Os brasileiros empenhados em vencer a obesidade e seus perigosos desdobramentos têm um aliado novo e poderoso. Chega ao Brasil até o final de julho a primeira pílula que ataca de uma só vez a obesidade e os conhecidos e temidos vilões a ela associados. Além de combater a gordura, melhora o HDL, o colesterol bom que protege o coração, e diminui as chances de manifestar diabete, uma doença que se tornou epidemia mundial e que aumenta drasticamente os riscos de problemas cardíacos e circulatórios. O super-remédio, o rimonabanto, fabricado com o nome comercial de Acomplia, da gigante farmacêutica Sanofi-Aventis, é o primeiro de uma nova classe que combate todos esses problemas ao mesmo tempo, de um modo abrangente e inédito. Aprovado no final de abril pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, é considerado audacioso e com potencial para tirar muita gente do perfil de risco para doenças cardiovasculares, as que mais matam no mundo. O medicamento já tem venda liberada em países da Europa e aguarda autorização do FDA para entrar no mercado americano. Ao que tudo indica, será o mais novo blockbuster. O termo é aplicado para designar remédios de grande sucesso como os medicamentos Viagra e Cialis, para disfunção erétil, Lipitor, para redução do colesterol, e o anticoagulante Plavix.
Na prática, ele pode ser a esperada solução para pessoas que estão realmente muito acima do peso e para aqueles que convivem com alguns quilinhos, situados especialmente no abdome, e convivem com algum vilões cardiovasculares. Os mais comuns são a diabete tipo dois, adquirida ao longo da vida, e alterações nos níveis de colesterol e triglicérides, outra das gorduras circulantes no organismo. “Quem soma esses três fatores de risco tem três vezes mais chances de ter um infarto”, diz o cardiologista Álvaro Avezum, diretor de pesquisa do Instituto Dante Pazzanese, de São Paulo. Quando esses sintomas aparecem em conjunto, caracterizam o que alguns especialistas chamam de síndrome metabólica. A lista, encabeçada pelo aumento da circunferência abdominal – a medida-limite é de 94 centímetros em homens e 80 para mulheres, inclui a pressão alta, baixos níveis de HDL, elevação do triglicérides (um tipo de gordura) e também da glicose no sangue, evidenciado a resistência à insulina, o hormônio que abre a porta das células para a entrada da glicose. No Brasil, essa sobreposição de sintomas possivelmente atinge três em cada dez pessoas.
A ação mais enaltecida do rimonabanto é sobre o acúmulo de gordura abdominal, aquela que muita gente insiste em chamar de barriguinha de chope. “A melhor indicação é para as pessoas que têm acúmulo de gordura abdominal. Ela se infiltra entre os órgãos e produz substâncias que aumentam o risco de doenças cardiovasculares. Tudo isso estimula a elevação do colesterol e outros problemas”, explica o cardiologista Antônio Carlos Chagas, chefe do setor de aterosclerose do Instituto do Coração da Universidade de São Paulo. No caso do diabetes, o efeito se explica porque a ação do remédio facilita o trabalho da insulina, o hormônio encarregado de levar o açúcar para dentro das células. “A diabete surge quando o pâncreas foi muito exigido e não consegue mais produzir insulina”, explica o médico Antônio Roberto Chacra, chefe do serviço de endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo.
Em várias frentes
A explicação para a ação múltipla e revolucionária do Acomplia é seu mecanismo inédito de ação. Ele usa um caminho já estudado, mas até agora jamais utilizado pela medicina como via terapêutica. Trata-se do sistema endocanabinóide, situado em uma área do cérebro que regula as emoções e que está envolvido em atividades importantes como a regulação do gasto e formação de estoques de energia e nas sensações de recompensa e prazer. A estrutura ficou conhecida na década de 1960 durante os estudos para entender onde a maconha agia no organismo. A pesquisa revelou que as substâncias ativas da Cannabis sativa, o nome científico da maconha, dirigiam-se a pontos específicos das células, os receptores CB1. Como uma chave que encontra a fechadura perfeita, o encontro das moléculas com os receptores dava o acesso ao sistema. Ou seja, garantia a ação da substância sobre ele. O avanço da pesquisa revelou a presença de receptores iguais a esses nos músculos, na gordura, no intestino e no fígado. Todos eles estão associados, de algum modo, aos mecanismos de controle das reservas energéticas do corpo. Quando são estimulados, avisam o cérebro de que está na hora de providenciar novo suprimento de substâncias que ativem os centros de prazer. Uma das manifestações dessa ativação é a famosa “larica”, o desejo de comer doces que acomete algumas pessoas depois de umas baforadas de cannabis. Feita a descoberta, os cientistas decidiram criar uma molécula com o poder de bloquear essas “fechaduras” da célula. Desse processo surgiu o rimonabanto.
CLARA RABONOVICH Com sobrepeso e colesterol alto, ela importa o remédio. Perdi barriga e me sinto melhor.
É bom para quem usou outros medicamentos e não conseguiu emagrecer”
A expectativa em torno do remédio é enorme e outras companhias farmacêuticas já estudam drogas que façam o mesmo percurso no corpo. Ainda que nas pesquisas iniciais ele tenha mostrado efeito emagrecedor e insinuado uma boa ação antitabagismo, os estudos mostraram que seu poder maior é sobre as gorduras. “O rimonabanto tem uma propriedade única, que é diminuir a formação de gorduras pelo organismo e aumentar a sua queima. Isso ocorre especialmente na gordura abdominal, que também melhora o controle das taxas de açúcar no sangue. Todos esses efeitos indicam que será de grande ajuda para prevenir doenças cardiovasculares”, explica o endocrinologista Amélio de Godoy Matos, do Instituto Estadual de Endocrinologia e Diabetes do Rio de Janeiro, que participa de estudos sobre o medicamento iniciados recentemente no Brasil.
Diante dos efeitos comprovados pelos estudos, vários médicos já receitam o Acomplia. O cardiologista Álvaro Avezum. “É um recurso valioso para diminuir as chances de pessoas com vários fatores de risco de terem um problema cardiovascular”, garante Avezum. Com a indicação, o executivo Miguel Teodoro da Purificação perdeu 12 centímetros de cintura, aumentou o colesterol bom e começa a ter mais controle da diabete. “Custou caro, mas eu mereço. Fiz um procedimento para desobstruir as artérias do coração e quero o melhor para me colocar em forma. Comecei até a fazer exercícios”, diz ele, que chegou a pagar R$ 395 reais por uma caixa importada com 28 comprimidos. “Minha expectativa é que o preço baixe ao chegar ao Brasil”, diz. Na verdade, o preço do Acomplia deverá ser estipulado dentro de 30 a 60 dias. A estimativa é que será cerca de 30% mais barato do que os valores cobrados pelas importadoras.
KARINA MELO A carioca adora lasanha e chocolate, mas
foge dos exercícios. Está animada com a chegada do
Acomplia, mas teme o preço. Não sei se vou poder
comprá-lo, diz ela.
Os cuidados
Apesar de ter múltiplas ações, o Acomplia não é uma pílula mágica e tem seus efeitos colaterais. “Ele não pode ser tomado por pessoas com depressão e sintomas fortes de ansiedade”, explica a endocrinologista Maria Fernanda Barca, do grupo de tireóide do Hospital das Clínicas de São Paulo. A experiência da carioca Fátima Vasconcellos, da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, confirma o risco, indicado na bula. “Tenho um paciente que perdeu dez quilos com o rimonabanto, mas ele ficou deprimido. Queixou-se também de ficar irritado e perdeu o interesse por sexo. Realmente, não é indicado para pacientes com problemas psiquiátricos”, diz ela. A endocrinologista Fernanda tem mais de 70 pacientes usando o produto. Uma delas é Clara Elisabeth Rabinovich. Depois de tentar perder peso com muitos medicamentos diferentes, ela começou o tratamento com o Acomplia há seis meses. “Não sou muito gorda, mas preciso controlar o peso e domar o colesterol. Tomo estatina, mas ao usar esse novo medicamento perdi peso e barriga, o colesterol bom subiu e eu não sofri mudanças de humor como nas outras vezes”, explica ela.
Esperanças
Como ainda é um medicamento novo, os médicos não sabem ao certo por quanto tempo ele deve ser tomado. Para o endocrinologista Godoy, talvez venha a ser tomado regularmente e por tempo prolongado como as estatinas, os remédios milagrosos para controle do colesterol que se tornaram rotina para proteger o coração de milhares de brasileiros. “Como a obesidade é uma questão crônica, pode ser que seja tomado por longos períodos”, arrisca. Outros acreditam que ele pode normalizar o funcionamento do organismo. “Precisamos acompanhar seu uso prolongado. Por enquanto, tenho pacientes tomando há cerca de 120 dias”, diz o cardiologista Avezum.
Sempre que surge um produto como esse, todo mundo quer tomar. É o que acontece com a jovem carioca Karina de Melo, 20 anos, que deposita imensas esperanças na nova droga. “Gosto de comer arroz, lasanha e chocolate também é meu fraco. Como não faço exercício, não consigo emagrecer. Saí à família de meu pai, que tem tendência a engordar. Quem sabe esse remédio pode me ajudar. Só não sei se vou ter dinheiro para comprar”, explica. Outra grande dúvida é sobre os benefícios para mulheres magras que desejam livrar-se da incômoda barriguinha. Elas devem ou não pedir aos seus médicos que indiquem o remédio? “Depende. Não é um remédio para quem quer perder apenas dois quilos. Ele só pode ser recomendando para quem tenha algum outro problema como alterações nas gorduras do sangue”, explica o endocrinologista Chacra.
MIGUEL DA PURIFICAÇÃO O executivo, que paga R$ 395 para importar uma caixa do medicamento, perdeu 12 cm
de barriga e começa a controlar a pressão e a diabete. Espero que o preço caia agora, torce
Dúvidas
O carioca Walmir Coutinho, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, acha importante baixar um pouco a bola do remédio para que não chegue ao mercado como se fosse uma pílula mágica. Ele indica o produto para alguns de seus pacientes. “Outros medicamentos disponíveis podem ser tão eficientes como o rimonabanto. O sucesso do tratamento está relacionado com o diagnóstico correto dos fatores de risco e das características do paciente. Na verdade, nenhum remédio resolve o problema da obesidade, apenas ajuda na solução. Não existem milagres, como as pessoas gostariam. O mais importante é mudar os hábitos alimentares e manter a atividade física”, explica. Em outras palavras: é fundamental que o paciente também faça a sua parte.