Por Rogério Rocha
413: é um número.
Marca contabilística, arrojo do tempo. Poeira sobre as ruas, cisco que cai das
telhas. O orgulho por arder ainda uma fogueira pelas noites de São João.
Carruagens, não! Não mais. BMW’s, BYD's, Celtas, Unos, Palios. Gente espremida
nos ônibus, calor dos diabos, buracos com fome de chuva, bueiros sem tampa,
motoqueiros malucos, calçadas minúsculas, desespero nas transversais, Rua
Grande e Santana, Korea, China, China in Box, never mind. Vejo de
binóculos, do alto das casas, do mirante de um banco que faliu, o pregoeiro
fantasma, os sons de espingardas, barbudos, barbados, Chagas, Machado. Giro o dial sem parar, mas só estanco na pedra
que rola nas ondas de um point da 96. Eu sou assim! Não sei vocês. Ainda guardo
algum orgulho. Centro que tomba, gente invisível, patrimônio mudo, camelôs revoltados,
juçara-açaí. É isso mesmo, é isso aí! Arrasto as sandálias do pescador, sinto o
cheiro dos peixes do mercado, ao lado do trilho, da linha do trem-encantado. VLT,
LGBT e o gado com bandeiras nas carreatas. Caras e caretas, mutretas, bravatas.
E a estátua da liberdade, quem diria, mocinha de pele alva com a tocha e o
livro nas mãos. Fofão fofinho, labubu dos infernos, tribufu do cão. Capoeira de
Angola na Liberdade. Pode vir! Saio na mão, quebro o pau, viro bicho. Que
maldade, mais um caiu do céu no fim da tarde. Que doideira, um outro atirou-se
da ponte pensando besteira. Já era, foi anteontem. Deu para ver das torres
gêmeas, no espigão do horizonte. 413, 413, 413, só para lembrar; a memória
falha, a alegria engole a tiquira das Tulhas e a batida de maracujá. Reinvento
o molejo de uma dança sacana que me ensinaram. Continuo a tropeçar nas mesmas
pedras, a urinar nas muradas. Os problemas que me perseguem são os mesmos. Há
mil razões para ser quem eu sou, estar como estou, chegar onde cheguei. Comemoro
o luxo e a pobreza, a falência e a riqueza, o navio que afundou no banco de
areia, o petróleo indo embora na correnteza. Ah, sim! Há razões para comemorar.
Quero shows na praça, carnaval, facções detrás das grades, febris arruaças.
Quero, com pressa, as soluções inclusivas. A execução efetiva de todos os
planos, a exclusão da política do abandono. Leis que não sejam letra morta,
Socorrão vazio, plano diretor. Quero caranguejo, sururu. Mocotó, por favor!
Doces em compota, via expressa, mente aberta e ruas tortas. Ver desabar o
contraste e as carências, as estatísticas policiais das mortes violentas. Quem
sabe um dia, o Barreto seja um barato. E comer no Ferreiro seja menos caro. 413
obras, sobras, dobras, temporais. Mas meu corpo líquido, meu corpo pesado, requer
cuidados demais. Para que não fiquem expostas as feridas que trago nas costas,
o espaço imaginário, a juventude sem escola, a cultura para os cegos, como
esmola. Mas como é bom que o meu nome atravesse fronteiras, projete sonhos em
novos circuitos. Num outro mundo, Gullar foi Ferreira, aipim foi macaxeira, peixe
frito espetado na peixeira. E as projeções viraram Lume nas paredes brancas, pelos
olhos de um Frederico. Fez-se um palco muito rico e um repertório de ilusões.
E, sustentando tudo isso, sem decreto ou patrocínio, minhas costas largas, meu
largo de amor e extermínio. Sou essa luz que comove, no trajeto de um barco que
cruza a baía. 413 enganos: permaneço travessia. Festa e cansaço, memória e
esquecimento.