quarta-feira, 30 de maio de 2012

A Refundação da Física


por Mario Novello
©Martina Vaculikova/ Shutterstock
No século 17 os astrônomos (Ticho Brahe, Kepler, Galileu) realizaram uma mudança profunda na arte de representar racionalmente a Natureza, dando origem a um modo novo de produzir conhecimento científico e fundando a física moderna. Quando observamos o céu, para mais uma vez produzir uma história científica do Universo, estamos seguindo os mesmos caminhos e a mesma tarefa. O papel da cosmologia, hoje, como há quatro séculos, é elaborar a refundação da física, como veremos.

O Universo está em um processo acelerado?

A observação do comportamento irregular de estrelas supernovas levou à hipótese de que o Universo estaria dotado de expansão acelerada. Isso significa que a taxa de crescimento do volume global do espaço estaria aumentando com o tempo (contrariamente ao que se poderia esperar devido ao caráter atrativo da gravitação). Segundo a teoria da relatividade geral isso implicaria a existência de uma fonte de expansão com propriedades pouco convencionais e exigiria a presença de incompreensível pressão altamente negativa. Se essa fosse a interpretação correta dos dados astronômicos, teríamos de aceitar a existência em alguma região cósmica de novas formas de matéria com propriedades inusitadas. Ou então, a simetria que levou os cosmólogos a eleger o modelo geométrico de Friedmann deveria ser alterada. Isso eliminaria a necessidade de examinar inúmeras tentativas recentes e de postular a presença de formas de matéria desconhecidas com características esdrúxulas. 

Qual a origem do Universo?

Desde 1979 conhecemos soluções exatas das equações da relatividade geral que descrevem a geometria do Universo sem singularidade, isto é, como um processo oscilante, que anteriormente à atual fase de expansão passou por uma fase de contração gravitacional. Há até pouco tempo a opção entre uma teoria do universo singular (tipo Big Bang) ou um universo eterno se sustentava apenas por argumentos formais. Mas, ao compararem observações envolvendo a formação de estruturas como galáxias e aglomerados galácticos, os cosmólogos estão no limiar de poder decidir sobre a característica mais fundamental do Universo, correspondendo ao seu tempo de existência, para finalmente responder à questão: o Universo teve começo há uns poucos bilhões de anos ou ele é muito mais antigo, possivelmente eterno? 

As leis da física são universais?

Desde o início da ciência moderna o pensamento científico foi dominado por uma visão rígida, com o pressuposto de que as leis físicas descobertas a partir de experiências realizadas em laboratórios terrestres ou em nossa vizinhança no Sistema Solar eram verdades eternas, sem evolução e válidas em todo o Universo. Embora no primeiro momento essa extrapolação exagerada servisse como uma prática de trabalho adequada, nos últimos anos ela tem sido criticada e dado lugar a um intenso trabalho relacionando os mecanismos de formação das leis físicas com a evolução do Universo (inibindo a visão idealista de que são precisamente essas leis físicas absolutas, acima de qualquer compreensão ulterior, que determinam a evolução cósmica).

As leis da microfísica são universais?

Um bom exemplo de alterações de leis físicas terrestres está relacionado a duas interações fundamentais: o eletro magnetismo e a desintegração da matéria pela interação fraca. O físico inglês P. A. M. Dirac e o brasileiro C. Lattes, entre outros, se perguntaram, talvez de maneira ingênua, se o valor numérico da carga elétrica seria uma constante universal ou variaria com o espaço e o tempo. Esse modo de apresentar uma possível dependência da interação eletromagnética é certamente simplista e está longe de conter toda possibilidade de variação compatível com as demais leis e princípios fundamentais da física. Mas devemos reconhecer que esse foi um primeiro passo capaz de permitir retirar do Olimpo as leis físicas terrestres e a inexorabilidade de serem aplicadas de modo irrestrito em qualquer estágio de evolução do Universo.

 Um modo um pouco menos simplista ocorreu com a questão: os processos de desintegração da matéria seriamuniversais? Ou, dito de outro modo, a força que controla o decaimento da matéria (interação fraca) e que, segundo as observações realizadas em laboratórios terrestres, tem a característica de violar maximalmente a paridade, exibiria essa propriedade em qualquer circunstância em nosso Universo? Seria isso verdade mesmo em situações em que o campo gravitacional (que em princípio não parece desempenhar papel relevante nesse mecanismo de desintegração) exibe curvaturas do espaço- tempo extraordinariamente grandes, de várias ordens de grandeza superiores àquelas onde esses processos de desintegração foram testados?

A grandiosidade da fase atual por que passa a ciência, graças ao olhar moderno para o céu, e em analogia profunda com o que aconteceu na astronomia há 400 anos, estão levando a Cosmologia a produzir uma verdadeira refundação da física.
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Mario Novello doutor em física pela Universidade de Genebra, Suíça, publicou mais de uma centena de artigos científicos sobre cosmologia e gravitação em revistas internacionais. Colaborador frequente de SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL fundou e dirige o Grupo de Cosmologia do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas – CBPF/CNPq e a Escola de Cosmologia e Gravitação do CBPF. É autor de vários livros de divulgação científica.


Fonte: Scientific American Brasil

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