Trata-se da discussão sobre a possível inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 15.299/2013, editada pelo Ceará, e que buscou regulamentar a prática citada como "manifestação desportiva e cultural" no referido Estado.
O tema envolve uma ponderação polêmica de princípios constitucionais.
A nossa Constituição Federal de 1988 protege, ao mesmo tempo, dois princípios que entram, no caso, em rota de colisão:
- a proibição dos maus-tratos contra animais, conforme previsão do artigo 225, § 1º, inciso VII, que diz ser incumbência do Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”;
- a preservação das manifestações culturais, conforme previsão do artigo 215,caput, e § 1º, que determinam que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”, protegendo as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
Diante das complexidades evidenciadas pelo caso, caberá ao Supremo Tribunal Federal definir a questão, já que exerce a função de intérprete máximo de nosso Texto Constitucional.
E temos, com isso, um tema extremamente delicado, cuja decisão pode trazer sérias repercussões.
Vale lembrar que o STF já julgou ao menos dois casos famosos envolvendo a contraposição dos princípios mencionados: os célebres casos da “farra do boi” e da “rinha de galo”.
Vejamos, abaixo, ementa contendo o julgamento do caso da “farra do boi” (STF, RE 153531/SC, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ 13.09.98):
COSTUME - MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE - PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado "farra do boi".
Ademais, vejamos, ainda, trecho da ementa de julgado mais recente, desta vez envolvendo a prática da chamada “rinha de galo” (STF, ADI 1856/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Dje 14.10.2011):
A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra do boi” (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico.
Em ambos os casos, a votação do Supremo Tribunal Federal foi, ao final, pela proibição das referidas práticas, já que a Corte entendeu que submetiam os animais à crueldade.
Ocorre que não é o placar que temos, no momento, em se tratando da discussão da vaquejada.
Segundo informação contida no Informativo acima citado, até agora foi proferido voto pelo Ministro Relator, Marco Aurélio, considerando procedente o pedido para, de fato, proibir a prática.
Contudo, após o voto do Relator, mais dois Ministros votaram: os Ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes, que entenderam pela improcedência do pedido, argumentando a necessidade de levar em consideração o contexto cultural da vaquejada, diante da realidade da população rural.
De acordo com os Ministros, o caso revelaria intuito distinto da morte praticada aos animais vitimados nos casos da “farra do boi” e da “rinha de galo”, anteriormente proibidos pelo Supremo Tribunal Federal.
Sendo assim, por enquanto temos a seguinte síntese: um voto pela proibição, e dois pela permissão da vaquejada, sendo os autos entregues ao Ministro Roberto Barroso, que pediu vista para, posteriormente, proferir o seu entendimento.
Ainda não sabemos o desfecho do julgamento, mas certamente teremos mais uma decisão empolgante para acompanhar em nosso STF, a evidenciar o seu importante papel na solução de casos de significativa complexidade em nosso Direito.