutuam
ainda descoladas.
E você não vai se recompor
Para
Mim
N E N H U M A V E Z?
Para
Mim
N E N H U M A V E Z?
Here’s to Adhering
I went to a party
out in Hollywood,
The atmosphere was shoddy
but the drinks were good,
and that’s where I heard you laugh.
I then went cruising
on an old Greek ship,
The crew was amusing
but the guests weren’t hip,
that’s where I found your hands.
On to the Sahara
in a caravan,
The sun struck like an arrow
but the nights were grand,
and that’s how I found your chest.
An evening in the Congo
where the Congo ends,
I found myself alone, oh
but I made some friends,
that’s where I saw your face.
I have been devoting
all my time to get
Parts of you out floating
still unglued as yet.
Won’t you pull yourself together
For
Me
O N C E.
out in Hollywood,
The atmosphere was shoddy
but the drinks were good,
and that’s where I heard you laugh.
I then went cruising
on an old Greek ship,
The crew was amusing
but the guests weren’t hip,
that’s where I found your hands.
On to the Sahara
in a caravan,
The sun struck like an arrow
but the nights were grand,
and that’s how I found your chest.
An evening in the Congo
where the Congo ends,
I found myself alone, oh
but I made some friends,
that’s where I saw your face.
I have been devoting
all my time to get
Parts of you out floating
still unglued as yet.
Won’t you pull yourself together
For
Me
O N C E.
§
Trabalho de mulher
Eu tenho crianças para cuidar
As roupas para remendar
O chão para esfregar
A comida para comprar
Depois, o frango para fritar
O bebê para secar
Eu tenho as visitas para alimentar
O jardim para aparar
Eu tenho camisetas para passar
O bebê para vestir
A cana para cortar
Eu tenho que limpar essa cabana
Depois, cuidar dos doentes
E colher o algodão.
Eu tenho crianças para cuidar
As roupas para remendar
O chão para esfregar
A comida para comprar
Depois, o frango para fritar
O bebê para secar
Eu tenho as visitas para alimentar
O jardim para aparar
Eu tenho camisetas para passar
O bebê para vestir
A cana para cortar
Eu tenho que limpar essa cabana
Depois, cuidar dos doentes
E colher o algodão.
Brilhe sobre mim, luz do sol
Chova sobre mim, chuva
Caiam suavemente, gotas de orvalho
E refresquem minha testa novamente.
Chova sobre mim, chuva
Caiam suavemente, gotas de orvalho
E refresquem minha testa novamente.
Tempestade, me sopre daqui
Com seus ventos violentos
Me deixe flutuar através do céu
Até que eu possa descansar novamente.
Com seus ventos violentos
Me deixe flutuar através do céu
Até que eu possa descansar novamente.
Caiam gentilmente, flocos de neve
Me cubram de beijos
Brancos e gelados e
Me deixem descansar esta noite.
Me cubram de beijos
Brancos e gelados e
Me deixem descansar esta noite.
Sol, chuva, céu turvo
Montanha, oceanos, folhas e pedras
Luz das estrelas, brilho da lua
Vocês são tudo que posso chamar de meu.
Montanha, oceanos, folhas e pedras
Luz das estrelas, brilho da lua
Vocês são tudo que posso chamar de meu.
Woman Work
I’ve got the children to tend
The clothes to mend
The floor to mop
The food to shop
Then the chicken to fry
The baby to dry
I got company to feed
The garden to weed
I’ve got the shirts to press
The tots to dress
The cane to be cut
I gotta clean up this hut
Then see about the sick
And the cotton to pick.
Shine on me, sunshine
Rain on me, rain
Fall softly, dewdrops
And cool my brow again.
Storm, blow me from here
With your fiercest wind
Let me float across the sky
Till I can rest again.
Fall gently, snowflakes
Cover me with white
Cold icy kisses and
Let me rest tonight.
Sun, rain, curving sky
Mountain, oceans, leaf and stone
Star shine, moon glow
You’re all that I can call my own.
I’ve got the children to tend
The clothes to mend
The floor to mop
The food to shop
Then the chicken to fry
The baby to dry
I got company to feed
The garden to weed
I’ve got the shirts to press
The tots to dress
The cane to be cut
I gotta clean up this hut
Then see about the sick
And the cotton to pick.
Shine on me, sunshine
Rain on me, rain
Fall softly, dewdrops
And cool my brow again.
Storm, blow me from here
With your fiercest wind
Let me float across the sky
Till I can rest again.
Fall gently, snowflakes
Cover me with white
Cold icy kisses and
Let me rest tonight.
Sun, rain, curving sky
Mountain, oceans, leaf and stone
Star shine, moon glow
You’re all that I can call my own.
§
Mais uma rodada
Não há pagamento mais doce sob o sol
Do que o descanso depois de um trabalho bem feito.
Eu nasci para trabalhar até morrer
Mas eu não nasci
Para ser escrava.
Não há pagamento mais doce sob o sol
Do que o descanso depois de um trabalho bem feito.
Eu nasci para trabalhar até morrer
Mas eu não nasci
Para ser escrava.
Mais uma rodada
E viramos o navio,
Mais uma rodada
E viramos o navio.
E viramos o navio,
Mais uma rodada
E viramos o navio.
Papai molda o aço e Mamãe mantinha a guarda,
Nunca os ouvi reclamando porque o trabalho era pesado.
Nasceram para trabalhar até morrer
Mas não nasceram
Para morrer escravos.
Nunca os ouvi reclamando porque o trabalho era pesado.
Nasceram para trabalhar até morrer
Mas não nasceram
Para morrer escravos.
Mais uma rodada
E viramos o navio,
Mais uma rodada
E viramos o navio.
E viramos o navio,
Mais uma rodada
E viramos o navio.
Irmãos e irmãs sabem as tarefas diárias,
O trabalho não fez com que perdessem a cabeça.
Eles nasceram para trabalhar até morrer
Mas não nasceram
Para morrer escravos.
O trabalho não fez com que perdessem a cabeça.
Eles nasceram para trabalhar até morrer
Mas não nasceram
Para morrer escravos.
Mais uma rodada
E viramos o navio,
Mais uma rodada
E viramos o navio.
E viramos o navio,
Mais uma rodada
E viramos o navio.
E agora vou contar qual é minha Regra de Ouro,
Eu nasci para trabalhar, mas não sou nenhuma mula.
Eu nasci para trabalhar até morrer
Mas não nasci
Para morrer escrava.
Eu nasci para trabalhar, mas não sou nenhuma mula.
Eu nasci para trabalhar até morrer
Mas não nasci
Para morrer escrava.
Mais uma rodada
E viramos o navio,
Mais uma rodada
E viramos o navio.
E viramos o navio,
Mais uma rodada
E viramos o navio.
One more round
There ain’t no pay beneath the sun
As sweet as rest when a job’s well done.
I was born to work up to my grave
But I was not born
To be a slave.
One more round
And let’s heave it down,
One more round
And let’s heave it down.
Papa drove steel and Momma stood guard,
I never heard them holler ’cause the work was hard.
They were born to work up to their graves
But they were not born
To be worked-out slaves.
One more round
And let’s heave it down,
One more round
And let’s heave it down.
Brothers and sisters know the daily grind,
It was not labor made them lose their minds.
They were born to work up to their graves
But they were not born
To be worked-out slaves.
One more round
And let’s heave it down,
One more round
And let’s heave it down.
And now I’ll tell you my Golden Rule,
I was born to work but I ain’t no mule.
I was born to work up to my grave
But I was not born
To be a slave.
One more round
And let’s heave it down,
One more round
And let’s heave it down.
There ain’t no pay beneath the sun
As sweet as rest when a job’s well done.
I was born to work up to my grave
But I was not born
To be a slave.
One more round
And let’s heave it down,
One more round
And let’s heave it down.
Papa drove steel and Momma stood guard,
I never heard them holler ’cause the work was hard.
They were born to work up to their graves
But they were not born
To be worked-out slaves.
One more round
And let’s heave it down,
One more round
And let’s heave it down.
Brothers and sisters know the daily grind,
It was not labor made them lose their minds.
They were born to work up to their graves
But they were not born
To be worked-out slaves.
One more round
And let’s heave it down,
One more round
And let’s heave it down.
And now I’ll tell you my Golden Rule,
I was born to work but I ain’t no mule.
I was born to work up to my grave
But I was not born
To be a slave.
One more round
And let’s heave it down,
One more round
And let’s heave it down.
§
Despertando em Nova York
Cortinas se forçam
contra o vento,
as crianças dormem,
trocando sonhos com
os anjos. A cidade
se força a acordar nas
vias do metrô; e
eu, alarmada, acordo como
um rumor de guerra,
me espreguiçando pelo amanhecer,
indesejado e ignorado.
contra o vento,
as crianças dormem,
trocando sonhos com
os anjos. A cidade
se força a acordar nas
vias do metrô; e
eu, alarmada, acordo como
um rumor de guerra,
me espreguiçando pelo amanhecer,
indesejado e ignorado.
Awaking in New York
Curtains forcing their will
against the wind,
children sleep,
exchanging dreams with
seraphim. The city
drags itself awake on
subway straps; and
I, an alarm, awake as
a rumor of war,
lie stretching into dawn,
unasked and unheeded.
against the wind,
children sleep,
exchanging dreams with
seraphim. The city
drags itself awake on
subway straps; and
I, an alarm, awake as
a rumor of war,
lie stretching into dawn,
unasked and unheeded.
§
Por que eles estão felizes?
Arreganhe seus dentes, maldito seja,
agite seus ouvidos,
sorria enquanto os anos
correm
do seu rosto.
agite seus ouvidos,
sorria enquanto os anos
correm
do seu rosto.
Levante as bochechas, garoto negro,
enrugue seu nariz,
sorria enquanto os seus dedos
cavam
o seu túmulo.
enrugue seu nariz,
sorria enquanto os seus dedos
cavam
o seu túmulo.
Revire esses olhos grandes, garota negra,
emborrache seus joelhos,
sorria quando as árvores
se curvarem
com seus parentes.
emborrache seus joelhos,
sorria quando as árvores
se curvarem
com seus parentes.
Why are they happy people?
Skin back your teeth, damn you,
wiggle your ears,
laugh while the years
race
down your face.
Pull up your cheeks, black boy,
wrinkle your nose,
grin as your toes
spade
up your grave.
Roll those big eyes, black gal,
rubber your knees,
smile when the trees
bend
with your kin.
Skin back your teeth, damn you,
wiggle your ears,
laugh while the years
race
down your face.
Pull up your cheeks, black boy,
wrinkle your nose,
grin as your toes
spade
up your grave.
Roll those big eyes, black gal,
rubber your knees,
smile when the trees
bend
with your kin.
* * *
Lubi Prates (1986, São Paulo/SP) é poeta, tradutora, editora e curadora. Tem três livros publicados (coração na boca, 2012;
triz, 2016; um corpo negro, 2018). “um corpo negro”
foi contemplado pelo PROAC com bolsa de criação e publicação de poesia e
está em processo de publicação, em 2020, na Argentina, Colômbia,
Estados Unidos, Espanha e França, além de ser finalista
do Prêmio Rio de Literatura e do 61º Prêmio Jabuti. Tem diversas
publicações em antologias e revistas nacionais e internacionais.
Organizou os festivais literários para visibilidade de poetas,
[eu sou poeta] (São Paulo, 2016) e Otro modo de ser
(Barcelona, 2018) e também participou de outros festivais literários no
Brasil e em outros países da América Latina. É sócia-fundadora e editora
da
nosotros, editorial, e é editora da revista literária Parênteses.
Dedica-se à ações que combatem a invisibilidade de mulheres e negros.
Atualmente, é doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento Humano, na
Universidade de São Paulo.
Extraído do site ESCAMANDRO.
Maya Angelou, por Lubi Pratespor guilherme gontijo flores |
Postado por
Rogério Rocha
às
12:57
0
comentários
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Maya Angelou,
poesia
terça-feira, 31 de março de 2020
segunda-feira, 23 de março de 2020
domingo, 22 de março de 2020
segunda-feira, 16 de março de 2020
domingo, 8 de março de 2020
terça-feira, 25 de fevereiro de 2020
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020
O NEGRO OLHAR SOBRE A SOCIEDADE MARANHENSE
O negro olhar sobre a sociedade maranhense
Rafaela Pereira*
José
do Nascimento Moraes (1882-1958) figura como expressão de destaque
entre os intelectuais de seu tempo. Seus escritos ficcionais e
ensaísticos abordam as contradições vigentes em seu Estado, sobretudo no
tocante às questões raciais. Como cidadão, combateu os preconceitos,
não se deixando intimidar por aqueles que não reconheciam o valor de seu
trabalho. Crítico ferino, não tinha benevolência com os que se
utilizavam da literatura como forma de promoção pessoal,
posicionando-se, também, contra a hierarquização de culturas e a
supremacia da cultura europeia. Marcado por uma perspectiva irônica e
mordaz, seu romance Vencidos e degenerados (1915) é considerado uma das
narrativas de maior impacto sobre a escravidão no Brasil e suas
consequências, tanto no plano individual e psicológico, quanto em termos
sociais. Publicou ainda Puxos e repuxos (1910), em que exercita seu
talento de polemista; a reunião de crônicas Neurose do Medo (1923); além
dos Contos de Valério Santiago, editados postumamente em 1972.
Jornalista comprometido com os desafios de seu tempo, Nascimento Moraes
teve forte atuação nos periódicos O Maranhão, Diário de São Luís e O
Globo. Foi também professor do Liceu Maranhense e presidente da Academia
Maranhense de Letras.
Inspirado pela perspectiva de mudanças políticas no
país, especificamente no Maranhão, Vencidos e degenerados constrói outra
leitura para a presença entre nós de africanos escravizados e seus
descendentes, com ênfase no contexto da abolição e em suas
consequências. Utilizando-se de uma linguagem voltada para a fala
popular daquela época e com personagens representativos, compõe um
painel de rara intensidade sociológica sobre a São Luís do final do
século XIX. A narrativa se inicia na manhã de 13 de Maio de 1888, na
casa de José Maria Maranhense, espécie de quartel general abolicionista,
onde várias pessoas aguardavam a chegada do telegrama com a notícia da
aprovação da Lei Áurea. João Olivier, personagem central da trama, é
um respeitado jornalista que tem como fonte de sustento as crônicas que
escreve para um órgão local. Mestiço, posiciona-se a favor dos cativos e
é através de seu olhar que as críticas vão sendo tecidas por toda obra
em relação à imprensa e à sociedade maranhense. Nesta passagem
percebemos a visão do personagem sobre a abolição:
A liberdade dos negros
vem contribuir para o desenvolvimento desta terra infeliz, e dar-lhes
novas forças, novos elementos, novos aspectos... Esta fidalguia barata
virá caindo aos poucos e o princípio de confraternidade virá acabar com
supostas e falsas superioridades do ser, que tem sido um dos mais vis
preconceitos da nossa existência política. (MORAES, 2000, p. 67).
Em sua fala, a queda da “fidalguia” acontecerá com
abolição e com ela se extinguirão os preconceitos oriundos das classes
superiores que, para se manterem no poder, fazem uso extremo da
hipocrisia. Seu otimismo em relação à libertação dos negros o faz
acreditar que o fim do regime lhes daria condições de progresso e a
queda daqueles que tinham sede de poder. É também na figura de Olivier
que se encontra um “dos maiores elementos contra a escravidão”. É
através de sua fala que percebemos as manifestações indignadas sobre os
que realmente precisam trabalhar e os que trabalham por vaidade; e sobre
a ausência de reconhecimento da sociedade em relação às pessoas
esclarecidas. Pai adotivo de Cláudio, tem a intenção de fazer do menino
“um homem de luta” pela própria raça, e não um bacharel ou comendador,
mas o filho adotivo deixa dúvidas se estava realmente seguindo as
intenções propostas por Olivier.
Cláudio era filho de Andreza e Daniel Aranha,
ex-escravos. Perseguido pelos professores e pelos colegas por causa de
sua cor, o menino tem a proteção do pai adotivo, que cuida de sua
educação com zelo. Olivier era descendente de família tradicional, o que
explica seu prestígio nos círculos intelectuais. Porém, bastou
tornar suas ideias conhecidas para que fosse perseguido a ponto de ter
que sair do Maranhão. Tem como mestre Carlos Bento, jornalista e
professor, também afastado da imprensa por razões políticas, o que o
obriga a viver de aulas particulares. Fora também professor de Olivier e
escreve um panfleto no qual faz uma síntese política e social. Com a
morte de Olivier, Claudio termina os estudos no Liceu e começa a dar
aulas particulares para ajudar na renda familiar. Segue o exemplo do pai
adotivo e se torna jornalista, chegando a fundar o periódico O Campeão,
que logo encontrou um rival, O Triunfo, criado pela elite local como
resposta. Não demorou muito para que Cláudio também fosse atacado. Como a
renda do magistério não era suficiente para as despesas, recebia um
auxílio de José Machado. Este, ao saber que Cláudio era amante de
Armênia, começa a tratá-lo com indiferença até que deixa de lhe fornecer
a preciosa ajuda mensal. O jovem passa a ser novamente perseguido e
após ser salvo de uma emboscada por Aranha, seu pai biológico, sai do
Maranhão e vai para o Amazonas, onde passa a ocupar elevada posição como
jornalista. A sua volta acontece no dia 15 de novembro, no momento em
que estão comemorando a Proclamação da República.
Os personagens são construídos através de dualidades:
livres e cativos; pobres e ricos; pessoas de famílias tradicionais e
pessoas de famílias sem importância social; homens ilustres e homens
ignorantes; mulheres de família e mulheres festeiras; entre outros. Os
cativos, ao invés de apáticos e submissos, são retratados como homens
escravizados que reagem a seu modo às atrocidades praticadas pelas mãos
brancas. E são eles que têm amplo desenvolvimento nas ações do romance.
São exemplos disso a cena em que D. Amandra, senhora acostumada a
aplicar cruéis castigos, leva uma bofetada de sua ex-escrava; das
cozinheiras que abandonaram os patrões antes de lhes servirem o jantar; a
cena em que os escravos quebram móveis e louças numa expansão de raiva e
ódio. Pela figura cômica de Zé Catraia, escravo que é libertado no dia
na abolição, o autor ironiza a possibilidade se ser livre mesmo sendo
cativo. Catraia é visto por muitos como um bêbado, sem valor, mas tudo
vê, tudo ouve e tudo sabe. Era homem de confiança de seu senhor, que
sabia de sua inteligência e temia que os seus segredos de contrabando
fossem revelados. É através deste personagem que vamos tecendo a imagem
de Paletó Queimado, alcunha de José Machado, quando Zé Catraia conta a
Cláudio a forma como o português se transformou em homem poderoso.
Ex-quitandeiro, torna-se um capitalista por meios duvidosos e figura
como representação da corrupção na sociedade. Inescrupuloso e
ganancioso, Paletó Queimado representa o arrivismo tão comum naquele
momento histórico e, motivado por segundas intenções, chega a oferecer
ajuda a Olivier.
Já Carlos Bento – o “intelectual falido” – é afastado
da imprensa devido à sua postura ideológica. Por sua fala percebemos a
desvalorização do professorado e das pessoas sábias, o parecer sobre a
sociedade e a educação, e sua crítica sobre a decadência da lavoura
quando descreve a imagem do feitor e analisa o atraso econômico do
Maranhão. Em um diálogo entre ele e João Olivier, este manifesta a
sua desilusão quanto a Proclamação da República:
Eu esperava que, depois
do 13 de Maio, por que trabalhei tanto; depois do 15 de Novembro, com
que me alegrei bastante; esperava que houvesse uma renovação social.
Errônea ou acertadamente eu cuidava que a pública administração com
luzes mais fortes e puras, tomasse outro caminho que não esse que hoje
nos infelicita. (MORAES, 2000, p. 77).
Poucos anos depois da Proclamação da República,
Olivier percebe que os negros não melhoraram de condição e continuaram
marginalizados socialmente. Para Carlos Bento seria necessário que os
ex-escravos e seus filhos fossem alfabetizados, o que lhes permitiria
conhecer os seus direitos políticos e saber que mudanças efetivas
demoram anos, talvez séculos. Pela fala dos personagens, o romance traça
um painel de como ficaram os negros após a abolição, principalmente
para aqueles que acreditaram numa possível ascensão econômica e social.
Renovação que aconteceu, mas não da forma nem na velocidade como Olivier
julgava.
Com refinada ironia o autor apresenta o perfil da
sociedade maranhense dos anos iniciais da República fazendo uso de
registros próximos do jornalístico. A relação entre o campo literário e o
político permite ao autor fazer o retrato de uma cidade onde os
letrados, principalmente os que eram negros, não tinham importância
devido à sua condição. Para alguns críticos, Vencidos e degenerados se
assemelha ao O Mulato, de Aluísio Azevedo, mas é preciso ressaltar as
diferenças presentes em ambas as obras, a começar pela forma como se
posicionam frente às desigualdades raciais. Pode-se dizer também que tal
comparação ocorre devido ao fato de Moraes, em sua obra, abordar uma
realidade social, descrever os seus personagens de forma minuciosa,
tanto física quanto psicologicamente, discutindo questões que certamente
eram polêmicas para a época.
Afinal, quem seriam os vencidos e os degenerados do
Maranhão? A respeito do negro na literatura brasileira, sabemos que sua
representação, via de regra, o reduz a ser permanentemente subalterno.
Todavia, Nascimento Moraes soube muito bem como romper com esta prática
secular ao construir uma obra típica de quem pensava à frente de seu
tempo. Suas indagações permanecem vivas se inquietam a todos os que
procuram as razões e os sentidos das desigualdades contemporâneas.
Referência
MORAES, Nascimento. Vencidos e degenerados. 4. ed. São Luís: Centro Cultural Nascimento Moraes, 2000.
* Rafaela Pereira é graduanda da Faculdade de Letras da UFMG.
Postado por
Rogério Rocha
às
15:34
0
comentários
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
abolicionismo,
crítica social,
José Nascimento Moraes,
literatura,
romance,
Vencidos e degenerados
domingo, 23 de fevereiro de 2020
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020
A CHAMA PLURAL (por Eduardo Lourenço)
'Não se pode dizer de língua alguma que ela é uma invenção do povo que a fala. O contrário seria mais exacto. É ela que nos inventa. A língua portuguesa é menos a língua que os portugueses falam, que a voz que fala os portugueses. Enquanto realidade presente ela é ao mesmo tempo histórica, contingente, herdada, em permanente transformação e trans-histórica, praticamente intemporal. Se a escutássemos bem ouviríamos nela os rumores originais da longínqua fonte sânscrita, os mais próximos da Grécia e os familiares de Roma. Juntemos-lhe algumas vozes bárbaras das muitas que assolaram a antiga Lusitânia romanizada, uns pós de arábica língua, que espanta não tenham sido mais densos, e teremos o que chamámos, com apaixonada expressão, o “tesouro do Luso”.
Na nossa Idade Média o estatuto da língua era, como o das outras falas cristãs, um “falar” sem transcendência particular. Com o Renascimento, abertura sobre o universal segundo o modelo greco-latino, paradoxalmente, os “falares” europeus tornam-se “língua”, e a língua, signo privilegiado de identidade. Nascem os discursos hagiográficos da língua nacional, da bela língua italiana para Bembo, da altiva fala castelhana para Nebrija, da polida língua francesa para Du Bellay, da nossa nobre e suave língua portuguesa para Fernão de Oliveira, Barros, António Ferreira que a converte em objecto de culto e de orgulho. Diz-me que língua falas, dir-te-ei o estatuto que tens. Nenhum destes endeusamentos ou apologias da dignidade das línguas nacionais é inocente. Fazem parte do processo histórico em que culmina o sentimento nacional.
Descobre-se que a língua não é um instrumento neutro, um contingente meio de comunicação entre os homens, mas a expressão da sua diferença. Mais do que um património, a língua é uma realidade onde o sentimento e a consciência nacional se fazem “pátria”.
Ainda vem longe o tempo em que para cada uma das línguas dominantes da cultura europeia se torne também claro que uma língua não é um dom do céu, destinado à vida eterna, mas um tesouro que deve ser defendido da usura do tempo e das pretensões das outras a ocupar os espaços sem defesa.
A língua é uma manifestação da vida e como ela em perpétua metamorfose. Não há expressão mais melancólica que a tão comum e tão pouco meditada de “língua morta”, nem maravilha maior que a da sua ocasional ressurreição. Como o universo, uma língua viva deve estar em perpétua expansão, ao menos no seu espaço interior, sob pena de se tornar ainda em vida “língua morta”. Essa vitalidade não releva apenas da mera ordem voluntarista ou do ritualismo conservador de academias ou profissionais das nobres ciências da gramática, ou da filologia. É, sobretudo, obra dos que a trabalham ou a sonham como exploradores de um continente desconhecido: romancistas, dramaturgos, poetas, sobretudo, que não apenas os que assim se chamam mas todos os que na quotidiana vida inventam sem cessar as expressões de que precisam para não se perder tempo que passa, do mundo que se renova e transfigura.
É de supor que os homens se tenham inventado como seres falantes por um acto mágico, por um “fiat” ainda hoje misterioso que cada palavra recomeça como se o fogo de hoje se ligasse ao fogo original por uma cadeia de chamas que se ateassem umas às outras. Essa magia original é ao mesmo tempo um desafio e um exorcismo. O destino de cada cultura está intimamente ligado a esses dois papéis que toda a língua encarna. As culturas que o esquecem são as que têm já, dentro de si, as primícias do seu esgotamento. Por graças da História, a língua portuguesa encontrou-se, em dado momento, em condições de elevar esse desafio, esse exorcismo conaturais a toda a fala, a exercício, quase se podia dizer, a missão vital, amalgamando como poucas o destino da sua cultura ao destino da sua língua. Essa aventura podia ter sido, como outras europeias, apenas um exemplo mais da violência colonizadora clássica. Foi também isso, mas foi algo mais e mais importante.
A celebrada alma portuguesa pelo mundo repartida, de camoniana evocação, foi, sobretudo, língua deixada pelo Mundo. Por benfazejo acaso, os portugueses, mesmo na sua hora imperial, eram demasiado fracos para “impor”, em sentido próprio, a sua língua. Que ela seja hoje a fala de um país-continente como o Brasil ou língua oficial de futuras grandes nações como Angola e Moçambique, que em insólitas paragens onde comerciantes e missionários da grande época puseram os pés, de Goa a Malaca ou a Timor, que a língua portuguesa tenha deixado ecos da sua existência, foi mais benevolência dos deuses e obra do tempo que resultado de concertada política cultural. Sob esta forma, um tal projecto seria mesmo anacrónico. Nenhum autor português, nem estrangeiro, escreveu acerca da nossa acção uma obra como “a conquista espiritual do México”, pois não tivemos nenhum México para conquistar e lusitanizar.
O derramamento, a expansão, a crioulização da nossa língua foram como a das nossas “conquistas”, obra intermitente de obreiros de acaso e ganância (da terra e do céu) mais do que premeditada “lusitanização” como nós imaginamos – porventura enganados – que terá sido a romanização do mundo antigo ou a francisação e anglicisação dos impérios francês e britânico.
Quiseram também as circunstâncias – na sua origem pouco recomendáveis – que a nossa língua europeia, em contacto com a africana escrava, se adoçasse, mais do que já é na sua versão caseira, para tomar esse ritmo aberto, sensual, indolente, do português do Brasil ou o tom nostálgico da de Cabo Verde.
A miragem imperial dissolveu-se há muito. Da nossa presença no mundo só a língua do velho recanto galaico-português ficou como elo essencial entre nós, como povo e como cultura, e as novas nações que do Brasil a Moçambique se falam e mutuamente se compreendem entre as demais... Uma língua não tem outro sujeito que aqueles que a falam, nela se falando. Ninguém é seu “proprietário”, pois ela não é objecto, mas cada falante é seu guardião, podia dizer-se a sua vestal, tão frágil coisa é, na perspectiva do tempo, a misteriosa chama de uma língua.
Mas como duvidar que a longa cadeia dos mais exemplares e ardentes dos seus guardiães, aqueles que tornaram sensível o que nela há de imponderável, de Fernão Lopes a Gil Vicente, de Camões a Vieira, de Castro Alves a Pessoa, de Machado de Assis a Guimarães Rosa, ou de Baltazar Lopes a José Craveirinha, se apague ou se estiole? Houve épocas de depressiva configuração em que não era possível pensar no futuro da nossa plural e una fala portuguesa, sem alguma melancolia.
Hoje, não temos motivos para imaginar que, em prazo humanamente concebível, o seu destino seja o dos famosos versos da Tabacaria de que o tempo apagará o traço e a memória. A pluralizada língua portuguesa tem o seu lugar entre as mais faladas no Mundo. Isso não basta para que retiremos dessa constatação empírica um contentamento, no fundo, sem substância. Se contentamento é permitido, só pode ser o que resulta de imaginar que esse amplo manto de uma língua comum, referente de culturas afins ou diversas, é, apesar ou por causa da sua variedade, aquele espaço ideal onde todos quantos os acasos da História aproximou, se comunicam e se reconhecem na sua particularidade partilhada. Não seria pequeno milagre num Mundo que sonha com a unidade sem alcançar outra coisa que o seu doloroso simulacro.'
Na nossa Idade Média o estatuto da língua era, como o das outras falas cristãs, um “falar” sem transcendência particular. Com o Renascimento, abertura sobre o universal segundo o modelo greco-latino, paradoxalmente, os “falares” europeus tornam-se “língua”, e a língua, signo privilegiado de identidade. Nascem os discursos hagiográficos da língua nacional, da bela língua italiana para Bembo, da altiva fala castelhana para Nebrija, da polida língua francesa para Du Bellay, da nossa nobre e suave língua portuguesa para Fernão de Oliveira, Barros, António Ferreira que a converte em objecto de culto e de orgulho. Diz-me que língua falas, dir-te-ei o estatuto que tens. Nenhum destes endeusamentos ou apologias da dignidade das línguas nacionais é inocente. Fazem parte do processo histórico em que culmina o sentimento nacional.
Descobre-se que a língua não é um instrumento neutro, um contingente meio de comunicação entre os homens, mas a expressão da sua diferença. Mais do que um património, a língua é uma realidade onde o sentimento e a consciência nacional se fazem “pátria”.
Ainda vem longe o tempo em que para cada uma das línguas dominantes da cultura europeia se torne também claro que uma língua não é um dom do céu, destinado à vida eterna, mas um tesouro que deve ser defendido da usura do tempo e das pretensões das outras a ocupar os espaços sem defesa.
A língua é uma manifestação da vida e como ela em perpétua metamorfose. Não há expressão mais melancólica que a tão comum e tão pouco meditada de “língua morta”, nem maravilha maior que a da sua ocasional ressurreição. Como o universo, uma língua viva deve estar em perpétua expansão, ao menos no seu espaço interior, sob pena de se tornar ainda em vida “língua morta”. Essa vitalidade não releva apenas da mera ordem voluntarista ou do ritualismo conservador de academias ou profissionais das nobres ciências da gramática, ou da filologia. É, sobretudo, obra dos que a trabalham ou a sonham como exploradores de um continente desconhecido: romancistas, dramaturgos, poetas, sobretudo, que não apenas os que assim se chamam mas todos os que na quotidiana vida inventam sem cessar as expressões de que precisam para não se perder tempo que passa, do mundo que se renova e transfigura.
É de supor que os homens se tenham inventado como seres falantes por um acto mágico, por um “fiat” ainda hoje misterioso que cada palavra recomeça como se o fogo de hoje se ligasse ao fogo original por uma cadeia de chamas que se ateassem umas às outras. Essa magia original é ao mesmo tempo um desafio e um exorcismo. O destino de cada cultura está intimamente ligado a esses dois papéis que toda a língua encarna. As culturas que o esquecem são as que têm já, dentro de si, as primícias do seu esgotamento. Por graças da História, a língua portuguesa encontrou-se, em dado momento, em condições de elevar esse desafio, esse exorcismo conaturais a toda a fala, a exercício, quase se podia dizer, a missão vital, amalgamando como poucas o destino da sua cultura ao destino da sua língua. Essa aventura podia ter sido, como outras europeias, apenas um exemplo mais da violência colonizadora clássica. Foi também isso, mas foi algo mais e mais importante.
A celebrada alma portuguesa pelo mundo repartida, de camoniana evocação, foi, sobretudo, língua deixada pelo Mundo. Por benfazejo acaso, os portugueses, mesmo na sua hora imperial, eram demasiado fracos para “impor”, em sentido próprio, a sua língua. Que ela seja hoje a fala de um país-continente como o Brasil ou língua oficial de futuras grandes nações como Angola e Moçambique, que em insólitas paragens onde comerciantes e missionários da grande época puseram os pés, de Goa a Malaca ou a Timor, que a língua portuguesa tenha deixado ecos da sua existência, foi mais benevolência dos deuses e obra do tempo que resultado de concertada política cultural. Sob esta forma, um tal projecto seria mesmo anacrónico. Nenhum autor português, nem estrangeiro, escreveu acerca da nossa acção uma obra como “a conquista espiritual do México”, pois não tivemos nenhum México para conquistar e lusitanizar.
O derramamento, a expansão, a crioulização da nossa língua foram como a das nossas “conquistas”, obra intermitente de obreiros de acaso e ganância (da terra e do céu) mais do que premeditada “lusitanização” como nós imaginamos – porventura enganados – que terá sido a romanização do mundo antigo ou a francisação e anglicisação dos impérios francês e britânico.
Quiseram também as circunstâncias – na sua origem pouco recomendáveis – que a nossa língua europeia, em contacto com a africana escrava, se adoçasse, mais do que já é na sua versão caseira, para tomar esse ritmo aberto, sensual, indolente, do português do Brasil ou o tom nostálgico da de Cabo Verde.
A miragem imperial dissolveu-se há muito. Da nossa presença no mundo só a língua do velho recanto galaico-português ficou como elo essencial entre nós, como povo e como cultura, e as novas nações que do Brasil a Moçambique se falam e mutuamente se compreendem entre as demais... Uma língua não tem outro sujeito que aqueles que a falam, nela se falando. Ninguém é seu “proprietário”, pois ela não é objecto, mas cada falante é seu guardião, podia dizer-se a sua vestal, tão frágil coisa é, na perspectiva do tempo, a misteriosa chama de uma língua.
Mas como duvidar que a longa cadeia dos mais exemplares e ardentes dos seus guardiães, aqueles que tornaram sensível o que nela há de imponderável, de Fernão Lopes a Gil Vicente, de Camões a Vieira, de Castro Alves a Pessoa, de Machado de Assis a Guimarães Rosa, ou de Baltazar Lopes a José Craveirinha, se apague ou se estiole? Houve épocas de depressiva configuração em que não era possível pensar no futuro da nossa plural e una fala portuguesa, sem alguma melancolia.
Hoje, não temos motivos para imaginar que, em prazo humanamente concebível, o seu destino seja o dos famosos versos da Tabacaria de que o tempo apagará o traço e a memória. A pluralizada língua portuguesa tem o seu lugar entre as mais faladas no Mundo. Isso não basta para que retiremos dessa constatação empírica um contentamento, no fundo, sem substância. Se contentamento é permitido, só pode ser o que resulta de imaginar que esse amplo manto de uma língua comum, referente de culturas afins ou diversas, é, apesar ou por causa da sua variedade, aquele espaço ideal onde todos quantos os acasos da História aproximou, se comunicam e se reconhecem na sua particularidade partilhada. Não seria pequeno milagre num Mundo que sonha com a unidade sem alcançar outra coisa que o seu doloroso simulacro.'
'Eduardo Lourenço (São Pedro de Rio Seco, 1923) é um professor e filósofo português. Entre 1953 e 1965, foi leitor de Cultura Portuguesa na Alemanha e em França. Começou como maître assistant na Universidade de Nice, até que se tornou jubilado pela mesma, em 1988. Em 1989, assumiu funções como conselheiro cultural junto da Embaixada Portuguesa em Roma e, desde 1999, ocupa o cargo de administrador da Fundação Calouste Gulbenkian. Ganhou o Prémio Pessoa em 2011 e, da sua obra, destacam-se: Heterodoxia (1949); Nós e a Europa ou as Duas Razões (1988) e Os Militares e o Poder (2013).'
In Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/outros/antologia/a-chama-plural-/678 [consultado em 17-02-2020]
Postado por
Rogério Rocha
às
23:42
0
comentários
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
Eduardo Lourenço,
filosofia,
filósofo,
língua portuguesa,
literatura,
português
Assinar:
Postagens (Atom)
Postagens populares
-
Essa lista poderia conter uma centena ou mais de nomes, mas seus personagens simbolizam o orgulho da negritude em tudo aquilo que contribu...
-
A ilha de São Luís é a capital do estado do Maranhão, localizada no Nordeste do Brasil. É a única capital de um Estado no Brasil fundada p...
-
Algumas curiosidades cercam a composição e a confecção da bandeira nacional. Muitas delas, certamente, boa parte de nós, bras...
-
Por Rogério Henrique Castro Rocha O dia de hoje, 28 de julho, comemorado como feriado estadual, demarca na história o dia em que, n...
-
A data do Dia do Trabalho (do Trabalhador ou Dia Internacional do Trabalhador) foi estabelecida no ano de 1889, como resultado da r...
-
Murilo Rubião (*1916 +1991) Desde o lançamento de sua primeira obra, chamada O ex-mágico , e que veio ao mundo no distante ano de 1947...
-
HISTÓRICO DO JULGAMENTO O então ministro Moreira Alves foi o relator do polêmico caso O julgamento do pedido de Habeas Corpu...
-
Historic Centre Street Praça Gonçalves Dias - Gonçalves Dias Square Vista parcial do Centro Histórico - Ponte do São Francisc...
-
Conforme prometido num dos posts passados, tentaremos aqui tecer, em sucinta análise, algumas considerações acerca da conexão existente en...
-
Reproduzo aqui uma postagem do blog Fotologando.com . São grande nomes do rock, ontem e hoje. Curtam! O bom e velho Rock 'n' Ro...