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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O ativismo online realmente pode mudar o mundo?

Com 30 milhões de filiados, a Avaaz é uma organização que pretende salvar a todos nós por meio da tecnologia. Conheça seu fundador, Ricken Patel
Por Carole Cadwalladr Divulgação / Avaaz
Avaaz
O Avaaz acredita no poder do ativismo digital
Existem muitas causas. Esta me foi apresentada forçosamente diante do Parlamento em Londres em um dia de julho de 2013, quando eu tentava localizar a manifestação "Não deixe que a Birmânia se torne a próxima Ruanda". Afinal a encontro – há um quadro vivo de lápides e algumas pessoas vestidas como o presidente de Burma, Thein Sein, e o primeiro-ministro David Cameron com cabeças gigantes de papier-mâché –, mas sou distraída das histórias de potencial genocídio pelas atividades da organização GLS Stonewall e do Coro Gay de Londres, que também estão protestando a poucos metros de distância. É um dia crucial para a votação do casamento gay, e enquanto os manifestantes pró-Burma portam cartazes e entoam slogans, é um páreo duro: o Coro de Homens Gays de Londres lança uma versão a capela de I Need a Hero e Peter Tatchell apareceu e começou a dançar.
Mas então é esta a realidade do protesto no século XXI: um desfile de beleza. Uma competição pela coisa que todos parecemos ter menos: atenção. As câmeras de TV aparecem, porém, e uma jovem da minoria muçulmana rohingya da Birmânia dá entrevistas comoventes para jornalistas sobre os terríveis abusos aos direitos humanos que sua família sofreu. E cerca de uma dúzia de jovens aparecem para oferecer apoio. O protesto foi organizado pela Avaaz, uma organização ativista da internet, e esses são "avaazistas". Eles podem ter acabado de assinar uma petição online, ou "curtido" uma causa no Facebook, ou doado para uma campanha – para salvar as abelhas da Europa de pesticidas, defender os direitos à terra dos massai na Tanzânia ou "apoiar" Edward Snowden. E, dependendo de em quem você acredita, ou eles estão inventando um novo tipo de protesto do século XXI ou são um bando de desocupados com tanta probabilidade de iniciar uma revolução quanto de renunciar a seus iPhones e abandonar o Facebook.
Em apenas seis anos, a Avaaz – que significa "voz" em várias línguas – tornou-se um grupo de pressão global de destaque. É um novo tipo de ativismo que não é voltado para um tema, é conduzido por temas. São os abusos aos direitos humanos em Burma, ou a guerra civil na Síria, ou as ameaças contra a Grande Barreira de Corais ou a homofobia na Costa Rica. É o que quer que seus seguidores, guiados pela equipe da Avaaz, decidam clicar mais este mês. E se você ainda não ouviu falar na Avaaz é provavelmente apenas uma questão de tempo.
Em julho, quando fui à manifestação pela Birmânia, escrevi em meu notebook que ela tinha 23 milhões de "filiados". Em setembro, entrevistei seu fundador, o tranquilo canadense Ricken Patel, e notei na transcrição que agora tinha 26 milhões. Quando realmente me sento para escrever isto, em outubro, verifico o site e vejo que tem 27.865.177. E quando este artigo for impresso, em novembro, o número estará por volta de 30 milhões. Se é um pouco vergonhoso que 5 milhões de pessoas tenham aderido a uma causa no tempo que levei para pôr a mão no teclado, o contador no alto de sua página, Avaaz.org, mostra que no tempo que levei para escrever esta sentença mais 172 pessoas se inscreveram.
Mas ser um "filiado" da Avaaz não é como integrar o Greenpeace. Você pode ter assinado uma petição ou feito a inscrição para um e-mail. Você talvez não se lembre de ter feito nada. E talvez ainda faça parte do que se tornou um fenômeno global: a ascensão do protesto online – também conhecido como "clicativismo". E enquanto seus críticos discutem o que a Avaaz realmente conquistou – muitos dos que ela considera seus maiores sucessos foram em áreas em que outras organizações trabalham há anos –, não há dúvida de que se tornou um ator de enorme influência no cenário mundial. "Apesar de toda a sua bravata, e há muita bravata, é incrivelmente grande", disse-me um ex-funcionário da organização. "E os chefes de Estado prestam atenção, posso lhe afirmar. Existe muita disputa e ciúme por parte de organizações tradicionais como a Oxfam, mas ela levanta grandes questões sobre o futuro do ativismo liberal."
O crescimento explosivo da Avaaz é apenas uma parte do que a torna totalmente diferente das organizações beneficentes ou de campanhas tradicionais. Marque seu avanço em um gráfico e parece um foguete decolando. Mas é o produto de uma era em rede, e sua evolução foi mais parecida com a de um vídeo no YouTube do que com os primeiros anos da Anistia. O plano de negócios original – alcançar 5 milhões de seguidores em cinco anos – teve de ser abandonado depois de 18 meses. Seu crescimento é exponencial. Eles passaram de nove funcionários no primeiro ano para cem hoje (seu escritório principal fica em Nova York, mas há funcionários espalhados por toda parte). Quando pergunto em quantos países, Patel não sabe realmente.
"Todo mundo está em todo lugar e todo mundo está se movendo o tempo todo. Provavelmente temos pessoal em 30 a 40 países." E pelo que vejo no escritório em Londres, onde um computador de mesa mofa em um canto como uma relíquia de outra era, eles geralmente são jovens modernos, que realizam suas reuniões pelo Skype e provavelmente estão colaborando em um documento do Google com um colega no Brasil para uma campanha em Portugal, assim como trabalham em uma questão do Reino Unido com a pessoa sentada a seu lado.
A Avaaz é ao mesmo tempo global e globalizada, e sua abordagem é menos liberal rasgada do que pragmática cabeça-dura. Ela não lança uma campanha – para evitar a chacina das baleias do Atlântico, para libertar trabalhadores migrantes em Bahrein ou levar a paz à Palestina – porque Patel ou a equipe acreditam nela apaixonadamente (embora possam acreditar). Eles lançam uma campanha que acham que vai dar certo. É experimentada com uma amostra de membros, e então eles avaliam a reação. Patel diz que é uma maneira de garantir que os membros têm o poder definitivo, que eles são o patrão, e não ele mesmo.
E economiza tempo: a Avaaz não apoia causas sem esperança. Se ela lança uma campanha, aplica seus recursos nela – e uma parte de seu orçamento anual de 12 milhões de dólares, doados por indivíduos – e há uma boa probabilidade de que tenha um impacto. (Em 2011, quando as notícias não saíam, ela armou a oposição síria com modems e telefones com câmeras via satélite; este ano, uma campanha de e-mail e anúncios, pesquisas de opinião e abordagens pessoais ao presidente conseguiram reverter a sentença de uma jovem vítima de estupro nas Maldivas, que tinha sido condenada a ser chicoteada (embora ainda não tenham alcançado a paz na Palestina).
O que a Avaaz está fazendo é tentar desbloquear os segredos da Internet – do que faz o vídeo de um gato bonitinho caindo se tornar viral, mas não outro – e levar essas técnicas a tratar não apenas da carreira de Justin Bieber ou as vendas de discos de Lady Gaga, mas de um genocídio, estupro ou extinção de espécies potenciais.
"Somos como um laboratório de viralidade. Para cada campanha, testamos cerca de 20 versões diferentes do que vemos que as pessoas querem." Ela mexe e remexe, mudando as palavras, as imagens, o apelo à ação, e só então a libera para divulgação. O diretor de imprensa da Avaaz me mostra as versões anteriores de seu e-mail sobre a campanha de Burma. "Mudar o meme no alto, ou a fotografia, afeta maciçamente o número de cliques. Dezoito versões foram testadas. As pessoas acham que nós apenas colocamos qualquer coisa lá, mas existe uma enorme quantidade de dados sofisticados em como criamos as campanhas." E, assim como a Amazon e a Google tentam prever nosso comportamento e adaptam suas ofertas com base em nossas preferências anteriores, o mesmo faz a Avaaz. Ela usa algoritmos para detectar coisas que talvez não saibamos sobre nós mesmos.
"É uma ciência em tremenda evolução, o envolvimento na Internet", diz Patel. "Mas nós desenvolvemos uma imagem de alguém a partir de seus envolvimentos anteriores conosco. Por exemplo, podemos ver que um certo conjunto de pessoas, com base em seu comportamento anterior, poderia se interessar por começar uma campanha, e outro conjunto não, mas pode estar interessado em subscrever alguma coisa. Nós podemos adaptá-la ao gosto do indivíduo."
Tudo é viral hoje, diz Patel, "desde as crises financeiras às epidemias de saúde e às ideias". E aprender as lições disso e como atrair a atenção de algumas das pessoas com maior déficit de atenção no planeta – jovens com equipamentos eletrônicos – foi o golpe de mestre da Avaaz.
Mas para alguns é demais. É exatamente o tipo de "ativismo preguiçoso" que causa desespero nos críticos do chamado "tecno-utopismo". Por que Malcolm Gladwell afirmou que "a revolução não será tuitada" em um artigo altamente discutido na revista New Yorker em que ele declarou: "Cinquenta anos depois de um dos mais extraordinários episódios de rebelião social da história norte-americana, parecemos ter esquecido o que é o ativismo". Evgeny Morozov colocou a coisa de maneira ainda mais clara em seu último livro, To Save Everything Click Here [Para salvar tudo, clique aqui]. O subtítulo? "A loucura do solucionismo tecnológico".
É uma loucura? "Curtir" uma página no Facebook não vai salvar o mundo. Mas na Grã-Bretanha há cinco vezes mais pessoas associadas à Avaaz do que membros do Partido Trabalhista. E 30 mil pessoas doam dinheiro para ela todos os meses. Dinheiro que foi gasto em anúncios e atos, e no que Patel alega serem "alguns dos melhores e mais tarimbados defensores no setor público hoje. Assessores do presidente Obama, os presidentes Lula e Dilma e o primeiro-ministro do Japão. Há organizações de petições online bastante simplistas por aí, especialmente sites comerciais que têm experiência zero e compreensão da política zero, mas não somos nós".
Os truques visuais – como as caricaturas em Papier-mâché de Thein Sein e David Cameron – são uma marca da Avaaz. Assim como sua ideia do que Patel chama de "Toc". O quê? "Uma teoria da mudança [nas iniciais em inglês]. Como você chega de A a B com credibilidade? Como alguém clicar ou dar um telefonema para um líder realmente vai mudar o mundo? Se for fraco, as pessoas não se interessam, não se envolvem. Nós sempre temos uma teoria da mudança muito bem desenvolvida."
E tudo é quantificado. Esta é a ciência da construção de movimento. "Temos até uma fórmula para escrever nossos e-mails. Sempre estamos ligados ao imediatismo. Dizemos 'daqui a três dias'. Então as pessoas podem dizer: 'Está bem, preciso fazer isso nos próximos três dias'. E então descrevemos uma 'crisetunidade'."
É outro termo próprio da Avaaz. "Mas acho que originalmente o pegamos dos Simpsons", diz Patel. "É uma mistura de crise com oportunidade. Estamos neste momento extraordinário na história. Temos o poder de eliminar nossa espécie. Mas ao mesmo tempo fizemos um tremendo progresso nos últimos 30 anos. Reduzimos mais que pela metade a pobreza global. Aumentamos radicalmente o status das mulheres. Existem motivos tremendos para esperança e otimismo."
Existe algo muito avaaziano sobre a crisetunidade, venho a pensar, em que ela emprestou alguma coisa escorregadia e inteligente da cultura popular e a remanejou para algo que costumava ser chamado de o Bem Maior. E então lhe acrescentou uma grossa dose de sinceridade.
Patel é sincero, mas não do tipo "ei cara vamos salvar o planeta". Ou do "eu sinto a dor das pessoas" de um político que quer se reeleger. Ele é pensativo, reflexivo e tem um currículo impressionante – trabalhou como analista de conflitos para organizações como a ONU e a Fundação Gates em lugares como Libéria e Afeganistão. E não é um estudante de olhos arregalados. Entretanto, ele quer mudar o mundo e acredita que pode.
Irritar-se não é uma coisa muito típica de Ricken Patel, mas ele quase o faz quando lhe pergunto se é um otimista por natureza. "Eu realmente não acho que sou! Já fiz essa pergunta a mim mesmo. Não tenho respeito pelo ativismo ingênuo. Nós assumimos posições firmes. Quando eu trabalhava como analista de conflito, recomendava a ação militar quando achava que era adequada. Honestamente, acho que tenho uma visão muito clara e que o fatalismo que vejo no mundo é preguiçoso e sem base. As pessoas assumem que o cinismo encerra uma espécie de perícia, e eu nunca acreditei nisso."
Foram os ideais elevados e a natureza não burocrática da Avaaz que atraíram para ela muitos funcionários cansados das restrições de trabalhar para grandes agências de ajuda tradicionais. "Muitas pessoas que trabalham lá a acham incrivelmente libertadora”, disse um ex-avaazista. "Você poderia dizer 'Isto é uma confusão' na segunda-feira e fazer algo a respeito na quarta." Mas "existe uma espécie de culto sobre ela. Há muitos homens trabalhando lá que pensam que a tecnologia vai salvar o mundo".
Ela também já teve sua parcela de críticas. Participou ativamente do contrabando de jornalistas para dentro e fora da Síria, mas foi atacada por exagerar seu papel na ajuda ao fotógrafo Paul Conroy (que viajava com Marie Colvin, do Sunday Times, quando ela foi morta), para que ele escapasse. Outros acreditam que há apenas uma quantidade limitada de empatia para suas ações, e que seu sucesso custou a queda de receitas das ONGs tradicionais.
Provavelmente não é coincidência o fato de a Avaaz ser uma organização global com ambições globais. Patel foi criado na zona rural do Canadá, perto de Edmonton, "ou Deadmonton, como deveria se chamar", filho de pai indiano-queniano e de mãe inglesa de ascendência judaica-russa, e foi à escola em uma reserva indígena. E ele me diz que foi "uma criança precoce". Quem foram seus heróis?, pergunto. Ele não hesita: "Dag Hammarskjöld". Dag quem?
"Foi o segundo secretário-geral da ONU. Li seu diário particular, e simplesmente acho que é uma figura muito sincera, de espírito público, que enfrentou um tempo difícil."
Nesta era da personalidade, eu esperaria outra coisa de Patel, ou, Ricken, como ele é chamado por sua equipe e seus seguidores. A revista People o incluiu em um artigo sobre os mais "quentes humanitários" do mundo. E quando a Economist o colocou na capa de sua revista Intelligent Life, seu queixo com barba curta definido por uma iluminação climática, havia nele mais que um toque de sonho hollywoodiano. Até Al Gore, o ativista dos ativistas, elogiou a Avaaz como "inspiradora". Quando entrevisto uma ex-avaazista, ela me pergunta: "Ele continua solteiro? Quando trabalhei para ele, devia ser o homem mais perseguido de Nova York. Acabo de ler o último livro de Dave Egger, no qual há um personagem que é um deus-nerd utópico que tenta salvar o mundo, e é basicamente Ricken".
Mas, uma vez um canadense tranquilo, ao que parece, sempre um canadense tranquilo, mesmo que ele tenha seguido a mesma estrada para a vida pública que pessoas como Ed Balls e Yvette Cooper – fez filosofia, política e economia em Oxford (onde organizou um protesto universitário contra as mensalidades) e depois a Escola de Governança de Harvard (onde foi um dos líderes de uma campanha por salários dignos). Porque, com toda a sua conversa sobre "viagens", o fato de ele pensar que os direitos das mulheres mudaram o mundo e de acreditar que seu senso de dever público é porque sua própria mãe lhe deu "uma quantidade tremenda de amor, uma enxurrada de amor incondicional", ele é uma espécie de animal raro: um homem na vida pública que não tem medo de emoções. No entanto, sua conquista mais marcante para a Avaaz não foi salvar as baleias, bebês ou vítimas de estupro, foi denunciar Rupert Murdoch.
A Avaaz liderou uma campanha contra a aquisição da BSkyB por ele, e durante o Inquérito Leveson e-mails usados em julgamento mostraram que "a preocupação básica de Jeremy Hunt era a campanha da Avaaz. Sabíamos que ele tinha medo da análise judicial. Então contratamos advogados de alto nível e lhe prometemos uma análise judicial. Isso o tornou mais cuidadoso, então fizemos nossos integrantes enviarem 35 mil declarações legalmente admissíveis. Ele teve de contratar uma equipe para examiná-las. Nós sabíamos que o escândalo [de grampo telefônico] viria muito antes de ele ter surgido, por isso nossa estratégia foi retardar a decisão de Hunt até que ele surgisse. E isso se desenrolou maravilhosamente. Não acho que acabamos vencendo Murdoch. Ele está em uma posição muito boa agora. Mas aquilo teria expandido seu império em 50%, e me orgulho de termos ajudado a detê-lo."
Você esperava uma grande reportagem de primeira página contra você? "Ainda estou esperando. Acho que Murdoch virá... Todo mundo nos disse para não fazê-lo. Eles vão linchar vocês. É suicídio." Patel encolhe os ombros. Talvez o ativismo preguiçoso tenha suas vantagens. Talvez a Avaaz e seus filiados estejam menos constrangidos, menos temerosos. Talvez você possa salvar as baleias e Edward Snowden e levar a paz à Palestina também. E no tempo que você levou para ler este artigo outras 500 pessoas aproximadamente aderiram à Avaaz. 
Leia mais em guardian.co.uk
Matéria extraída de http://www.cartacapital.com.br/tecnologia/o-ativismo-online-realmente-pode-mudar-o-mundo-6736.html/view

domingo, 23 de dezembro de 2012

A história da homossexualidade e a luta pela dignidade


Durante décadas, com base em teorias científicas diversas, a homossexualidade foi considerada uma doença mental e os gays, submetidos aos mais absurdos tratamentos. Somente em 1990 a OMS a retirou da condição de patologia

Texto Cláudia de Castro Lima | Design Villas |
No outono de 1933, o campo de concentração nazista de Fuhlsbuttel, no norte de Hamburgo, na Alemanha, foi o primeiro a começar a receber uma nova categoria de presos. Mal desciam dos trens, eram marcados com a letra A, mais tarde substituída por um triângulo cor-de-rosa. Diferentemente de suas intenções em relação aos judeus e ciganos, os soldados nazistas não pretendiam exterminar os homossexuais. Queriam "curá-los". Para isso, os prisioneiros foram submetidos a alguns tratamentos bizarros e cruéis - de acordo com a teoria científica vigente à época, a homossexualidade era uma patologia mental.
Nos campos de concentração da Alemanha nazista, os homossexuais tinham os piores trabalhos e eram vistos como doentes e pervertidos até pelos demais confinados. No campo de Flossenbürg, os nazistas abriram uma casa de prostituição e forçavam os homossexuais a visitá-la. Os gays que se "curavam" eram enviados por "bom comportamento" para uma divisão militar para combater os russos. Outro tratamento oferecido aos homossexuais foi elaborado pelo endocrinologista nazista holandês Carl Vaernet. Ele castrou seus pacientes no campo de Buchenwald e depois injetou doses muito altas de hormônios masculinos, para observar sinais de "masculinização". Estima-se que 55% dos gays que entraram nos campos de concentração morreram - algo entre 5 mil e 15 mil pessoas. O fim da guerra, no entanto, não trouxe alento. Americanos e britânicos forçaram os homossexuais a cumprir o restante da pena que os nazistas tinham imposto a eles em prisões normais.
Em um campo de concentração, nazistas abriram um prostíbulo para auxiliar na "cura" dos gays. Um dos tratamentos "clínicos" era a lobotomia

As teorias científicas que classificaram a homossexualidade como doença começaram a despontar na Europa no fim do século 19. Somente um século depois, a Organização Mundial da Saúde retirou-a do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais, que a classificava como desvio ou perversão - assim, aboliu o termo "homossexualismo", já que "ismo", em saúde, é um sufixo que caracteriza condição patológica. A ação, tardia, foi resultado de uma dura e dolorosa briga pelos direitos dos homossexuais. De hábito cultural na Antiguidade, a condição homossexual virou pecado na Idade Média, crime na Moderna e patologia (com direito a tratamentos que incluíam choques elétricos e lobotomia) até pouco tempo atrás.

No começo do século 19, o homossexual era tratado ao mesmo tempo como um anormal e um pervertido. "A medicina, desde o fim do século 18, tomou emprestada a concepção clerical da homossexualidade e esta se tornou uma doença, ou melhor, uma enfermidade que um exame clínico podia diagnosticar", afirma o historiador medievalista Philippe Ariès.

"Em meados de 1850, médicos europeus começaram a pesquisar sobre a homossexualidade, o que aos poucos deu ensejo a uma nova percepção de que a condição era relativamente endêmica a certos indivíduos e (segundo o julgamento da maior parte dos especialistas) patológica", afirma Peter Stearns em seu livro História da Sexualidade. "Cada vez mais, cientistas argumentavam que a homossexualidade era um traço de caráter que se desenvolvia como resultado de alguma falha na educação infantil." Acompanhando o discurso da ciência, o médico austro-húngaro Karoly Maria Benkert criou o termo "homossexualidade" para designar todas as formas de relação carnal entre pessoas do mesmo sexo. No fim do século 19, médicos criaram a sexologia. Seus trabalhos foram influenciados pelas teorias de um psiquiatra austríaco, Richard Von Krafft-Ebing, que a considerava uma tara ou uma degeneração. Em seu livro Psychopathia Sexualis, publicado em 1886, listou todas as formas possíveis de perversão, numa espécie de catálogo - a homossexualidade, claro, constava dele.

Em 1969, a polícia de Nova York invadiu o bar Stonewall Inn, frequentado por homossexuais, e prendeu 200 pessoas. Foi recebida na rua com pedras e garrafas. Era o início do "Gay Power"
Foi no meio dessa turbulência que um caso tornou-se emblemático na história dos direitos dos homossexuais: o do escritor e dramaturgo irlandês Oscar Wilde. Casado e pai de dois filhos, Wilde teve várias relações com homens e apaixonou-se por Alfred Douglas, filho do marquês de Queensberry. Os dois conheceram o submundo homossexual de Londres, que frequentavam para satisfazer suas predileções por jovens da classe operária. O pai de Alfred Douglas acusou Wilde e o filho de manterem uma "relação repugnante e chocante". O dramaturgo processou o marquês por difamação, só que o processo virou-se contra ele. Citado por sodomia com pelo menos dez jovens, acabou declarado culpado por atentado ao pudor e condenado a dois anos de trabalhos forçados.

"Tratamentos" para o homossexualismo não tardaram a surgir. Hipnose, castração e terapias reparativas para alterar as preferências e desejos dos pacientes foram tentadas. Uma terapia usada era a lobotomia - cirurgia que retirava uma parte do cérebro. Na Alemanha Ocidental, elas só deixaram de ser aplicadas em 1979. Na Dinamarca, o número de pessoas submetidas à operação foi de 3,5 mil, sendo a última em 1981. Nos EUA, as vítimas chegam à casa das dezenas de milhares.

A situação começou a ser revertida só na última metade do século 20. Em 28 de junho de 1969, detetives à paisana entraram no bar Stonewall Inn, em Nova York, e expulsaram cerca de 200 clientes gays de lá. Ao saírem do bar com os presos, foram recebidos na rua por uma multidão revoltada com a frequência dos abusos, que atirou pedras e garrafas. Os distúrbios de Stonewall deram origem ao "Gay Power" e marcaram o início dos protestos públicos contra a discriminação de homossexuais.

"As manifestações sozinhas não seriam lembradas hoje por transformar políticas e vidas gays se não fossem seguidas por organizações que transformaram a afronta pura em força social contínua", afirma a jornalista Sherry Wolf em Sexuality and Socialism: History, Politics and Theory of LGBT Liberation (inédito em português). Os ativistas perceberam ser preciso organização para combater a homofobia - um dos pontos principais era fazer com que as pessoas não tivessem mais medo ou vergonha de sair do armário. Vários protestos foram marcados, criaram-se grupos ativistas e jornais com propostas gays, como Come Out! e Gay Power, para expressar o desejo de uma imprensa independente e militante. Em junho de 1970, as primeiras marchas do orgulho gay aconteceram em Los Angeles, São Francisco, Chicago e Nova York. Uma das principais vitórias aconteceu em 1970, quando o cofundador dos Panteras Negras, Huey Newton, expressou publicamente seu apoio ao movimento pró-gay - era a primeira vez que um movimento ativista majoritariamente heterossexual fazia isso. Os homossexuais comemoraram ainda mais quando, em 1973, a Associação de Psiquiatria Americana desclassificou a homossexualidade como patologia. Os danos que as chamadas "terapias de reversão" causavam aos pacientes foram trazidos à tona.

O professor do departamento de Psicologia Clínica da Unesp Fernando Silva Teixeira Filho aponta para pessoas como o político e ativista Harvey Milk como decisivas na luta contra o preconceito. "Milk estabeleceu princípios claros de luta: a busca por direitos iguais a todos os seres humanos, independentemente de orientação sexual ou credo", afirma.

Em 1981, o Conselho Europeu emitiu uma resolução exortando seus membros a descriminalizar a homossexualidade. Em 1990, a Organização Mundial de Saúde declarou que "a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão". Três anos depois, a nova classificação entrou em vigor nos países-membros nas Nações Unidas. No Brasil, deixou de ser tratada por psicólogos em 1999. Na contramão, os autointitulados "psicólogos de Cristo" se propõem a "curar" gays . E há projetos de lei como o do deputado João Campos (PSDB-GO), que pretende sustar dois artigos da lei cujo texto proíbe os psicólogos de emitir opiniões públicas ou tratar a homossexualidade como doença. A Câmara dos Deputados discutiu em junho pela primeira vez o projeto de "cura gay".

Harvey Milk e são francisco

Como um dono de loja ajudou a tornar a cidade porto seguro para homossexuais


São Francisco é conhecida por ser o "paraíso gay" mundial. A descoberta de ouro a partir de 1848 fez o vilarejo portuário transformar-se radicalmente. Mais de 300 mil homens chegaram de toda parte e 90% da população do local passou a ser masculina. "A preservação da virtude e dignidade era um esforço tão desanimador quanto uma colina de São Francisco", escreve William Lipsky, autor de Gay and Lesbian San Francisco (sem versão em português). "Com poucas mulheres na cidade e menos ainda nas minas, os homens olharam uns para os outros para buscar todo tipo de conforto." Os poucos saloons, pensões e clubes ficavam lotados de homens, que viviam muito próximos uns dos outros e ainda tinham de dividir todo tipo de intimidade, do banheiro aos cobertores. A população gay de São Francisco sofreu impacto semelhante mais tarde outra vez, com a Segunda Guerra. Na época, todo militar americano suspeito de ser homossexual era enviado para a cidade, para ser avaliado por uma junta que decidiria se ele continuaria ou não na carreira. Entre 1941 e 1945, quase 10 mil gays e lésbicas foram dispensados do serviço militar - e muitos ficaram por lá. Criaram assim, perto da baía, uma vizinhança gay friendly. Durante a década de 1970, muitos gays abriram negócios no bairro de Castro. Foi quando despontou a figura de Harvey Milk. O judeu nascido em Nova York, ex-oficial da Marinha e analista de seguros em Wall Street, mudou-se para São Francisco em 1972 decidido a não esconder mais sua homossexualidade. Abriu uma loja de fotografia no bairro, envolveu-se com questões sociais, descobriu a vocação política e conseguiu, em 1977, eleger-se para o Comitê de Supervisores de São Francisco - o primeiro político abertamente homossexual a ser eleito. Foi assassinado por um colega homofóbico junto com o prefeito da cidade, George Moscone.

Os gays no Brasil
No país, 10,4% dos homens são homo ou bissexuais e 6,3% das brasileiras são lésbicas ou bissexuais (fonte: Carmira Abdo/IUSP)
O crime por sodomia já era previsto em lei desde o Descobrimento, segundo as Ordenações Manuelinas, que vigoravam em Portugal: era comparado ao de lesa-majestade, segundo o jornalista, dramaturgo e cineasta João Silvério Trevisan em seu livro Devassos no Paraíso. O código seguinte, as Ordenações Filipinas, que durou até o Império, previa que os homossexuais fossem queimados e seus bens, confiscados. Como ocorreu no resto do mundo, as teorias higienistas atingiram o Brasil no século 19. Avaliações supostamente científicas começaram a ser produzidas por aqui. O jurista José Viveiros de Castro relacionou na época, por exemplo, as possíveis causas da "anomalia": "loucura erótica" resultante de psicopatias sexuais, falhas hereditárias no desenvolvimento glandular, vida insalubre, alcoolismo e excesso de masturbação eram algumas. O país reconhece a união civil homossexual desde 2004 e, há dois anos, permite a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Transgêneros podem mudar de sexo legalmente. Mas o casamento homossexual é proibido e os gays ainda são vítimas de agressão física no país por causa de sua opção sexual.
Fonte: Aventuras na História

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