Existe um relógio no seu pulso, um no céu e outro dentro de você. Eles estão fora de sincronia em 70% da população, e isso está nos deixando doentes. Saiba como acertar os seus ponteiros para viver melhor
Romilson
Sampaio é um cara estranho. Taxista e notívago inveterado, sai todo dia
de casa às 18h e trabalha durante a madrugada, sem sono. Às 6h, quando
volta para casa, sua mulher está acordando. É a hora de o casal
conversar e namorar. Às 8h, ela sai de casa com os dois filhos do casal e
ele toma um banho e vai dormir. Às 16h, Romilson “amanhece”, acorda
para buscar os filhos na creche e fica com eles até a hora de voltar ao
trabalho. Um dia, o motorista pegou um passageiro recém-chegado da
Tailândia, que tem diferença de 10 horas em relação ao Brasil. O cliente
queixava-se de jet lag — mal-estar causado por mudanças súbitas de fuso
horário. “Se eu viajasse para lá, não sentiria mal nenhum. Já vivo no
fuso horário deles”, diz.
Romilson não é, na verdade, tão estranho assim, se consideramos a variedade entre as horas preferidas para dormir e acordar das pessoas. Todos têm seu relógio biológico, cada qual com um ajuste peculiar. Algumas pessoas são mais diurnas e outras mais noturnas, mas, por causa de pressões sociais ou profissionais, elas podem entrar em fusos ainda mais distantes do que seria o seu “normal”. Nosso taxista, por exemplo, sempre preferiu dormir e acordar tarde. Quando começou a trabalhar nas ruas de São Paulo, adotou de vez o trabalho noturno para fugir do trânsito. Como Romilson tem flexibilidade para dormir de dia, isso não lhe causa problemas imediatos — a não ser pelas queixas de sua mulher no fim de semana. Só que a maioria das pessoas contraria seu ritmo interno para trabalhar ou estudar. Essa falta de sincronia entre o relógio que carregamos no pulso e o que existe em cada um de nós é o que os cientistas chamam de jet lag social.
Romilson não é, na verdade, tão estranho assim, se consideramos a variedade entre as horas preferidas para dormir e acordar das pessoas. Todos têm seu relógio biológico, cada qual com um ajuste peculiar. Algumas pessoas são mais diurnas e outras mais noturnas, mas, por causa de pressões sociais ou profissionais, elas podem entrar em fusos ainda mais distantes do que seria o seu “normal”. Nosso taxista, por exemplo, sempre preferiu dormir e acordar tarde. Quando começou a trabalhar nas ruas de São Paulo, adotou de vez o trabalho noturno para fugir do trânsito. Como Romilson tem flexibilidade para dormir de dia, isso não lhe causa problemas imediatos — a não ser pelas queixas de sua mulher no fim de semana. Só que a maioria das pessoas contraria seu ritmo interno para trabalhar ou estudar. Essa falta de sincronia entre o relógio que carregamos no pulso e o que existe em cada um de nós é o que os cientistas chamam de jet lag social.
A expressão foi cunhada em 2006 pelo alemão Till Roenneberg, pesquisador da Universidade de Munique e um dos maiores expoentes da cronobiologia, que se dedica a estudar os ritmos biológicos. Em maio, Roenneberg e seus colaboradores publicaram um estudo baseado nos comportamento de 65 mil europeus em relação aos seus horários de dormir e acordar. Os resultados revelam que 69% das pessoas sofrem com o jet lag social e que isso está diretamente ligado a um problema típico dos dias de hoje. “Essa discrepância entre os horários sociais e biológicos contribui para a epidemia de sobrepeso e obesidade”, diz. Diversos estudos nos últimos 5 anos mostram que problemas crônicos de falta de sono são, na realidade, sintomas dessa “crise” de relógios. Resolvê-la seria, portanto, uma forma de controlar diversos males associados a distúrbios do sono, como depressão, doenças cardíacas, dependência química e até câncer. Talvez seja uma boa ideia, então, acertar os seus ponteiros.
Perdidos no tempo // Créditos: Carlo Giovani
Encontros
Apesar
de toda a importância que damos à hora de Brasília no dia a dia, o
tempo que realmente conta para o nosso organismo é o definido pelos
movimentos da Terra, em torno de si mesma e em torno do Sol. Este é o
grande Big Ben cujas badaladas permitem acertar, diariamente, nossos
relógios biológicos. Pois é, relógios no plural, porque não temos apenas
um deles, mas vários. E eles podem até funcionar sozinhos, mesmo sem a
luz do dia, como revelou um estudo pioneiro da cronobiologia.
Na década de 1960, outro alemão chamado Jürgen Aschoff — orientador do doutorado de Roenneberg — transformou dois velhos bunkers da Segunda Guerra Mundial em gaiolas de luxo para cobaias humanas. Os voluntários passavam meses sem contato com a luz solar nem acesso a relógios, providenciando suas próprias refeições. Aschoff notou que mesmo nessas condições as pessoas mantêm ciclos constantes de descanso e alerta, mas com duração diferente das 23,93 horas do dia solar. Certas pessoas tinham dias internos menores que o normal, e a maioria, dias maiores, de aproximadamente 25 horas — ciclos de cerca de um dia, “circadianos”.
O curioso é que alguns indivíduos viviam dias de até 48 horas. Eles continuavam dormindo 1/3 do seu “dia”, fazendo 3 refeições no período, mas a duração do ciclo era de quase dois dias solares. Mais curioso ainda é que a oscilação de temperatura que nosso corpo experimenta ao longo de um dia solar (de até dois graus celsius) não mudava de ritmo. Ou seja, temos relógios distintos para regular nossa fome, nossos ciclos de dormir e acordar, nossa temperatura corporal — e os 3 não necessariamente andam juntos.
É claro que, normalmente, nossos relógios não perdem sincronia desse modo. A cada manhã, células especiais na retina percebem a variação de luminosidade no ambiente e avisam que um novo dia está começando. Elas se comunicam com uma região minúscula de nosso cérebro, chamada de núcleo supraquiasmático. O nome é complicado, mas sua função, simples: “unificar o horário” de todos os relógios do nosso organismo e sincronizá-los com o dia solar. O núcleo envia impulsos ritmados para outras regiões do cérebro, que, por sua vez, induzem a produção de hormônios reguladores de uma série de processos fisiológicos. Tudo no mesmo compasso, como os instrumentos de uma boa orquestra.
Na década de 1960, outro alemão chamado Jürgen Aschoff — orientador do doutorado de Roenneberg — transformou dois velhos bunkers da Segunda Guerra Mundial em gaiolas de luxo para cobaias humanas. Os voluntários passavam meses sem contato com a luz solar nem acesso a relógios, providenciando suas próprias refeições. Aschoff notou que mesmo nessas condições as pessoas mantêm ciclos constantes de descanso e alerta, mas com duração diferente das 23,93 horas do dia solar. Certas pessoas tinham dias internos menores que o normal, e a maioria, dias maiores, de aproximadamente 25 horas — ciclos de cerca de um dia, “circadianos”.
O curioso é que alguns indivíduos viviam dias de até 48 horas. Eles continuavam dormindo 1/3 do seu “dia”, fazendo 3 refeições no período, mas a duração do ciclo era de quase dois dias solares. Mais curioso ainda é que a oscilação de temperatura que nosso corpo experimenta ao longo de um dia solar (de até dois graus celsius) não mudava de ritmo. Ou seja, temos relógios distintos para regular nossa fome, nossos ciclos de dormir e acordar, nossa temperatura corporal — e os 3 não necessariamente andam juntos.
É claro que, normalmente, nossos relógios não perdem sincronia desse modo. A cada manhã, células especiais na retina percebem a variação de luminosidade no ambiente e avisam que um novo dia está começando. Elas se comunicam com uma região minúscula de nosso cérebro, chamada de núcleo supraquiasmático. O nome é complicado, mas sua função, simples: “unificar o horário” de todos os relógios do nosso organismo e sincronizá-los com o dia solar. O núcleo envia impulsos ritmados para outras regiões do cérebro, que, por sua vez, induzem a produção de hormônios reguladores de uma série de processos fisiológicos. Tudo no mesmo compasso, como os instrumentos de uma boa orquestra.
O fato de todas as pessoas usarem esse mesmo mecanismo para
sincronizar seus relógios internos entre si e com o Sol não quer dizer
que todos acordam ao mesmo tempo. Como o estudo do bunker mostrou,
alguns têm dias internos mais longos. Para esses, quando o dia solar vai
embora ainda é cedo. Todo dia, o corpo deles se “atrasa” e só não
perdem a hora porque o Sol reaparece avisando que o ciclo recomeçou. Com
os que têm dias mais curtos acontece o contrário: o dia solar demora
para acabar. Mal anoiteceu e eles já estão morrendo de sono. Essas
diferenças existem porque nossos ritmos internos são controlados por uma
série de genes-relógio que geram uma personalidade temporal única, um cronotipo.
Perdidos no tmepo // Créditos: Carlo Giovani
Desencontros
O casal de professores Lívia Nicolini e Rodrigo Coutinho tem um desafio diário: acordar às 5h30 da manhã para trabalhar. Só que a dificuldade de ambos é bem diferente. Ela pula da cama ao primeiro toque do despertador, enquanto ele resiste agarrado ao travesseiro. Quando se despedem, os dois ainda estão em climas opostos. “Eu já estou completamente alerta. Ele não falou uma palavra. Parece que ainda está dormindo”, diz Lívia. À noite, é o contrário. O homem está a todo vapor, enquanto a mulher tem uma ideia fixa. “Só penso na minha cama. Meu sonho de consumo é dormir às 21h.”
Lívia e Rodrigo têm cronotipos opostos: ela é totalmente matutina; ele, mais noturno. Após 3 anos sob o mesmo teto, conseguiram sincronizar seus relógios. Ela dorme mais tarde do que gostaria, e ele, mais cedo — 22h30 acabou virando a hora do acordo. Apesar de “domar” seus horários, a cadência ditada pelos genes continua firme e forte. “Nossos ritmos podem ser ajustados, mas estamos constantemente lutando contra uma inclinação circadiana natural do corpo”, diz o psicólogo Robert Matchock, cronobiologista da Penn State University, nos EUA.
A maioria das pessoas tem cronotipos intermediários, com pequena inclinação para um perfil mais diurno ou noturno. O principal estudo sobre o assunto constatou que o perfil médio das pessoas corresponde a dormir perto de meia-noite e acordar às 8h nos dias livres, quando se tem liberdade para escolher seus horários. Só que a turma mais noturna do que esse cronotipo equivale a 50% da população, enquanto apenas 35% são mais matutinos, ou seja, acordam antes das 8h numa boa. O restante, muitas vezes forçado a viver num mundo que ajuda a quem cedo madruga, sofre com o jet lag social.
Essa distribuição de cronotipos é genética, mas muda de acordo com a idade e o sexo. Bebês são mais matutinos, mas na adolescência nos tornamos cada vez mais noturnos. Nos homens, o auge do “vampirismo” acontece aos 21 anos e, nas mulheres, aos 19,5, em média. Daí pra frente, ambos se tornam mais matutinos, com os homens mais noturnos do que as mulheres até os 50 anos, quando eles se nivelam.
Uma coisa importante: o cronotipo não tem a ver com a duração do sono. Pessoas que dormem mais ou menos horas podem ter preferência por hábitos mais noturnos ou diurnos, igualmente. O mundo inteiro tem provérbios na linha do “deus ajuda”, mas é preconceito demonizar quem acorda mais tarde. Afinal, corujões podem dormir menos do que alguém que acorda cedo e dorme ainda mais cedo. Na verdade, isso é o mais comum. E é justamente por isso que o jet lag social afeta tanta gente.
Quando a noite chega, pessoas de perfil mais corujão ainda demoram a sentir sono. No seu “fuso horário”, ainda é dia, de certa forma, e ela não consegue dormir. Só que pouca gente tem a flexibilidade de horário de nosso taxista Romilson. E haja despertador. A pesquisa publicada em maio por Roenneberg, a propósito, levantou que 80% dos entrevistados não vivem sem um alarme. Acordando todo dia “de madrugada” (segundo seu relógio pessoal), essas pessoas passam a semana com o sono atrasado. O jeito é aproveitar o fim de semana para compensar, embora raramente isso seja suficiente (veja no gráfico O Vai e Vem do Sono). Para as mais matutinas, é o contrário. Para acompanhar os amigos geralmente mais noturnos na festinha do fim de semana, elas forçam uma barra para ficar acordadas. “Eu até aguento ficar de pé até 2h, mas no dia seguinte desperto às 6h do mesmo jeito”, diz Lívia, madrugadora inveterada.
Como a semana tem mais dias de trabalho que de descanso, os mais prejudicados pela convenção do trabalho às 9h e da escola às 7h são os com tendências mais noturnas – justamente a maior parte da população. Um estudo com 500 pessoas publicado por Roenneberg em 2003 concluiu que, durante os dias de trabalho, as pessoas mais matutinas dormem, na média, duas horas mais cedo que os corujões, mas acordam apenas meia hora mais cedo do que eles. A cada semana útil, portanto, os indivíduos noturnos dormem cerca de 7,5 horas a menos que os madrugadores.
O jet lag social, definido pela diferença entre os horários de sono nos dias de trabalho e de descanso, é de duas horas ou mais para um terço dos cidadãos. Para 15%, o relógio interno está com mais de 3 horas de desajuste em relação ao social. A consequência é um problema sério de saúde pública. Pesquisas mostram, por exemplo, que o tabagismo atinge 15% das pessoas que devem uma hora de sono por dia. Se a falta de sincronia aumenta para 5 horas ou mais, o uso de cigarro pula para 60%. O uso de drogas é interpretado como forma de medicar sintomas causados pela falta de sincronia, como a depressão. “Quanto maior a diferença entre o ritmo social e o interno, mais sintomas depressivos são relatados”, diz a médica da UFRGS Rosa Levandowski, que pesquisou essa relação em mais de 4 mil brasileiros.
As maiores vítimas da falta de compasso entre o tempo social e o interno são os que trabalham em turnos — sempre à noite, ou a cada semana em um horário. É como se eles estivessem sempre circulando entre cidades de fusos diferentes. Quando seu corpo começa a se acostumar com a hora local, eles viajam de novo. Esse tipo de trabalho é, inclusive, uma tendência atual, com cada vez mais empresas que não podem parar. Uma plataforma de petróleo é muito cara para ficar parada todas as noites. Então suas equipes de manutenção se revezam em turnos para que ela funcione 24 horas, 7 dias por semana. A economia mundial agradece, a saúde pública sofre.
Dezenas de pesquisas já mostraram a relação entre o trabalho em turno e maiores incidências de úlcera, obesidade, diabetes, doenças cardíacas, câncer de mama e de cólon. Um estudo com enfermeiras publicado em 2001 na revista do National Institute of Cancer (EUA), por exemplo, mostrou que a probabilidade de câncer de mama em mulheres que trabalhavam à noite era até 50% maior do que a média. Outro levantamento, publicado em fevereiro, mostrou que trabalhadores húngaros que faziam o turno da noite tinham maiores índices de sobrepeso e hipertensão, fatores de risco para doenças cardíacas. Estudo semelhante da Universidade Harvard, de 2011, identificou maior risco de diabetes em mulheres que trabalham à noite.
O casal de professores Lívia Nicolini e Rodrigo Coutinho tem um desafio diário: acordar às 5h30 da manhã para trabalhar. Só que a dificuldade de ambos é bem diferente. Ela pula da cama ao primeiro toque do despertador, enquanto ele resiste agarrado ao travesseiro. Quando se despedem, os dois ainda estão em climas opostos. “Eu já estou completamente alerta. Ele não falou uma palavra. Parece que ainda está dormindo”, diz Lívia. À noite, é o contrário. O homem está a todo vapor, enquanto a mulher tem uma ideia fixa. “Só penso na minha cama. Meu sonho de consumo é dormir às 21h.”
Lívia e Rodrigo têm cronotipos opostos: ela é totalmente matutina; ele, mais noturno. Após 3 anos sob o mesmo teto, conseguiram sincronizar seus relógios. Ela dorme mais tarde do que gostaria, e ele, mais cedo — 22h30 acabou virando a hora do acordo. Apesar de “domar” seus horários, a cadência ditada pelos genes continua firme e forte. “Nossos ritmos podem ser ajustados, mas estamos constantemente lutando contra uma inclinação circadiana natural do corpo”, diz o psicólogo Robert Matchock, cronobiologista da Penn State University, nos EUA.
A maioria das pessoas tem cronotipos intermediários, com pequena inclinação para um perfil mais diurno ou noturno. O principal estudo sobre o assunto constatou que o perfil médio das pessoas corresponde a dormir perto de meia-noite e acordar às 8h nos dias livres, quando se tem liberdade para escolher seus horários. Só que a turma mais noturna do que esse cronotipo equivale a 50% da população, enquanto apenas 35% são mais matutinos, ou seja, acordam antes das 8h numa boa. O restante, muitas vezes forçado a viver num mundo que ajuda a quem cedo madruga, sofre com o jet lag social.
Essa distribuição de cronotipos é genética, mas muda de acordo com a idade e o sexo. Bebês são mais matutinos, mas na adolescência nos tornamos cada vez mais noturnos. Nos homens, o auge do “vampirismo” acontece aos 21 anos e, nas mulheres, aos 19,5, em média. Daí pra frente, ambos se tornam mais matutinos, com os homens mais noturnos do que as mulheres até os 50 anos, quando eles se nivelam.
Uma coisa importante: o cronotipo não tem a ver com a duração do sono. Pessoas que dormem mais ou menos horas podem ter preferência por hábitos mais noturnos ou diurnos, igualmente. O mundo inteiro tem provérbios na linha do “deus ajuda”, mas é preconceito demonizar quem acorda mais tarde. Afinal, corujões podem dormir menos do que alguém que acorda cedo e dorme ainda mais cedo. Na verdade, isso é o mais comum. E é justamente por isso que o jet lag social afeta tanta gente.
Quando a noite chega, pessoas de perfil mais corujão ainda demoram a sentir sono. No seu “fuso horário”, ainda é dia, de certa forma, e ela não consegue dormir. Só que pouca gente tem a flexibilidade de horário de nosso taxista Romilson. E haja despertador. A pesquisa publicada em maio por Roenneberg, a propósito, levantou que 80% dos entrevistados não vivem sem um alarme. Acordando todo dia “de madrugada” (segundo seu relógio pessoal), essas pessoas passam a semana com o sono atrasado. O jeito é aproveitar o fim de semana para compensar, embora raramente isso seja suficiente (veja no gráfico O Vai e Vem do Sono). Para as mais matutinas, é o contrário. Para acompanhar os amigos geralmente mais noturnos na festinha do fim de semana, elas forçam uma barra para ficar acordadas. “Eu até aguento ficar de pé até 2h, mas no dia seguinte desperto às 6h do mesmo jeito”, diz Lívia, madrugadora inveterada.
Como a semana tem mais dias de trabalho que de descanso, os mais prejudicados pela convenção do trabalho às 9h e da escola às 7h são os com tendências mais noturnas – justamente a maior parte da população. Um estudo com 500 pessoas publicado por Roenneberg em 2003 concluiu que, durante os dias de trabalho, as pessoas mais matutinas dormem, na média, duas horas mais cedo que os corujões, mas acordam apenas meia hora mais cedo do que eles. A cada semana útil, portanto, os indivíduos noturnos dormem cerca de 7,5 horas a menos que os madrugadores.
O jet lag social, definido pela diferença entre os horários de sono nos dias de trabalho e de descanso, é de duas horas ou mais para um terço dos cidadãos. Para 15%, o relógio interno está com mais de 3 horas de desajuste em relação ao social. A consequência é um problema sério de saúde pública. Pesquisas mostram, por exemplo, que o tabagismo atinge 15% das pessoas que devem uma hora de sono por dia. Se a falta de sincronia aumenta para 5 horas ou mais, o uso de cigarro pula para 60%. O uso de drogas é interpretado como forma de medicar sintomas causados pela falta de sincronia, como a depressão. “Quanto maior a diferença entre o ritmo social e o interno, mais sintomas depressivos são relatados”, diz a médica da UFRGS Rosa Levandowski, que pesquisou essa relação em mais de 4 mil brasileiros.
As maiores vítimas da falta de compasso entre o tempo social e o interno são os que trabalham em turnos — sempre à noite, ou a cada semana em um horário. É como se eles estivessem sempre circulando entre cidades de fusos diferentes. Quando seu corpo começa a se acostumar com a hora local, eles viajam de novo. Esse tipo de trabalho é, inclusive, uma tendência atual, com cada vez mais empresas que não podem parar. Uma plataforma de petróleo é muito cara para ficar parada todas as noites. Então suas equipes de manutenção se revezam em turnos para que ela funcione 24 horas, 7 dias por semana. A economia mundial agradece, a saúde pública sofre.
Dezenas de pesquisas já mostraram a relação entre o trabalho em turno e maiores incidências de úlcera, obesidade, diabetes, doenças cardíacas, câncer de mama e de cólon. Um estudo com enfermeiras publicado em 2001 na revista do National Institute of Cancer (EUA), por exemplo, mostrou que a probabilidade de câncer de mama em mulheres que trabalhavam à noite era até 50% maior do que a média. Outro levantamento, publicado em fevereiro, mostrou que trabalhadores húngaros que faziam o turno da noite tinham maiores índices de sobrepeso e hipertensão, fatores de risco para doenças cardíacas. Estudo semelhante da Universidade Harvard, de 2011, identificou maior risco de diabetes em mulheres que trabalham à noite.
Perdidos no tempo // Créditos: carlo Giovani
Ajustando os ponteiros
“As
autoridades deveriam encarar isso como um sério problema de saúde e
testar opções. Até agora, não se fez o suficiente sobre isso”, diz Yavuz
Selvi, médico especializado em distúrbios do sono da universidade
Yuzuncu Yil, na Turquia. Como todos os especialistas da área, ele
defende uma reorganização do tempo e dar maior flexibilidade às pessoas
para escolher seus turnos de escola e trabalho. O cientista chama a
atenção para o fato de que isso não serviria apenas para prevenir
doenças, mas para melhorar o desempenho escolar e profissional da
população. “O jet lag social cria uma falta de sono que também causa
acidentes e problemas sérios de concentração, de aprendizado e de
memória.”
Quem já foi (ou é) adolescente, sabe bem do que Selvi está falando. Essa é a fase mais noturna de nossa vida, como dito antes; logo, a mais difícil de se manter acordado durante a manhã. Gabriel Justo, 17, aluno do 3º ano do ensino médio, precisava acordar às 6h para estar às 7h na escola, pelo menos fisicamente. “Fico meio sonolento, mas estou lá”, diz o garoto, observando que o ideal para ele seria dormir à 1h e acordar às 9h. Estudando tão cedo, ele se compara a um carro velho num dia frio. “Preciso esquentar pra funcionar direito.”
Alguns estudos já estão chamando a atenção para os benefícios de um possível reajuste de horários. Uma pesquisa israelense publicada ano passado analisou a performance de dois grupos de alunos de 14 anos em testes diários de atenção e matemática, durante duas semanas. Na primeira, metade dos jovens podia começar as aulas uma hora mais tarde que o normal, às 8h30. Na segunda, voltaram ao horário tradicional. Seus níveis de atenção e de acertos foram significativamente maiores nos dias de horário experimental, comparados com os da outra semana e com os resultados da outra metade do grupo, que passou a semana inteira acordando cedo.
De olho em resultados como esse, alguns colégios na Alemanha estão testando mudanças de horário. Na Dinamarca, a escola Centret Efterslaegten foi ainda mais longe e aboliu completamente o horário das aulas — os alunos chegam e vão embora quando acham melhor. Cientistas estão acompanhando os resultados nos dois países, mas nenhum foi publicado, ainda.
Enquanto a importância de respeitar seu relógio interno não é reconhecida e os horários continuam, o jeito é minimizar os problemas do jet lag social tentando adaptar seus horários durante a semana ao seu cronotipo, e salvar todas as horas de sono que puder. No quadro à esquerda, levantamos algumas dicas de como fazer isso. A maioria delas passa por estabelecer uma relação mais direta com o Sol — a vida nas grandes cidades deixa as pessoas ainda mais noturnas por causa da pequena quantidade de tempo que elas passam sob a luz natural. Não chega a ser uma surpresa. Afinal, o seu relógio biológico foi feito para conversar com ele.
Quem já foi (ou é) adolescente, sabe bem do que Selvi está falando. Essa é a fase mais noturna de nossa vida, como dito antes; logo, a mais difícil de se manter acordado durante a manhã. Gabriel Justo, 17, aluno do 3º ano do ensino médio, precisava acordar às 6h para estar às 7h na escola, pelo menos fisicamente. “Fico meio sonolento, mas estou lá”, diz o garoto, observando que o ideal para ele seria dormir à 1h e acordar às 9h. Estudando tão cedo, ele se compara a um carro velho num dia frio. “Preciso esquentar pra funcionar direito.”
Alguns estudos já estão chamando a atenção para os benefícios de um possível reajuste de horários. Uma pesquisa israelense publicada ano passado analisou a performance de dois grupos de alunos de 14 anos em testes diários de atenção e matemática, durante duas semanas. Na primeira, metade dos jovens podia começar as aulas uma hora mais tarde que o normal, às 8h30. Na segunda, voltaram ao horário tradicional. Seus níveis de atenção e de acertos foram significativamente maiores nos dias de horário experimental, comparados com os da outra semana e com os resultados da outra metade do grupo, que passou a semana inteira acordando cedo.
De olho em resultados como esse, alguns colégios na Alemanha estão testando mudanças de horário. Na Dinamarca, a escola Centret Efterslaegten foi ainda mais longe e aboliu completamente o horário das aulas — os alunos chegam e vão embora quando acham melhor. Cientistas estão acompanhando os resultados nos dois países, mas nenhum foi publicado, ainda.
Enquanto a importância de respeitar seu relógio interno não é reconhecida e os horários continuam, o jeito é minimizar os problemas do jet lag social tentando adaptar seus horários durante a semana ao seu cronotipo, e salvar todas as horas de sono que puder. No quadro à esquerda, levantamos algumas dicas de como fazer isso. A maioria delas passa por estabelecer uma relação mais direta com o Sol — a vida nas grandes cidades deixa as pessoas ainda mais noturnas por causa da pequena quantidade de tempo que elas passam sob a luz natural. Não chega a ser uma surpresa. Afinal, o seu relógio biológico foi feito para conversar com ele.
Faça o teste aqui e descubra como é o seu relógio biológico!
Fonte: Revista Galileu
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