segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

COMEÇOU A ERA DO CHAT GPT? - O FUTURO DA IA FORTE | ROGÉRIO ROCHA #chatg...

domingo, 22 de janeiro de 2023

POESIA E FILOSOFIA: EM BUSCA DO PENSAR QUE POETIZA

 Escrita Criativa: 4 dicas para ser uma expert - Madame Conteúdo

Por Rogério Rocha

 

Proponho-me a discorrer sobre a suposta relação entre importantes áreas da cultura. Relação fundada há, pelo menos, dois mil e quinhentos anos e que acabou por estabelecer um grau de parentesco entre dois significativos campos do saber, quais sejam: a poesia e a filosofia.

Meu principal intento será o de indicar as razões da viabilidade em se falar de uma proximidade fundacional entre o saber crítico-reflexivo da filosofia e a arte da poesia.

É preciso compreender, entretanto, que estou a tratar de campos de pesquisa autônomos, com estatutos de legitimação epistemológica distintos e que congregam objetos, métodos e finalidades específicas.

De um lado a poesia, forma de linguagem que tem por característica fundante o predomínio de um texto lírico, com objetivo de exprimir percepções do sujeito diante do mundo, quer pela via da expressão crítica, quer pela meramente estética. Para tanto, faz-se necessária a existência de uma relação triádica composta pela poesia (como arte), pelo poema (como produto final e objeto dessa arte) e pelo poeta (criador e artífice).

A filosofia, por seu lado, consiste no imprescindível campo de investigações que penetra as raízes dos problemas fulcrais da vida com a ferramenta do método e as luzes do logos.

Voltando ao princípio, pode-se constatar que os filósofos pré-socráticos Xenófanes, Heráclito, Parmênides e Empédocles, por exemplo, escreveram suas reflexões utilizando um estilo de escrita similar ao encontrado na prática da versificação. Mas por quê? A resposta é relativamente simples. Porque a poesia, enquanto gênero literário, surgiu, no Ocidente, bem antes da prosa e da própria filosofia, ainda no tempo dos mitos, nas narrativas gregas dos tempos heroicos.

Além do mais, havia, por assim dizer, uma unidade originária, uma estreita aproximação entre a linguagem escrita e os vários discursos ligados à oralidade do período ágrafo. Sendo assim, no plano da história, pôde-se observar a assimilação e uns pelos outros. Foi o caso do nascente discurso filosófico, absorvido pelo fazer poético, nomeadamente sob a forma do poema.

Mesmo com a famosa condenação platônica dos poetas e da poesia em seu clássico “A República”, e com a posição de teóricos que defendem haver uma divergência histórica entre os dois saberes, percebe-se a ocorrência de um vínculo entre eles. Vínculo que se apresenta desde suas gêneses e continua a influenciar as manifestações do intelecto.

Em decorrência do acima exposto, é razoável compreender o fato de as primeiras reflexões filosóficas terem sido realizadas por meio de enunciados poéticos, na mesma perspectiva do que, no plano de expressão da linguagem, era usual durante aquele período da história.

Foi como se a filosofia tivesse aderido à forma poemática para dar corpo às proposições e questionamentos lógicos.

Desse modo, trago aqui, a título de ilustração, dois exemplos extraídos aos fragmentos de Heráclito que possuem ligação com o que foi acima afirmado:

SEXTO EMPÍRICO, Contra os Matemáticos, VII,132.

“Deste logos sendo sempre os homens se tornam descompassados quer antes de ouvir, quer tão logo tenham ouvido; aos outros homens escapa quanto fazem despertos, tal como esquecem quanto fazem dormindo.”

ARIO DÍDIMO, em EUSÉBIO, Preparação Evangélica, XV, 20.

“Aos que entram nos mesmos rios outras águas afluem; almas exalam do úmido.”

49a. HERÁCLITO, Alegorias, 24.

“Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos.”

Ora, a poesia em seu estrito senso, inserida num corpo-poema, constitui-se como um discurso-objeto, isto é, um discurso de caráter não proposicional, metafórico, contudo reiterável. Caracteriza-se por sua linguagem de abertura ao diverso e ao transcendente, ainda que utilizada para expressar a realidade. Logo, é, por natureza, uma linguagem no campo de um discurso não-convencional, chegando a lidar, por isso, também com o que vige na esfera do imponderável.

Enquanto isso, a filosofia, tipo de discurso convencional apoiado no método e na lógica, ocupa-se em analisar a realidade através de argumentos construídos com base em fundamentação racional.

Mesmo assim, em sua origem, na antiguidade grega, ainda que parcialmente, o pensamento filosófico ‘derivou’ da poesia como um de seus modos externalizáveis.

Explico a razão do uso do entre aspas quando do emprego da palavra derivou, ao correlacionar os referidos campos de conhecimento. Ambos emergiram do páthos, ou seja, do espanto, condição que precede a tudo que nos toca e nos permite um inevitável estado de admiração.

Poesia e Filosofia, portanto, tiveram por arkhé (princípio) um “páthos” (espanto). Foram tomadas pela vertigem provocada ao defrontarem-se com as “aporias”, com a incerteza presente no íntimo de cada recorte da realidade, na dúvida radical que as empurrou na direção de seus intentos formadores.

Daí o motivo pelo qual Alberto Pucheu as denominou de “espantografias”, isto é, escritas sobre espantos.

Contudo, enquanto a filosofia buscou interpretar a realidade imanente e transcendente do mundo, em prol do saneamento das dúvidas humanas mais angustiantes, a poesia optou por tentar expressar o impossível de modo crível.

Nela, diferentemente da primeira, tudo pode ser e acontecer, vez que opera no âmbito de uma feitura. Ainda assim, responde a certos parâmetros definidores de condições de existência, representados, sobretudo, pelas regras de versificação, escanção e métrica.

Falando da filosofia, é relevante lembrar que na última fase da produção teórica de Martin Heidegger, por exemplo, viu-se o predomínio do pensar que poetiza sobre o pensar que filosofa.

Tal virada encontra explicação no fato de que a filosofia, segundo ele, teria alcançado seu fim. Razão pela qual ficaria a cargo da poesia a passagem (Übergang) a um pensamento do Ser. Assim sendo, o pensamento poético passaria a definir, dali em diante, um modo de ser com o mundo.

Vale frisar, contudo, que sempre que a poesia toma por traço fundamental mostrar-se como demasiadamente teórica, acaba por forçar o poeta a também pensá-la. Pensar o conteúdo mais que a forma, sua engenharia personalíssima, seus planos internos e externos, evidentes ou implícitos.

Eis o fazer poético. Um pensamento que escolheu seguir pelo caminho da sensibilidade, das intuições, da contemplação estética como via alternativa num mundo rodeado de fenômenos cientificizados. Ao mesmo tempo, com o propósito de dividir com a reflexão filosófica a leitura do mundo, esse modelo de racionalidade adicionou camadas de racionalidade capazes de acessar verdades cujo pensamento tradicional buscava.

Isto posto, entendo que a poesia se situa correlacionada à filosofia, mediante o que María Zambrano denominou de razão poética. Condição que radica na gênese desses dois campos e a qual nominei de emaranhamento intermitente. Fenômeno movido pela intencionalidade subjetiva do poeta e do filósofo, que vem se manifestando em caráter circunstancial, porém com retomadas constantes, desde os pensadores originários.

Nesse sendido, verifica-se a possibilidade da prática de um pensar que poetiza, a partir da unidade que fabricou poetas-filósofos como Mallarmé, Lucrécio e filósofos-poetas como Platão, Hölderlin, Nietzsche, Rilke e Heidegger.

OS EFEITOS DA HIPERMODERNIDADE

 Da antiguidade arquetípica à hipermodernidade consumista - IJUSP

Por Rogério Rocha

 
A juventude atual está crescendo na era hipermoderna, o que significa que está exposta a uma quantidade maior de estímulos do que as gerações anteriores. Os centennials - aqueles nascidos entre 1995 e 2010 - são a primeira geração a crescer totalmente inseridos na era digital, e isso está mudando radicalmente seus comportamentos.

A hipermodernidade está caracterizada por uma grande diversidade de informações e estímulos, muitas vezes conflitantes, que nos chegam através das mídias tradicionais e digitais. Isso pode gerar um sentimento de sobrecarga mental, especialmente quando se trata de escolher o que é ou não importante.

É fato que temos acesso a mais informações, contudo, nem sempre conseguimos processá-las de maneira crítica. No plano comportamental, dadas as mudanças na nossa tábua de valores, observamos que o ideal deveria ser que nos tornássemos mais flexíveis em relação a opiniões e pontos de vista, visto que as 'verdades absolutas' são raras nesta era complexa.

Em que pese sabermos que a humanidade assimilou avanços civilizatórios que nos permitem ver a realidade com outro olhar, superando certos preconceitos, temos visto, por outro lado, o ressurgimento de crenças ultrapassadas e o recrudescimento de posturas antiéticas que ferem valores consagrados, como a dignidade humana, bem como as que afrontam as normas legais.

Outro dado a se anotar é o de que nem todos os aspectos do universo mental das sociedades de nosso tempo tem evoluído na mesma velocidade. Citemos, por exemplo, a capacidade de concentração, que tende a diminuir quando se é exposto à grande quantidade de informações disponíveis na Internet.

Isso é particularmente preocupante em relação aos jovens, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento e por serem mais vulneráveis à distração. Ainda assim, todos estamos suscetíveis a tais efeitos, visto que vivenciamos a mesma realidade, com nossos artefatos tecnológicos e múltiplas telas.

Além disso, o uso das tecnologias de conexão contínua pode ter um impacto negativo em nossa saúde mental. A pressão para manter uma "imagem perfeita" nas redes sociais e a busca desenfreada por views e likes pode nos levar a desenvolver distúrbios como depressão e ansiedade. 
 
Problemas com os quais teremos que aprender a conviver e a sobreviver.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Do imortal da Academia Maranhense de Letras José Neres: "Rocha no meio do caminho"

 

Rogerio Rocha e José Neres.
Rogerio Rocha e José Neres.

Convidado: José Neres é professor, membro da AML, ALL e da Sobrames-MA

Quando se apela para a alquimia das palavras e se junta na mesma frase vocábulos como poema, pedra, penhasco, rocha e versos, os leitores mais afeitos aos clássicos antigos e que se alimentam de sonetos bem elaborados trazem logo à mente a figura de um Cláudio Manuel da Costa, o poeta que introduziu nas letras brasileiras a essência das máximas árcades que nos aconselham a fugir do meio urbano para aproveitar a vida em um local ameno. Outros leitores, no entanto, fazem logo a ligação direta com a cerebral e bem construída produção poética de João Cabral de Melo Neto, um dos mais completos poetas do século XX, um homem capaz de educar pela pedra e de transformar um único Severino em uma referência eterna para todos os Severinos condensados e metaforizados no ritmo de versos nucleares da poesia modernista. Mas ninguém poderá deixar de lado também a incômoda pedra no caminho do jovem Carlos Drummond de Andrade, poeta mineiro, que, em 1928, transformou uma mera pedra em um monumento às vezes incompreendido da poesia brasileira. Como esquecer também a pedra encontrada nas águas de março eternizadas na voz de Elis Regina.

              Porém, além dessas, há outras rochas e outras pedras que mais recentemente também se transformaram em versos e que merecem uma atenção por parte dos amantes das letras. Trata-se do livro 'Pedra dos Olhos' (Editora Hamsa, 2019), do filósofo, poeta, advogado e professor Rogério Henrique Castro Rocha, mais conhecido como Rogério Rocha, e que tem dedicado parte de suas energias para compartilhar conhecimentos na grande rede de computadores, entrevistar autores de diversas áreas do saber, comentar obras de seus contemporâneos e traduzir em palavras, versos e estrofes suas observações, anseios, dúvidas e sentimentos.

              Pedra dos Olhos é um livro que, em 190 páginas, reúne quase uma centena de poemas sobre temáticas diversas, mas sempre carregados de um olhar que mescla um olhar social e pessoal com múltiplas leituras feitas das obras de poetas, filósofos, juristas, sociólogos e outros intelectuais que acabam compondo um complexo labirinto de saberes que se bifurcam na busca da melhor maneira de o poeta expressar-se diante dos “sustos” cotidianos que o tiram de uma suposta zona de conforto e o fazem acreditar que as palavras podem ter o poder de chamar a atenção para o que pode ser melhorado no mundo, para aquilo que sempre esteve bem diante dos olhos de todos, mas que parecem obstaculizados pelas “pedras” que nos impedem de seguir o caminho que está aberto à nossa frente.

              Mesmo sem intenção de fazer da tessitura do livro um “mosaico de citações” como certa vez disse Julia Kristeva, Rogério Rocha, mesmo buscando imprimir uma dicção poética própria em cada poema, acaba deixando para o leitor rastros de suas leituras: Tribuzi, Drummond, Vinícius, Cabral de Melo Neto, Nietzsche, Spinoza, Schopenhauer, Fernando Pessoa, Nauro Machado e muitos outros escritores que se entrecruzam nas malhas da intertextualidade.

              Em Pedra dos olhos há espaço para a discussão de temas tão diversos quanto o contato com o mundo cibernético, quanto o fascínio pela voz de uma estrela como Karen Carpenter, passando por indagações filosóficas, imersão no erotismo, as alegrias do nascimento de uma criança e a observação de coisas do cotidiano, como uma chuva que cai e as mudanças ocorridas na urbe. Tudo, de alguma forma, pode ser transformado em poemas pelo olhar atento de Rogério Rocha.

              Trata-se de um livro para ser lido com calma e paciência, sem se desviar das pedras, das rochas e dos obstáculos que podem aparecer a cada curva dos poemas. Desviar-se dessas pedras seria deixar de lado a matéria-prima de que é construído cada poema: o olhar atento de um homem que se reconhece como em construção, mas que aproveitou cada pedra do caminho para encher seus olhos de esperança em dias melhores, mesmo que, às vezes, tenha que utilizar a força de um martelo para abrir caminhos em situações nas quais outros viriam apenas obstáculos intransponíveis. Afinal de contas:

Meu martelo profético desfaz e arrasa,

Com golpes potentes, enormes pancadas.

As torres maciças que o templo resguarda.

 

 Fonte: Portal Facetubes

quarta-feira, 16 de março de 2022

Sobre a Predestinação dos santos, de Santo Agostinho (por Leandro Bachega)

 

Resumo

O presente artigo pretende expor o contexto em que foram escritas as obras De praedestinatione sanctorum e De dono prerseverantiae (429), de autoria de Agostinho, bispo de Hipona (354-430), bem como analisar brevemente seu conteúdo. Os monges franceses Próspero e Hilário, preocupados com o avanço do semipelagianismo oriundo do mosteiro de João Cassiano, em Marselha, pedem ao bispo de Hipona um esclarecimento acerca da doutrina da salvação, do papel de Deus e do homem no processo em direção à fé, e explicações a respeito das capacidades humanas, após a Queda, sobre o conhecimento de Deus. A origem da questão, no entanto, era ainda consequência dos embates entre Pelágio e Agostinho, e continuava a desafiar o trabalho do bispo africano.

Palavras-chave: Pelagianismo; liberdade; graça; pecado original; semipelagianismo; predestinação.

Contexto histórico

Pelágio (360-418) foi um cristão leigo britânico, conhecido por seu zelo em relação à vida e conduta cristãs. Mudou-se para Roma no mesmo período em que Agostinho também se dirigia para a Itália, mas, ao contrário deste, permaneceu por cerca de 30 anos na capital do Império, até que o saque de Alarico à Roma e as constantes invasões subsequentes forçaram Pelágio e outros a fugirem da região. O religioso britânico primeiro desembarcou na África, passando por Cartago e pela Hipona de Agostinho, tendo finalmente se fixado em Jerusalém, junto com seu discípulo Celéstio.

A teologia de Pelágio afirmava que os homens eram capazes, por si mesmos, de resistir às tentações e levar uma vida santa. Era radicalmente oposta ao conceito da Queda[1] como condição que teria alastrado o pecado original por toda a humanidade, e que impedia a vontade humana acerca do início da fé (a esse respeito, não estava sozinho: a ideia do pecado original também não era aceita pela maior parte da igreja oriental[2]). Segundo sua doutrina, Adão havia sido criado mortal, e, portanto, este não morreu por conta de sua desobediência. Além disso, se as almas tinham origem no próprio Deus, no momento do nascimento de um ser humano, não seria correto afirmar que esta nova alma já viesse do seio divino contaminada pelo mal.

Da negação do pecado original, as demais doutrinas de Pelágio eram uma consequência lógica: enfatizavam firmemente o livre-arbítrio humano e que a “graça dependia, em parte, de um atributo natural da pessoa, em parte, da revelação da vontade de Deus através da lei”[3]. Graça, para Pelágio, era a liberdade humana e a lei divina: a possibilidade de decisão, diante da verdade cristã, dependia completamente do homem, não sendo necessária nenhuma intervenção divina anterior, e, se o homem cometia pecado, era por influência da sociedade corrompida, e não resultado de sua própria vontade degenerada.

Durante sua estada em Roma, Pelágio – “levado à ira por uma cristandade inerte, que se desculpava alegando fragilidade da carne e a impossibilidade do cumprimento dos mandamentos opressivos de Deus”[4] –, ficou incomodado com a indiferença dos cristãos em relação à pureza de suas vidas e, intrigado, passou a pesquisar o motivo da situação de descaso com a santidade da igreja. Quando leu a seguinte oração de Agostinho, nas Confissões (escritas a partir de 397), entendeu ter encontrado o motivo de tanto desdém por parte dos cristãos:

Mas toda a minha esperança está em tua misericórdia, sobremaneira grande. Concede o que ordenas, e ordenas o que queres. Prescreveste-nos a continência. E, quando percebi, disse alguém, que ninguém pode ser continente, se Deus não lho der, isso mesmo também era sabedoria, saber de quem vinha esse dom.[5]

Pelágio questiona a petição de Agostinho, pois não considerava que fosse necessária uma graça especial para que Deus capacitasse o homem a obedecer aos mandamentos. E, se Agostinho dizia que o pecado é inevitável, por que haveria o homem de ser responsabilizado por cometê-lo? Esse tipo de raciocínio estaria levando os cristãos a viverem uma vida devassa, uma vez que, se (entendiam que) não haviam sido tocados por Deus para a vida santa, por que se preocupariam em vivê-la, uma vez que isso lhes seria impossível? Pelágio não pensava da mesma forma: segundo o monge britânico, uma vez que as Escrituras requerem das pessoas que creiam, se arrependam e sigam os mandamentos, seria consequentemente lógico que essas mesmas pessoas tivessem a capacidade, por si mesmas, de responder aos preceitos do evangelho. Como vimos, Pelágio entendia por graça os dons já dados por Deus ao homem no momento de sua criação, ou seja, o livre-arbítrio, a razão, as Escrituras, dons que são oferecidos a todos os homens. Portanto, de acordo com Pelágio,

Se Deus ordena que as pessoas creiam em Cristo, então elas devem ter o poder de crer em Cristo sem a ajuda da graça. Se Deus ordena que os pecadores se arrependam, eles devem ter a habilidade de se inclinarem para obedecerem ao comando. A obediência não precisa, de forma alguma, ser “concedida”.[6]

Pelágio defendia três aspectos que eram inerentes à natureza humana: o poder (posse), oriundo de Deus; o querer (velle); e o realizar (esse) – sendo os dois últimos próprios do homem. Não aceitando a concepção do pecado original, Pelágio acreditava que a liberdade da vontade humana era o seu principal e supremo bem, a partir do qual o homem poderia prestar um culto voluntário a Deus. Essa mesma vontade poderia pender, a qualquer momento e igualmente, para o bem ou para o mal, sem que houvesse uma inclinação anterior e inerente para um dos lados: quando pecam, os homens são levados por influência de terceiros ou de demônios, mas o pecado, segundo Pelágio, era inclusive evitável.

Em Roma, a doutrina pelagiana pouco chamou atenção como heresia; na verdade, seu autor era um mestre reconhecido, e mesmo Agostinho havia tecido elogios a alguns de seus escritos[7]. A crise teve início quando Celéstio, discípulo de Pelágio, questionou o valor do batismo infantil em meio aos debates correntes em Cartago: calcado na doutrina de seu mestre, Celéstio negou que as águas batismais tivessem a função de perdoar ou transmitir a graça divina às crianças, uma vez que, acreditava, o homem nascia sem qualquer tipo de culpa intrínseca ou herdada de Adão. Teve frustrada sua tentativa de tornar-se sacerdote, sendo denunciado como propagador de heresia pelo sínodo realizado em Cartago entre 411 e 412. Juntamente com outros cinco bispos, Agostinho enviou um relatório a respeito da doutrina pelagiana ao papa Inocêncio I, que, apoiado pela decisão do Concílio de Cartago (417), condena Pelágio e Celéstio por heresia[8]. Pouco mais tarde, em sua obra De gratia Christi et de peccato originali (Sobre a graça de Cristo e o pecado original) (418)[9], Agostinho expôs os ensinos e contradições de Pelágio e Celéstio.

A resposta de Agostinho se fez, primeiramente, pela defesa do pecado original e pela incapacidade (por consequência da Queda) da vontade humana de dirigir-se voluntariamente em direção a Deus. Essa abordagem pode ser vista tanto na leitura que Agostinho faz dos textos bíblicos – principalmente dos escritos paulinos – quanto em sua própria experiencia de conversão (“[…] via a lei sem poder cumpri-la. E não apenas viu a lei, mas viu a lei cumprida sob seus olhos por outros, enquanto, com toda sua alma desejando imitá-los, foi necessário confessar-se incapaz”)[10], na qual Agostinho aparece relutante, descrente, até ser convencido pelos sermões de Anselmo e pela profunda angústia que sentia, aplacada somente no momento em que se entrega ao chamado divino.

Se a vontade humana está condenada e é incapaz de, por meios próprios, buscar o auxílio divino, deduz Agostinho, o livre-arbítrio[11] é irreal: o otimismo pelagiano é aqui substituído por um pessimismo[12] em relação às capacidades e intenções do homem. Com isso, Agostinho concebe a graça como a intervenção de Deus na vontade humana, que é regenerada e passa a desejar, crer e obedecer aos mandamentos divinos. Por conseguinte, a vontade restaurada, a razão dirigida e a capacidade para observar os mandamentos divinos são todos frutos diretos da graça de Deus. Em uma de suas cartas, o bispo de Hipona deixa clara a sua opinião a respeito da intervenção divina como único acesso a Cristo:

Qual homem, refletindo sobre sua fraqueza, ousaria atribuir sua castidade e inocência às suas próprias forças, amando-te menos, como se não lhe fosse tão necessária sua misericórdia, pela qual redimes os pecados a quem se converte a ti? Não me despreze, pois, quem, chamado por ti, seguiu tua voz e evitou os pecados que lê em minhas lembranças e confissões (…)[13]

Outra questão trazida por Agostinho – implícita no trecho acima – é a predestinação dos santos. Se é Deus quem regenera a vontade dos homens e os chama para si, mas nem todos apresentam a inclinação para a beata vita, a conclusão é a de que Deus escolhe aqueles a quem concederá graça, sem nenhuma condição prévia senão a misteriosa vontade divina. Se todos os homens nascem em condição de pecado, e isso os separa da santidade de Deus, a condenação eterna é a aplicação da justiça divina; contudo, àqueles que foram escolhidos, Deus concede misericórdia:

Esta é a predestinação dos santos e não outra coisa, ou seja, a presciência de Deus e a preparação dos seus favores, com os quais alcançam a libertação todos os que são libertados. Os demais, porém, por um justo juízo divino, são abandonados na massa da perdição, onde foram abandonados os tírios e os sidônios, os quais também poderiam crer, se tivessem presenciado os maravilhosos sinais de Cristo. Mas como não lhes foi dado crer, foi-lhes negada a motivação da fé.[14]

Agostinho explicitou sua polêmica posição em diversas obras e cartas, principalmente após a controvérsia com Pelágio e a avaliação da igreja. Contudo, suas doutrinas não haviam sido totalmente aceitas pelo clero cristão, mesmo depois da condenação do pelagianismo pelo poder central. No norte da África, foi necessário que Agostinho escrevesse cartas ao mosteiro de Hadrumeto, próximo a Cartago, para esclarecer seu posicionamento, pois o conceito de predestinação trouxe dúvidas a muitos cristãos. O conjunto de cartas é hoje conhecido como a obra De gratia et libero arbítrio (A graça e a liberdade), de 427, e os questionamentos se referiam à liberdade humana, à eleição divina, ao papel da graça, e como tudo isso se relacionava na salvação dos homens.

No entanto, de todos os seus escritos a respeito da eleição divina, De praedestinatione sanctorum (Sobre a predestinação dos santos) e De dono prerseverantiae (Sobre o dom da perseverança), ambos de 429, são os que mais oferecem explicações a respeito do assunto – e também as últimas publicações do bispo de Hipona. Os livros foram escritos a pedido de dois monges franceses, Próspero e Hilário, em reação à disseminação do pelagianismo em um monastério em Marselha, onde o monge João Cassiano (considerado o precursor do monasticismo ocidental) procurava equilibrar as doutrinas de Agostinho com a pregação de Pelágio, defendendo que, embora os homens fossem carentes da graça divina, caberia ao indivíduo o passo em direção a Deus, em direção à conversão – a graça seria útil na evolução da vida cristã, mas não caberia a ela a iniciativa da fé. Essa posição ficou conhecida como semipelagianismo, dada a sua proximidade com o pensamento de Pelágio.

A disputatio entre semipelagianos e agostinianos não acabou com os escritos de Agostinho. O bispo italiano Juliano de Eclano deu continuidade à polêmica, posicionando-se, desde o início, a favor de Pelágio e debatendo com um Agostinho idoso e preocupado com a invasão de Hipona pelos vândalos; ele morreria em 430, com uma resposta inacabada a Juliano. A discussão teológica, porém, continuou viva no seio da igreja até o Concílio de Orange, em 529, quando o semipelagianismo foi finalmente condenado como heresia, embora a Igreja Católica nunca tenha aderido à totalidade das doutrinas defendidas por Agostinho.

Análise das obras

A predestinação dos santos conserva teor pastoral e teológico. Nela, Agostinho procura esclarecer importantes doutrinas da fé cristã, que àquela altura da vida da igreja, ainda estavam em formação. O bispo começa dizendo que havia tratado muitas daquelas questões em escritos anteriores, mas atende aos irmãos de fé franceses, detalhando a forma como entendia a ação divina na salvação humana. Essas explicações são ricamente baseadas em suas interpretações de passagens da Bíblia – principalmente das epístolas paulinas –, e do pensamento de grandes vultos do passado recente da igreja (como Santo Ambrósio e São Cipriano de Cartago).

Durante a obra, Agostinho esclarece pontos de interesse teológico – tais como a diferença entre predestinação e graça, a natureza da fé, o destino das crianças que morrem sem o batismo[15]–, interpreta passagens das Escrituras a partir de sua exegese e reafirma como tudo o que há de bom na vida do cristão é oriundo da graça divina – e não de méritos, ou de boas ações que, por presciência, Deus saiba que o crente fará. Agostinho faz ainda um mea culpa por, no passado, ter pensado e escrito de forma semelhante a seus adversários, como já havia registrado em suas Retratações.

A primeira preocupação de Agostinho é esclarecer como se dá o princípio da fé. O bispo de Hipona reafirma a incapacidade da vontade humana para que se dirigisse a Deus (ou ao bem), e que Deus escolhe incondicionalmente homens e mulheres, a quem concede a graça. Os escolhidos têm, então, suas vontades regeneradas, tornando-se capazes de escolher a verdade e agir de acordo com ela, ou seja, a vida convertida a Cristo e a consequente salvação após a morte. A fé, portanto, é um dom de Deus, dada sem nenhum merecimento prévio por parte do indivíduo[16], contrariamente à crença pelagiana de que “a graça de Deus é-nos concedida de acordo com nossos méritos”[17].

É importante salientar aqui como a epistemologia agostiniana tem impacto sobre sua teologia. A razão tem um papel fundamental na busca pela verdade (isto é, Deus); no entanto, Agostinho estabelecerá seu alcance. Ela pode e deve investigar e deduzir a verdade, mas aí repousa seu limite. Mesmo os filósofos pagãos, desprovidos de fé, intuíram, e todos os homens podem, por meio da investigação racional, chegar à conclusão da existência de Deus, sem que com isso creiam: a verdade é um dado revelado (por meio da fé), e sua posse resulta não somente em um conhecimento, mera especulação filosófica, mas em uma vivência e conversão.

Quem não vê que primeiro é pensar e depois crer? Ninguém acredita em algo, se antes não pensa no que há de crer. Embora certos pensamentos precedam de um modo instantâneo e rápido a vontade de crer, e esta vem em seguida e é quase simultânea ao pensamento, é mister que os objetos da fé recebam acolhida depois de terem sido pensados. Assim acontece, embora o ato de crer nada mais seja que pensar com assentimento. Pois, nem todo o que pensa, crê, havendo muitos que pensam, mas não creem; mas todo aquele que crê, pensa, e pensando crê e crê pensando.[18]

A filosofia agostiniana está intimamente ligada à sua vida, descrita em detalhes por ele mesmo, na primeira autobiografia da história, o livro Confissões. Sua intenção era alcançar a sabedoria, e, nesse intento, enveredou-se por algumas doutrinas populares em sua época. No cristianismo, Agostinho descobre que a verdade está atrelada à beata vita, à beatitude e vida feliz, e que é alcançada mediante uma graça divina especial que restaura o querer humano, corrompido pelo pecado e inclinado somente ao mal. A vontade de crer, da qual Agostinho fala, é o caminho que leva do limite da razão e intelecção (o pensar) à verdade propriamente dita.

Quanto ao conceito de graça, embora Agostinho não nos dê uma definição exaustiva, parece querer explicar toda boa dádiva que Deus dá aos homens, “a presença e o poder divino atuante e, consequentemente, presente no mundo”[19]. Estabelece uma diferenciação entre a “graça que distingue os bons dos maus, não a que é comum aos bons e aos maus”, reconhecendo que mesmo eleitos recebem dádivas divinas, como os bens da terra, a saúde, e são beneficiados por uma ordem moral que ainda habita os homens, a despeito de sua condição corrompida: “deixado a si mesmo, o homem possuiria propriamente apenas o poder de fazer o mal, a mentira e o pecado”.[20] Contudo, devido à graça de Deus,

Permanece no homem (…) um pensamento que, embora entrevado, continua capaz de conhecer o verdadeiro e de amar o bem, ao adquirir progressivamente, por um exercício lento, as artes, as ciências e as virtudes; porque há virtudes naturais mesmo no homem decaído. Alguns romanos, por exemplo, fizeram prova de força, de temperança, de justiça ou de prudência[21]. É necessário ver nisso igualmente vestígios de uma ordem destruída, ruínas cuja subsistência torna possível uma restauração e que Deus conserva com esse fim; em todo caso, quer se trate de um resto de disposição habitual à virtude ou de uma força excepcional para executar um ato heroico, elas são um dom de Deus no homem que as realiza ou que as testemunha.[22]

O tema que perpassa a discussão e as obras, além da graça, é a liberdade, e a base de cada uma das posições está em sua antropologia. Agostinho propõe uma humanidade cujas capacidades intelectivas e volitivas foram comprometidas. Se, em seu estado de natureza, o homem podia não pecar (pois possuía um livre-arbítrio íntegro, conforme Deus o criara), após a Queda, sua natureza corrompida o forçava a não poder não pecar; uma vez agraciado com a fé, o homem não pode pecar, pois Deus o esclarece a respeito do bem e do mal, e o ajuda a guardar-se do último[23].

É disso que trata o livro Sobre o dom da perseverança, obra que complementa Sobre a predestinação dos santos, ainda respondendo àqueles que defendiam ser o homem capaz tanto de iniciar a sua fé, quanto de manter-se nela. Segundo Agostinho, quando um indivíduo é eleito, Deus garante, também por meio de sua graça, que o crente permaneça em uma vida pia e santa, ou seja, que persevere no cumprimento da vontade de Deus, revelada nas Escrituras. A seus opositores, o bispo de Hipona demonstra, por meio da oração de Cristo, como a perseverança é um dom que os cristãos pedem a Deus (“e não nos exponhas à tentação, mas livra-nos do Maligno”), afirma que a pregação do evangelho não é invalidada por causa da predestinação, nem leva o cristão a um estado de estagnação espiritual.

Conclusão

A ideia de graça, de predestinação e de incapacidade humana para dirigir-se a Deus, tal qual Agostinho escreveu, não é plenamente aceita pela Igreja Católica[24]. Os herdeiros mais diretos das doutrinas agostinianas foram Lutero e Calvino[25], e, posteriormente, o movimento jansenista. No entanto, em recentes publicações, os dois últimos papas citam os perigos do pelagianismo para a vida cristã. O Papa emérito Bento XVI fala do “pelagianismo dos piedosos” em sua obra Guardare Cristo: esempi di fede, speranza e carità, de 2009, e critica religiosos que buscam justificação por meio de suas obras de caridade. Já o Papa Francisco alertou recentemente para os perigos do neopelagianismo:

“Prolifera em nossos tempos um neopelagianismo em que o homem, radicalmente autônomo, pretende salvar-se a si mesmo sem reconhecer que ele depende, no mais profundo do seu ser, de Deus e dos outros. A salvação é então confiada às forças do indivíduo ou a estruturas meramente humanas, incapazes de acolher a novidade do Espírito de Deus”.[26]

O homem contemporâneo acredita em sua autossuficiência, ao mesmo tempo em que se sente sozinho, cegado por um otimismo pelagiano. O historiador Michael Oakeshott fala de um estilo de política “pelagiano”, que procura a salvação na terra por meio de uma possível e progressiva perfeição da humanidade, através de seu próprio esforço[27]. Agostinho, por outro lado, apadrinha aqueles que nutrem reservas em relação ao homem, às suas capacidades. Diz o verso bíblico que é “maldito o homem que confia no homem”[28]; o bispo de Hipona acreditava tanto nisso que começou as suspeitas a partir de seu próprio eu.

Bibliografia

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SPROUL. R. C. Sola Gratia: o debate sobre o livre-arbítrio na história. Tradução de Mauro Meister. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001.


[1] Segundo a doutrina do pecado original, após o pecado de Adão, todos os seus descendentes tiveram a vontade corrompida. Adão tinha liberdade na vontade para pecar ou evitar o pecado, mas, após sua Queda em pecado, ele e seus descendentes passaram a ser escravos de uma vontade sempre enviesada para o mal e, principalmente, incapaz de dirigir-se (querer) a Deus.

[2] “(…) toda a igreja oriental mantinha um conceito essencialmente sinergístico do relacionamento entre Deus e os seres humanos na salvação, no qual a graça exercia o papel de destaque, mas a decisão e esforço humanos deviam cooperar com a graça para resultar na salvação”. OLSON, Roger. E. História da teologia cristã: 2000 anos de tradição e reforma. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida, 2001, pg. 286.

[3] Idem, pg. 272.

[4] HARNACK, Adolph. History of dogma. New York: Dover, 1961, pg. 174.

[5] AGOSTINHO. Confissões. Tradução de Lorenzo Mammì. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2017, pg. 278.

[6] SPROUL. R. C. Sola Gratia: o debate sobre o livre-arbítrio na história. Tradução de Mauro Meister. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, pg. 30.

[7] “Agostinho sempre rendeu belos tributos às exortações de Pelágio: elas se destacavam por ser ‘bem redigidas e diretas’, por sua ‘facundia’ (eloquência) e sua ‘acrimonia’ (acidez)”. BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Rio de Janeiro: Record, 2017, p. 426.

[8] Mais tarde, o papa Zósimo, que substitui Inocêncio, revoga a condenação de Pelágio e Celéstio; contudo, tempos depois, Zósimo cede à pressão dos bispos africanos (que apelaram ao imperador Honório) e volta atrás em sua decisão. Agostinho insistiu que Zósimo enviasse às igrejas do ocidente e do oriente um documento (chamado Epistula tractoria) que condenasse os pelagianos. BETTERSON, H. Documentos da igreja cristã. São Paulo: ASTE, 2001.; MCBRIEN, Richard P. Os papas: os pontífices de São Pedro a João Paulo II. São Paulo: Edições Loyola, 2013.

[9] Outras obras de Agostinho que tratam da questão pelagiana são Do Espírito e da letra (412), Da natureza e da graça (415) e Da graça e do livre-arbítrio (427).

[10] GILSON, Etienne. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. Trad. Ayoub, C. N. A. São Paulo: Paulus, 2006, p. 300.

[11] No entanto, nem sempre Agostinho pensou assim. Em sua obra O livre-arbítrio (388), Agostinho admitiu que o homem possui livre-arbítrio e capacidade para buscar a Deus de forma voluntária (sinergismo); posteriormente, reconhece o equívoco e passa a abordar toda a conversão como fato iniciado e consumado por Deus (monergismo).

[12] Lima Vaz reforça o impacto da obra epistolar paulina e demais Escrituras como fundamentais para a compreensão de Agostinho acerca do pecado original, recusando as acusações de influência maniqueísta em seu pensamento: “Alguns críticos quiseram ver nos traços pessimistas da visão agostiniana do homem uma influência persistente do maniqueísmo ao qual Agostinho aderiu em sua juventude. Essa interpretação, no entanto, é dificilmente aceitável, em primeiro lugar pelo caráter radical da crítica a que Agostinho submeteu a doutrina maniqueísta e, em segundo lugar, pelo fato de que o pessimismo em Agostinho não tem nenhum resquício dualista, pois envolve o homem todo, sendo igualmente o homem todo objeto do desígnio e da ação salvífica de Deus”. LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Antropologia Filosófica I. São Paulo: Loyola, 2011, p. 67.

[13] AGOSTINHO. Confissões. Tradução de Lorenzo Mammì. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2017, pg. 69.

[14] AGOSTINHO. De praedestinatione sanctorum. XIV, 35.

[15] Segundo Agostinho, toda a descendência de Adão foi contaminada pelo pecado, e isso naturalmente não exclui as crianças, que já nascem propensas ao pecado (Confissões, I, 7; A natureza e a graça, VIII, 9). O batismo, contudo, é um meio de graça para perdão de pecados. Agostinho entendia que o batismo, ministrado pela igreja, era a ação que removia os pecados do convertido, assim como das crianças. Portanto, entendia, as crianças batizadas antes da morte eram salvas.

[16] Aqui, Agostinho ecoa fortemente a passagem da epístola de São Paulo aos Efésios 2.8,9: “Pela graça fostes salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós, é o dom de Deus: não vem das obras, para que ninguém se encha de orgulho”, entre outras, que permeiam toda a obra.

[17] AGOSTINHO. De praedestinatione sanctorum. II, 3.

[18] Idem, p. 153.

[19] FITZGERALD, Allan (Org.). Agostinho através dos tempos. Tradução de Cristiane Negreiros Ayoub, Heres Drian de O. Freitas. São Paulo: Paulus, 2018, p. 463.

[20] GILSON, Etienne. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. Tradução de Cristiane Negreiros Ayoub. São Paulo: Paulus, 2006, p. 288.

[21] Etienne Gilson se refere aqui às “quatro virtudes cardeais gregas”, as quais Agostinho converteu em virtudes morais cristãs. Ver COSTA, M. R. N. Introdução ao pensamento ético-político de santo Agostinho. São Paulo: Loyola, 2009, p. 67.

[22] GILSON, Etienne. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. Tradução de Cristiane Negreiros Ayoub. São Paulo: Paulus, 2006, p. 287, 288.

[23] Conforme Agostinho em sua obra A correção e a graça, cap. 33. AGOSTINHO. A Graça II. São Paulo: Paulus, 2002, p. 119.

[24] “Tanto Lutero quanto Jansênio hauriram honestamente de sua obra a maioria de suas teses, e a Igreja Católica jamais fez seu cada pormenor de cada obra de Agostinho. Mas continua sendo verdade que esse doutor deu à graça um lugar central no cristianismo ocidental e que é o maior especialista nesse assunto em toda a história da teologia antiga”. SPANNEUT, Michel. Os padres da igreja: séculos IV-VIII. Tradução de João Paixão Netto. São Paulo: Edições Loyola, 2002, pg. 219, 220.

[25] Martinho Lutero era um monge agostiniano, e Agostinho foi o autor mais citado pelo teólogo João Calvino em seus escritos.

[26] Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20180222_placuit-deo_po.html#_ftn5. Consulta em 10/04/2020.

[27] OAKESHOTT, Michael. A política da fé e a política do ceticismo. Tradução de Daniel Lena Marchiori Neto. São Paulo: É Realizações, 2018.

[28] Jeremias 17.5.

 

Artigo publicado originalmente em: https://offlattes.com/archives/6078

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