Entre os que aderiram ao fervor que cercava a cocaína na década de 1880 estavam o jovem Sigmund Freud (1856-1939), o futuro pai da psicanálise, que na época praticava medicina em Viena, e o cirurgião William Halsted (1852-1922), que fazia o mesmo em Nova York e se tornaria um cirurgião inovador. Freud acreditava, desastrosamente, que a cocaína pudesse ser usada para curar a dependência de morfina; sua primeira publicação científica importante, "Über Coca" (1884), tratava da droga. Halsted estudou a cocaína como anestésico local para uso em cirurgias. Ambos fizeram experimentos livres com o pó branco. Ambos se tornaram dependentes.
INSIPIDEZ
Em "Anatomy of Addiction", Markel entrelaça as histórias desses dois homens de maneira estreita, inteligente e, em vários momentos, elegante. Seu livro, elogiável em muitos níveis, sofre de uma insipidez difusa. Há poucas frases memoráveis ou insights encantadores. Frases feitas à moda de "pálido como um defunto" ou "evitar como uma praga" estão por toda parte. A impressão que se tem é de que esse livro foi escrito não a base de um pó estimulante boliviano, mas de chá de camomila.
Mas Markel escreve bem, entre outras coisas, sobre a atração que a cocaína representava para médicos sobrecarregados de trabalho. Um célebre professor de medicina da época repreendia seus alunos, dizendo que "aquele que precisa de mais de cinco horas diárias de sono não deve estudar medicina".
O que poderia haver de errado com a cocaína? Sobre os efeitos da droga, o autor escreve: "Não se trata da alegria despreocupada, do tipo 'amo todo mundo' que surge após algumas doses de uísque. Sob a influência da cocaína, uma pessoa experimenta uma sensação de autoconfiança extrema, sente-se quase eletricamente carregada de pensamentos mais rápidos e ideias melhores (pelo menos em sua própria visão, no momento da euforia induzida pela droga), fala mais rapidamente e tem uma apreciação maior de sensações como visão, som e tato".
Freud gostava tanto da coisa que mais ou menos entre 1884 e 1896, quando estava na casa dos 20 e 30 anos e em seu período de consumo mais intenso de cocaína, não raro aparecia com o nariz vermelho e úmido. Ele dava cocaína a seus familiares e amigos. Usava-a para "fazer os dias ruins ficarem bons, e os dias bons, melhores", escreve o autor, e para aliviar "a dor de ser Sigmund".
Suas cartas à noiva às vezes eram repletas de sentimento sexual, do tipo que uma fileira de pó pode instigar. "Vou beijar você até deixá-la vermelha e alimentar você até deixá-la gordinha", escreveu Freud. "E, se você for ousada, vai ver quem é mais forte: uma menininha meiga que não come o suficiente ou um homem grandão e selvagem com cocaína em seu corpo."
Freud deixou de usar cocaína por volta de 1896, quando tinha 40 anos, antes de escrever as obras que o fizeram famoso. Markel toma o cuidado de não vincular estreitamente o consumo da droga por Freud às ideias posteriores dele. Mas oferece pequenas porções de especulação tentadora.
COCAÍNA E INCONSCIENTE
Estudos acadêmicos recentes, ele escreve, ofereceram "ponderações nuançadas sobre a ligação entre o abuso de cocaína por Sigmund e suas ideias singulares acerca do acesso ao inconsciente por meio da terapia da fala; a divisão entre como nossa mente processa o prazer e lê a realidade; a interpretação dos sonhos; a natureza de nossos pensamentos e de nosso desenvolvimento sexual; o complexo de Édipo, e o desenvolvimento do id, ego e superego".
Ele cita o historiador Peter Swales: "O conceito de libido de Freud não passa de uma máscara e de um símbolo da cocaína; a droga, ou, melhor, seu espectro invisível, espreita o conjunto dos escritos de Freud, até o final."
Freud usava cocaína por via oral e nasal. Halsted, enquanto estudava as utilizações da droga como anestésico local, a injetava diretamente em suas veias. Ele se tornou muito mais dependente da cocaína, e esta quase arruinou sua carreira. Os dois homens eram contemporâneos e transitavam em círculos semelhantes, mas não há indicação de que tenham se conhecido.