Por Rogério Rocha
Nascido em São Luís, Maranhão, no dia 2 de agosto de 1935, Nauro Diniz Machado construiu uma carreira literária admirável, não só pelos mais de 40 livros publicados, incluindo os póstumos, mas, sobretudo, por neles aliar qualidade estética, regularidade em relação ao espaço de tempo em que os produziu, densidade na exposição temática, domínio técnico da poética e profundidade expressiva.
Não bastassem tais predicados, que se constituíram num grande diferencial, o poeta e ensaísta dedicou-se integralmente ao seu ofício. Vivia, pensava, sonhava e respirava poesia.
Dotado de uma capacidade mnemônica fora do comum, trazia seus poemas guardados na cabeça. Enquanto muitos de nós sequer lembram o que disseram há pouco, o poeta era capaz de escrevê-los e gravá-los na memória, para, então, acessá-los quando bem necessitasse.
É tanto que, certa vez, como conta o também poeta José Maria Nascimento, Nauro perdeu os manuscritos de um livro que acabara de escrever e, depois muito procurá-lo, sem obter êxito, sentou-se à máquina de datilografar e o reescreveu integralmente. Verso por verso, rima por rima.
Também possuía o hábito de fazer poemas enquanto caminhava, declamando-os em voz alta, como que num estado alterado de consciência, em meio a um arrebatamento similar ao êxtase místico vivenciado por alguns religiosos e filósofos ao longo da história. Momentos em que exigia silêncio, isolava-se e pedia que ninguém o interrompesse.
Centrado nessa experiência de ordem transcendente, creio que o autor se conectava ao mundo que criou para si. Lá onde a existência encontrava as tonalidades de luz e sombra necessárias à manifestação de sua criatividade, solo de onde nasceram centenas de versos e sonetos exemplares, dentre tantos poemas, alguns traduzidos para o francês e o alemão.
Nauro Machado era dono de um conhecimento bastante variado, com um vivo interesse por filosofia, artes plásticas e cinema. Poeta visceral, urbano e metafísico, foi leitor de Nietzsche, Sartre e Heidegger, pensadores de cujas obras extraiu concepções que o ajudaram a revelar as belezas e cruezas da existência.
Um dos grandes nomes da poesia pós-moderna brasileira, foi chamado de “o poeta da angústia”. De minha parte, penso que foi também o poeta do ser. Aquele que, sem descuidar do elemento divino, falou sobre tudo que há de humano na banalidade do mundo e tudo que há de profano na alma humana.
Neste dia, celebro sua obra como um legado permanente da nossa literatura. Algo de que devemos nos orgulhar e que, espero, sirva de fonte de estudo, análise e referência para novos poetas, leitores e pesquisadores.
Que agosto nos devolva o sopro da sua presença, como corrente de ar, lufada de vento ou tormenta. Que nos remexa, que nos estremeça e acorde, para que a ele retornemos, a fim de reencontrarmos suas verdades sempre incômodas, porém necessárias.
Que sua poesia, enfim, continue a ecoar nas gerações futuras como um grito de lucidez em meio à letargia das massas idiotizadas.
Nauro Machado existiu para escrever e escreveu para que não esquecêssemos que a experiência da vida é, ao mesmo tempo, trágica e bela.